A inércia do legislador em regulamentar os juros de 12% da Constituição da República: Cabe indenização?

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1. Introdução

A Constituição da República limitou a
cobrança de juros pelo Sistema Financeiro em 12% ao ano, entretanto, o Supremo
Tribunal Federal entendeu que a limitação dependeria da edição de ato do
legislador regulamentando a matéria.

A posição do Supremo Tribunal Federal
causou perplexidade na comunidade jurídica, em especial no campo doutrinário,
que já havia pacificado o entendimento de que nada existia a regulamentar e que
a norma era plenamente aplicável.

Depois da decisão do STF, e diante da inércia
do legislador em editar o ato, foram adotados pelos legitimados os remédios
jurídicos próprios: Mandado de injunção e Ação Direta de Inconstitucionalidade
por omissão.

O Supremo Tribunal Federal reconheceu
em numerosos mandados de injunção a mora do legislador em editar o ato.

Surgiu então intenso debate naquela
Corte Maior no seguinte sentido: poderia o STF determinar a fixação de um prazo
para o legislador editar o ato, ou apenas deveria se limitar a
expedição de ofício dando ciência do estado de mora?

Para maior perplexidade da comunidade
jurídica o STF entendeu que na hipótese não poderia fixar prazo para a edição
do ato, pois como o STF é um Poder (Judiciário) não poderia fixar ao
legislativo, que é um outro poder, prazo para a edição do ato, além do que não
se tratava de ato administrativo, e concluiu que apenas poderia expedir, como foram expedidos, ofícios dando ciência ao
legislativo do seu estado de mora.

Acontece que, apesar dos numerosos
ofícios expedidos pelo STF ao legislativo, conclamando para editar o ato, e
informando sobre a reiterada mora, o legislativo continua inerte e sem editar o
esperado ato e, certamente, ao que parece, não o editará.

Diante desse quadro surge a indagação:
Caberia ação de indenização em face da União em decorrência dessa
reiterada mora?

2.
A
reação da doutrina com relação à inércia do legislativo

A inércia do legislador, com a nítida
intenção de favorecer aos bancos, tem provocado ácidas críticas no campo
doutrinário, o que se constata de trecho a seguir transcrito de editorial
publicado na Revista JUSTIÇA &  CIDADANIA:

É inconcebível que entre os 513 Deputados Federais e os 81
Senadores da República (excluídos obviamente os banqueiros, seus apaniguados e fâmulos do sistema
bancário), não existam Deputados ou Senadores que, conscientemente, continuem
permitindo e tolerando passivamente, condescendendo com a cupidez dos
banqueiros que se cevam com o lucro desmedido auferido através dos juros escorchantes, permitidos com a omissão e conivência dos
governantes.

Raia ao absurdo a constatação acintosa
dos benefícios concedidos aos bancos, que através de uma agiotagem cruel e
desenfreada obtêm lucros astronômicos de dezenas de bilhões de reais, em
verdadeiro atentado contra a realidade social e os interesses da Nação, em
detrimento e em escárnio do sofrido e desassistido
povo, representado por milhões de brasileiros, que além de passarem fome, estão
desprovidos de condições mínimas para viverem, sem moradia, sem saúde, sem
educação e meios com que possam sobreviver.

A Constituição de 1988, aguarda há treze anos a regulamentação do artigo 192,
parágrafo 3º, que limita os juros a 12% ao ano, o que se regulamentado,
impediria a escorcha financeira dos meios de produção e principalmente do povo
que, hoje, se quedam inertes e explorados pelos agiotas, donos de bancos e
financeiras.

Há meio século já se dizia que os ricos
cada vez ficavam mais ricos, e os pobres cada vez mais pobres.

Hoje, os ricos, principalmente os que
se locupletam em cargos públicos e aqueles que exploram o sistema bancário e
financeiro, já ultrapassaram a classe dos ricos, estando na categoria de
milionários e nababos, e os pobres, coitados, já não são mais pobres, são
miseráveis.

