Resumo: O presente artigo visa à análise da exigência de cadastramento dos licitantes no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores (SICAF) como condição para participarem de certames na modalidade Pregão em sua forma eletrônica, conforme os preceitos do Decreto 5.450/2005. O estudo tem como ponto de partida o contexto de institucionalização do SICAF no Ordenamento Jurídico Brasileiro e avança rumo à verificação da legalidade da exigência de cadastramento prévio frente aos posicionamentos da doutrina e, especialmente, em relação às disposições do Tribunal de Contas da União.
Sumário: 1. Contextualização. 2. A obrigatoriedade do cadastramento prévio dos licitantes no sicaf e a visão do tcu. 3. Aspectos singulares do pregão eletrônico em relação às demais modalidades de licitação.
1. CONTEXTUALIZAÇÃO
O Sistema de Cadastramento Unificado de fornecedores (SICAF), conforme disposição do Ministério do Planejamento (apud FERNANDES, 2009, p. 189) pode ser entendido como:
“… o módulo informatizado do SIASG, operado on-line, que cadastra e habilita as pessoas físicas ou jurídicas interessadas em participar de licitações realizadas por órgãos e pelas entidades integrantes do SISG. O SICAF desburocratiza e facilita o cadastramento dos fornecedores do Governo Federal, contribuindo para aumentar a transparência e a competitividade das licitações.”
Da análise do conceito, é possível inferirmos que o SICAF foi adotado com a intenção de simplificar o cadastramento dos fornecedores do Governo Federal, servindo inclusive como instrumento de verificação das condições habilitatórias dos cadastrados. Ocorre que, apesar da eficiência proporcionada pelo registro cadastral em análise, muitas são as discussões acerca da sua aplicação, fato que nos impulsiona a buscarmos a origem da ferramenta para melhor entendermos o seu intento.
O SICAF foi introduzido no Ordenamento Jurídico Brasileiro pelo Decreto Federal nº 449, de 17 de fevereiro de 1992, que em seu artigo 3º instituiu o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores e disciplinou as informações mínimas constantes no cadastro. Uma vez que o referido decreto foi editado antes da Lei de Licitações e Contratos (Lei 8.666/93), a figura do SICAF desapareceu com a edição da indigitada Lei, até que a Instrução Normativa MARE – GM Nº 05, de 21 de julho de 1995, restabeleceu a sua aplicação, trazendo, inclusive, a obrigatoriedade de cadastramento dos fornecedores interessados em contratar com os órgãos/entidades integrantes do SISG (Sistema de Serviços Gerais) e com aqueles que optassem pela utilização do SICAF.
A partir do momento em que a IN nº. 5 do MARE, no seu item 1.3, vedou a licitação para a aquisição de bens e contratação de obras e serviços junto a fornecedores não cadastrados no SICAF para qualquer modalidade de licitação, inclusive para as hipóteses de dispensa e inexigibilidade, gerou-se uma celeuma entre os operadores do Direito acerca da aplicabilidade da referida vedação.
Inicialmente, o Tribunal de Contas da União se posicionou favoravelmente às disposições da IN nº 05/MARE, como é possível abstrair do trecho do voto proferido por Iram Saraiva (Processo TC nº. 005.401/96-8, Ata nº. 39/96 – 2ª Câmara, sessão de 31.10.96), onde o ilustre ministro considerou que a imposição aos participantes de licitações na modalidade convite à condição de cadastramento no SICAF não feria o disposto no § 3º do art. 22 da Lei nº. 8.666/93. No entanto, apesar do aval do TCU, a doutrina majoritária era categórica em afirmar a ilegalidade da exigência de prévio cadastramento dos licitantes no SICAF, uma vez que consideravam que tal prática resultava no cerceamento da competitividade das licitações.
Diante das inúmeras críticas, a Corte de Contas iniciou uma revisão em seu entendimento, vindo a determinar à Subsecretaria de Planejamento, Orçamento e Administração do Ministério da Cultura que retirasse de seus editais de licitação a exigência cadastral do SICAF, por meio da Decisão nº. 654/2000. A partir de então, o TCU passou a defender a tese de que a norma disciplinadora da exigência em análise (IN nº 05/MARE) não tinha o condão de impor a todos os órgãos e entidades da Administração Pública Federal a vedação de realizar contratos com fornecedores não cadastrados no SICAF.
