A insegurança jurídica dos contribuintes do ICMS em decorrência das constantes alterações do artigo 33 da Lei Complementar 87/96 e a possibilidade do crédito respectivo com base na Emenda Constitucional 42 de 2003

Questão intrigante e debatida na seara tributária diz respeito à utilização dos créditos decorrentes da entrada de materiais relativos ao uso ou consumo dos contribuintes do ICMS.


A polêmica veio, novamente, à tona com o advento da LC 122, publicada no DOU em 13/12/2006 (01), que alterou o artigo 33 da chamada Lei Kandir – LC 87/96.


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É a terceira modificação do inciso I do artigo 33 veiculado pela LC 87/96, que na iminência de sua plena eficácia na ordem tributária é postergada por parte do legislador complementar.


Indo ao artigo 33 da LC 87/96 (02) percebemos a insegurança jurídica do sistema tributário causada pelas constantes delongas em admitir a utilização dos mencionados créditos. Vejamos:


I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, nele entradas a partir de 1º de janeiro de 2000; (Redação dada pela LCP nº 92, de 23.12.1997)


I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2003; (Redação dada pela LCP nº 99, de 20.12.1999)


I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento, nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2007; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)


I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2011; (Redação dada pela Lcp nº 122, de 2006)


Não por acaso, pois com a aproximação da entrada em vigor (apenas 17 dias) do dispositivo complementar que possibilitaria ao contribuinte do ICMS o direito subjetivo de desfrutar os créditos de ICMS atinente aos bens de uso ou consumo, uma evidente pressão por parte dos Estados e Distrito Federal, fulminou por criar uma norma superveniente, que atropelou quaisquer pretensões dos contribuintes de aproveitarem os créditos financeiros.


Com efeito, já que a Administração Estadual sofreu com a perda de arrecadação proveniente das exportações, que, de seu turno, seria ressarcida mediante repasse de verbas financeiras na proporção preconizada pelo artigo 31 da LC 87/96. Notamos, assim, que em decorrência da diminuição da arrecadação fruto do não repasse da Lei Kandir, os Estados permanecem retaliando os contribuintes do ICMS com sucessivas procrastinações da manutenção dos créditos decorrentes dos bens de uso ou consumo.


Logo, a política fiscal imposta pelo Governo Federal ainda gera conseqüências na órbita dos Estados e Distrito Federal que impõe óbices ao aproveitamento de créditos.


Todavia, nesta terceira tentativa de burlar a sistemática do ICMS (03), a tática implementada pelo legislador complementar sofreu um revés súbito, já que com a inserção no ordenamento jurídico da Emenda Constitucional 42, tornou-se obrigatória a observância do princípio da anterioridade nonagesimal. Esse princípio veda à autoridade fazendária a exigência do tributo antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou. (04)


Nesse sentido, para que não ocorra surpresa no encerramento do ano, a lei tributária deve respeitar o interstício mínimo de 90 dias para que possa irradiar seus efeitos, antes disso, mesmo que não institua um novo tributo, mas imponha um aumento na carga tributária, o decurso mínimo garantido ao contribuinte é o revelado através do princípio da anterioridade mitigada, a fim de que o contribuinte possa saber quais serão as conseqüências das normas que majoram ou instituam a carga impositiva.


Isto é o que nos ensina o prestigioso Professor do IBET e da PUC-SP, Roque Antonio Carraza, que teve a oportunidade de escrever que o princípio da anterioridade de noventa dias permite que os contribuintes saibam o que os aguarda no campo da tributação, e, bem por isso, confiem no Estado Fiscal. Podem, assim, organizar seus negócios com acentuado grau de certeza e segurança, o que é fundamental em qualquer Estado Democrático de Direito. (05)


Como facilmente se percebe, não estamos tratando da instituição de uma nova relação jurídica tributária que visa à arrecadação de um novo gravame, entretanto, claro está que a LC 122/06 repercutiu em aumento indireto da carga econômica do contribuinte do ICMS, causando, assim, impacto negativo em suas previsões financeiras para o ano fiscal de 2007, em notória violação à segurança jurídica, bem como a diretriz não-cumulativa que acompanha o imposto de competência estadual.