3. O posicionamento da doutrina
contrário a responsabilização Quando inexistente prazo
fixado para a edição do ato

Entendem alguns que o ato de legislar é
discricionário e a sua inércia não enseja responsabilização, salvo de fixado
prazo para a edição do ato como leciona MARISA HELENA D’ARBO ALVES DE
FREITAS
citando MARIA EMÍLIA MENDES ALCÂNTARA:

“MARIA EMÍLIA MENDES ALCÂNTARA,
analisando a omissão legislativa, estabelece como referencial para a obrigação
estatal de ressarcir os danos a fixação de prazo para
a emanação de normas complementares à Constituição. Sustenta que a
irresponsabilidade se põe quando ao Legislativo não for cominado prazo, sendo
pois conferida competência discricionária quanto ao momento da emanação de tal
ato. Todavia, havendo prazo, afigura-se indeclinável o direito do particular de
exigir indenização pelos danos ocasionados por essas omissões, uma vez que o
legislador não pode furtar-se a editar legislação que vise a tornar exeqüíveis
direitos garantidos constitucionalmente, fraudando essas garantias”.

4. O posicionamento da doutrina
favorável à indenização fulcrado exatamente na
impotência de fixação de prazo pelo Judiciário

Outros, entretanto, a nosso ver com
acerto, entendem que diante da impotência de o Judiciário em fixar prazo para a
edição do ato o caminho é a indenização no valor correspondente ao direito
obstaculizado em razão da inércia como se extrai da lição de  MAURÍCIO
JORGE MOTA
no seguinte sentido:

“O princípio da efetividade da
Constituição não se coaduna com a existência de espaços vazios não normatizados. Se o exercício de um
direito constitucionalmente assegurado está sendo obstaculizado pela ausência
de norma regulamentadora, numa omissão
inconstitucional, e se ao Judiciário falece competência para suprir a lacuna no
caso concreto por falta de densidade sêmica da norma
constitucional, a situação deverá se resolver no âmbito da responsabilidade
civil do Estado legislador, com a conversão do direito inconstitucionalmente
negado no seu equivalente em pecúnia”.

5. O posicionamento do Supremo Tribunal
Federal em alguns precedentes diante da mora reiterada e da insistência na
inércia do legislativo

O Supremo Tribunal Federal, em alguns
precedentes, também já se manifestou em sentido favorável a
indenização em razão da inércia do legislador,  como se extrai de trecho da
decisão a seguir reproduzida anotada por OSWALDO LUIZ PALU:

“O mandado de injunção nem
autoriza o Judiciário a suprir a omissão legislativa ou regulamentar, editando
o ato normativo omitido, nem, menos ainda, lhe permite ordenar, de imediato,
ato concreto de satisfação do direito reclamado; mas, no pedido, posto que de
atendimento possível, para que o Tribunal o faça, se
contém o pedido de omissão normativa, com ciência ao órgão competente para que
a supra”. (RTJ 131/492). Entretanto: “…com
a persistência do estado de mora do Congresso Nacional, que, não obstante
cientificado pelo STF, deixou de adimplir a obrigação de legislar que lhe foi
imposta pelo art. 8º, § 3º, do ADCT/88, reconhece-se, desde logo, aos
beneficiários dessa norma transitória a possibilidade de ajuizarem, com
fundamento no direito comum, a pertinente ação de reparação econômica (STF-Pleno: RDA 196/230, STF: RDA 200/234)”.

O posicionamento do STF acima
reproduzido foi alvo de abordagem por DANIEL FERREIRA  reconhecendo,
embora com ressalva, o direito à indenização:

“C) OMISSÕES
LEGISLATIVAS INCONSTITUCIONAIS: claro que no caso de omissões com prazo certo e
conteúdo determinado nada há a ensejar dúvidas, posto que o STF sobre isso já
se manifestou, tratando do § 3 o, do Art. 8 º, do ADCT, quando em sede de
Mandado de Injunção autorizou os ofendidos a, na forma do direito comum,
procurarem a justa indenização, pela inércia reconhecida e pelo não atendimento
da determinação jurisdicional de legislar”.