Uma vez acusada de afrontar o princípio da legalidade, a Administração Pública Federal reagiu com a edição do Decreto nº. 3.722, de 09 de janeiro de 2001, o que não impediu que o TCU se manifestasse por meio da Decisão nº. 80/2001 – Plenário, onde recomendou ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão que “adote as providências necessárias ao exato cumprimento da lei, tornando insubsistente o disposto no subitem 1.3 e, conseqüentemente, no subitem 1.3.1, da Instrução Normativa nº. 05, de 21 de julho de 1995, do extinto Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado – MARE -, por contrariar os artigos 3º, § 1º, inciso I; 22, §§ 1º, 2º e 3º; 27 e 115 da Lei n.º 8.666, de 21 de junho de 1993”.
É importante ressaltar que o Decreto n º. 3.722/2001, em sua redação original, continuou a impor aos licitantes a obrigatoriedade de cadastramento no SICAF para participação nos certames realizados por órgãos/entidades integrantes do SISG, exigência que, como já mencionamos, veio a ser declarada insubsistente pelo TCU (Decisão nº. 80/2001 – Plenário). Logo, diante das afrontas legais identificadas pelo Tribunal de Contas, o Governo Federal editou o Decreto 4.485, de 25 de novembro de 2002, que alterou, dentre outros pontos, o art. 1º, § 1º do Decreto n º. 3.722/2001, que passou a reconhecer a facultatividade do cadastramento no SICAF para os fornecedores do Governo Federal, considerando que nos casos em que o proponente homologado não estiver inscrito no SICAF, o seu cadastramento deverá ser realizado pela Administração, sem ônus para o proponente, antes da contratação, com base no reexame da documentação apresentada para habilitação (Art. 1º, §1º, II, Decreto 3.722/2001).
2. A OBRIGATORIEDADE DO CADASTRAMENTO PRÉVIO DOS LICITANTES NO SICAF E A VISÃO DO TCU.
Como analisamos anteriormente, desde a introdução da figura do SICAF no Ordenamento Jurídico Brasileiro e, principalmente, após a edição da IN nº. 05 do extinto MARE (Ministério de Administração e Reforma do Estado), muitas têm sido as discussões em torno da legalidade da exigência do cadastramento prévio dos licitantes no SICAF.
É cediço que esta obrigatoriedade de cadastramento surgiu como resposta aos imperativos de eficiência perseguidos pela Administração Gerencial, vindo a constituir uma ferramenta para trazer maior racionalidade e rapidez às contratações realizadas pelo Governo. Tal entendimento é recorrente na Doutrina, como podemos observar nas palavras do mestre Jessé Torres Pereira Júnior (2007, p. 452):
“O Decreto 3.722, de 09 de janeiro de 2001, regulamentando o art. 34 da Lei 8.666/93, dispõe sobre o Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF. Trata-se de instrumento de grande utilidade operacional para a Administração Pública Federal e demais órgãos ou entidades que a ele aderirem, expressamente, em qualquer das esferas da Federação. Mantém informatizados e acessíveis on line todos os dados referentes à habilitação jurídica, à regularidade fiscal e à qualificação econômico-financeira das empresas que nele se inscreverem.”
Ora, diante das benesses trazidas pela utilização do SICAF, o TCU não refuta a sua utilização pela Administração Pública, pelo contrário, seguindo as disposições do Decreto 3.722/2001, reconhece o SICAF como meio de prova da habilitação de licitantes, o que enseja maior eficiência no processamento dos certames. Tal entendimento é claro no conteúdo do Acórdão TCU nº. 1070/2005 – Primeira Câmara, a saber:
“Não se pode exigir, mas se deve aceitar, em qualquer modalidade de licitação, a inscrição prévia no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – Sicaf como meio de prova da habilitação de interessado, conforme o disposto no art. 3º, § 1º, inciso I c/c o art. 22, § 2º, ambos da Lei de Licitações, bem assim na redação dada ao Decreto no 3.722/2001 pelo Decreto no 4.485/2002.”
