Resumo: O Estado possui o direito e o dever de punir quem praticar algo ilícito tipificado no ordenamento jurídico vigente. Tal concretização da punição se dará através de uma sentença criminal, após todo o decorrer da marcha processual. A prolação da sentença é papel inerente ao juiz, dotado de deveres e obrigações inerentes ao cargo que ocupa. No entanto, há deturpações que interferem no real valor da pena imposta. Essas deturpações são denominadas de influência midiática. A mídia expõe o então acusado bem como o crime que cometeu, causando a ira da população. O juiz, tentando acalmar a sede de justiça por parte da sociedade, acaba por dosimetrar o máximo previsto da pena para o então condenado, que, além de ter de pagar a mais do que realmente deveria, terá, ao sair da prisão, que enfrentar a discriminação da sociedade que viu seu rosto em revistas e telejornais. Nada mais justo que se aplique a chamada atenuante inominada, prevista no artigo 66 do Código Penal, em crimes de grande repercussão midiática.[1]
Palavras-chave: Influência midiática. Sentença criminal. Atenuantes inominadas.
Abstract: The Statehas theright and duty topunish those whosomehowtypifiedsomething illicitpracticein the legal systemin force.Thisrealizationwill be throughthe punishmentofa criminal sentence, after all theproceduralcourseof the march. Thejudgment is deliveredto the judge's inherent role, endowed withduties and obligationsof the officehe occupies.However, there isdistortionsthat affect therealvalueof the sentence imposed. Thesemisrepresentationsare calledmediainfluence. The mediathenexposes theaccusedand thecrime he committed, causingpublic anger. The judge, trying tocalm theyieldsofjusticeby society, eventuallyappliesthemaximum prescribedpenalty fortheconvictedthen, thatin addition to havingto paymore than theyshouldhave, toget out of jail, face discriminationthatsocietysawyour facein magazines andnewscasts. Nothingmorefair toapplythe so-calledmitigatinginnominate, under Article66 of thePenal Code, crimesof great repercussioninthe media.
Keywords: Media influence. Criminal sentence. Mitigating unnamed.
Sumário: 1Introdução. 2 O Direito de Punir do Estado. 2.1 Finalidades da Pena. 2.2 Sistemas de aplicação da pena. 2.3 Sistema Trifásico de Nelson Hungria. 2.4 A prolação da sentença e as interferências midiáticas. 3 Demonstrativo Colateral entre crimes célebres e crimes incógnitos. 3.1 Crimes célebres. 3.2 Crimes incógnitos. 3.3 Caso Isabella Nardoni vs. Caso Pedro Henrique. 3.4 Diferenças e semelhanças no caso Isabella Nardoni e caso Pedro Henrique. 3.5 Crimes iguais, sentenças distintas. 3.6 Caso Suzane Von Richthofen vs. Caso Amarildo. 3.7 Semelhanças e diferenças no caso Suzane Von Richthofen e caso Amarildo. 3.8 Crimes semelhantes, sentenças desiguais. 4 Atenuantes Inominadas. 4.1 A aplicação da chamada “Atenuante Inominada” nos crimes em que houver grande influência midiática. 5 Liberdade de Imprensa vs. O poder da mídia. 6 Conclusão.
1 INTRODUÇÃO
A influência midiática nas sentenças criminais: a relevância da atenuação na dosagem da pena surgiu através de uma observação feita em crimes de grande publicidade, cuja penalidade imposta mormente chega ao máximo do tipo previsto.
Com isso, pretende-se através deste artigo, demonstrar a importância da utilização do artigo 66 do Código Penal, que são as chamadas atenuantes inominadas, em crimes cuja influência midiática se fizer presente. Importa ressaltar que a metodologia utilizada no presente artigo foi a pesquisas bibliográfica, partindo do método dedutivo para o indutivo.
O Estado possui o direito e o dever de punir quem de certa forma praticar algo ilícito tipificado no ordenamento jurídico vigente. Tal concretização da punição se dará através de uma sentença criminal, após todo o decorrer da marcha processual. A prolação da sentença é papel inerente ao juiz, dotado de deveres e obrigações inerentes ao cargo que ocupa.
O juiz, ao prolatar a sentença, observa as circunstâncias do artigo 59 do Código Penal, bem como as circunstâncias que agravam e atenuam. Também irá observar as circunstâncias que aumentam e diminuem o quantum da pena.
No entanto, há deturpações que interferem no real valor da pena imposta. Essas deturpações, no presente artigo, são denominadas de influência midiática. A mídia expõe o então acusado bem como o crime que cometeu, causando a ira da população.
O juiz, tentando acalmar a sede de justiça por parte da sociedade, acaba por dosimetrar o máximo previsto da pena para o então condenado, que além de ter de pagar a mais do que realmente deveria, terá, ao sair da prisão, enfrentar a discriminação da sociedade que viu seu rosto em revistas e telejornais.
A solução para evitar tal injustiça é a aplicação da atenuante inominada, prevista no artigo 66 do Código Penal, em crimes de grande repercussão midiática.
2 O DIREITO DE PUNIR DO ESTADO
Compete à Soberania estatal, o papel de promover o bem de seus cidadãos. E um dos critérios para que esse bem geral possa ser alcançado é o critério de organização da conduta dos cidadãos.
Um dos propósitos da Soberania para promover a organização da conduta dos cidadãos é o de impor alguns limites aos partícipes, com o intuito de garantir a ordem pública. E uma das formas de se garantir a ordem pública, é a coibição de certas atitudes através de leis. No presente artigo, a coibição por parte do Soberano que se pretende expor, está ligada ao ramo do Direito Penal.
Conforme contextualiza John Rawls (1971, p. 293):
“Em primeiro lugar, os atos exigidos ou proibidos pelo império da lei devem ser do tipo que seja razoável esperar que os indivíduos possam realizar ou evitar. Um sistema de normas públicas dirigido a pessoas racionais para organizar sua conduta trata do que elas podem e não podem fazer. Não deve impor um dever de fazer o que não é possível fazer. Em segundo lugar, a noção de que só se tem um dever quando se é capaz de cumpri-lo transmite a ideia de que aqueles que promulgam as leis e decretos o fazem de boa-fé. Legisladores e juízes, e outras autoridades do sistema, devem acreditar que é possível obedecer às leis; e devem supor que todos os comandos podem ser cumpridos. Além disso, não apenas as autoridades devem agir de boa-fé, como sua boa-fé deve ser reconhecida por aqueles que estão sujeitos aos seus ditames. Leis e comandos só são aceitos como leis e comandos se em geral se acredita que é possível obedecê-los e executá-los. Se houver dúvidas quanto a isso, é de presumir que os atos das autoridades têm algum outro objetivo que não o de organizar a conduta dos cidadãos.”
