Resumo: O Sistema Penitenciário Brasileiro é cenário de desrespeito e afronta a direitos e garantias individuais dos seres humanos que se encontram presos. O Estado, único responsável por promover a efetividade desses direitos, tem falhado em sua função de garantir a integridade e dignidade do indivíduo preso. Pessoas são obrigadas a permanecerem em ambientes precários e insalubres e são submetidas a tratamento desumano e degradante ao serem amontoadas em celas superlotadas, além disso, têm suprimidos seus direitos à segurança, integridade e individualidade. A Constituição Federal de 1988 estabelece a igualdade de todos perante a lei e ainda garante aos presos o direito à sua integridade física e moral. A Declaração Universal dos Direitos do Homem considera que o reconhecimento da dignidade é inerente a todos os membros da família humana e que toda pessoa tem direito a vida e à segurança pessoal. As Regras Mínimas da ONU para Tratamento de Prisioneiros estabelecem princípios e direitos, consagrados universalmente, relacionados à organização penitenciária e ao tratamento direcionado a prisioneiros. A Lei de Execução Penal – LEP – define que o condenado seja submetido a isolamento noturno em cela individual que contenha 6m² e condições de salubridade. A individualização da cela não deve ser vista como uma forma de sanção, como ocorre no Regime Disciplinar Diferenciado – RDD -, pois é meio eficaz de promover a efetividade de direitos e garantias do indivíduo preso. A maioria dos presídios conta com celas coletivas o que tira do condenado o sentimento de ser individual. A partir da individualização das celas o Estado terá maior controle do condenado sem desrespeitar os Direitos Humanos. A reestruturação física dos presídios é necessária para viabilizar o processo de recuperação do preso através dos programas de assistência previstos na LEP. Não existem falhas na lei que justifiquem as atrocidades que ocorrem nos estabelecimentos penais brasileiros, há sim afronta direta a princípios e direitos consagrados em âmbito nacional e internacional.
Palavras-chave: Sistema Penitenciário; Individualização das Celas; Integridade do Preso; Responsabilidade do Estado.
Abstract: The Brazilian Penitentiary System is the scene of disrespect and affront to individual rights and guarantees of human beings who are in prison. The State, only responsible for promoting the effectiveness of these rights, have failed in their task of keeping the integrity and dignity of the arrested person. People are forced to remain in poor and unhealthy environments and are subjected to inhuman and degrading treatment by being crammed into overcrowded cells, moreover, have suppressed their rights to security, integrity and individuality. The Federal Constitution of 1988 establishes the equality of all before the law and still guarantees the right of prisoners to their physical and moral integrity. The Universal Declaration of Human Rights considers that the recognition of the dignity inherent to all members of the human family and that everyone has the right to life and personal safety. The UN Standard Minimum Rules for the Treatment of Prisoners provide principles and rights, universally recognized, the organization related to the prison and targeted treatment to prisoners. The Penal Execution Law – PEL – defines the convict is subjected to single cell in isolation night containing 6m ² and health conditions. The individualization of the cell should not be seen as a form of sanction, as in the Differentiated Disciplinary Regime – DDR – because it is an effective means of promoting the effectiveness of rights and guarantees of the convict. Most prisons has collective cells which takes away of the convict the feeling of being individual person. Since the individualization of cells from the State will have greater control of the offender without violating Human Rights. The physical restructuring of prisons is necessary to enable the recovery process of an offender through assistance programs provided for PEL. There are no flaws in the law to justify the atrocities that occur in Brazilian prisons, but there´s direct affront to principles and rights consecrated in national and international level.
Keywords: Penitentiary System; Individualization of Cells; Arrested Integrity, Responsibility of the State.
Sumário: 1. Introdução. 2. A responsabilidade do estado frente à integridade física e moral do detento. 3. A realidade do sistema penitenciário brasileiro. 4. Amparo legal. 5. A individualização das celas nos estabelecimentos penais brasileiros. 6. Conclusão. Referência bibliográfica
1. Introdução
O Sistema Penitenciário Brasileiro reflete uma triste realidade de desrespeito a princípios consagrados constitucionalmente. Além disso, sua função fim, que é de restituir o indivíduo recuperado ao convívio social, não tem sido cumprida.
A estrutura física dos estabelecimentos prisionais brasileiros não coopera para o desenvolvimento de atividades que propiciem a recuperação do detento, nem tão pouco para que sua integridade física e moral sejam asseguradas. As celas, que deveriam ser individuais – como previsto na Lei de Execução Penal (LEP) – são coletivas e normalmente superlotadas.
