Resumo: De todas as infrações penais tipificadas no Código Penal que visam proteger a honra, a injúria, na sua modalidade fundamental, é a considerada menos grave. Entretanto, por mais paradoxal que possa parecer, a injúria se transforma na mais grave infração penal contra a honra quando consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, sendo denominada, aqui, de injúria preconceituosa. Assim, o presente artigo tem como objetivo a análise penal do crime de injúria e suas consequências no ordenamento jurídico pátrio.
Palavras-chave: Análise; penal; crime; injúria.
Abstract: Of all the criminal offenses established in the Penal Code that seek to protect honor, the injury, in its fundamental modality, is considered less serious. However, as paradoxical as it may seem, the injury becomes the most serious criminal offense against honor when it consists of the use of elements referring to race, color, ethnicity, religion, origin or the condition of elderly person or person with disability, being Denominated, here, of prejudicial injury. Thus, this article aims at the criminal analysis of the crime of injury and its consequences in the legal order of the country.
Keywords: Analysis; Criminal crime; injury.
Sumário: 1. Previsão legal; 2. Objeto jurídico; 3. Sujeitos ativo e passivo; 4. Classificação doutrinária; 5. Consumação e tentativa; 6. Exceção da verdade; 7. Perdão judicial: direito público subjetivo; 8. Pena e ação penal; referências
1. PREVISÃO LEGAL
O Direito francês foi o pioneiro na individualização dos crimes contra a honra. O Código de Napoleão de 1810 incriminava separadamente a calúnia e a injúria, englobando na primeira a difamação. Na Alemanha o Código Penal de 1870 adotou a "injúria" como título genérico dos crimes contra a honra, que foram divididos em injúria simples, difamação e calúnia.O Código Penal republicano do século XIX (1890) situava a injúria real no capítulo dedicado às lesões corporais, atribuindo-lhe a seguinte definição: "servir-se alguém, contra outrem, de instrumento aviltante, no intuito de causar-lhe dor física e injuriá-lo". A injúria praticada através de vias de fato estava incluída, genericamente, na injúria simples.
A redação do Código Penal de 1940 teve como antecedente o Projeto Alcântara Machado (art. 321, § 12), que retificou o Projeto Sá Pereira, que, equivocadamente, não distinguia violência e vias de fato (art. 211)(BITENCOURT, 2012, p. 349/350).
Na atualidade, a injúria encontra-se prevista no artigo 140 do Código Penal (1940), que a retrata da seguinte maneira:
“Art. 140. Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro:
Pena – detenção, de 1 (um) a 6 (seis) meses, ou multa.
§ 1 O juiz pode deixar de aplicar a pena:
I – quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
II – no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria.
§ 2 Se a injúria consiste em violência ou vias de fato, que, por sua natureza ou pelo meio empregado, se considerem aviltantes:
Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa, além da pena correspondente à violência.
§ 3 Se a injúria consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência:
Pena – reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos e multa.”
De todas as infrações penais tipificadas no Código Penal que visam proteger a honra, a injúria, na sua modalidade fundamental, é a considerada menos grave. Entretanto, por mais paradoxal que possa parecer, a injúria se transforma na mais grave infração penal contra a honra quando consiste na utilização de elementos referentes a raça, cor, etnia, religião, origem ou a condição de pessoa idosa ou portadora de deficiência, sendo denominada, aqui, de injúria preconceituosa, cuja pena a ela cominada se compara àquela prevista para o delito de homicídio culposo, sendo, inclusive, mais severa, pois que ao homicídio culposo se comina uma pena de detenção, de 1 (um) a 3 (três) anos, e na injúria preconceituosa uma pena de reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos e multa, sendo discutida sua proporcionalidade comparativamente às demais infrações penais (GRECO, 2008, p. 457).