Quando algum membro comete um ato que contraria uma norma tipificada em lei, este deverá cumprir a sanção prevista no tipo legal a qual o delito cometido se encaixa.
Outrora, aduzido por Beccaria (1764, p.42):
“Eis, então, sobre o que se funda o direito do soberano de punir os delitos: sobre a necessidade de defender o depósito do bem comum das usurpações particulares; e tanto mais justas são as penas quanto mais sagrada e inviolável é a segurança e maior a liberdade que o soberano garante aos súditos.”
Quando há uma sanção prevista para o delito cometido pelo membro, tem-se, também, uma condenação. Logo, para haver a condenação de um indivíduo, é necessário que o mesmo pratique algo ilícito, tipificadamente previsto no Ordenamento Jurídico Brasileiro. A condenação, por sua vez, será feita através da prolação de uma sentença criminal, após todo o decorrer da marcha processual. A prolação da sentença é papel incumbido ao magistrado, dotado de poderes inerentes ao cargo que ocupa.
O magistrado ao prolatar a sentença, não deve agir por impulsos próprios. Deve agir de acordo com os parâmetros legais previstos em Lei, conforme preceitua Guilherme Nucci:
“O juiz, dentro dos limites estabelecidos pelo legislador (mínimo e máximo, abstratamente, fixados para a pena), deve eleger o quantum ideal, valendo-se do seu livre convencimento (discricionariedade), embora com fundamentada exposição do seu raciocínio (juridicamente vinculada).” (2011. p. 455).
Assim sendo, embora o juiz tenha livre convencimento no momento da elaboração da sentença, seu raciocínio deve estar juridicamente fundamentado.
2.1 Finalidades da pena
Quando um membro pratica algo ilícito, surge o direito e o dever de punir por parte do Soberano. Quando se pune, obviamente há uma pena a ser satisfeita por quem cometeu o crime, e a finalidade da pena a ser cumprida possui três teorias, quais sejam: Teoria Absoluta ou Retributiva, Teoria Relativa ou Preventiva e Teoria Mista ou Eclética.
Na Teoria Absoluta ou Retributiva, pune-se o agente porque cometeu o crime. O castigo compensa o mal e dá reparação à moral (MIRABETE, 2008). Nesta teoria, a finalidade da pena é punir o autor de uma infração penal. A pena é a retribuição do mal injusto praticado pelo criminoso, pelo mal justo previsto no ordenamento jurídico (CAPEZ, 2008).
Na Teoria Relativa ou Preventiva, o crime não seria causa da pena, mas a ocasião para ser aplicada. Sendo o crime a violação do Direito, o Estado deve impedi-lo por meio da coação psíquica (intimidação) ou física (segregação). A pena é intimidação para todos, ao ser cominada abstratamente, e para o criminoso, ao ser imposta no caso concreto (MIRABETE, 2008). Quando se trata da Teoria da Prevenção, considera-se que esta se desdobra em dois ramos: geral e especial. Especial, porque a pena objetiva a readaptação e a segregação sociais do criminoso como meios de impedi-lo de voltar a delinquir. Geral, porque é representada pela intimidação dirigida ao ambiente social − as pessoas não delinquem porque têm medo de receber a punição (CAPEZ, 2008).
Já na Teoria Mista ou Eclética, a pena tem a dupla função de punir o criminoso e prevenir a prática do crime, pela reeducação e pela intimidação coletiva (CAPEZ, 2008). Nesta corrente, fundiram-se a teoria da retribuição e a teoria da prevenção. Passou-se a entender que a pena, por sua natureza, é retributiva, tem seu aspecto moral, mas sua finalidade é não só a prevenção, mas também um misto de educação e correção (MIRABETE, 2008).
De acordo com o art. 59 do CP, o ordenamento jurídico penal brasileiro adotou a teoria mista ou eclética.
2.2 Sistemas de aplicação da pena
No Ordenamento Jurídico Penalista existem dois sistemas de aplicação da pena, são eles: sistema bifásico (de Roberto Lyra) e sistema trifásico (de Nelson Hungria). O sistema utilizado no ordenamento brasileiro é o sistema trifásico de Nelson Hungria, que passou a ser empregado com a reforma da Parte Geral do Código Penal em 1984.
2.3 Sistema Trifásico de Nelson Hungria
O artigo 68 do Código Penal prevê a adoção do sistema trifásico: a primeira fase diz respeito às circunstâncias judiciais; a segunda fase estipula as agravantes e as atenuantes; a terceira fase versa sobre as causas de aumento e diminuição.
Adotado o referido sistema, o magistrado, na primeira fase, ao prolatar uma sentença criminal, utiliza como fundamento para dosar o quantum da pena, as circunstâncias previstas no artigo 59 do Código Penal Brasileiro, quais sejam: a) culpabilidade, que é a penalidade que o indivíduo deve cumprir, de acordo com o ilícito penal que cometeu. Quanto mais gravoso o crime cometido, maior será a reprimenda a cumprir (NUCCI, 2011); b) os antecedentes, que dizem respeito à vida pregressa do agente, ou seja, são os fatos que se deram antes do cometimento do ilícito penal, sejam bons ou maus (CAPEZ, 2008); c) a conduta social, que é a vida do imputado enquanto cidadão perante a sociedade. Entra neste contexto de conduta social, o modo como o acusado convive e interage entre seus familiares, amigos, colegas de trabalho, grupos sociais e etc. (CAPEZ, 2008); d) a personalidade, que está ligada ao lado psíquico do agente. Compreende-se neste contexto de personalidade, a moral, a índole, a conduta, o estado emocional e as atitudes após o cometimento do ilícito penal, bem como um apanhado histórico e psíquico decorrente de sua trajetória enquanto ser humano (DAMÁSIO de JESUS, 2006); e) no que diz respeito aos motivos do crime, considera-se que este é o que levou o agente a cometer tal ato, seja ele honroso ou repugnante. Também está ligado ao lado psicológico do agente (DAMÁSIO de JESUS, 2006); f) já as circunstâncias do crime, são os meios de execução do crime, ou seja, os objetos empregados para cometer o ilícito, bem como o local em que tudo ocorreu, e o estado de espírito do agente no que concerne à frieza emocional ou repugnância e arrependimento (NUCCI, 2011); g) as consequências do crime, que são os danos causados em desfavor da vítima, decorrentes da ação ou omissão por parte do agente (CAPEZ, 2008); h) e, por último, temos o comportamento da vítima, que é a contribuição da mesma para que o delito ocorresse. Se provada tal contribuição, há de se considerar a redução da pena em benefício do agente (MIRABETE, 2008).