O Sistema Penitenciário Brasileiro tem histórico de violação das garantias constitucionais da pessoa humana. A superlotação dos presídios bem como as condições sub-humanas às quais os presos são submetidos são problemáticas nacionais. Uma estrutura física com celas individuais, adequada às condições humanas, contribuiria para a preservação da integridade física e moral do preso?
O Sistema Penitenciário Brasileiro é assunto de debate dos órgãos internacionais de direitos humanos. A superlotação dos presídios e em especial das celas e conseqüentemente o tratamento recebido pelos detentos durante todo período de cumprimento da pena é uma afronta declarada aos princípios que regem o Direito Brasileiro e Internacional.
O inciso XLIX do artigo 5º da Constituição Federal Brasileira de 1988 garante aos presos o respeito à integridade física e moral; garantia esta que deve ser assegurada pelo Estado, único detentor do direito de punir – jus puniendi. Todavia, o primeiro passo para alcançar tal garantia é uma eficaz reestruturação física dos presídios através da individualização das celas.
O Objetivo Geral deste Artigo Jurídico é analisar se a existência de celas individuais viabilizaria um efetivo processo de preservação da integridade do preso; para isso foram estabelecidos os seguintes objetivos específicos: avaliar a responsabilidade do Estado quanto à integridade física e moral dos detentos; analisar a realidade do Sistema Penitenciário Brasileiro; verificar o amparo legal e analisar a importância de celas individuais nos estabelecimentos penais como forma de garantir a integridade do preso.
2. A responsabilidade do estado frente à integridade física e moral do detento
Diante da proibição expressa no Direito Brasileiro de se fazer justiça pelas próprias mãos, o Estado se tornou exclusivo detentor do jus puniendi, ou seja, direito de punir. Desta forma, conforme descrito no artigo 345 do Código Penal constitui crime fazer justiça pelas próprias mãos, ainda que para satisfazer pretensão legítima:
“Art.345. Fazer justiça pelas próprias mãos, para satisfazer pretensão, embora legítima, salvo quando a lei o permite:
Pena – detenção, de quinze dias a um mês, ou multa, além de pena correspondente à violência.
Parágrafo único – Se não há emprego de violência, somente se procede mediante queixa.”
Assim, o papel do Estado não é apenas garantir que aqueles que incorrem no crime sejam punidos, mas que esta punição seja aplicada de forma proporcional, com o intuito de garantir a manutenção da justiça. Isso implica em propiciar um ambiente carcerário onde a pessoa condenada possa cumprir sua pena, na medida do que lhe foi imposta e que não seja submetida a condições sub-humanas, e nem sofra restrições que não sejam impostas por lei.
É importante enfatizar que após o encarceramento o Estado exercerá a tutela do preso e terá a responsabilidade e autonomia sobre questões relacionadas a acomodação, alimentação, higiene, saúde, formação pessoal, reeducação e ressocialização. Essas questões estão diretamente relacionadas à manutenção das integridades física e moral do detento.
Tais itens incentivadores da devida correção de detentos são comumente ignorados e descartados; Pareta Júnior (2005) relembra quando presos enfermos do Hospital Vila Nova, de Porto Alegre-RS, foram acorrentados a suas camas. A mídia nacional divulgou o fato como uma grave ofensa à dignidade da pessoa humana.
Pareta Júnior (2005) acrescenta que “tanto os condenados ao cumprimento de pena de reclusão em regime fechado, quanto os presos provisórios, estão passando por forte humilhação, que inevitavelmente causará danos à sua integridade moral e física”.
O artigo 38 do Código Penal impõe às autoridades o respeito à integridade física e moral do preso, pois este conserva todos os direitos não atingidos pela perda da liberdade. Cabe, portanto ao Estado promover a garantia real dos diretos de seus tutelados.
No entanto, é clara a negligência do Estado frente ao seu papel de garantir a integridade física e moral dos presos. O descaso quanto a questões de ambiente salubre, intimidade e individualidade é assunto que reflete diretamente no sentimento de dignidade da pessoa humana, princípio e garantia constitucional que é ignorado pelo Estado.
Neste sentido Rosa (2005) explica que:
“A responsabilidade do Estado, ou como preferem alguns da Administração Pública, alcança também os atos decorrentes da omissão do Poder Público na preservação dos direitos e garantias fundamentais, sem os quais o status de dignidade a todos assegurado perde o seu sentido.”
