A Interpretação Extensiva no Agravo de Instrumento do Código de Processo Civil de 2015

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Autor: Bruno Martins Duarte Ortiz – Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco (2015). Pós-Graduado em Direito Processual Civil pela UCDB (2018). E-mail: [email protected]

Orientador: Vilson BertelliDesembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. Doutor em Direito Processual Civil pela Universidade de São Paulo – USP (2016). E-mail: [email protected]

 

Resumo: O presente artigo tem como finalidade demonstrar a insuficiência das hipóteses de recorribilidade previstas no rol taxativo do artigo 1.015 do CPC/2015, e analisar a efetividade da aplicação da interpretação extensiva ao referido dispositivo. Será apresentado um breve histórico do instituto, sua origem e evolução legislativa e logo após, uma abordagem sobre as mudanças trazidas pelo “novo” código e seus impactos positivos ou negativos. No terceiro ponto será observado o atual cenário do recurso na prática e, por fim, serão apresentadas possíveis soluções para os problemas expostos com o referido instrumento processual.

Palavras-Chave: Interpretação; Extensiva; Agravo de Instrumento; Código de Processo Civil de 2015;

 

 

EXTENSIVE INTERPRETATION AT INTERLOCUTORY APPEAL OF 2015 PROCEDURE CIVIL CODE

 

Resume: The present study aim to show the insufficient of the resort hypothesis envisaged at the restrictive list of article 1.015 of CPC/2015 and analyze the effectiveness of the extensive interpretation application to the mentioned device. It will be shown a brief institute historic, it’s origin and legislative evolution and soon after, an approach   about the changes brought by the “new” code and its positives or negatives impacts. At the third point, it will be observed the present scene of the resource in the practice and, by the end, it will be shown possible solutions to solve the problems exposed with the procedural instrument above.

Keywords: Extensive; Interpretation; Interlocutory appeal; 2015 Procedure Civil Code;

 

Sumário:   Introdução; 1. Evolução Legislativa; 2. A Taxatividade do art. 1015 do CPC/2015; 3. Soluções para as dificuldades de aplicação do rol taxativo; 3.1. O Mandado De Segurança – tentativa de superação do problema; 3.2.  A Interpretação Extensiva; Conclusão.

 

INTRODUÇÃO

Passados 2 (dois) anos da vigência do novo CPC, diversos dispositivos da nova lei foram e continuam sendo objetos de discussão e/ou controvérsias doutrinárias e jurisprudenciais.

Dentre eles, o artigo 1.015 do CPC, que regula as hipóteses de cabimento do recurso de agravo de instrumento, ainda é um dos mais recorrentes. A inovação legislativa trazida pelo rol taxativo do artigo 1.015 gerou e gera inúmeros conflitos das mais variadas formas.

Como válvula de escape, muitos operadores bem como magistrados vêm aplicando a interpretação extensiva às hipóteses elencadas no aludido dispositivo legal. Tal possibilidade vem se mostrando controversa em todo o território nacional, tanto é que o próprio STJ afetou, recentemente, recurso especial para tratar da matéria.

O presente trabalho visa apontar os pontos positivos e negativos da nova sistemática, bem como estudar os efeitos e a possibilidade de interpretação extensiva nas hipóteses previstas no artigo 1.015 do CPC.

 

1 EVOLUÇÃO LEGISLATIVA

Tem-se conhecimento que o surgimento do recurso de agravo de instrumento somente se deu nas Ordenações Manoelinas de 1521.

Nunes e Nóbrega (2015) explicam que as Ordenações Filipinas, de 1603, preservaram a regência dos agravos, sendo clara a tendência que teve para hiperdimensioná-los. Explanam ainda que as Ordenações Filipinas foram largamente empregadas no Brasil e, também, mesmo após a independência, constituíram a nossa primeira legislação processual.

Ao longo da evolução legislativa do ordenamento jurídico brasileiro, dentre os recursos, o agravo de instrumento é, sem dúvidas, o que mais sofreu alterações.