2. OBJETO JURÍDICO
O bem jurídico tutelado é a honra. No delito de injúria protegem-se especificamente a dignidade e o decoro. Em que pese a tênue e pouco precisa distinção existente entre tais noções, costuma-se reconhecer na dignidade o sentimento que o próprio indivíduo possui acerca de seu valor social e moral, e no decoro a sua respeitabilidade. De conseguinte, enquanto a dignidade compreenderia os valores morais que compõem a personalidade, o decoro abarcaria as qualidades de ordem física e intelectual, que constroem a autoestima e fundamentam o respeito que o meio social dispensa ao indivíduo. Assim, por exemplo, afirmar que alguém é "canalha", "imoral", "desonesto" ofende sua dignidade; já dizer que se trata de um "ignorante", "aleijado", "burro" ultraja seu decoro(PRADO, 2000, p. 247).
Ainda que as palavras injuriosas sejam consideradas de baixo calão, devem ser expressamente mencionadas na queixa-crime ou na denúncia, sob pena de inépcia, pois o juiz só pode avaliar se as recebe ou rejeita quando tem efetivo conhecimento da ofensa feita (LENZA, 2011, p. 250).
Diferentemente da calúnia e da difamação, na injúria não é atribuída a prática de um determinado fato. O agente simplesmente exterioriza um conceito acerca dos atributos pessoais da vítima, atribuindo-lhe uma qualidade negativa, depreciativa, pejorativa. Só há injúria quando o agente age dolosamente, com consciência da ofensividade de sua conduta e a vontade de realizá-Ia. Além do dolo, deve estar o agente imbuído do fim de injuriar, a vontade de causar dano à honra subjetiva da vítima (TELES, 2004, p. 279).
3. SUJEITOS ATIVO E PASSIVO
Qualquer pessoa pode ser sujeito ativo do crime de Injúria, pois o tipo penal não exige qualquer condição especial do agente. Assim, qualquer pessoa pode ofender outrem na sua dignidade ou decoro. Conforme anota Julio Fabbrini Mirabete, "não existe auto injúria como fato típico, mas pode ela constituir crime se, ultrapassando da órbita da personalidade do agente, vem ela a atingir terceiro".
Quanto o sujeito passivo pode ser qualquer pessoa, desde que tenha capacidade de discernimento do conteúdo da expressão ou atitude ultrajante. O consentimento do ofendido exclui o crime, exceto nos casos de ofensa concomitante a um bem que aquele não tenha disponibilidade. A injúria constitui ofensa à honra subjetiva, assim, os doentes mentais podem ser injuriados, desde que haja uma residual capacidade de compreender a expressão ofensiva. De igual modo, os menores podem ser injuriados, dependendo da sua capacidade de compreensão da expressão ou atitude ofensiva. Predomina o entendimento na doutrina no sentido de que a pessoa jurídica não possui honra subjetiva, de modo que a ofensa contra ela poderá constituir ofensa contra os seus representantes legais. O morto não pode ser injuriado, por ausência de expressa disposição legal; nada obsta, porém, que se injurie pessoa viva, denegrindo a memória dos mortos, a Lei de Imprensa pune a calúnia, a difamação e a injúria contra os mortos, quando a imputação for realizada pela imprensa.
4. CLASSIFICAÇÃO DOUTRINÁRIA
A Injúria trata-se de crime comum, podendo ser praticado por qualquer pessoa, não sendo exigida nenhuma condição ou qualidade especial do sujeito ativo; formal, pois, apesar de descrever ação e resultado, não é necessário que a vítima se sinta ofendida com as atribuições depreciativas que sofre, sendo suficiente que a conduta injuriosa tenha idoneidade para ofender alguém de discernimento; ou seja, consuma-se independentemente de o sujeito ativo conseguir obter o resultado pretendido, que é o dano à dignidade ou ao decoro do ofendido; instantâneo, consuma-se no momento em que a ofensa chega ao conhecimento do ofendido; comissivo, realiza-se com uma ação de fazer; dificilmente poderá ser praticado através de conduta omissiva, embora, doutrinariamente, seja admissível; doloso, somente pode ser executado sob a forma dolosa, não havendo previsão de modalidade culposa. Trata-se, em regra, de crime simples, pois atinge somente um bem jurídico, a honra pessoal ou profissional; na injúria real, contudo, o crime é complexo, ofendendo dois bens jurídicos: a honra, que, in casu, é o bem jurídico principalmente visado, e a integridade física, secundariamente visada. Pode ser, finalmente, unissubsistente (via oral), completando-se com ato único, e plurissubsistente (por escrito), encerrando um iter, que permite fracionamento (elaboração do escrito e recepção do conteúdo pelo destinatário) (BITENCOURT, 2012, p. 355).
