A inserção dos direitos da criança e do adolescente no ensino de graduação em terapia ocupacional: Desafios para a sua realização

Resumo: Para além do enfoque puramente clínico, cujas fronteiras já ultrapassamos, a ação do terapeuta ocupacional tem se modificado no sentido de dar conta da articulação de suas proposições com as exigências de um Estado democrático de direitos. Especialmente no que se refere a crianças e adolescentes o grande desafio que se coloca é a mudança que precisamos fazer nas relações que estabelecemos entre nós adultos e esses sujeitos, antes objetos de intervenção, agora obrigatoriamente sujeitos de direitos. O Estatuto da Criança e do Adolescente é o arcabouço onde essas mudanças devem se fundamentar. É de posse desse instrumento que o terapeuta ocupacional, entre outros profissionais que trabalham com essa população, vai poder orientar-se para uma nova postura e propor ações para o acesso dessa população ao exercício de seus direitos. É nessa óptica que temos inserido o ECA e suas proposições no ensino de graduação em Terapia Ocupacional. Objetivos: a) conhecer os direitos da criança e do adolescente: a legislação e suas implicações; b) buscar o significado do “ser criança”, “ser adolescente”, “tornar-se sujeito de direitos”; identificar as implicações da condição peculiar de “pessoas em desenvolvimento”; c) reconhecer-se enquanto agente de intervenção, refletindo sobre o seu papel e suas possibilidades de ação no cotidiano de crianças e adolescentes, alvos de violação de direitos. Metodologia: leitura, análise crítica e discussão de textos e da legislação; reflexão individual e grupal sobre os tópicos apresentados; apresentação e discussão dos comentários; dinâmicas grupais; convite para olhar-se (levar-se a refletir sobre o modo como se relaciona com a criança e o adolescente). Resultados: A estratégia adotada, discussão aberta e democrática, a partir do saber e do olhar de cada um, tem permitido construir um novo e mais amplo saber, de natureza coletiva; esse saber, sobre os direitos da criança e do adolescente e suas relações com o desenvolvimento humano, vem se refletindo nas posturas daqueles que participam dessa experiência de ensino, no modo como se percebem e daí como se relacionam com as crianças e adolescentes, em especial os que sofrem violações de direitos. É preciso reconhecer que o sucesso da proposta depende da especial decisão de quem dela participa: a de aderir à proposta metodológica, de “levar-se a refletir”, aceitar o “convite para olhar-se” buscando identificar seus próprios conceitos e preconceitos acerca dessas crianças e adolescentes e a partir daí repensar suas relações e possibilidades de ação. Ressalta-se por fim que os espaços de ensino desses direitos na graduação em TO são ainda restritos, respeitando os limites do conteúdo programático de disciplinas onde é pertinente e possível a sua inserção. Daí que é nas atividades de extensão (cursos, palestras e assessorias) que a construção coletiva desse conhecimento tem se dado de forma mais plena e abrangente, com a participação de acadêmicos e profissionais de diferentes áreas.


Palavras chave: direitos da criança e do adolescente; metodologia; ensino de graduação; extensão universitária.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Introdução


Esse trabalho situa-se na interface do ensino de terapia ocupacional com as políticas públicas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente. Trata dos desafios que o terapeuta ocupacional enfrenta quando se propõe a ações inovadoras que se articulem com as exigências de um Estado democrático de direitos, Estado este, que embora tardia e lentamente, vem se comprometendo com o reconhecimento do status constitucional da criança e do adolescente como sujeitos detentores de seus próprios direitos, em especial do direito à proteção integral, de que trata o Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990).


A partir dessa legislação o grande desafio que se coloca é o da mudança que precisamos fazer nas relações que estabelecemos entre nós adultos e esses sujeitos, antes objetos de intervenção, agora legitimamente reconhecidos como pessoas em condição peculiar de desenvolvimento. E é no próprio Estatuto da Criança e do Adolescente que vamos encontrar os alicerces para essas mudanças e sua fundamentação. De posse desse instrumento não apenas o terapeuta ocupacional, mas outros profissionais que trabalham com essa população, vão poder orientar-se para uma nova postura e propor ações para o acesso dessa população ao exercício de seus direitos.