O Código de Processo Civil de 1939, assim como o atual, previa um rol taxativo das hipóteses de recorribilidade por agravo de instrumento, disposto no seu artigo 842[1].

Embora, vale observar que o CPC/39 previa não só o agravo de instrumento para impugnação de decisão interlocutória, mas também o agravo no auto do processo (destinado a evitar preclusão de decisão interlocutória) e o agravo de petição (cabível para impugnar decisões extintivas do processo sem julgamento do mérito).

Contudo, ainda assim eram constantes as críticas em razão do sistema não facultar aos operadores agravar em situações não expressamente indicadas no artigo supramencionado.

O Código de Processo Civil de 1973, por sua vez, manteve o agravo de instrumento, extinguiu o agravo de petição, e inseriu o agravo retido em substituição ao agravo no auto do processo.

Não obstante, foi eliminado o rol taxativo das hipóteses de cabimento do recurso de agravo e passou a ser possível a sua interposição de toda decisão interlocutória, no prazo de 5 (cinco) dias, perante o juízo a quo, que poderia reformar ou manter sua decisão.

Com a reforma processual trazida pela Lei 9.139/95, o recurso denominado de agravo de instrumento passou a receber a denominação genérica de agravo, dividido nas duas modalidades: agravo de instrumento e agravo retido – conforme artigo 522[2] do CPC/73.

Ademais, a referida lei alterou o procedimento de interposição do recurso de agravo de instrumento, estabelecendo que a sua interposição a partir de então se daria diretamente ao tribunal competente para julgá-lo, regra esta mantida no CPC/2015, em seu artigo 1.016, caput[3].

Além disso, ainda na vigência do CPC/1973, a Lei 10.352/2001 trouxe duas importantes alterações ao agravo de instrumento: (i) a obrigatoriedade de comunicação ao juízo de primeira instância da interposição do agravo – regra esta também mantida pelo CPC/2015 em seu artigo 1.018 (apenas nos casos de processos físicos); e (ii) a antecipação da tutela recursal.

Ou seja, como se vislumbra, grande parte dos procedimentos do CPC/2015 do recurso de agravo de instrumento são decorrentes destas alterações legislativas ocorridas nos códigos processuais de 1939 e 1973.

Após 42 anos da vigência do CPC/1973, foi sancionado, em 16 de março de 2015, o Código de Processo Civil de 2015, que novamente alterou o procedimento do agravo de instrumento, principalmente quanto às hipóteses de recorribilidade.

O legislador optou por trazer de volta o rol taxativo do CPC/1939, apenas mudando as hipóteses de cabimento do recurso, além de extinguir a figura do agravo retido.

 

2 A TAXATIVIDADE DO ARTIGO 1.015 DO CPC/2015

Já é pacífico que o rol do artigo 1.015 do CPC, que abrange as hipóteses de recorribilidade por agravo de instrumento, é taxativo.

Da taxatividade do rol não há divergências, inclusive até mesmo os que defendem a possibilidade da interpretação extensiva, também entendem que o rol é, de fato, taxativo.

Neste sentido, DIDIER e CUNHA (2018, p. 245), defensores da aplicabilidade da interpretação extensiva, reconhecem que as decisões interlocutórias proferidas na fase de conhecimento, que não estão relacionadas no art. 1.015 do CPC, nem na legislação extravagante, não são agraváveis.

Muito provavelmente, a justificativa do retorno do rol taxativo tem como motivo principal o desafogamento dos tribunais, que se viam asfixiados com o volumoso número de agravo de instrumento interpostos a todo momento.

É fato que na égide do CPC/73, em que era possível agravar de qualquer decisão interlocutória, o uso excessivo do recurso de agravo de instrumento foi indicado como um dos fatores principais de sobrecarga dos tribunais.

A título de exemplo, o professor Gilberto Bruschi menciona, nestes casos, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, que até certa época facilitava ainda a interposição de agravo de instrumento, uma vez que não cobrava custas/preparo para este recurso.