O Estado Brasileiro se constitui em Estado Democrático de Direito o que implica em um Estado que impõe a todos, administradores e administrados, a Lei, ou seja, o Estado é limitado pelas próprias leis que cria. E, além disso, é um Estado regido por princípios que norteiam todos os seus atos.
São estes princípios, expressos na Lei Maior que legitimam todas as outras normas infraconstitucionais. Desta forma, qualquer lei ou ato que afronte tais princípios é passível de nulidade. Entre estes valores encontra-se a dignidade da pessoa humana, que deve nortear todos os atos do Estado sobre aqueles que se encontram sob a sua responsabilidade.
O artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal define que:
“Art. 1º. A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamento:
III – a dignidade da pessoa humana;”
O poder de punir do Estado, mesmo que seja exclusivo, é discricionário, ou seja, encontra limitações na lei. Todo tratamento oferecido aos presos e ainda a estrutura física dos presídios devem cumprir às exigências da Constituição Federal, da Declaração Universal dos Direitos Humanos e da Lei de Execução Penal.
O poder discricionário do Estado não abrange a liberdade de desconsiderar princípios Constitucionais e nem tão pouco de afrontá-los. O amontoamento de pessoas em ambientes pequenos e insalubres é uma declaração de desrespeito ao Ordenamento Jurídico Brasileiro, ao Direito Internacional e principalmente à pessoa humana.
“Os presos que tiveram a sua condenação (conforme disposto no art. 87 da Lei de Execução Penal), com absoluta certeza não foram condenados à serem tratados como desumanos, forçados a utilizarem peças de ferro acorrentando-os às camas, mesmo que, dentro de celas protegidas por fortes grades e portões (o que, por sua vez, já inviabiliza-ria uma possível tentativa de fuga).
No caso dos presos provisórios, o absurdo torna-se ainda mais explícito, pois diante da presunção de inocência, ou seja, um ser humano, que até o momento é considerado inocente, estaria preso pelos pés, através de pesadas correntes de ferro e grandes cadeados, em pleno século XXI.” (PARETA JÚNIOR, 2005).
A estrutura física da maioria dos presídios brasileiros dispõe de celas coletivas superlotadas e sem as condições básicas de higiene. Isso reflete a importância que o Estado tem dado aos direitos do preso, que não perde sua condição de humano depois de condenado.
Torna-se inquestionável a responsabilidade do Estado frente à integridade física e moral do preso durante todo cumprimento da pena, uma vez que é o único detentor do poder-dever de punir.
3. A REALIDADE DO SISTEMA PENITENCIÁRIO BRASILEIRO
O Sistema Penitenciário Brasileiro tem histórico de superlotação dos estabelecimentos e das celas. Dados do Departamento Penitenciário Nacional (Depen) do Ministério da Justiça registram que em 10 anos, no período compreendido entre 1995 e 2005 a população carcerária do Brasil teve acréscimo de 143,91%, representando um salto de 148 mil presos para mais de 361 mil.
Em 2009 esse número chegou a 473.626 presos conforme dados consolidados do Sistema Penitenciário no Brasil 2008/2009, disponibilizados pelo Ministério da Justiça:
Neste período o Sistema Penitenciário contava com 294.684 vagas, ou seja, já apresentava um déficit de mais de 170 mil.
Os Estabelecimentos Penais, de forma geral, funcionam com lotação acima do limite previsto e não oferecem condições básicas de vida. Neste sentido enfatiza Streck (1995):
“Os presos são normalmente forçados a permanecer em terríveis condições de vida nos presídios. Devido à superlotação, muitos deles dormem no chão das celas, às vezes no banheiro, próximo do buraco de esgoto. Nos estabelecimentos mais lotados, onde não existe espaço livre nem no chão, presos dormem amarrados às grades das celas ou pendurados em redes. A maior parte dos estabelecimentos penais conta com uma estrutura física deteriorada, alguns de forma bastante grave”.
Com superlotação, e um maior contato entre os presos, as rebeliões são freqüentes no cenário brasileiro, o que demonstra a ausência de controle do Estado sobre os presos.
Pimentel (2008) explica que:
“As rebeliões por vezes desvelam práticas irregulares verificadas na rotina de um estabelecimento prisional: a superlotação, celas escuras e fétidas, a ausência de serviços médicos, a alimentação precária e práticas de tortura por parte da equipe de segurança. As rebeliões expressam, ainda, as arbitrariedades praticadas pelos custodiadores “envolvendo desde extorsão, corrupção e tráfico [de drogas e/ou informações até o aviltamento de familiares de presos” (SALLA, 2001 apud PIMENTEL, 2008).