Apesar dos benefícios advindos da utilização do SICAF, não podemos olvidar a afronta à Lei 8.666/93 causada pela exigência de cadastramento prévio dos licitantes no referido Sistema. A ilegalidade reside no fato de que a Lei de Licitações, ao descrever as modalidades de licitação adequadas à contratação de fornecedores, admitiu a participação de licitantes não cadastrados para as concorrências e convites, sendo que, até mesmo a tomada de preços, que restringe o seu alcance aos fornecedores previamente cadastrados, também faculta a participação aos não cadastrados que preencham os requisitos até três dias antes da data prevista para entrega dos envelopes, conforme preceitua em detalhes o Tribunal de Contas da União (Acórdão 649/2006 – Segunda Câmara):
“Institua, no processamento de licitações na modalidade de tomada de preços, a apresentação simultânea de dois envelopes, um com a proposta e o outro contendo a documentação de habilitação (inscrição no cadastro de empresas ou comprovação da apresentação de documentos exigidos para o cadastramento até o terceiro dia anterior à data de entrega das propostas), de tal forma a assegurar-se que os licitantes não terão conhecimento prévio do resultado da fase de habilitação do certame, antes de apresentar as propostas.”
Desta forma, é possível concluirmos que, se nem mesmo a Tomada de Preços tem limitação de acesso aos não cadastrados (Decisão nº. 392, TCU – Plenário), tal exigência não poderia recair sobre as demais modalidades de licitação previstas na Lei 8.666/93, fato que torna flagrante a impertinência do cadastramento obrigatório dos licitantes no SICAF.
Assim, diante da proclamada ilegalidade, trazemos, a título de exemplo, algumas decisões da Corte de Contas Pátria acerca do tema:
“(…) os precedentes são uniformes no sentido de que a exigência de inscrição no SICAF, como condição de habilitação ao certame licitatório, constitui cerceamento ao seu caráter competitivo, em evidente afronta ao mandamento insculpido no inciso I do § 1º do art. 3º da Lei 8.666/93.” Acórdão 1070/2005 Primeira Câmara
“Abstenha-se de incluir, em editais de licitação, dispositivo condicionando a participação de licitantes ao prévio cadastro no Sicaf, por falta de amparo legal, conforme entendimento deste Tribunal – Acórdãos 36/2005 Plenário e 1070/2005 Primeira Câmara.” Acórdão 1623/2006 Plenário
“Abstenha-se de incluir cláusulas nos editais que possam vir a restringir a competitividade, a exemplo de registro cadastral no Sicaf como requisito único para o credenciamento e a habilitação do licitante.” Acórdão 106/2009 Plenário
“Abstenha-se de exigir cadastro prévio no SICAF para participação nas licitações promovidas pelo órgão, por falta de previsão legal.” Acórdão 3963/2009 Segunda Câmara (Relação)
“Deixe de incluir, em editais de licitação, dispositivo que somente possibilite a habilitação de licitantes previamente cadastrados no Sistema Integrado de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF, por falta de amparo legal para tal exigência.” Acórdão 330/2010 Segunda Câmara
3. ASPECTOS SINGULARES DO PREGÃO ELETRÔNICO EM RELAÇÃO ÀS DEMAIS MODALIDADES DE LICITAÇÃO
Como restou configurado nas considerações anteriores, é incontestável a ilegalidade da exigência de cadastramento dos fornecedores como condição sine qua non para a participação em certames licitatórios. Ressaltamos, no entanto, que o Decreto 5.450/05 trouxe ao pregão em sua forma eletrônica algumas peculiaridades procedimentais que diferenciam essa modalidade das demais. O mencionado decreto traz a exigência do credenciamento prévio dos licitantes perante o provedor do sistema eletrônico do órgão promotor da licitação, estabelecendo para os órgãos integrantes do SISG o cadastramento no SICAF como condição para o credenciamento do licitante (art. 3º, § 2º).
A exigência de prévio credenciamento surgiu como uma necessidade decorrente do ambiente em que se desenvolve o procedimento licitatório, uma vez que o torneio virtual exige uma maior preocupação quanto à identificação e autenticidade dos atos praticados pelos sujeitos envolvidos na licitação. Assim, para garantir maior segurança aos procedimentos desenvolvidos nos pregões eletrônicos, a norma impôs aos pretensos participantes o credenciamento prévio através de chave de identificação e de senha, pessoal e intransferível, sendo que para os órgãos integrantes do SISG o cadastramento dos fornecedores no SICAF é o meio hábil para efetivar tal credenciamento.