Ou seja, somando a possibilidade de agravo de instrumento em face de qualquer decisão interlocutória com a inexigibilidade de custas, o TJSP ficou conhecido por muitos operadores como o “Tribunal dos Agravos”, tendo em vista a imensurável quantidade de agravos de instrumento pendentes de julgamento naquela corte.

Não obstante, o fato é que ainda que cobradas as taxas judiciárias para interposição do recurso, o agravo de instrumento mesmo assim era instrumento (peça) de grande e até mesmo excessiva utilização pelos operadores.

Com efeito, a taxatividade freou o número de recursos dirigidos aos tribunais de justiça, agradando o poder Judiciário, mas ao mesmo tempo desamparando os operadores.

É notório, conforme mencionado, que o retorno do rol taxativo ao recurso de agravo de instrumento gera expressiva diminuição no número de recursos e, consequentemente, desafogou os tribunais.

Ocorre que, por outro lado, a taxatividade gera aos advogados e jurisdicionados uma sensação de desamparo diante de decisões de grande relevância no curso do processo, como por exemplo as que versam sobre provas ou competência.

Como cediço, o rol das hipóteses de recorribilidade por agravo de instrumento não prevê o cabimento do recurso em face de decisões que versam sobre provas ou competência. Ocorre que se trata de decisões urgentes, que necessitam ser apreciadas e julgadas de imediato.

Por consequência, uma decisão de indeferimento de provas ou de rejeição da alegação de incompetência (indeferindo provas ou declinando a competência), por exemplo, se futuramente revertidas no julgamento do recurso de apelação (em preliminar de apelação), anulariam todo o processo.

Ou seja, em razão do risco de anulação de todo o processo, a nova sistemática pode ferir até mesmo o princípio da celeridade e economia processual, tendo em vista que todos os atos processuais terão que novamente ser praticados, levando mais tempo para o desfecho da demanda.

 

3 SOLUÇÕES PARA AS DIFICULDADES DE APLICAÇÃO DO ROL TAXATIVO

3.1 O Mandado De Segurança – tentativa de superação do problema

Buscando uma saída para a situação de desamparo nos casos de irrecorribilidade por agravo de instrumento, a primeira opção que os doutrinadores e operadores enxergaram foi o mandado de segurança.

Conforme já explanado, o rol do artigo 1.015 não prevê a possibilidade de recurso em algumas situações urgentes e imediatas, que por certo deveriam estar elencadas, como aquelas tratadas no tópico anterior, que versam sobre provas e competência.

Coloca-se a questão, assim, sobre o que se fazer contra decisões interlocutórias que não sejam imediatamente recorríveis. Embora cabível a rediscussão na fase do recurso de apelação (em preliminar ou nas contrarrazões) contra as interlocutórias não agraváveis, tal recurso poderá se mostrar ineficaz. (MEDINA, 2017, p. 1533).

O professor José Miguel Garcia Medina (2017) explica que o legislador procurou antever, com base na experiência haurida à luz da lei processual revogada, os casos em que, sob a nova lei, justificariam a recorribilidade imediata da decisão interlocutória.

A riqueza das situações que podem surgir no dia a dia do foro escapa da inventividade do legislador. Medina (2017) conclui que nestes casos, à falta de recurso que possa ser usado imediatamente contra a decisão, poderá ser o caso de se fazer o uso do mandado de segurança.

Ou seja, ainda que tenha o CPC/2015 se esforçado em tentar listar as principais situações que deveriam ser desde logo submetidas ao tribunal, a realidade é sempre muito mais rica que a imaginação do legislador, que não deve cair na tentação de aprisioná-la. Caso contrário, em situações-limite, a jurisprudência se verá compelida a lançar mão de soluções heterodoxas, como admitir a impetração de mandado de segurança contra decisões interlocutórias (ROQUE et al. 2016).

A prática, entretanto, tem sido muito diferente do previsto. O que se tem visto é uma firme tendência dos tribunais, inclusive do STJ, em refutar tal expediente, reafirmando a impossibilidade da impetração do mandado de segurança como substituto do agravo de instrumento (ELIAS FILHO et al. 2017).