As circunstâncias acima elencadas servem como critérios para que o julgador, ao elaborar a sentença, tenha uma pena base a ser fixada ao condenado. O juiz, ao aplicar a pena base, por sua vez, conforme doutrinado por Guilherme Nucci (2011. p. 459) “deve utilizar seu bom-senso, sua prudência e sua avaliação crítica para aplicar a pena base”.
Na segunda fase, o magistrado irá observar as circunstâncias agravantes, que são aquelas elencadas no artigo 61 do Código Penal. Como o próprio nome diz, elas “agravam”, ou seja, ascendem o delito outrora cometido, que teve como base para calcular sua reprimenda, as circunstâncias do artigo 59. O quantum da pena que deverá ser agravado ficará a critério do juiz, não sendo este valor fixado em lei. (CAPEZ, 2008).
As circunstâncias atenuantes estão dispostas no artigo 65 do Código Penal. Estas por sua vez, minorizam o quantum da pena, também com valores não especificados em lei, devendo o magistrado assim os determinar. (CAPEZ. Fernando. 2008).
É certo que o Código Penal não estipula o valor a ser agravado ou atenuado, ficando estes a critério do magistrado, conforme outrora mencionado. No entanto, o artigo 67 do mesmo dispositivo legal, preconiza que “a pena deve aproximar-se do limite indicado pelas circunstâncias preponderantes, entendendo-se como tais as que resultam dos motivos determinantes do crime, da personalidade do agente e da reincidência”.
No entanto, as causas de aumento e diminuição da pena possuem os seus valores preestabelecidos na Parte Geral do Código Penal, ficando o magistrado, responsável, apenas, por aplicá-las a cada caso. Como o próprio nome já diz, são aquelas que aumentam ou diminuem a pena em quantidades previamente fixadas em lei (1/3, metade, 2/3 etc.) (CAPEZ, 2008).
Resumindo, após a fixação da pena base, o juiz considera, ainda, as circunstâncias atenuantes e agravantes, e por último, as causas de diminuição e de aumento. Conforme elenca o Código Penal Brasileiro, em seu artigo 68: “A pena base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento”.
2.4 A prolação da sentença e as interferências midiáticas
Enfim, reunidas todas as determinações contidas nos dispositivos legais acima descritos, o magistrado irá prolatar a sentença, conforme preceitua o ordenamento jurídico vigente.
Contudo, existem algumas causas que deturpam a finalidade prevista no artigo 59 do Código Penal: reprovação e prevenção do crime, ou seja, punir e prevenir. Essas causas derivam da influência midiática exercida sobre os tribunais de todo o país.
O juiz ao dosar a pena, deve ter como escopo a ideia de punir o criminoso e prevenir a prática do crime. No entanto, a influência midiática faz com que o homem-juiz aplique uma pena injusta, provocada pelo anseio da população, difundido através da mídia.
Neste contexto, profere Rawls (1971, p. 292):
“Se os desvios em relação à justiça como regularidade forem muito profundos, pode surgir uma séria dúvida sobre se um sistema legal realmente existe, em contraste com um conjunto de decretos específicos destinados a promover os interesses de um ditador ou o ideal de um déspota benevolente.”
Os anseios da população, de certa forma, influenciam o juiz no momento de aplicar o quantum ideal da pena. O que era para ser uma punição ao criminoso, acaba sendo um meio desnecessário e injusto, e o que era para prevenir, acaba ultrapassando os patamares estipulados. O magistrado sofre, com a influência nos crimes de grande repercussão, talvez visando acalmar a ira da população.
3 DEMONSTRATIVO COLATERAL ENTRE CRIMES CÉLEBRES E CRIMES INCÓGNITOS
Para que se possa compreender a influência da mídia nas sentenças criminais, discorrer-se-á, apresentando-se casos concretos e demonstrando a diferença nas sentenças e decisões criminais, onde há a influência midiática e onde não há, em crimes que se assemelham.
3.1 Crimes célebres
Tem-se por crimes célebres aqueles que possuem grande repercussão através da mídia, ou seja, aqueles que são noticiados em telejornais, sites ou revistas, de maneira que a população em geral tenha um livre acesso a tal informação. Como exemplo de tais crimes, apresentar-se-á, discorrendo-se sobre as etapas do crime, até a prolação de sua sentença, denotando-se um demonstrativo colateral, tendo como base os delitos cometidos no caso Isabella Nardoni e caso Suzane Von Richthofen, que adiante se seguem.
3.2 Crimes incógnitos
Tem-se por crimes incógnitos aqueles que não se tornam públicos. São crimes dos quais não há um reflexo significativo da mídia, onde os únicos conhecedores do ato ilícito são os envoltos processuais. Como exemplo de tais crimes, apresentar-se-á, discorrendo-se sobre as etapas do crime, até a prolação de sua sentença, denotando-se um demonstrativo colateral, tendo como base os delitos cometidos no caso Pedro Henrique e caso Amarildo, que adiante se seguem.
3.3 Caso Isabella Nardoni vs. Caso Pedro Henrique
Muito se ouviu falar, podendo até ser considerado como uma repercussão colossal que ficará na história do país. O caso Isabella Nardoni ganhou os holofotes da mídia, sendo televisionado por “todas as emissoras” de canal aberto, bem como as de caráter privado. O caso também foi impresso em páginas de revistas e jornais, servindo, até, como matéria principal e/ou estampa nas capas das mais famosas magazines, líderes de vendas no país.
Segundo se apurou na fase investigatória:
“ALEXANDRE ALVES NARDONI e ANNA CAROLINA TROTTA PEIXOTO JATOBÁ, qualificados nos autos, foram denunciados pelo Ministério Público porque no dia 29 de março de 2.008, por volta de 23:49 horas, na rua Santa Leocádia, nº 138, apartamento 62, vila Isolina Mazei, nesta Capital, agindo em concurso e com identidade de propósitos, teriam praticado crime de homicídio triplamente qualificado pelo meio cruel (asfixia mecânica e sofrimento intenso), utilização de recurso que impossibilitou a defesa da ofendida (surpresa na esganadura e lançamento inconsciente pela janela) e com o objetivo de ocultar crime anteriormente cometido (esganadura e ferimentos praticados anteriormente contra a mesma vítima) contra a menina ISABELLA OLIVEIRA NARDONI. Aponta a denúncia também que os acusados, após a prática do crime de homicídio referido acima, teriam incorrido também no delito de fraude processual, ao alterarem o local do crime com o objetivo de inovarem artificiosamente o estado do lugar e dos objetos ali existentes, com a finalidade de induzir a erro o juiz e os peritos e, com isso, produzir efeito em processo penal que viria a ser iniciado”. (FOSSEN, 2010, p. 1).