Domingo Espetacular (2007) demonstra a realidade nos presídios de forma clara; presos ficam acorrentados e passam dias sem tomar banho, são amontoados nas celas e precisam se revezar para deitar. Alguns presos relatam que não vêm o sol há mais de 8 meses. As condições de higiene são precárias. O ambiente é insalubre, propício a proliferação de doenças.
A consequência desse desrespeito à condição humana do preso é a falência do Sistema Penitenciário Brasileiro que, conforme De Assis (2003), apresenta um elevado índice de reincidência – quase 90% – o que caracteriza um reflexo direto, aos presos, do tratamento oferecido e das condições as quais foram submetidos durante o cumprimento de suas penas.
Os estabelecimentos penais têm funcionado ao longo de décadas como depósito de seres humanos. Pessoas que cometeram crimes, e estão pagando uma pena extremamente superior à que lhes foi imposta na sentença, com a privação de segurança, ambiente salubre e intimidade.
A condição humana dos presos é desprezada. Seus direitos básicos estabelecidos constitucionalmente são ignorados. São maltratados, desrespeitados em sua dignidade, o que caracteriza violação direta dos Direitos Humanos.
Sá (2000) explica que Direitos Humanos dos presos:
“[…] é perseguir e exigir a exploração da compreensão da Lei de Execuções Penais e seu aprofundamento na sociedade, em todas as suas implicações; é perseguir a individualização da execução de sua pena, adequando-a melhor possível ao seu perfil pessoal, conforme prevista na Lei de Execuções Penais e dar-lhes condições de usufruir os benefícios previstos em lei.”
O Sistema Penitenciário Brasileiro é falho por não atingir a finalidade para qual existe: a punição proporcional ao delito cometido e a recuperação de pessoas marginalizadas. Por outro lado tem alcançado um objetivo preocupante: a formação e especialização de criminosos.
Domingo Espetacular (2007) mostra um ambiente que instiga ódio, violência, revolta e realça um sentimento de exclusão social. Seres humanos são submetidos a viverem em meio ao lixo e em contato com ratos.
A superlotação das celas, além de afrontar a dignidade da pessoa humana, favorece agressão entre os presos que freqüentemente fazem reféns outros presos por problemas de convivência. Há relatos de pessoas serem esquartejadas dentro de celas.
O Estado Brasileiro tem falhado em sua função de garantir a integridade física e moral dos seres humanos que se encontram encarcerados. Pessoas morrem, têm seus direitos e garantias individuais suprimidos em um ambiente no qual o Estado é o responsável por estabelecer a ordem, a lei e a segurança.
4. AMPARO LEGAL
A Constituição Federal estabelece a igualdade de todos perante a lei. Segundo Brasil (1988):
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLIX – é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;”
É clara, portanto, a igualdade de todos quanto às garantias consagradas constitucionalmente. O preso é detentor de todos os direitos não atingidos pela sentença. Desta forma, tem garantida a inviolabilidade do direito à vida e à segurança, além de lhes ser assegurado o respeito à integridade física e moral.
Assim, a Execução Penal deve ocorrer de forma a cumprir a sentença e atentar para os princípios que norteiam o Ordenamento Jurídico Brasileiro, que garantem o respeito e a preservação da dignidade do homem.
A dignidade da pessoa humana é estabelecida como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil, conforme Brasil (1988):
“Art.1° A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
III – a dignidade da pessoa humana;”
Como fundamento, o princípio da dignidade da pessoa humana deve ser base para as demais normas constitucionais e infraconstitucionais, e para todos os atos do Estado. Toda lei ou ato que o afronte é inconstitucional.
A Carta Magna em seu artigo 3º, IV, estabelece como um dos objetivos da República Federativa do Brasil “promover o bem de todos sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. É indiscutível que o preso é detentor deste direito ao bem que deve ser promovido pelo Estado. Claro que sempre em observância as restrições que lhe foram impostas por lei através da sentença.
Nações Unidas (1948) considera “que o reconhecimento da dignidade” é inerente a todos os membros da família humana. Considera ainda “ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei”. Proclama a Declaração Universal dos Direitos do Homem, “como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações” e declara que “todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie” e ainda que “todo o homem tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal”.