Por outro lado, uma parte minoritária da doutrina possui entendimento no mesmo sentido dos tribunais:

Em nosso entender, permitir simplesmente o cabimento de mandado de segurança contra ato judicial, com fundamento no art. 5.º, II, da Lei 12.016/2009 (da decisão judicial contra a qual não caiba imediato recurso com efeito suspensivo), implicaria numa subutilização de uma garantia constitucional, rebaixando o mandado de segurança a mero sucedâneo recursal, o que não se admite no Estado Constitucional, além do que se a decisão é recorrível pela via diferida da apelação, eventual impetração de mandado de segurança merecerá indeferimento liminar da petição inicial. (MARANHÃO, 2016).

Conquanto, acredita-se não ser o melhor entendimento a vedação do uso do mandado de segurança. Ora, não pode o jurisdicionado ficar desamparado diante de uma decisão que lhe causa prejuízo. Havendo situação urgente e imediata e considerando-se a impossibilidade de recurso através do agravo de instrumento, a apelação mostra-se, de fato, ineficaz.

 

3.2 A Interpretação Extensiva

Antes mesmo da vigência do novo diploma processual, os professores Fredie Didier Jr. e Leonardo Carneiro da Cunha já possuíam entendimento favorável à possibilidade de interpretação extensiva no agravo de instrumento, especificamente quanto às decisões que tratavam de competência, inciso III do artigo 1.015 do CPC.

A decisão relativa à convenção de arbitragem é uma decisão que trata de competência. Se a decisão que rejeita a alegação de convenção de arbitragem é agravável, também deve ser agravável a que trata de uma competência, relativa ou absoluta. (…). Embora taxativas as hipóteses de agravo de instrumento, aquela indicada no inciso III do art. 1015 comporta interpretação extensiva para incluir a decisão que versa sobre competência (DIDIER e CUNHA, 2016).

Neste sentido, noticiou-se que poucos dias após a entrada em vigor do CPC/2015, um desembargador do TRF2 admitiu recurso de agravo de instrumento para discutir questão que versava sobre competência, fundamentando sua decisão na doutrina supramencionada.

Após tal episódio, diversos outros tribunais acabaram seguindo o mesmo entendimento e passaram a conhecer recursos de agravo de instrumento que versavam sobre competência, como exemplo: TJSP[4], TJBA[5], TJMG[6] entre outros.

Inclusive o próprio STJ já proferiu entendimento seguindo a mesma ótica, reconhecendo que a gravidade das consequências da tramitação de uma causa perante juízo incompetente permite interpretação mais ampla do inciso III do artigo 1.015, de forma que o agravo de instrumento possa ser considerado recurso cabível para afastar a incompetência, permitindo que o juízo natural e adequado julgue a demanda[7].

Com efeito, os referidos julgados, que autorizam a interpretação extensiva do art. 1015, III, do CPC, para também se abarcar as hipóteses de competência, estão em linha com as normas fundamentais do CPC (artigos 4 e 8), garantindo-se que uma relevante e importantíssima questão processual – competência – não seja tardiamente enfrentada apenas quando do julgamento do recurso de apelação (NETO, Elias Marques de M. et. al., 2017).

Ademais, além da questão da competência, vale citar por exemplo a decisão interlocutória que indefere pedido de produção antecipada de prova fundada em urgência (art. 381, I, do CPC/2015). Esta, por tratar-se de variação de tutela provisória, acaba sendo agravável por interpretação extensiva ao inciso I do art. 1.015 (MEDINA, 2017, p. 1531-1532).

Válido apontar ainda, a decisão proferida também pelo STJ no REsp 1694667/PR[8], em que o Ministro Herman Benjamin conheceu agravo de instrumento em face de decisão interlocutória que indeferiu efeito suspensivo aos embargos à execução, por interpretação extensiva ao inciso X do artigo 1.015.