Se, de um lado o Caso Nardoni recebeu da mídia toda a atenção, de outro lado, há o caso Pedro Henrique, que não obteve sobre si os holofotes midiáticos, intriga, pela semelhança com o caso Isabella Nardoni. No entanto, não teve a mesma exposição em revistas e telejornais, passando despercebido e indiferente aos olhos do sensacionalismo populacional provocado pela imprensa à época em que o fato se deu.
Têm-se informações da fase investigativa que:
“Kátia Marques e Juliano Aparecido Gunello foram denunciados como incursos no artigo 1º, inciso II, parágrafo 3º, parte final e parágrafo 4º, inciso II, da Lei nº 9.455/97, combinado com o artigo 61, inciso II, letras “e” e “f”, do Código Penal, porque expuseram à perigo a vida e a saúde da criança Pedro Henrique Marques Rodrigues, com cinco anos de idade, pessoa que tinham sob seu poder e guarda, privando-a de alimentos e cuidados indispensáveis, aplicando castigos pessoais e abusando dos meios de correção e disciplina com violência, e submetendo-a a intenso sofrimento físico e mental, donde adveio a sua morte agônica. Consta da inicial que no dia 12 de junho de 2008, por volta das 11h45min, no Hospital SantaLydia, neste município, a criança faleceu; os acusados Kátia e Juliano justificaram, na ocasião, que a vítima havia ingerido o produto denominado Semorin; todavia, a equipe médica constatou, de início, que não existia indicativo de ingestão de referida substância e que o corpo de Pedro apresentava inúmeras equimoses e fratura no punho direito; médicos legistas realizaram exame necroscópico no cadáver e constataram que a vítima morreu devido à insuficiência respiratória decorrente dos efeitos da embolia gordurosa pulmonar em virtude de politraumatismos característicos de violência contra a criança. Narra, ainda, a inicial que o acusado Juliano torturava a vítima por intermédio de ofensas, humilhação e agressões, estas múltiplas e graves, a título de correção e imposição de disciplina, com o que consentia a acusada Kátia, que a tudo assistia e de nada discordava, pelo contrário, contribuía com sua postura agressiva e intencionalmente omissiva; essa tortura a Pedro prolongou-se por mais de um ano, dela advindo os problemas que deram causa à morte, vez que a diagnosticada síndrome da criança espancada, processo lento e gradual de deterioração da saúde”. (NETO, 2010, p. 01-02)
3.4 Diferenças e semelhanças no caso Isabella Nardoni e caso Pedro Henrique
As semelhanças se dão por conta de que ambos os pais eram divorciados e estavam em seu segundo casamento (Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá), (Juliano Gunello e Kátia Marques); os suspeitos em ambos os casos eram advindos do segundo relacionamento, ou seja, padrasto e mãe (Pedro Henrique), e madrasta e pai (Isabella); as vítimas tinham a mesma idade, 05 (cinco) anos; ambos os acusados negam a prática dos crimes.
Ao analisar as diferenças, percebe-se que os acusados Alexandre Nardoni e Anna Carolina Jatobá aguardaram o decorrer da instrução processual presos. Já os acusados Juliano Gunello e Kátia Marques aguardaram a marcha processual em liberdade. No caso Isabella, Alexandre Nardoni foi condenado a 31 (trinta e um) anos, 01 (um) mês, e 10 (dez) dias de reclusão, a iniciar-se em regime fechado, e Anna Carolina Jatobá a 26 (vinte e seis) anos e 08 (oito) meses de reclusão, também a iniciar-se em regime fechado. No caso Pedro Henrique, ambos os acusados, Juliano e Kátia, foram condenados a 07 (sete) anos de reclusão, em regime inicial semiaberto. Segundo consta das investigações realizadas, antes de se dar o ilícito acontecido, Isabella Nardoni não sofria maus tratos por parte de Alexandre e Anna Carolina Jatobá durante o tempo em que passava com o pai e a madrasta. Senão vejamos como narra a sentença: […] após terem passado um dia relativamente tranqüilo ao lado da vítima, passeando com ela pela cidade e visitando parentes […]. (FOSSEN, 2010, p. 2).
Ainda, em entrevista à repórter Patrícia Poeta, da rede Globo, ao Programa “Fantástico”, Ana Carolina Oliveira (mãe de Isabella Nardoni), relatou o seguinte:
“[…] a última vez que eu falei com ela (Isabella) foi na sexta-feira por volta das 06:00 horas da tarde, quando havia saído do trabalho, e que ela (Isabella) já tinha ido para a casa do pai, e eu liguei para saber como ela estava, ela atendeu super feliz, ela atendeu com uma voz alegre, e nós conversamos, e eu ainda fiz a pergunta se ela estava feliz, ela falou que “tava” muito feliz […]”. (http://www.youtube.com/watch?v=nBJX74e1IxI).
Em outros trechos da conversa, Ana Carolina Oliveira disse, ainda:
“[…] ela (Isabella) me falava pouco da relação deles (entre Isabella e Alexandre), o que ela me contava muito do final de semana dela, é que ela tinha dançado, que ela tinha passeado, e dos irmãos (filhos de Alexandre com Anna Carolina Jatobá), os irmãos eram uma coisa que ela contava muito, agora da relação deles, ela não dava ênfase a esse assunto, agora aos irmãos, ela falava sim e muito […]”. (http://www.youtube.com/watch?v=YD-20_8pM4w&feature=relmfu)
Já Pedro Henrique, conforme apurações e exames periciais realizados, sofria da denominada “Síndrome da Criança Espancada”, processo este lento e gradual de deterioração da saúde, ou seja, Pedro Henrique era machucado e espancado muito antes de sua morte. Vejamos alguns trechos narrados na sentença:
“Mas, noutro norte – e sem revelar contradição ao acima consignado – houve constatação de que, em boa parte do tempo, Pedro Henrique era privado pela mãe e pelo padrasto dos cuidados indispensáveis a uma criança de cinco anos de idade. Isso porquecompetiam à mãe e ao padrasto permanentemente dispensarem cuidados básicos, elementares, ao filho/enteado que contava com meros cinco anos de idade, dente eles os de permanecer junto da criança dentro e fora da unidade residencial, na área de lazer do condomínio, possibilitar o pronto ingresso do infante no apartamento, não deixar o filho no frio, sob chuva ou sol, tampouco permitir que tomasse banho sozinho. Confiram-se os depoimentos a seguir que delinearam a privação nos cuidados indispensáveis.