5. CONSUMAÇÃO E TENTATIVA
O crime se consuma quando o sujeito passivo toma ciência da imputação ofensiva, independentemente de o ofendido sentir-se ou não atingido em sua honra subjetiva, sendo suficiente, tão-só, que o ato seja revestido de idoneidade ofensiva. Difere da calúnia e da difamação, uma vez que para a consumação da injúria prescinde-se que terceiros tomem conhecimento da imputação ofensiva. A injúria não precisa ser proferida na presença do ofendido, basta que chegue ao seu conhecimento, por intermédio de terceiro, correspondência ou qualquer outro meio (CAPEZ, 2004, p. 247/248).
Em princípio, o crime de injúria não admite a tentativa, embora, em tese, ela seja possível, dependendo do meio utilizado, a exemplo da calúnia e da difamação: através de escrito, por exemplo, quando já não se tratará de crime unissubsistente, existindo um iter criminis que pode ser fracionado. A injúria real, particularmente, admite a tentativa, quando, por exemplo, a violência ou as vias de fato aviltantes não se consumam por circunstâncias estranhas à vontade do agente (BITENCOURT, 2012, p. 354).
6. EXCEÇÃO DA VERDADE
É inadmissível no crime de injúria. Em primeiro lugar, não interessa ao Direito comprovar a veracidade de opiniões pessoais que consistam em Ultrajes contra alguém, ou seja, não importa verificar se realmente fulano é "carnudo", "incompetente", "bêbado", "trapaceiro". No crime de calúnia, pelo contrário, por se tratar de imputação de fato definido como crime, interessa à Justiça Pública investigar se tal fato é ou não verdadeiro. Em segundo lugar, não importa para a configuração do crime de injúria a falsidade das ofensas, ao contrário do crime de calúnia (CAPEZ, 2004, p. 255).
7. PERDÃO JUDICIAL: DIREITO PÚBLICO SUBJETIVO
Perdão judicial é o instituto através do qual a lei possibilita ao juiz deixar de aplicar a pena diante da existência de determinadas circunstâncias expressamente determinadas (ex.: arts. 121, § 52; 129, § 82; 140, § 12, I e II; 180, § 52, P. parte; 240, § 42, I e II; 242, parágrafo único; 249, § 22). Na legislação especial também se encontram algumas hipóteses de perdão judicial. No crime de injúria, a lei prevê o perdão judicial quando o ofendido, de modo reprovável, a provoca diretamente, ou no caso de retorsão imediata; no homicídio e lesão corporal culposos, se as consequências da infração atingirem o próprio agente de forma tão grave que a sanção penal se torne desnecessária. Mesmo quando a lei possibilita o perdão judicial "conforme as circunstâncias" ou "tendo em consideração as circunstâncias" (arts. 176, parágrafo único, e 180, § 32, do CP) prevê requisito implícito, qual seja, a pequena ofensividade da conduta, que, se estiver caracterizada, obrigará à concessão do perdão. Enfim, se, ao analisar o contexto probatório, o juiz reconhecer que os requisitos exigidos estão preenchidos, não poderá deixar de conceder o perdão judicial por mero capricho ou qualquer razão desvinculada do referido instituto. Relativamente aos crimes contra a honra, o Código Penal prevê a possibilidade de o juiz deixar de aplicar a pena somente para o crime de injúria, nos seguintes casos: a) quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente injúria; b) no caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria, que passa a examinar (BITENCOURT, 2012, p. 356).
