A indústria de processos judiciais


Recentemente o CNJ concluiu que não houve mudança significativa na quantidade de processos no país apesar da “Reforma Judicial e Processual”. A conclusão é verídica, mas é preciso externar as obscuras causas. Na verdade, não há o menor interesse do setor jurídico em reduzir a quantidade de processos, afinal existe uma “máquina jurídico-burocrática” que sobrevive à custa desses processos. Se acabarem os processos e as demandas, o sistema não está preparado para uma concepção cultural de acesso ao direito. Logo, tudo que simplifica é considerado como “inseguro” e “inconstitucional”. Afinal, é o que alguns autores chamam de “especialistas”, ou seja, se são especialistas em vitrolas, não têm interesse que as mesmas sejam substituídas por outra tecnologia, pois senão podem deixar de ser especialistas. Um exemplo disso é o preconceito que o bacharel em Direito encara o Juizado Especial, afinal este quebrou mitos de uma excessiva idolatria aos ritos processuais e já responde por mais da metade dos processos no país, mas o meio jurídico o discrimina, embora a população veja com bons olhos. É bom dizer que o mundo jurídico não é muito afeito a pesquisas, normalmente não valoriza números e justifica com casos isolados uma suposta estrutura de “segurança processual”. Isto é, seria como todos terem que colocar pára-raios em casa, mesmo que o risco seja de um caso em dez milhões de ser atingido por um raio no domicílio. Imagine os fóruns como hospitais e sem auditoria para limitar os gastos, logo quanto mais pessoas internadas, mais se contrata, mais se paga em honorários e salários, logo não há interesse em meios de prevenção das “doenças”, pois reduz as internações. Além disso, há um certo monopólio de bacharéis em Direito no meio judicial, por isso os meios extrajudiciais são praticamente ignorados, afinal neste segmento informal não há verbas reservada e nem monopólio. Apesar de nas Faculdades de Direito não se orientar para a conciliação e priorizar as demandas judiciais, recentemente vive-se uma disputa de bastidores para se tentar tornar o cargo de conciliador como privativo de bacharéis em Direito. Outro grande problema é a falta de controle algum sobre a gratuidade judicial, um instrumento que tem servido apenas para enriquecer o meio jurídico e a classe média, pois são gastos mais de dois bilhões de reais ao ano, o que daria para construir duzentas mil casas populares e beneficiar um milhão de carentes ao ano. Afinal, quem está obtendo gratuidade judicial é a classe média e alta, o que contribui para a movimentação da “máquina judicial”. De forma paradoxal, o pobre tem que pagar para obter CPF, Carteira de Identidade, Carteira de Motorista para trabalhar, mas concede-se gratuidade judicial nos Juizados Especiais para se discutir dano moral em show. Na verdade, o pobre não tem o que pedir judicialmente e ainda dizem que é preciso criar um órgão de defesa do carente judicialmente, mas comandado e dirigido por uma elite classista e corporativa. E o bacharel em Direito acredita que isso é Justiça, afinal se movimenta a máquina judicial o meio jurídico acaba lucrando. O acesso ao meio (judiciário) tornou-se mais importante que o fim (acesso ao direito). Ou seja, o sistema jurídico coloca-se numa posição de monopólio de acesso à justiça que inexiste, pois o importante deveria ser o acesso ao direito. Aliás, é fácil acessar o Judiciário, o difícil é sair do labirinto processual e da burocracia. Nesse diapasão não há muito interesse em soluções coletivas e sociais, pois é o processo individual (varejo) que mantém a máquina em funcionamento. Quando falam em acesso ao Judiciário, não é a parte em si, mas de alguma carreira jurídica. Ao cidadão nega-se o direito FUNDAMENTAL de se dirigir DIRETAMENTE ao Judiciário, apesar de os Tratados Internacionais assegurarem expressamente esse direito e nenhuma norma constitucional excluir o mesmo, pois seria uma redução da cidadania plena. No entanto, “interpretam” um artigo que nada tem a ver, como se negasse esse direito. Em suma, tudo que interessa ao meio jurídico é constitucional, e tudo que prejudica é inconstitucional. Por mais absurda que seja a interpretação, passa a ser natural. Isso é uma violação aos direitos humanos. Basta citar que exigem do Juiz leigo mais tempo de experiência do que o juiz de carreira, respectivamente cinco anos e três anos de experiência, mas questiona-se apenas o prazo de três anos, pois o objetivo é que não haja juízes leigos, pois isso não interessa ao bacharel em Direito, inclusive regulamentaram a lei no sentido de restringir essa função criando requisitos excessivos para que não seja possível o preenchimento. O processo tornou-se em meio de poder do bacharel em Direito. As partes são colocadas em segundo plano. Geralmente nem são citadas nos atos jurídicos. Quando muito são coadjuvantes, mas normalmente são apenas platéia. Não participam nem no aspecto administrativo e até mesmo processual. Em suma, deixam de ter autonomia. Assim, de forma paradoxal se simplifica o processo o bacharel em Direito reclama de falta de segurança; se não simplifica reclama da lentidão. Mas, o receio é que processo simples quebra mitos de uma suposta complexidade. A rigor, alguém cria uma tese e desenvolve um trabalho jurídico e os demais apenas copiam e atuam como despachantes, o ideal seria dividir essas funções, porém isso não interessa a muitos. É comum alegar que Estado é o grande litigante, mas quando este tenta reduzir os processos judiciais com meios extrajudiciais como o Protesto Fiscal ou estimulando as súmulas vinculantes, provoca-se uma gritaria geral no meio jurídico, o qual incomoda-se muito mais com esse mercado de trabalho do que com as favelas em nosso país. Exemplificando, a reconciliação do casal não gera demanda para o meio jurídico, mas o divórcio sim, logo por mais que neguem, o sistema acaba não tendo interesse na reconciliação, exceto se for em algum processo judicial. A solução é começar a remunerar mecanismos de mediação e de informação sobre direitos, mas é difícil mudar uma cultura secular estruturada para uma atividade de litígio. Em suma, a questão do excesso de processos somente será resolvida com pressões externas. O ideal seria: 1) Investir recurso público para os meios extrajudiciais como conciliação, mediação e arbitragem, inclusive com a participação efetiva das comunidades carentes, inclusive no âmbito municipal e de entidades associativas. 2) Quem perder causa patrimonial pagaria 100% de multa e esse valor iria para o fundo de combate à pobreza (justiça social e solidária). 3) Moral não pode ser apropriada, logo as indenizações por dano moral iriam para o fundo de combate à pobreza (puniria o infrator, mas não haveria apropriação, ou seja, justiça social e solidária). 4) Implantar os Agentes Comunitários de Justiça em todas as cidades do país, de forma similar aos Agentes Comunitários de Saúde. 5) Criar regras mais objetivas para se conceder e fiscalizar a gratuidade judicial, pois atualmente verifica-se verdadeiros abusos. 6) Juros fixados judicialmente deveriam ser os mais altos do mercado, para desestimular o devedor a atrasar o processo e ter lucros bancários. 7) Publicar a produtividade individual na internet, bem como os resultados obtidos. 8) Uniformizar entendimentos jurídicos.



Informações Sobre o Autor

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André Luís Alves de Melo

Mestre em Direito Público pela Unifran e Promotor de Justiça em Estrela do Sul MG, pesquisador jurídico


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