RENATA GERALDINI DA SILVA PEREIRA informou: “…Bom, algumas vezes eu cheguei a presenciar o menino ali fora com garoa, com frio, eu até perguntava, eu não tinha um contato de conversa com ele, mas eu perguntava: ‘Você não vai entrar? Está frio aqui fora e tal’, sendo que ele falava: ‘Não, eu não posso entrar agora, eu tenho que esperar a minha mãe me chamar’. O Juliano, ele viajava, então a gente percebia que quando ele estava fora ficava tudo tranquilo, a gente não ouvia discussões, não ouvíamos nada, mas quando ele chegava aí tinha as discussões, sendo que o menino ficava mais tempo para o lado de fora e, realmente, a gente percebia, porque ele chamava, ele ia do lado de fora e chamava: ‘Mãe, abre a porta’. Então ele tinha que esperar, ele não podia entrar”. (fls.869/870).
Outra vizinha, ANDRÉA MARTINES RITANO ESCAME, revelou que em duas ocasiões presenciou a criança Pedro Henrique fora do apartamento, faminto e isso num dia frio. Confira-se seu relato: “…na verdade foram duas vezes, sendo que nas duas vezes eu coloquei ele para dentro, uma vez estava frio e eu perguntei: ‘Você está com fome?’ ‘Tô’. ‘Por que é que você não entra?’ ‘Ah, porque a minha mãe falou para eu esperar ela me chamar’, alguma coisa assim, aí eu falei: ‘Você quer que eu abro para você?’ ‘Quero’. Aí eu abri, corri para cima e fiquei olhando para ver a maçaneta, se ia abrir a porta ou não, eu falei: ‘Daí para dentro o problema não é meu’, aí ele bateu a mão na maçaneta e a porta abriu; então, eles estavam em casa e não deixavam o menino entrar.” (fls.876/877). Acrescentou que nas ocasiões que Juliano estava em casa Pedro permanecia “Perambulando para fora, com chuva, com sol, da forma que fosse” (fls.881).
CLÁUDIA SPERGE, outra condômina, “Por diversas vezes eu o vi sozinho no condomínio e, também, cheguei a oferecer água, lanche, devido ao tempo que ele ficava em frente a minha varanda, que eu moro no apartamento térreo.” (fls.957/958); denunciou o abandono da criança ao Conselho Tutelar “Pelo fato de sempre ver o Pedro sozinho, em condições às vezes de muito calor, depois às vezes à noite também, ele sentado em frente da minha garagem, ficar muito tempo na minha mureta sozinho e, também, nas vezes que eu o via no corredor, entre os prédios, perguntando se ele poderia entrar em casa, isso em períodos diversos, principalmente à noite, sendo que de final de semana também eu ficava em casa e ouvia ele perguntando se poderia entrar em casa, se poderia abrir a porta para ele. Então eu via que ele ficava fora de casa, até era onde que eu levava um copo d'água, uma bolacha para ele, sendo que isso me motivou a ligar no Conselho” (fls.960). A faxineira do condomínio CRISTIANE APARECIDA JERÔNIMO disse ser comum Pedro ficar na área comum e de lazer, bem como atestou que a porta do apartamento que Pedro morava permanecia sempre trancada; em certa ocasião Pedro caiu, machucou-se e quando se tentou contatar a mãe para o socorro filho, veio a informação de que Kátia estava na manicure; ou seja, deixou o infante de cinco anos de idade sozinho na área de lazer do condomínio e sem supervisão de pessoa que pudesse se responsabilizar por Pedro. Vale conferir fls.891.” (NETO, 2010, p. 17-20).
3.5 Crimes iguais, sentenças distintas
Os casos ora apresentados tem por finalidade criar a indagação do “por que” de penas tão distintas, em crimes tão semelhantes, onde as diferenças estão na dosimetria da pena, na forma de sua aplicação, como a marcha processual se desenvolveu, e como foi sua repercussão, sendo que, um dos crimes, ao analisar passo a passo, pode-se considerar mais cruento que o outro, pelo fato de ter sido perpetrado durante anos, como no caso de Pedro Henrique, que sofria, até, de uma síndrome por conta dos maus tratos. Enquanto o caso Pedro não sofreu alterações, nem deturpações na prolação da sentença por conta da influência midiática, o caso Isabella Nardoni foi esbanjado na arena do sensacionalismo, onde a busca desenfreada por justiça da sociedade que trata o seu igual como uma aberração sem direito à defesa, influenciada pela fera midiática, que se importa, apenas, em obter lucros e elevados picos de audiência, prejudicou e infestou as páginas da sentença ora prolatada, colocando em risco, toda a esfera jurídico processual, bem como o seu andamento.
3.6 Caso Suzane Von Richthofen vs. Caso Amarildo
Outro acontecimento bastante discursado pela mídia jornalista e televisiva foi o caso Suzane Von Richthofen, onde a história de uma moça de classe média alta abalou e chocou todo o país pelo planejamento do assassinato de seus pais Manfred Albert Von Richthofen (engenheiro) e Marísia Von Richthofen (psiquiatra). A seguir, e considerando que o presente caso possui três acusados, ou seja, Daniel Cravinhos de Paula e Silva, Cristian Cravinhos de Paula e Silva e Suzane Louise Von Richthofen, discorrer-se-á apenas no que se refere à ré Suzane Von Richthofen, pois é a única acusada que se enquadra nos crime de parricídio e matricídio.
Durante a fase investigativa, apuraram-se os seguintes fatos:
“Na madrugada do dia 31 de outubro, Daniel e o irmão Cristian aguardaram que Suzane confirmasse que seus pais estavam dormindo e entraram com ela na casa dos Richthofen. Suzane guiou-os pela sala, subiu as escadas na frente e ficou aguardando que entrassem no quarto. Assim que entraram, ela acionou o interruptor de luz para facilitar a locomoção dos assassinos. Nesse ponto, afirma, desceu para a biblioteca. Manfred e Marísia dormiam. O primeiro a atacar foi Daniel, que golpeou Manfred na cabeça com uma barra de ferro. Em seguida, Cristian, com uma barra idêntica nas mãos, atingiu Marísia. Manfred desmaiou logo. Marísia, não. Ao ser atacada, acordou e tentou proteger-se com as mãos. Alguns de seus dedos foram quebrados com a violência das pancadas. Recebeu golpes na cabeça e no rosto. A certa altura, já agonizante, passou a emitir um som “parecido com um ronco”, segundo relatou Cristian à polícia. Na tentativa de silenciá-la, o jovem pegou uma toalha do casal no banheiro e empurrou-a pela garganta da psiquiatra. Um dos ossos do pescoço de Marísia foi quebrado. Depois de constatarem que suas vítimas estavam mortas, Daniel colocou uma arma pertencente a Manfred, perto de seu braço, ao lado da cama. Depois, cobriu o rosto de Manfred com uma toalha. O de Marísia foi envolvido em uma sacola plástica de lixo, que havia sido deixada por Suzane na escada para que os irmãos depositassem as barras de ferro e suas roupas manchadas de sangue.