8. PENA E AÇÃO PENAL
A ação penal é, em regra, de iniciativa privada. Será, no entanto, pública condicionada (art.145, parágrafo único) quando: a) praticada contra presidente da República ou contra chefe de governo estrangeiro (com requisição do ministro da Justiça); b) contra funcionário público, em razão de suas funções (com representação do ofendido); c) tratar-se de injúria preconceituosa, segundo a nova redação do parágrafo único do art. 145 (Lei n. 2.033/2009). A quarta exceção à regra geral, segundo o texto legal, ocorre quando, na injúria real, da violência resultar lesão corporal (arts. 140, § 22, e 145, caput, 2ª parte). Essa é uma peculiaridade exclusiva da injúria, que os outros crimes contra a honra – calúnia e difamação, não têm.
A sanção penal, para a figura simples, é alternativa, detenção de um a seis meses ou multa (caput); na injúria real, é cumulativa, detenção de três meses a um ano e multa, além da pena correspondente à violência (§ 2º); finalmente, a injúria por preconceito é sancionada, cumulativamente, com reclusão de um a três anos e multa (§ 3º). No entanto, a partir da Lei n. 9.099/95, essa previsão merece uma reflexão mais detida. Na verdade, o art. 88 da referida lei estabelece que a lesão corporal leve ou culposa é de ação pública condicionada à representação. Assim, a nosso juízo, é indispensável que se estabeleça uma distinção entre lesão corporal leve e lesão corporal grave ou gravíssima: no caso da primeira, a ação penal será pública condicionada à representação; no caso das outras lesões, será pública incondicionada. Mas, nesta hipótese, há mais uma ressalva a fazer: a ação penal será pública incondicionada somente em relação às lesões, uma vez que em relação à injúria mantém-se a exclusiva iniciativa privativa do ofendido ou seu representante legal (BITENCOURT, 2012, p. 369).
Informações Sobre os Autores
Hálisson Rodrigo Lopes
Possui Graduação em de Direito pela Universidade Presidente Antônio Carlos (2000), Licenciatura em Filosofia pela Claretiano (2014), Pós-Graduação em Direito Público pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2001), Pós-Graduação em Direito Administrativo pela Universidade Gama Filho (2010), Pós-Graduação em Direito Civil e Processual Civil pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2011), Pós-Graduação em Filosofia pela Universidade Gama Filho (2011), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Universidade Estácio de Sá (2014), Pós-Graduado em Gestão Pública pela Universidade Cândido Mendes (2014), Pós-Graduado em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (2014), Pós-Graduado em Direito Educacional pela Claretiano (2016), Mestrado em Direito pela Universidade Gama Filho (2005), Doutorando em Ciências da Comunicação pela Universidade do Vale do Rio dos Sinos (UNISINOS). Atualmente é Professor Universitário da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE) nos cursos de Graduação e Pós-Graduação e na Fundação Educacional Nordeste Mineiro (FENORD) no curso de Graduação em Direito; Coordenador do Curso de Pós-Graduação da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce (FADIVALE). Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI); e Assessor de Juiz – Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais – Comarca de Governador Valadares
Marciano Rogério da Silva
Mestre pela Faculdade Unida/UFES – Universidade Federal de Vitória/ES; Especialista em Direito Processual Civil e Penal pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL; Graduado em Direito pela Fundação Educacional do Nordeste Mineiro – FENORD (2007); Professor de Direito Penal na Fundação Educacional do Nordeste Mineiro – FENORD; Professor no Curso de Pós-graduação da Faculdade de Direito do Vale do Rio Doce – FADIVALE Ex-Professor de Direito Penal nas Faculdades Unificadas DOCTUM; Professor de Cursos Preparatórios para a OAB; Professor eventual do Curso Técnico de Segurança Pública da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais; Assessor Jurídico da Igreja Assembleia de Deus em Teófilo Otoni/MG. Advogado
Alda da Silva Barreiros
Possui graduação em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro Faculdade de Direito de Teófilo Otoni (2003). É especialista em Direito Civil e Processual Civil (2004) e em Direito Público (2006). Advogada. Atualmente, é professora ensino superior da Fundação Educacional Nordeste Mineiro Faculdade de Direito de Teófilo Otoni. Tem experiência na área do Direito, com ênfase em Direito Civil, atuando principalmente no âmbito do Direito Obrigacional