Sobre que residem os fundamentos para a mudança de postura do terapeuta ocupacional, ou de outros profissionais? Para nós a resposta está no modo como, enquanto adultos, olhamos para o outro, seja ele o paciente, o aluno, a pessoa “com deficiência” (quem não tem?), a criança, o adolescente, enfim o outro, pois do modo como vemos o outro, assim nós nos relacionamos com ele. Se eu acho que o outro “é inferior a mim” (ou seja, que “eu sou melhor” que o outro), assim eu vou tratá-lo. Muita gente discorda; se incomoda e rechaça qualquer possibilidade de discussão. Por que a recusa? Seríamos “de fato” e não apenas em suposta ou pretensa tese tão “melhores” uns que os outros que sequer a discutir “nos sujeitaríamos”?  Ou nos julgamos “melhores”, mas “humildes” que somos, não podemos admití-lo?  Ou talvez secretamente desconfiemos que afinal não passe mesmo de “pura presunção” e como tal, que “consistência” teria?


Para alguns de nós, a diferença entre papéis e, portanto, entre responsabilidades, a despeito de serem exercidos para uma única e mesma finalidade ou objetivo, parece justificar melhores salários de uns em detrimento dos salários de outros; mas, se uns dependem dos outros, não seriam “igualmente importantes”? O “engraçado” é que justamente os que ganham menos, porque não exercem atividades “mais nobres” por falta de “qualificação”, já foram penalizados antes, quando não tiveram as mesmas oportunidades de acesso à “educação superior” ou à “qualificação desejada”; e o dano ou prejuízo não pára por aí, pois diante da não qualificação, “cabe-lhes” sujeitarem-se a funções “compatíveis”, mas não tão nobres, pelas quais, apesar da mesma carga horária (quando não maior) de força trabalho, vão “fazer jus” a um menor salário. Dessa forma vamos definindo-lhes os limites de seus projetos de vida; e prosseguimos discutindo “aumento de salário” “diferenciado”, baseados é claro nas diferenças de “responsabilidades”.


É possível que no fundo saibamos e nos vejamos iguais. Somos iguais ou “tanto quanto” o outro é, nem mais, nem menos com “apenas” a diferença de bens, que é “lícito” a qualquer um almejar. A lei, produto de alguns de nós, com poder para isso, garante “igualdade” de direitos, afinal, somos iguais. No cotidiano, a desigualdade econômica, determina diferentes poderes aquisitivos, negando oportunidades, relativizando e inviabilizando essa lei e essa igualdade.


Mudar isso poderia ser simples, se estivéssemos prontos a admitir, cada um de nós, perder do que é seu, para que o outro possa ter tanto quanto nós mesmos temos. Colocaría-nos em pé de igualdade, mas o que seria da relação servidores e servidos? Abrir mão do “meu” para que o “o outro” possa ter? Quem de nós está pronto para isso? Parece bastante provável que sejamos menos ingênuos que possessivos e defendamos o maior poder aquisitivo de bens materiais (incluindo-se aí cargos, títulos e posições), porque talvez a isso exclusivamente se resuma a nossa diferença com o outro; se abríssemos mão de parte disso, não haveria em que nos sustentar para nos impormos ou colocarmos acima do outro e assim tratá-lo como alguém que está abaixo, aquém de nós. Situação indesejável… difícil mesmo, para qualquer um de nós. Quem de nós quer perder ou abrir mão do que supõe ser seu? Além do que, como “suportar” a idéia de ser igual ao que desprezamos ou rejeitamos? …”Imagine só! Eu, parecido com um “tipo” desses”?


Assim, acreditamos se definem diferentes perspectivas de vida para as pessoas, para os adolescentes, para as crianças. Diferentes oportunidades definem diferentes possibilidades de projetos de vida, de desenvolvimento e de realização. Por isso, se até a criação do Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL,1990) era admissível a “tese” de que “menores” precisam trabalhar, nossos filhos, se formar, da aprovação desse Estatuto em diante, podemos compreender, mas não mais aceitar ou praticar essa diferença que passa a constituir-se em discriminação.


Isto posto é preciso indagar se estamos dispostos a percorrer esse caminho, o da mudança no nosso modo de nos relacionar com o outro. Quem de nós está disposto a olhar para a criança ou para o adolescente, com o mesmo respeito que tem pela pessoa adulta? Quem de nós já é capaz de lhe dar o mesmo crédito que dá a um adulto?  É dessa iniciativa que podemos começar a construir a mudança nas nossas relações.


Outro grande desafio que se coloca vem do fato de que a lei, por mais avançada que seja, não se basta como fator de mudança da realidade e do cotidiano que vive a população a que se destina. Se de um lado, enquanto lei garante igualdade de direitos, de outro ela não dá conta de garantir o acesso a esses direitos, pois uma coisa é “afirmar o direito”, outra é “poder exercê-lo”.