A moça disse à polícia que, enquanto os pais eram mortos, ela permaneceu no andar de baixo da casa, caminhando entre a sala e a biblioteca. Suzane afirma que, na maior parte do tempo, chorou, com os ouvidos tampados com as mãos. Teve, no entanto, suficiente sangue frio para espalhar documentos e contas a pagar pelo chão da biblioteca, também ajudou os irmãos a arrombar, com uma faca, a maleta em que o pai escondia dinheiro e a colocar 8 000 reais e 5 000 dólares na mochila de Cristian. Embora soubesse o segredo da pasta, Suzane deduziu que o arrombamento daria mais veracidade à farsa. Depois do crime, Suzane e Daniel deixaram Cristian perto da casa dele e foram para um motel. No primeiro depoimento que prestaram à polícia, logo após o crime, os dois afirmaram ter mantido relações sexuais naquela noite. Mais tarde, mudaram a versão. Do motel, pegaram o irmão Andreas, que havia sido deixado por eles num ciber-café próximo à casa dos pais. Suzane entrou em casa junto com o irmão. Depois de simular surpresa diante dos indícios do “assalto”, cumpriu o roteiro combinado com o namorado: na frente de Andreas, que nada sabia, ligou para Daniel pedindo ajuda e obedeceu a seu conselho de chamar a polícia.” (LINHARES, 2006, p. 109-110).
Em contraponto, o caso Amarildo não foi noticiado nas capas de revistas, nem em telejornais, e nem em programas de show business, onde o entretenimento e a busca por diversão não podem parar.
Segundo consta na denúncia oferecida pelo representante do Ministério Público:
“Noticiam os inclusos autos de inquérito policial que no dia 29 de junho do corrente ano, por volta das 11:30 horas, no local denominado “Abobrinha Loterias”, situado na Av. Presidente Vargas, nº 475, centro, nesta urbe, o indiciado assassinou com um tiro de garrucha, seu próprio pai, AILDO MARTINS BORGES.
Segundo restou apurado até aqui, o estabelecimento era explorado como banca de jogo do bicho e carteado, com nome fantasia de “Abobrinha Loterias”. Ante as notícias veiculadas nos meios de comunicação meses atrás, sobre a pressão que vinha sofrendo esta atividade contravencional em todo país, resolveram desativar o jogo e dividir o imóvel onde funcionava, no endereço já alinhado, construindo um muro de placas ao meio do lote.
Pronto o muro, insatisfeita, a vítima questiona junto ao indiciado, ponderando que o mesmo deveria ter sido construído mais recuado, haja vista ter Amarildo ficado com a melhor parte, o que não concordou este, gerando daí uma discussão.
Afirmam as testemunhas inquiridas pela autoridade policial que no calor da discussão trocaram ofensas recíprocas, até que Aildo disse ao filho que ele não prestava e esta furtando-o, momento em que Amarildo saca de uma garrucha que trazia na cinta e queima roupa, dispara um tiro na altura do ombro direito do seu pai indo o projetil penetrar-lhe o hemitorax direito, causando choque hemorrágico e sua consequente morte, antes de chegar ao hospital para socorro médico.
Como pode ver, não esperava a vítima reação tão violenta do próprio filho, ao lhe atingir mortalmente, colhendo-o de surpresa, portanto. Às fls. 26, percebe-se o auto de exibição e apreensão do objeto material usado no cometimento do crime, ou seja uma garrucha dois canos, marca Rossi, calibre 22, apreendida em poder do indiciado, bem como as fls. 33/36, o exame de corpo de delito (laudo de exame cadavérico) comprovando a materialidade do fato.” (TOCANTINS. Aguinaldo Bezerra Lino. Promotor de Justiça. 1994. Denúncia disponível no Cartório da 1ª Vara Criminal de Rio Verde-GO. Autos nº 9400641400. p. 02/04).
3.7 Semelhanças e diferenças no caso Suzane Von Richthofen e caso Amarildo
Ambos os casos se assemelham, pois, ambos os acusados Amarildo e Suzane cometeram o crime de parricídio. Suzane, por sua vez, também cometeu matricídio. Os dois acusados também são réus primários e confessam a prática dos crimes. Logo, estas simples semelhanças podem ser comparadas à ponta de um iceberg, onde a colossal devastação provocada pela mídia se encontra na parte submersa da espessa camada de gelo, tratando-se das diferenças em que a marcha processual se deu nos dois casos, bem como a publicidade que os acusados obtiveram, além do que a dosimetria da pena sui generis em particular que cada um foi condenado.
Suzane foi sentenciada, pela morte de seu pai, a 19 (dezenove) anos e 06 (seis) meses de reclusão, a iniciar-se em regime fechado. Além do mais, teve o total de sua reprimenda em 39 (trinta e nove) anos de reclusão e 06 (seis) meses de detenção. O MM. Juiz Presidente Alberto Anderson Filho, considerou “evidente a periculosidade da ré, não podendo esta recorrer da sentença em liberdade, ordenando a expedição de mandado de prisão”.
Ora, não estaria o MM. Juiz exacerbado devido à grande repercussão nacional do caso Richthofen? Como podem crimes idênticos terem penas distintas, sendo que um deles foi submetido ao máximo previsto? Deve-se, na prolação de uma sentença, agir com bastante cautela, não deixando que nenhum tipo de influência invada as páginas decisivas ao qual o Magistrado irá dar um rumo à vida do encarcerado.
Nesta linha de raciocínio, Francesco Carnelutti, em suas diversas experiências, denota o seguinte:
“Quase cinquenta anos faz, discutindo-se em Veneza um processo por homicídio, sobre o qual convergia a mórbida curiosidade de todos, na sessão do Tribunal do Júri, incrivelmente lotado, quando se levantou para ser interrogada, emergindo das grades em sua estupenda figura, Maria NicolaevnaTarnovskij, qualquer centena de senhores, que apinhavam os locais reservados, num salto puseram-se em pé e assentaram sobre ela monóculos e binóculos, AngeloFuzinato, presidente insigne, exclamou com contida indignação: “Amanhã este espetáculo incível não se repetirá mais”. (CARNELUTTI, 1957, p. 22).