Oportunas ainda as considerações de
Marcos Antônio Souto Maior Filho embora direcionadas para a aplicablicabilidade
pendente de regulamentação e não para a responsabilização:

Cabe ao Poder Judiciário, no
exercício de sua função jurisdicional, salvaguardar os direitos e liberdades
constitucionais inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania, sempre
que a falta de norma regulamentadora tornar inviável
o exercício desse. Entendemos, por último, que a
decisão proferida pelo Sinédrio Federal, trata-se
concretamente de decisão suplementar e possibilitadora
do exercício de direito assegurado, mas não integrada nem “erga omnes”. Ora, se assim não acontecer, só resta imaginar
que todo o trabalho feito por nossa Assembléia Nacional Constituinte está
submisso a paradigmas incomensuráveis e decisões “políticas”, que
chegam a fugir das linhas da imaginação, tolhendo o que a Lei Maior nos
concedeu”.

6.
A
possibilidade de ajuizamento de ação civil pública

Autores há que entendem como cabível
(não especificamente no caso de omissão de regulamentar juros),
mas em casos de omissão do legislador em sentido lato, o ajuizamento de ação
civil pública, o que seria de grande importância, pois existe legitimidade,
dentre outros, das associações e sindicatos para a ação, como leciona RODOLFO
DE CAMARGO MANCUSO
:

“Poderia a lesão a um interesse
difuso decorrer da inação do Legislativo ou do Executivo em legislar ou normatizar determinada matéria prevista
constitucionalmente? Tratar-se-ia da chamada “inconstitucionalidade por
omissão”, prevista na Constituição portuguesa de 1976, revista em 1982, em
seu art. 283. Parece-nos que a resposta é positiva: suponha-se que determinado
Estado não cumpra preceito constitucional que manda preservar as florestas de
modo permanente, sobretudo com a instituição de parques protegidos pela
políci9a florestal e instalação de equipamentos adequados para prevenção e
combate de incêndios. Sobrevêm incêndio de grandes
proporções. Cremos que nesse caso e em outros análogos, o Estado deverá figurar
no pólo passivo da ação civil pública, por sua omissão. Aliás, ao menos em
tese, qualquer cidadão poderia impetrar mandado de injunção (CF, art. 5º,
LXXI), para obrigar a unidade da federação a cumprir aquele preceito
constitucional.

Do que já se expôs, resulta que, além
da responsabilidade objetiva, independente de perquirição de culpa, os que
devam formar no pólo passivo de ação civil pública encontram-se, também, em
situação de responsabilidade solidária. “.

7. Conclusão

Diante desse quadro, outro caminho não
resta senão reconhecer o acerto dos posicionamentos doutrinários e
jurisprudenciais norteados para a responsabilização da União diante da
persistência da mora do Congresso e do prejuízo que vem causando com sua
inércia ao longo de todo esse período às pessoas físicas e jurídicas que estão
sendo asfixiadas e levadas à ruína em decorrência de cobrança de juros
superiores a 12% ao ano.

Referências Bibliográficas

Basta de regalias aos bancos. Revista
Justiça & Cidadania
. São Paulo, ano III, n. 18, set.embro,
2001. Disponível em: <http://www.revistacj.com.br >. Acesso em 27
de dezembro de 2001.

FREITAS, Marisa Helena D’Arbo Alves de. Responsabilidade civil do estado
por  atos legislativos
. In: Revista Jurídica, Porto Alegre: Síntese,
n. 247,  maio, 1998,  p.  141.

MOTA, Maurício Jorge. Responsabilidade
civil do estado legislador.
Rio de Janeiro: Lumen
Juris, 1999,  p. 181.

PALU, Oswaldo Luiz. Controle de
constitucionalidade. Conceitos, sistemas e efeitos
. São Paulo: Revista do Tribunais, 1999, p. 245.

FERREIRA, Daniel. Novos aspectos da
responsabilidade do estado
: por comportamento omissivo ou comissivo do
legislador. Revista Diálogo Jurídico, Salvador, CAJ – Centro de
Atualização Jurídica, ano I, nº. 9, dezembro, 2001. Disponível em:
<http://www.direitopublico.com.br>.  Acesso em: 27 de dezembro de
2001.

MAIOR FILHO, Marcos Antônio Souto. Mandado
de Injunção, Letra Morta ou Não?
In: Jus Navigandi, n. 51. [Internet]
http://www1.jus.com.br/doutrina/texto.asp?id=2056 [
Capturado 30.Dez.2001]

MANCUSO,  Rodolfo de Camargo. Ação
civil pública
. 5. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p. 134-135.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Luiz Cláudio Barreto Silva