DIDIER e CUNHA (2018, p. 249-250) observam, ainda, que no sistema brasileiro há vários exemplos de enumeração taxativa que comportam interpretação extensiva, como, por exemplo, no direito tributário, em que a lista de serviços tributáveis admite interpretação extensiva dentro de cada item, para permitir a incidência do ISS sobre serviços correlatos àqueles previstos expressamente. Do mesmo modo, no direito processual penal, nas hipóteses de cabimento do recurso em sentido estrito, que são taxativas, mas se admite interpretação extensiva “desde que a situação que se busca enquadrar tenha similitude com as hipóteses do art. 581 do CPP” – STJ, 6ª Turma, REsp 197.661/PR, rel. Min. Maria Thereza de Assis Moura, julgado em 12/06/2008, DJe 01/12/2008.

Ou seja, podemos afirmar pelos exemplos acima, além de outros, que o ordenamento jurídico brasileiro admite, na taxatividade, a interpretação extensiva.

Não obstante, há ainda a resistência de vários tribunais, como exemplos: TJMS[9], TJRS[10], TRF3[11], TJRJ[12], entre outros, que interpretam de maneira literal e restritiva o rol do artigo 1.015, não admitindo agravos de instrumento que versam sobre competência por não se enquadrar no rol do referido dispositivo legal.

Há de ressaltar, ainda, aqueles tribunais que divergem dentro do próprio órgão, como é o caso do TJMG e TJMS, cujas próprias câmaras internas possuem entendimentos divergentes. Por exemplo: No TJMG, a 13ª Câmara Cível admite a interpretação extensiva[13] e a 10ª Câmara Cível não admite[14], enquanto no TJMS, a 4ª Câmara Cível[15] admite a interpretação extensiva, enquanto a 3ª e 5ª Câmara Cível não admitem.

É inadmissível que um mesmo tribunal possua decisões diferentes para casos idênticos, situação que fere diretamente a essência do novo código de processo civil, que tanto contempla a segurança jurídica.

O artigo 926 do CPC é imperativo nesse sentido: “Os tribunais devem uniformizar sua jurisprudência e mantê-la estável, íntegra e coerente”. Não pode o judiciário transmitir tamanha situação de insegurança ao jurisdicionado, sugerindo, na verdade, uma aventura ao ajuizar uma demanda, ficando refém do entendimento individual de quem julgará sua causa.

Diante de tanta divergência, o Superior Tribunal de Justiça, acertadamente, decidiu afetar o Recurso Especial n. 1.704.520 – MT ao rito dos recursos especiais repetitivos, a fim de definir a natureza do artigo 1.015 e a possibilidade ou não da interpretação extensiva.

Veja-se o voto da relatora, Ministra Nancy Andrighi:

“PROPOSTA DE AFETAÇÃO. RECURSO ESPECIAL. REPRESENTATIVO DE CONTROVÉRSIA. SELEÇÃO. AFETAÇÃO. RITO. ARTS. 1.036 E SS. DO CPC/15. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONTROVÉRSIA. NATUREZA. ROL DO ART. 1.015 DO CPC/15. 1. Delimitação da controvérsia: definir a natureza do rol do art. 1.015 do CPC/15 e verificar possibilidade de sua interpretação extensiva, para se admitir a interposição de agravo de instrumento contra decisão interlocutória que verse sobre hipóteses não expressamente versadas nos incisos de referido dispositivo do Novo CPC. 2. Afetação do recurso especial ao rito do art. 1.036 e ss. do CPC/2015”

Ou seja, ao afetar o referido recurso especial ao rito dos recursos repetitivos, o STJ resolveu uniformizar o entendimento da possibilidade de aplicação ou não da interpretação extensiva no rol do artigo 1.015 do CPC.

Trata-se de julgamento de extrema importância, tendo em vista que o entendimento que for proferido no Recurso Especial supramencionado terá força vinculante (precedente forte) e deverá ser observado e aplicado em todos os tribunais do território nacional, por força do inciso III do artigo 927 do CPC[16].

O Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC) também possui enunciados favoráveis à interpretação extensiva do artigo 1.015 do CPC, senão vejamos:

“Enunciado 29: (art. 298, art. 1.015, I) É agravável o pronunciamento judicial que postergar a análise do pedido de tutela provisória ou condicionar sua apreciação ao pagamento de custas ou a qualquer outra exigência.

Enunciado 177: (arts. 550, § 5º e 1.015, inc. II) A decisão interlocutória que julga procedente o pedido para condenar o réu a prestar contas, por ser de mérito, é recorrível por agravo de instrumento”

Como se observa, a academia manifesta entendimento a favor da interpretação extensiva não só nas questões de competência, mas sempre que possível a analogia, por se tratarem de situações semelhantes, observando o princípio da igualdade (art. 7°, CPC).

E diferente não poderia ser, afinal se cabível a flexibilidade da norma para os casos de competência (inciso III), também deve haver cabimento para todos os demais incisos do artigo.

Ademais, até decisão definitiva do STJ sobre o tema, deve-se atentar a um grave problema colateral: a preclusão.

Como cediço, nos casos de decisões interlocutórias que comportam recurso de agravo de instrumento, a parte deve interpor o recurso, sob pena de preclusão imediata, e na hipótese de decisão que não admite o agravo, não haverá preclusão de imediato, podendo a parte interessada rediscutir a matéria em sede de apelação, sob pena de preclusão.

Dessa forma, quando são ampliadas as hipóteses de recorribilidade para situações não previstas literalmente na lei, há um importante efeito colateral para o qual ainda não se deu a devida atenção: também podem ser criadas novas hipóteses de preclusão imediata (ROQUE et al. 2016).

O professor André Roque et al (2016) exemplifica a situação da seguinte forma: Imagine-se, por exemplo, um advogado que deixa de interpor agravo de instrumento, por não encontrar a competência entre as matérias relacionadas no artigo 1.015 do CPC/2015, confiando que poderá rediscuti-la na apelação. Caso o tribunal julgador tenha entendimento pela possibilidade de interpretação extensiva, este advogado poderá ter a desagradável surpresa de não ver a sua alegação de incompetência apreciada no julgamento da apelação, sob o fundamento de que, em decorrência de interpretação extensiva do art. 1.015, III, a matéria precluiu de imediato.

Ou seja, vivemos tempo de insegurança jurídica no agravo de instrumento, posto que os operadores não sabem mais o que preclui e o que não preclui de imediato. O que se vê atualmente na prática são advogados interpondo agravo de instrumento em face de qualquer decisão interlocutória. Afinal, antes o tribunal dizer o não cabimento do agravo, do que posteriormente, no julgamento da apelação, a corte entender que a matéria já precluiu (ROQUE et al. 2016).

Sem dúvidas, em consagração ao pilar da segurança jurídica, espera-se que o STJ reconheça e julgue pela possibilidade da interpretação extensiva, contemplando os princípios da efetividade, economia processual e duração razoável do processo (art. 4°, CPC).

 

CONCLUSÃO

Sintetizando as ideias expostas, é válido registrar alguns pontos de conclusão sobre o trabalho apresentado.

O primeiro ponto refere-se à opção do legislador em trazer de volta a taxatividade das hipóteses de recorribilidade por agravo de instrumento.

Pelo lado positivo, a nova sistemática descarregou os tribunais que se encontravam superlotados, tendo como um dos principais fatores o número excessivo de recursos de agravos de instrumento.

Entretanto, por outro lado, houve um reflexo negativo, uma vez que o sistema desamparou os operadores e os jurisdicionados, deixando-os sem instrumento de impugnação adequado, forçando-os a utilizar o mandado de segurança como válvula de escape nas questões urgentes e imediatas.

O segundo ponto trata das alternativas para preencher a insuficiência do rol taxativo do artigo 1.015.

Primeiro, o mandado de segurança foi apontado como um sucedâneo recursal, mas o que se viu ao longo desses 2 anos de vigência do novo código, foi uma forte resistência por parte dos tribunais em não admitir tal recurso nos referidos casos.