Suzane foi condenada no mesmo patamar dos outros dois acusados, ou seja, os que deram prosseguimento ao feito de sua imaginação. Conforme informações da revista Veja, “[…] a moça disse à polícia que, enquanto os pais eram mortos, ela permaneceu no andar de baixo da casa, caminhando entre a sala e a biblioteca.[…]”. (LINHARES. Juliana. Revista Veja. 2006. p. 110).
Vale ressaltar que, Suzane possui todos os requisitos objetivos e subjetivos para progredir ao regime semiaberto. No entanto, o Supremo Tribunal Federal, através do Ministro Relator Ricardo Lewandowski, simplesmente decidiu, não analisar o pedido. (STF, 2012).
Já Amarildo foi sentenciado pela morte de seu pai a exatos 06 (seis) anos de reclusão, a iniciar-se em regime semiaberto. Obteve, ainda, o direito de recorrer em liberdade.
3.8 Crimes semelhantes, sentenças desiguais
Considerando os casos Suzane e Amarildo, como pode alguém atirar no próprio pai a “queima roupa” e mesmo assim receber uma pena inferior do que quem supostamente cogitou o crime? Percebe-se, aí, a influência desordeira e desenfreada nas sentenças criminais espalhadas por todo o país, contaminando os Tribunais de Justiça. Além do que, o rosto do “assassino” publicado pela mídia ficará preservado na memória dos compatriotas por muitos anos, colocando um ser humano dotado de direitos e deveres previstos na Constituição Federal da nossa Pátria, como alguém não merecedor de perdão ou misericórdia.
Conforme outrora citado por Francesco Carnelutti:
“Não se pode fazer uma nítida divisão dos homens em bons e maus. Infelizmente a nossa curta visão não permite avistar um germe do mal naqueles que são chamados de bons, e um germe de bem, naqueles que são chamados de maus” (CARNELUTTI, 1957. p. 25).
Considerando os casos supracitados com suas semelhanças e diferenças, percebe-se, de maneira alastrada, a influência da mídia nas sentenças criminais. Delimitar-se-á, a maneira mais viável de se amenizar o estrago ora provocado pelos holofotes midiáticos, apresentando-se, uma solução a ser aplicada nas próximas sentenças oriundas de casos em que a mídia venha devastar e expor o ilícito penal.
4 ATENUANTES INOMINADAS
Conforme se observa nos casos apresentados no item 3 e ss., crimes expostos em revistas, jornais e telejornais, ou seja, crimes difundidos pela mídia possuem uma tendência maior, conforme demonstrado, em se prolatar o máximo da pena a seus infratores. Enquanto isso, crimes não repercutidos pela mídia possuem o quantum ideal da pena, nem para mais, nem para menos, mas na medida exata, servindo para que o infrator seja punido de modo a servi-lhe de exemplo para que outro ato semelhante não seja cometido. Diante disso, em que pese a despudorada dosimetria penal nos crimes análogos, a pergunta que se confronta é o que fazer diante de uma influência tão ostensiva da mídia e, consequentemente, da sociedade nas sentenças criminais?
O artigo 66 do Código Penal Brasileiro prevê as atenuantes denominadas de “atenuantes inominadas”, que são aquelas cujo magistrado poderá aplicar, se assim entender, casos em que houver circunstância relevante, antes ou depois do crime, mesmo que não tipificada no ordenamento jurídico.
Conforme preceitua o citado artigo: “A pena poderá ser ainda atenuada em razão de circunstância relevante, anterior ou posterior ao crime, embora não prevista expressamente em lei”. (Artigo 66, Código Penal Brasileiro).
Por atenuante inominada, Guilherme Nucci (2011, p. 499) entende que, “trata-se de circunstância legal extremamente aberta, sem qualquer apego à forma, permitindo ao juiz imenso arbítrio para analisá-la e aplicá-la”. Para Damásio (2006, p. 579), “são circunstâncias que escapam à especificação legal e que servem de meios diretivos para o juiz aplicar a pena”. Para Fernando Capez (2008, p. 467) “a redução é obrigatória, se identificada alguma atenuante não expressa”. E finalmente, para Mirabete (2008, p. 318), “É uma circunstância inominada, facultativa e de conteúdo variável, que permitirá ao juiz considerar aspectos do fato não previstos expressamente”.
4.1 A aplicação da chamada “Atenuante Inominada” nos crimes em que houver grande influência midiática
Outrora supracitado, o legislador, ao criar o artigo 66 do Código Penal Brasileiro, deixou ao livre arbítrio do magistrado, a tarefa de analisar e aplicar a atenuante inominada a qualquer circunstância relevante, ocorrida antes ou depois do crime, mesmo que não expressa em lei (NUCCI, 2011).
Pois bem, o presente estudo tem como objetivo difundir a ideia de que, em crimes onde há uma grande repercussão midiática, o magistrado, ao prolatar a sentença, utilize-se deste artigo do Código Penal para atenuar a reprimenda do acusado, ante a grande exposição desenfreada pela mídia, provocando assim, uma revolta populacional, que ao contrário do que se pensa, apenas atrapalha e inibe o fluído da marcha processual.
O acusado exposto de forma desordenada pela mídia, mesmo após cumprir toda sua reprimenda para com o Estado, mesmo após pagar pelo crime que cometeu, ainda assim, cumprirá a penitência eterna de ser discriminado pela sociedade, que obteve informações a respeito do ilícito cometido através das páginas de revistas e jornais, bem como nas telas da televisão. A mídia por sua vez, não se preocupa em ressocializar o condenado, mas se preocupa, apenas, em obter uma história para adquirir e ganhar mais lucros, esperando o próximo crime a ser cometido, para então enjaular o suposto acusado e denominá-lo como desumano e mostro impiedoso.
Na obra intitulada Mídia e Violência, a cientista social Silvia Ramos, e a jornalista Anabela Paiva (2007, p. 61), denotam, de maneira escancarada que:
“A imprensa precisa individualizar os casos. A mídia sempre viveu de personagens e exemplos”, constata o repórter André Luiz Azevedo, da Rede Globo. Escolher uma pessoa como símbolo é parte da cartilha básica do jornalismo. Produz empatia, torna mais fácil a compreensão de contextos complexos e traz para o cotidiano conceitos abstratos. “Existe realmente a tendência a valorizar o indivíduo que se destaca, que sai da curva”, reconhece o editor do Extra, Bruno Thys. A escolha de um único infrator como símbolo da criminalidade é um fator tão poderoso para a atração do público que, no passado, chegou a justificar a invenção de assassinos fictícios”.