O Estatuto da Criança e do Adolescente (BRASIL, 1990) de fato avança, com a mudança da reduzida e discriminadora interpretação de “situação irregular” do “menor”, do Código de Menores (BRASIL, 1979), ao afirmar o direito à proteção integral, de toda e qualquer criança e adolescente; entretanto as condições de pobreza e miséria em que vive contingente expressivo das nossas crianças e adolescentes continuam determinando efetivamente sua condição de exclusão, no que se refere ao exercício desse direito, ferindo-os, portanto, na sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.


Nesse cenário o ECA tem servido principalmente para acalmar nossas consciências, na medida em que preenche o vazio da exclusão cotidiana, com a “garantia legal” da não exclusão, ou suposta inclusão, pela “igualdade de direitos”. É desse modo, pensamos, que influi na redução das tensões sociais, presentes nas condições de profunda desigualdade social em que vivemos, na medida em que, enquanto lei, “dá”, o que a desigualdade social “nega”.


Na verdade, são, para nós, regras novas para um jogo velho. É certo que as regras vão além da garantia do direito. Estabelecem, entre outros o reordenamento dos serviços, a municipalização, a precedência de atendimento da criança e do adolescente nos serviços, a preferência na formulação e execução das políticas públicas e a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e juventude. Mais que isso estabelece a gestão paritária da sociedade civil e poder público, através dos Conselhos de Direitos na elaboração das políticas públicas destinadas à criança e ao adolescente, assim como a criação dos Conselhos Tutelares para fiscalizar e fazer cumprir esses direitos. Contudo, se essas medidas demandam tempo e recursos para sua implementação, carecem antes de tudo do compromisso com o reconhecimento desses direitos, expresso pela efetiva destinação de recursos orçamentários, segundo as prioridades estabelecidas, a partir de diagnósticos não mascarados, da situação concreta da criança e do adolescente em cada município. É desse ponto de vista, que nos sentimos mais otimistas, ao tomar o ECA, (BRASIL, 1990) antes como “carta de intenções” e instrumento de luta por mudanças que possam produzir impacto nas condições de vida da criança e do adolescente, que como “garantia de direito”. E é com essa perspectiva que temos inserido o ECA e suas proposições no ensino de graduação em Terapia Ocupacional.


Objetivos


Para isso, estabelecemos objetivos, que vão do: (a) conhecer os direitos da criança e do adolescente: a legislação e suas implicações à (b) busca do significado do “ser criança”, “ser adolescente” e “tornar-se sujeito de direitos”; passam pela (c) identificação das implicações da condição peculiar de “pessoas em desenvolvimento”, para, a partir daí (d) reconhecer-se enquanto agente de intervenção, refletindo sobre o seu papel e suas possibilidades de ação no cotidiano de crianças e adolescentes, alvos de violação de direitos.


Metodologia


Como temos trabalhado com pelo menos duas frentes de inserção desse conteúdo, temos visto que é possível atingir parcial ou totalmente esses objetivos, dependendo da carga horária disponível para se caminhar passo a passo, de uma para outra etapa.


Uma das frentes se dá pela oferta de cursos de extensão, que tratam dos direitos da criança e do adolescente. Neste caso é possível estabelecer o tempo mínimo desejável, que nos permite aplicar a metodologia proposta de forma completa.


Essa metodologia inclui: leitura, análise crítica e discussão de textos e da legislação; reflexão individual e grupal sobre os tópicos apresentados; apresentação e discussão dos comentários; dinâmicas grupais; convite para olhar-se (levar-se a refletir sobre o modo como se relaciona com a criança e o adolescente). Nesse caso, o menor tempo experimentado foi o de 12 horas (presenciais), distribuídas em 3 sábados seguidos; o tempo das 3 semanas permite a aplicação de tarefas domiciliares e oferece o tempo necessário para o exercício das reflexões propostas. Como era de se esperar, o melhor tempo utilizado, que permitiu a abordagem ampla e aprofundada, com melhores resultados foi, sem dúvida, o que foi oferecido em 60 horas, distribuídas ao longo de um semestre.


Outra frente de inserção dos direitos da criança e do adolescente se dá diretamente no ensino de graduação, pela introdução desse conteúdo, nos espaços que vem sendo abertos dentro de disciplinas do currículo em vigor; isso, contudo, varia de acordo com a percepção do docente responsável, acerca da pertinência e da importância da inserção desse conteúdo naquela disciplina e naquele momento.