Segundo, passou-se a aceitar a interpretação extensiva nas hipóteses elencadas no dispositivo legal retro, alternativa essa ainda em discussão no STJ em sede de recurso especial repetitivo.

O último ponto diz respeito à efetividade da interpretação extensiva, caso eventualmente a Corte Superior entenda pela possibilidade de sua aplicação.

É de se questionar se a interpretação extensiva realmente solucionará o problema. Por mais que tal técnica possa resolver algumas situações, como no próprio caso da competência, alguns outros casos continuarão desamparados da recorribilidade por agravo de instrumento, como é o caso, por exemplo, da decisão que denega a produção de provas, posto que, mesmo com a interpretação extensiva, não há inciso adequado para estender a tal situação.

É evidente que a o indeferimento de produção de provas é tão relevante quanto o declínio de competência, de modo que ambas as decisões, se reformadas, sujeitam o processo à anulação desde o pronunciamento judicial revisto.

Dessa forma, constata-se que, embora a interpretação extensiva possa solucionar algumas questões, outras ainda continuarão desprotegidas de um recurso imediato, sujeitas apenas a reavaliação em sede de apelação, o que, na maioria das vezes, se mostra ineficaz.

Não obstante, a alternativa resolverá alguns problemas neste primeiro momento. Espera-se que a Corte Superior reconheça a aplicabilidade da interpretação extensiva ao artigo 1.015 do CPC e futuramente a riqueza dos casos jurídicos revelarão eventuais novos obstáculos, que serão estudados e enfrentados da melhor forma no momento oportuno.

 

REFERÊNCIAS

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TJBA. Agravo de Instrumento 00154926120168050000, rel. Rosita Falcão de Almeida. DJe: 25/10/2016. Disponível em: https://tj-ba.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/423005554/agravo-de-instrumento-ai-154926120168050000. Acesso em: abril/2018

 

TJMG. Agravo 10000160580619002. rel: Cabral da Silva. j: 18/10/2016. DJe: 19/10/2016. Disponível em: https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/397099955/agravo-interno-cv-agt-10000160580619002-mg. Acesso em: abril/2018

 

_____. Agravo de Instrumento 10000170482087001. rel. Alberto Henrique. j: 24/07/2017. DJe: 25/08/2017. Disponível em: https://tj-mg.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/492936127/agravo-de-instrumento-cv-ai-10000170482087001-mg. Acesso em: abril/2018

 

TJMS. Agravo 14131272020178120000 rel. Fernando Mauro Moreira. J: 10/04/2018. DJe: 23/04/2018. Disponível em: https://www.tjms.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=765157&cdForo=0. Acesso em: 26/04/2018

 

_____. Agravo 1404032-63.2017.8.12.0000, rel. Dorival Renato Pavan, j: 05/07/2017, DJe: 07/07/2017. Disponível em: https://www.tjms.jus.br/cposg5/show.do?processo.codigo=P0000EVGJ12KW&uuidCaptcha=&processo.foro=900#. Acesso em: 26/04/2018

 

TJRJ. Agravo AI 00396652820178190000 rel. Renata Machado Cotta. J: 25/07/2017. DJe: 26/07/2017. Disponível em: https://tj-rj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/481623479/agravo-de-instrumento-ai-396652820178190000-rio-de-janeiro-duque-de-caxias-3-vara-civel. Acesso em: abril/2018

 

TJRS. Agravo de Instrumento AI 70076435320 rel: Marcelo Cezar Muller. Julgado em: 19/01/2018. DJe: 30/01/2018. Disponível em: https://tj-rs.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/548980779/agravo-de-instrumento-ai-70076435320-rs. Acesso em: abril/2018

 

TJSP. Agravo de Instrumento 2187603-32.2016.8.26.0000, rel. Carlos Alberto Grabi. J: 13/12/2016. DJe: 19/12/2016. Disponível em: https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/416944353/agravo-de-instrumento-ai-21876033220168260000-sp-2187603-3220168260000. Acesso em: abril/2018

 