Desta forma, o preso, como pessoa humana é protegido em sua integridade e dignidade por todos os ordenamentos jurídicos nacionais e internacionais. A questão é tão minuciosamente tratada que Nações Unidas (1955) adotaram “As Regras Mínimas para Tratamento de Prisioneiros” que partem de princípios e direitos consagrados universalmente e que visam estabelecer princípios relativos à organização penitenciária e ao tratamento direcionado a prisioneiros. A partir destas regras as celas ou quartos destinados ao isolamento noturno não deverão ser ocupadas por mais de um preso.
Neste mesmo sentido ainda há uma garantia apresentada por Brasil (1984) em referência à individualização das celas:
“Art. 88. O condenado será alojado em cela individual que conterá dormitório, aparelho sanitário e lavatório.
Parágrafo único. São requisitos básicos da unidade celular:
a) salubridade do ambiente pela concorrência dos fatores de aeração, insolação e condicionamento térmico adequado à existência humana;
b) área mínima de 6,00m2 (seis metros quadrados).” (Grifo meu).
É notório o cuidado do legislador em promover um ambiente condizente com as necessidades básicas do ser humano: espaço físico mínimo suficiente para manter o sentimento de ser individual, salubridade do ambiente e condições de higiene.
Além disso, a lei permite um ambiente propício à reflexão e ainda preserva a intimidade do condenado, ao individualizar as celas e determinar que ele seja submetido a isolamento noturno.
Assim, a proteção da integridade física do preso é assunto consolidado na Constituição Federal, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, nas Regras Mínimas das Nações Unidas para Tratamento de Prisioneiros e na Lei de Execução Penal.
Não existe deficiência de lei para justificar a realidade do Sistema Penitenciário Brasileiro; há sim o desrespeito exacerbado das leis, dos princípios e do direito.
5. A INDIVIDUALIZAÇÃO DAS CELAS NOS ESTABELECIMENTOS PENAIS BRASILEIROS
O alojamento de uma grande quantidade de presos em uma única cela propicia a troca de experiências, motins, rebeliões e violência. Além disso, torna inviável o processo de ressocialização. O acesso aos presos se torna arriscado para os agentes e as ações destinadas à recuperação do indivíduo tornam-se impraticáveis.
O amontoamento de pessoas condenadas em um ambiente hostil, em condições desumanas só corrobora um sentimento de revolta, exclusão social e de incitamento à prática delituosa.
Recondo (2011) informa que:
“Para evitar novas condenações internacionais ao Brasil por violações aos direitos humanos, o governo quer, em três anos, criar 42,5 mil vagas no sistema penitenciário com a liberação de R$ 1,1 bilhão para os governos estaduais construírem e ampliarem os presídios já existentes.”
Ainda segundo Recondo (ibidem) o Ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, afirma que: “não se dará tratamento humano a quem está preso se não ampliarmos o nosso sistema prisional”.
Em novembro de 2011 o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN) e o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) concluíram as “Diretrizes Básicas para a Arquitetura Penal”, onde são estabelecidos os padrões a serem seguidos na construção de estabelecimentos penais.
Ministério da Justiça (2011, p. 25, a. d) conceitua penitenciárias como: “estabelecimentos penais destinados ao recolhimento de pessoas presas com condenação à pena privativa de liberdade em regime fechado, dotadas de celas individuais e coletivas” (grifo meu). Ou seja, nas novas penitenciárias e nas antigas que serão reformadas ainda vigorará o sistema de celas coletivas.
É óbvio que o custo de uma penitenciária dotada de celas individuais, dentro dos critérios estabelecidos pela LEP, será maior do que o de uma dotada de celas coletivas. Mas certamente não será tão oneroso quanto o custo social dos altos índices de reincidência, do aumento constante da criminalidade e do desrespeito ao ser humano.
O uso de celas, que inicialmente eram para ocupação individual, é analisado por Moura (2009):
“Ao invés de manter um preso por cela, as celas individuais são normalmente usadas para dois ou mais detentos. Alem de celas individuais, grande parte dos presídios possuem celas grandes ou dormitórios que foram especificamente planejados para convivência em grupo.
Muitos estabelecimentos penais, bem como muitas celas e dormitórios têm de duas a cinco vezes mais ocupação do que a capacidade prevista pêlos projetos. Em alguns estabelecimentos, a superlotação atingiu níveis desumanos, com presos amontoados em grupos. É comum na maioria dos presídios brasileiros cenas de presos amarrados às janelas para aliviar a demanda por espaço no chão. Essa superlotação gera sujeira, odores fétidos, ratos e insetos, agravando as tensões entre os presos.