As disciplinas em que esse espaço foi constituído estão em diferentes perfis do Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos; são elas: Introdução Prática em Terapia Ocupacional (TO-01), Terapia Ocupacional Aplicada: Infância e adolescência 1 (TO-05), Integração do Papel Profissional (TO-08), Terapia Ocupacional Aplicada: Infância e adolescência 2 (TO-06), Desenvolvimento do Papel Profissional (TO-07). Essa condição também determina diferentes possibilidades de aproveitamento e articulação desse conteúdo, com os demais conteúdos do curso, conforme o perfil contemplado. Espaços outros são produzidos pela iniciativa de alunos da disciplina Dinâmica Institucional: Programa e Ação Profissional (TO-04) com demandas as mais diversas, relacionadas às Instituições do Município que atuam com crianças e adolescentes, tais como Casa Aberta, Desafio Jovem, NAI, Abrigo Infantil, Programa de Medidas Sócio-Educativas, Salesianos, Casa da Criança, entre outras.


Além disso, a convite de docentes, pudemos também levar essas proposições para o Curso de Graduação em Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo de Ribeirão Preto. Em duas oportunidades distintas pudemos discutí-las respectivamente com a 1ª e 2ª turmas desse Curso.


Embora, nos espaços criados dentro de disciplinas o tempo seja restrito, obrigando-nos à uma abordagem mais ampla e menos aprofundada do conteúdo a ser tratado, a forma de conduzí-los permanece necessariamente a mesma: trazer à tona o que os alunos sabem e/ou pensam, cotejando com o que está proposto na legislação e indagando-os acerca das concepções aí presentes, levando-os dessa forma a refletir e a distinguir conceitos de preconceitos, para com base nisso, pensar qual o papel e o objetivo da contribuição de cada um.


Essa estratégia pedagógica é central nos resultados obtidos, seja nas disciplinas de graduação, seja nos cursos de extensão, seja nas assessorias e orientações realizadas.


Resultados


A estratégia adotada, discussão aberta e democrática, a partir do saber e do olhar de cada um, tem permitido construir um novo e mais amplo saber, de natureza coletiva; esse saber, sobre os direitos da criança e do adolescente e suas relações com o desenvolvimento humano, vem se refletindo nas posturas daqueles que participam dessa experiência de ensino, no modo como se percebem e daí como se relacionam com as crianças e adolescentes, em especial os que sofrem violações de direitos. Contudo é imperioso reconhecer que o sucesso da proposta depende da especial decisão de quem dela participa: a de aderir à proposta metodológica, de “levar-se a refletir”, aceitar o “convite para olhar-se” buscando identificar seus próprios conceitos e preconceitos acerca dessas crianças e adolescentes e a partir daí repensar suas relações e possibilidades de ação.


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!

Ressaltamos que os espaços de ensino desses direitos na graduação em TO são ainda restritos, respeitando os limites do conteúdo programático de disciplinas onde é pertinente e possível a sua inserção, de acordo com o projeto pedagógico do Curso. Daí que é nas atividades de extensão (cursos, palestras e assessorias) que a construção coletiva desse conhecimento tem se dado de forma mais plena e abrangente, com a participação de acadêmicos e profissionais de diferentes áreas. Com relação aos cursos de extensão, foram 4 ofertas: a 1a. com 12 horas, em 1999; a 2a. e 3a. com 60 horas cada, em 2000 e 2001, no I e III Cursos de Extensão em Direitos Humanos da UFSCar _Universidade Federal de São Carlos, e a 4a. com 8 horas, em 2002, específica para candidatos a conselheiro tutelar de Analândia. Esses cursos têm alcance regional e multiprofissional; além de São Carlos, outras 8 cidades já participaram, envolvendo um total de 18 categorias profissionais, além de pais, alunos de graduação de diversos cursos e representantes de funções de responsabilidade pública.


De qualquer forma, seja através do espaço dentro de disciplina, seja através dos cursos de extensão, seja nas orientações, o aproveitamento ou aprendizado do conteúdo proposto passa pela dificuldade da não oferta de “receitas” ou “’respostas prontas”, na medida em que se orienta pelo questionamento de concepções e modelos de intervenção; é um caminho na busca de um novo olhar para a criança e o adolescente, especialmente difícil porque trata do desvelar valores, sobre os quais estão assentados não apenas os modelos convencionais de percepção sobre o ser criança ou o ser adolescente, como os próprios modelos adotados por nós, agentes de atuação para nos relacionarmos com essas crianças e adolescentes.