TRF3. Agravo de Instrumento AI 00122274120164030000 RS. rel: Fausto de Sanctis. J: 22/05/2017. DJe: 31/05/2017. Disponível em: https://trf-3.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/498012605/agravo-de-instrumento-ai-122274120164030000-sp. Acesso em: abril/2018

 

 

[1] Art. 842, CPC/39: Além dos casos em que a lei expressamente o permite, dar-se-á agravo de instrumento das decisões: I – que não admitirem a intervenção de terceiro na causa; II – que julgarem a exceção de incompetência; III – que denegarem ou concederem medidas requeridas como preparatórias da ação; IV – que receberem ou rejeitarem “in limine” os embargos de terceiro; V – que denegarem ou revogarem o benefício de gratuidade; VI – que ordenarem a prisão; VII – que nomearem ou destituírem inventariante, tutor, curador, testamenteiro ou liquidante; VIII – que arbitrarem, ou deixarem de arbitrar a remuneração dos liquidantes ou a vintena dos testamenteiros; IX – que denegarem a apelação, inclusive de terceiro prejudicado, a julgarem deserta, ou a relevarem da deserção; X – que decidirem a respeito de erro de conta ou de cálculo; XI – que concederem, ou não, a adjudicação, ou a remissão de bens; XII – que anularem a arrematação, adjudicação, ou remissão cujos efeitos legais já se tenham produzido; XIII – que admitirem, ou não, o concurso de credores, ou ordenarem a inclusão ou exclusão de créditos; XIV – Que julgarem ou não a prestadas as contas; XV – que julgarem os processos de que tratam os Títulos XV a XXII do Livro V, ou os respectivos incidentes, ressalvadas as exceções expressas; XVI – que negarem alimentos provisionais; XVII – que, sem caução idônea, ou independentemente de sentença anterior, autorizarem a entrega de dinheiro ou quaisquer outros bens, ou a alienação, hipoteca, permuta, sub-rogação ou arrendamento de bens.

[2] Art. 522, CPC/73: Das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar à parte lesão grave e de difícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.

[3] Art. 1.016.  O agravo de instrumento será dirigido diretamente ao tribunal competente, por meio de petição com os seguintes requisitos:

[4] TJSP. Agravo 2187603-32.2016.8.26.0000, rel. Carlos Alberto Grabi. J: 13/12/2016. DJe: 19/12/2016

[5] TJBA. Agravo 00154926120168050000, rel. Rosita Falcão de Almeida. DJe: 25/10/2016

[6] TJMG. Agravo 10000170482087001. rel. Alberto Henrique. j: 24/07/2017. DJe: 25/08/2017

[7] STJ. REsp nº 1679909/RS rel. Luis Felipe Salomão. J: 14/11/2017. DJe 01/02/2018

[8] STJ. REsp 1694667/PR rel. Herman Benjamim. DJe: 18/12/2017

[9] TJMS. Agravo 14131272020178120000 rel. Fernando Mauro Moreira. J: 10/04/2018. DJe: 23/04/2018

[10] TJRS. Agravo AI 70076435320 rel: Marcelo Cezar Muller. Julgado em: 19/01/2018. DJe: 30/01/2018

[11] TRF3. Agravo AI 00122274120164030000 RS. rel: Fausto de Sanctis. J: 22/05/2017. DJe: 31/05/2017

[12] TJRJ. Agravo AI 00396652820178190000 rel. Renata Machado Cotta. J: 25/07/2017. DJe: 26/07/2017

[13] TJMG. AI 10000170482087001 MG. rel. Alberto Henrique. j: 24/07/2017. DJe: 25/08/2017

[14] TJMG. Agravo 10000160580619002. rel: Cabral da Silva. j: 18/10/2016. DJe: 19/10/2016

[15] TJMS. Agravo 1404032-63.2017.8.12.0000, rel. Dorival Renato Pavan, j: 05/07/2017, DJe: 07/07/2017

[16] Art. 927.  Os juízes e os tribunais observarão: […] III – os acórdãos em incidente de assunção de competência ou de resolução de demandas repetitivas e em julgamento de recursos extraordinário e especial repetitivos;