Sabe-se que os detentos são responsáveis por manter as dependências limpas e, obviamente, alguns fazem o trabalho melhor que outros: quanto mais lotada a cela, mais difícil a tarefa. Por essas e outras razões, é que ninguém se cansa de ver quase diariamente as rebeliões nos presídios, as continuadas tentativas de fugas, a depredação dos ambientes prisionais, as negociações com autoridades, a inquietude nas penitenciárias brasileiras.”
Conforme Brasil (1984) em seu artigo 52 que recebeu nova redação por Brasil (2003) a cela individual caracteriza o Regime Disciplinar Diferenciado (RDD), uma forma de sanção para presos que ocasionem subversão da ordem ou disciplina internas. Desta forma se faz necessário analisar que o artigo 88 (BRASIL, 1984) já estabelece que o condenado seja alojado em cela individual, contendo área mínima de 6,00 m² e salubridade do ambiente. Assim, o alojamento do preso em cela individual é abordado, pela mesma lei, como forma de sanção disciplinar e como condição normal de encarceramento do condenado.
No entanto, o isolamento noturno do preso em cela individual não deve ser visto como uma forma de punição, mas como uma forma de respeitar sua individualidade, intimidade e resguardar sua integridade. No processo de recuperação é imprescindível que ele tenha seu espaço e se sinta pessoa diante do sistema.
Moutinho (2003) discorre sobre o Direito dos Presos na tentativa de diminuir a violência e essa ideia é com fins de que a liberdade deve prevalecer sob a prisão, além das garantias individuais sob a necessidade de cumprir penas. Aos presos é garantido o direito à divergência, à discordância, o não acatamento da ordem que afete seus direitos individuais não atingidos pela sentença, mantém enfim, sua cidadania.
A reestruturação física dos Estabelecimentos Penais se faz necessária para que seja possível desenvolver as ações previstas na LEP: a assistência material, social, jurídica, religiosa, educacional, à saúde e ao egresso. Atualmente é impossível desenvolvê-las de forma segura e eficaz, pois é evidente que a maioria dos estabelecimentos existentes não foi projetada para este fim.
É inquestionável a maior facilidade de controlar um homem ao invés de vários em uma cela. Assim, a cela individual promoverá um maior controle do Estado no ambiente carcerário, isso sem desrespeitar os Direitos Humanos e ainda garantirá a integridade do preso durante o período em que este não estiver sendo monitorado.
6. CONCLUSÃO
A problemática do Sistema Penitenciário Brasileiro caracteriza afronta e desrespeito aos Direitos Humanos; estruturas físicas precárias, ausência de condições de higiene e salubridade, amontoamento de pessoas e maus tratos são realidade das pessoas que se encontram encarceradas.
A integridade física e moral do preso é claramente responsabilidade do Estado, pois é ele que exerce a tutela do indivíduo durante todo período de cumprimento da pena.
O Brasil se constitui em Estado Democrático de Direito, ou seja, é limitado pelas próprias leis que cria e não pode ignorar princípios e direitos individuais instituídos na Carta Magna.
Na problemática penitenciária o Estado não tem figurado em sua função precípua de estabelecer a ordem e a lei, antes, tem transgredido em princípios e direitos que ele mesmo instituiu como fundamentais, logo, dentro dos estabelecimentos penais o maior transgressor não é o preso.
Não existe nenhuma lei, nacional ou internacional, que estabeleça a perda da condição humana de um indivíduo em razão da prática de crime. Existem sim princípios, declarações e regras que primam pela dignidade do ser humano. O indivíduo preso é titular de direitos e garantias estabelecidos na Constituição Federal, na Declaração Universal dos Direitos do Homem, na Lei de Execução Penal e nas Regras Mínimas da ONU para Tratamento de Prisioneiros.
As estruturas físicas dos estabelecimentos penais devem além de preservar a vida, a segurança e a integridade dos presos, propiciarem um ambiente que possibilite o desenvolvimento das assistências previstas na Lei de Execução Penal que visam a recuperação e a ressocialização do indivíduo. O isolamento do preso não deve ser utilizado como forma de sanção, mas como condição normal de encarceramento do condenado.
As celas individuais são o meio mais eficaz do Estado exercer a tutela sobre os seres humanos presos sem com isso praticar crimes contra os Direitos Humanos, além de efetivar a preservação da integridade física e moral do preso.
Informações Sobre o Autor
Olívia Coêlho Bastos Borges Sobrinho
Bacharel em Direito; pós-graduanda em Direito Penal e Processo Penal; cabo do Corpo de Bombeiros Militar do Tocantins