Sobre os procedimentos adotados na condução do pregão eletrônico, é pertinente citarmos os ensinamentos trazidos pelo Tribunal de Contas da União em publicação que traz orientações básicas sobre licitações e contratos (2006, p.114):
“Em caso de Pregão, o licitante deve: (…)
Quanto ao Pregão Eletrônico:
– estar previamente credenciado no Sistema de Cadastramento Unificado de Fornecedores – SICAF, para que possa acessar o sistema, em licitações promovidas pelos órgãos e entidades integrantes do Sistema de Serviços Gerais – SISG ou por aqueles que tenham celebrado termo de adesão ao sistema;
– estar cadastrado e habilitado no Sistema de Cadastramento Unificado de fornecedores – SICAF, ou no sistema de cadastro próprio dos órgãos licitadores, ou cadastros equivalentes.”
Desta forma, fica configurada a consonância do pensamento da Corte de Contas Pátria com o disposto no Decreto 5.450/05 acerca do credenciamento prévio dos licitantes por meio do cadastramento no SICAF. No entanto, opondo-se às orientações trazidas pelo TCU, parte da doutrina refuta o credenciamento prévio por meio do cadastramento no SICAF, alegando que um decreto não teria o condão de trazer a obrigatoriedade da efetivação do cadastro, a exemplo do que afirma o mestre Marçal Justen Filho (2005, p. 303) :
“Tomando em vista as características de uma atividade preponderantemente eletrônica, o ideal é o cadastramento prévio dos participantes do pregão. O modo mais eficiente de operação seria conjugar uma sistemática de tomada de preços (tal como disciplinada pela Lei 8.666) com o pregão eletrônico, de modo a dispensar a necessidade de exame documental caso a caso. Sob esse enfoque, é muito compreensível a previsão de que a participação no pregão eletrônico dependeria de cadastramento prévio (na maior parte dos casos, perante o SICAF), o que não significa reconhecer a validade de tal determinação, eis que não prevista legislativamente.”
Chega-se a um ponto nevrálgico na presente análise, uma vez que parece ocorrer uma dissonância entre o pensamento da doutrina e o entendimento esposado pelo TCU. Para resolver o impasse, entendemos adequada a diferenciação entre cadastramento e credenciamento. Aquele constitui a inserção de informações dos fornecedores em um banco de dados, com o intuito de agilizar o processamento das licitações, servindo, inclusive, como meio comprobatório de habilitação, enquanto o credenciamento é o procedimento mediante o qual a Administração Pública identifica os sujeitos envolvidos no processo licitatório mediante a atribuição de senhas personalizadas, o que, no caso dos órgãos integrantes do SISG, ocorre por meio do cadastramento no SICAF.
Observa-se, portanto, que o credenciamento dos licitantes nos moldes previstos no Decreto 5.450/05 não se confunde com o cadastramento no SICAF, sendo este apenas o meio pelo qual se processa o primeiro. Desta forma, é possível afirmarmos que, em se tratando de pregão eletrônico, o cadastramento não é mero banco de dados com informações sobre os fornecedores, mas constitui critério técnico que viabiliza o credenciamento dos interessados em participar da licitação.
Ante o exposto, entendemos ser cabível a exigência de prévio cadastramento dos licitantes no SICAF para participarem de pregão eletrônico, uma vez que se trata de condição técnica para realização do credenciamento e, para concluir nossas considerações, expomos recente decisão do Tribunal de Contas da União que acreditamos ser esclarecedora acerca do tema:
“Abstenha de incluir, em editais de licitação, dispositivo condicionando a participação de licitantes ao prévio cadastro no SICAF, por falta de amparo legal, uma vez que este e obrigatório apenas nos pregões eletrônicos para fins de acesso ao sistema, consoante dispõe o inc. I do artigo 13 do Decreto no 5.450/2005.” Acórdão 367/2010 Segunda Câmara (Relação)
Informações Sobre o Autor
Agnelo Rocha Nogueira Soares
Analista Administrativo do INCRA – Superintendência Regional do Sul do Pará, graduado em Gestão Empresarial pelo CEFET-PI e Acadêmico de Direito pela Universidade Estadual do Piauí. Especialista em Gestão Pública