Ressaltamos ainda que a construção das políticas públicas de atendimento dos direitos da criança e do adolescente passa necessariamente pelo abandono desses velhos modelos; inevitável deparar com a angústia, quando se percebe que o novo modelo onde criança e adolescente são sujeitos de seus próprios direitos não está “pronto”; há que ser construído a partir de nós mesmos, de nossas mudanças individuais, gradativamente, no cotidiano de nossas relações com as crianças, com os adolescentes, com os nossos pares e com os poderes públicos. Nesse sentido, os cursos de extensão se colocam como o ambiente privilegiado porque propiciam o compartilhar de diferentes saberes, de diferentes pessoas, de diferentes áreas potencializando a magnitude dos resultados.


No que se refere à divulgação, temos levado essas proposições para encontros e reuniões científicas, na tentativa de colocar em discussão essas proposições, convidando nossos pares a refletir acerca de sua pertinência.


Conclusão


Podemos prosseguir desconsiderando o avanço alcançado com o Estatuto da Criança e do Adolescente, protegendo-nos da possibilidade de vermos “abalado” o cotidiano das nossas intervenções destinadas a crianças e adolescentes. Podemos continuar persistindo nos velhos objetivos, destinando nossas ações para “educá-los”, “higienizá-los”, “corrigí-los”, “ocupá-los” ou “empregá-los”, porque “mudar é muito difícil”. De fato é; requer o confronto com o nosso não saber e nosso receio de lidar com isso. O que fazer dos nossos antigos procedimentos? Que outros adotar?  São indagações que nos obrigam a rever não apenas conhecimentos, mas também descobrir preconceitos. Daí requer disponibilidade, coragem ou humildade para admitir os provavelmente também seus preconceitos. Para quem de nós isso não é penoso?  Contudo, sem essa disponibilidade para olhar para si próprio, fica difícil identificar quais das próprias percepções carecem de sustentação. Sem abrir mão de antigos conceitos, como enxergar novas possibilidades? Como mudar de postura, passar a ver a criança e o adolescente como sujeitos de direitos, que precisam ser respeitados e como ultrapassar a idéia do “coitado, abandonado, inferior e marginal”, que precisa ser “tutelado ou punido”, se os continuarmos vendo e com eles nos relacionando dessa forma?


E se de um lado, não basta o exercício individual, sendo preciso que a reflexão alcance a expressão de natureza coletiva, de outro, o coletivo depende da expressão de cada um. Essa a importância dessa nossa iniciativa e da estratégia pedagógica adotada: dar oportunidade a cada um daqueles que participam dessa iniciativa de aventurar-se por esse caminho, começando por nós mesmos. Por isso, inserir os direitos da criança e do adolescente no ensino de graduação em Terapia Ocupacional não tem sido uma tarefa fácil.


Como a construção de uma nova forma de agir, de um novo modelo de intervenção, à luz das concepções do Estatuto da Criança e do Adolescente, passa necessariamente pela reformulação de conceitos e enfrentamento de preconceitos, que se não superados, inviabilizam qualquer possibilidade de “igualdade”, partimos do olhar para o interior de nós mesmos; daí em diante temos travado nossa própria batalha, confrontando-nos diária e desconfortavelmente com aquilo que não gostaríamos de ver, nossos próprios preconceitos. Em oportunidade anterior pudemos relatar as dificuldades dessa caminhada (EL-KHATIB, 2001). Pudemos descrever e compartilhar parte do difícil processo que nos permitiu chegar até aqui.


Finalizamos convidando nossos pares a um exercício de reflexão: que tipo de sociedade gostaríamos de construir para os nossos filhos? Em que projeto de sociedade queremos vê-los trabalhando?


 


Referências Bibliográficas:

BRASIL. Código de Menores Lei n. 6697 de 10 de outubro de 1979. Lex – Coletânea de Legislação e Jurisprudência, São Paulo, v. 63, p.786-803, 1979.

BRASIL. Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei Federal n. 8069 de 13 de julho de 1990. São Carlos. Edição elaborada pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente de São Carlos e Universidade Federal de São Carlos, 1993.

EL-KHATIB, U. Os direitos da criança e do adolescente e a situação dita de risco pessoal e social. In: Norma Felicidade. (Org.). Caminhos da cidadania: um percurso universitário em prol dos direitos humanos. São Carlos: EDUFSCar, 2001, p. 89-104.


Informações Sobre o Autor

Umaia El-khatib

Profa. Adjunta do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos


Está com um problema jurídico e precisa de uma solução rápida? Clique aqui e fale agora mesmo conosco pelo WhatsApp!
logo Âmbito Jurídico