Expõe, com propriedade, Paulo de Barros Carvalho, para quem a segurança jurídica realiza-se em decorrência de fatores sistêmicos que se dirigem à implantação de um valor específico, qual seja, a propagação do sentimento de previsibilidade quanto aos efeitos jurídicos da regulação da conduta. Tal sentimento tranqüiliza aos cidadãos, abrindo espaço para planejamento de ações futuras. (06)


Registramos, ainda, que o mecanismo da não cumulatividade não é oriundo das legislações infraconstitucionais. Sua origem é encontrada na Lex Magna, sendo certo que à lei complementar não cabe restringir a eficácia do preceito constitucional, e sim, disciplinar o regime de compensação do imposto. (07)


A propósito, Roque Antonio Carraza, meditando sobre o assunto, observa que em decorrência de restrições, agora temporais, à utilização de créditos fiscais, para fins de pagamento do ICMS, aumentou-se a distância que separava a Lei Kandir dos ditames constitucionais, implicando, por via oblíqua, na derrogação do princípio da não-cumulatividade do ICMS. (08)


Enfatizamos, que o Estado-fisco competente para a instituição do ICMS só não está acometido no dever jurídico de ceder o crédito respectivo nos casos de isenção e não-incidência, por expressa dicção constitucional. (09)


Seguindo este raciocínio, em que pese as constantes prolongações do termo inicial para a utilização dos créditos de ICMS decorrentes dos bens de uso ou consumo do sujeito passivo da relação jurídica tributária, com o advento da Emenda Constitucional 42 de 2003, torna-se necessária a observância da anterioridade nonagesimal para que o enunciado normativo da LC 122/06 possa produzir seus efeitos na ordem tributária.


Dessa explanação podemos inferir que, nada obsta seja manejado o competente instrumento antiexacional para garantir a manutenção dos créditos de ICMS decorrentes dos bens de uso ou consumo compreendidos no intervalo de 90 dias previsto pela EC 42/03, qual seja – de 01/01/2007 à 12/03/2007.


Notas

(01) Dispõe o artigo 1o da LC 122/06:

Art. 1o  O art. 33 da Lei Complementar no 87, de 13 de setembro de 1996, passa a vigorar com a seguinte redação.

I – somente darão direito de crédito as mercadorias destinadas ao uso ou consumo do estabelecimento nele entradas a partir de 1o de janeiro de 2011. Disponível em  http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/LCP/Lcp122.htm


(03) A fenomenologia da não-cumulatividade é decorrência do comando prescritivo contido no artigo 155, §2o, da Constituição Federal, o qual dispõe que o ICMS será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal;

(04) Princípio extraído do artigo 150, inciso III, “c”, da Carta Fundamental.

(05) Curso de Direito Constitucional Tributário, 20a ed., 2004, p. 185.

(06) Curso de Direito Tributário, 16a ed., 2004, p. 149.

(07) Artigo 155, inciso XII, “c”.

(08) ICMS, 10a ed. 2005, p. 333. (os grifos são do autor)

(09) Nos casos albergados pela isenção e não-incidência o crédito existe, mas o enunciado constitucional prescreve que o crédito não dará ensejo à compensação com os valores devidos nas operações ou prestações que seguem o ciclo de produção da respectiva mercadoria, bem como das prestações de serviços alcançáveis pela exação estadual. Da mesma forma, nas ocasiões de não incidência ou de lei isencional o crédito, no que concerne às operações anteriores, será anulado, o que por si só, já é suficiente para concluirmos, que, em ambos os casos a Carta Magna reconhece a existência dos referidos créditos.

(08) ICMS, 10a ed. 2005, p. 333. (os grifos constam dos originais)


Bibliografia

BARROS CARVALHO, Paulo de. Curso de Direito Tributário. 16ª Ed. São Paulo. 2004: Saraiva.

CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 20ª Ed. São Paulo. 2004: Malheiros Editores.

______ICMS. 10A ed., São Paulo. 2005: Malheiros Editores.


Informações Sobre o Autor

Gustavo Vita Pedrosa

Advogado e Consultor Jurídico em São Paulo. Pós-graduado em Direito Tributário pelo Instituto Brasileiro de Estudos Tributários – IBET. Membro da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET e do Instituto Brasileiro de Direito Tributário – IBDT/USP.


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