Cria-se um medo por parte da população, muitos deles infundados, que a argumentação prospera porque a mídia os bombardeia com histórias sensacionalistas idealizadas para aumentar os índices de audiência. É a teoria dos efeitos da mídia. Os telejornais sobrevivem com base em manchetes alarmistas. Alarmismo difundido pela mídia jornalística, especialmente pela televisão. Entre as diversas instituições com mais culpa por criar e sustentar o pânico, a imprensa ocupa indiscutivelmente um dos primeiros lugares (GLASSNER, 2003).
O então magistrado, no momento exato da prolação da sentença, deve-se utilizar do pressuposto de crime de grande publicidade, para aplicar tal circunstância ao artigo 66 do Código Penal, e atenuar a pena do condenado, haja vista, que a maior condenação que terá de cumprir, será a condenação após sair detrás das grades, e ter de enfrentar a fúria e a discriminação populacional, que jamais se esquecerá do rosto criminoso.
5 LIBERDADE DE IMPRENSA VS. O PODER DA MÍDIA
A Carta Magna Brasileira prevê a denominada “liberdade de imprensa”, prevista especificamente no artigo 5º, inciso IX, que diz o seguinte: “é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença;”. (Constituição Federal, Artigo 5º, inciso IX).
A respeito de liberdade de imprensa, é importante destacar aos dizeres de Zulmar Fachin, Doutor em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Paraná:
“Registre-se que a liberdade de imprensa e a Democracia encontram-se em posição de reciprocidade. Onde houver liberdade de imprensa, haverá espaço favorável para o exercício e a consolidação do regime democrático. Ao reverso, onde estiver estabelecido um regime democrático, ali a imprensa encontrará campo propício para sua atuação. Nutrem-se, portanto, uma da outra, fortalecendo-se ambas em um processo contínuo, cujos benefícios serão colhidos pelo povo”. (FACHIN, 2012, p. 1).
Ademais, consoante é sabido, não se poderia inibir a liberdade de expressão suscitada pela mídia, seja ela em qualquer área que se demande, pois o Brasil, no ano de 1985, deixou de ser um país cuja Ditadura Militar reinava impiedosamente, inibindo qualquer meio ou ato de liberdade cultural, sentimental ou artístico. Thomas Skidmore (1988), na obra intitulada “Brasil: de Castelo a Tancredo”, denota o perfil do então novo presidente eleito que deu um marco para o início da Democracia em nosso país como “o presidente eleito era visto pelos brasileiros como um novo Moisés, com a missão de conduzir o país do deserto da desesperança para uma nova Canaã”.
Como bem pronunciado pela então Presidenta Dilma Rousseff , “é sempre preferível o ruído da imprensa livre do que o silêncio da ditadura”. (Presidenta Dilma Rousseff. Discurso na abertura da 15ª Conferência Internacional Anticorrupção. Disponível em: <http://veja.abril.com.br/blog/ricardo-setti/disseram/dilma-rousseff-e-sempre-preferido-o-ruido-da-imprensa-livre-do-que-o-silencio-da-ditadura/>).
No entanto, até onde vai o papel da imprensa em levar a notícia à população sem sensacionalismo?
Não se pode, em nome da liberdade de expressão, ferir a dignidade e a integridade de um cidadão dotado de direitos previstos na Constituição Federal. Como então aduzido, a mídia exerce tamanha influência, ao ponto de alterar as decisões do homem-juiz, que tenta acalmar a ira da população que se informou do crime acontecido através do sensacionalismo exposto e difundido pela mídia. A mídia, através do seu poder de persuasão, expõe apenas o que querem que vejam, e não como realmente se procede.
Neste ponto, não apenas a imagem do então criminoso é exposta, mas também da vítima e seus familiares, que além de enfrentarem o desastre criminoso acontecido em suas vidas, também enfrentam o assédio midiático que só se preocupa em expor a reportagem à venda nas páginas do dia seguinte.
A mídia com sua colossal influência deveria expor e se preocupar com problemas realmente pertinentes, que alteram ou vão alterar o nosso cotidiano. Em vez de se enfrentar problemas sociais perturbadores, a discussão pública concentra-se em indivíduos perturbados. Pessoas más substituem políticas más. Os problemas sérios continuam amplamente ignorados, ainda que causem exatamente os perigos mais abominados pela população, que só enxerga o que a mídia quer que eles enxerguem (GLASSNER, 2003).
6 CONCLUSÃO
A Soberania atua para com os seus membros através da Lei. Esta, por sua vez, estipula o direito e o dever de cada cidadão. Logo, quando um dos membros fere o estipulado em Lei, este, deve cumprir as sanções inerentes ao tipo descrito, papel este designado ao magistrado, que atuará através da prolação de uma sentença criminal. A sentença não pode ser deturpada e nem sofrer alterações, senão as previstas em dispositivos legais.
Como demonstrado, algumas sentenças tem sido afetadas pelo que se chamam de influência midiática. As influências midiáticas não só deturpam os Tribunais de Justiça de todo o país, como também, alteram e desnorteiam completamente o rumo de vida do então encarcerado.
As empresas de mídia, que só se preocupam em obter lucros, expõem de maneira desordenada a vida de um ser humano, trancando-o em uma jaula e denotando-o como fera monstruosa. A população que se alimenta das notícias televisivas julga, sentencia e condena o suposto criminoso, antes mesmo de se iniciar o julgamento.
O magistrado, coagido, de certa forma, pelo olhar da sociedade difundida através da mídia, condena e aplica o máximo da pena para satisfazer a sede de justiça da população.
Direitos inerentes previstos pela Constituição Federal são deixados de lado, devastados e rasgados pela “fera midiática”. O condenado acaba pagando um preço muito mais alto do que realmente deveria cumprir.
Por isso, nada mais justo para com o sentenciado, que se atenue sua reprimenda, quando se tratar de um crime de grande publicidade. Além do que, a maior penalidade que terá de cumprir, será quando sair detrás das grades, e tiver de enfrentar o preconceito e discriminação da sociedade que viu o rosto do outrora criminoso na televisão, no jornal ou em uma revista.
Informações Sobre o Autor
Pedro Nunes Cruvinel Neto
Acadêmico de Direito do Instituto de Ensino Superior de Rio Verde-GO