A legitimidade do Ministério Público no ajuizamento de Ação Civil Pública na defesa de direitos individuais disponíveis

Resumo: Estudo sobre ação civil pública e sua utilização na defesa de direitos essencialmente individuais. Análise do rol de legitimados para ajuizar esta ação. Presença de interesse social que justifica a propositura da ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos pelo Ministério Público. Garantia do acesso pleno à justiça através da atuação do Ministério Público. Estudo de caso que demonstra a ineficiência, em algumas hipóteses, das ações individuais. Verificação dos benefícios da propositura de uma ação civil pública: acesso à justiça, economia processual, segurança jurídica e evitar a ilicitude lucrativa.

Palavras chave: Legitimidade. Acesso. Justiça. Direitos. Disponibilidade.

Abstract: Study on the public class suit and its use for the defense of globally individual rights. Analysis of the group of legally legitimate proposers of this suit. Existence of social concern that justifies the filing of the public class suit for the defense of commonly-born disposable individual rights by the Public Prosecutor. Guarantee of full access to justice by means of performance by Public Prosecutor. Case study of the inefficiency, in certain events, of individual claims.  Examination of positive outcomes from the filing of a public class suit: access to justice, procedural cost effectiveness, legal assurance and unlawful enrichment.

Key Words: Legitimacy. Access. Justice. Rights. Disposability.

Sumário: Introdução. 1. A legitimidade do ministério público no ajuizamento de ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis. 2. O princípio do acesso à justiça e a ineficiência da reparação de direitos individuais disponíveis lesados por meio de ação individual. 2.1 Estudo de caso: ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos. 3. Razões jurídicas que justificam a possibilidade de defesa de direitos individuais disponíveis por meio da ação civil pública. 3.1 os efeitos gerados pela tutela coletiva dos direitos individuais disponíveis homogêneos. 3.2 postulações em defesa de interesses individuais homogêneos em hipóteses de situação jurídica heterogênea. 3.3 Caso ford pinto e a ilicitude lucrativa. Conclusão. Referências bibliográficas.

Introdução

 O presente trabalho tratará de diversas especificidades da Ação Civil Pública que, a despeito de não ser denominada como remédio heróico como o é o habeas corpus, é uma ação judicial de extrema valia para reparar as lesões e danos coletivos lato sensu.

A importância da ação civil pública no contexto do século XX e XXI é inequívoca. A sociedade se transformou e evoluiu durante o passar dos anos. O direito, naturalmente, acompanhou esta evolução.

 O comércio transnacional, o alto grau de consumo dos cidadãos e a intensa correlação cultural são fatores que demonstram a evolução da sociedade e o estágio pelo qual ela passa.

Um resultado lógico desta evolução narrada é o surgimento de novos tipos de lesões e danos. A principal característica destes novos danos é a sua extensão social. Assim, rompe-se com a noção clássica de que uma conduta só gera dano a um único indivíduo, pois o que se percebe rotineiramente é que através de uma única conduta centenas, milhares ou milhões de pessoas são lesionadas.

 Dessa forma, o indivíduo perde, de certa forma, o seu papel como sujeito passivo de lesões para ceder lugar a um grupo de indivíduos. No entanto, apesar dos danos individuais permanecerem existindo, como sempre continuarão, cresce o número de danos coletivos.

É neste contexto que surge a clássica divisão dos direitos em três gerações criada por Noberto Bobbio[1].

Diante da aparição destes novos danos e direitos, a Lei 7.347/85 instituiu a Ação Civil Pública no ordenamento jurídico brasileiro, consagrando uma das maiores inovações na ordem jurídica do país.

 Apesar de a referida Lei já estar em vigor há mais de 20 anos, pairam sobre ela algumas discussões doutrinarias e jurisprudenciais. Este trabalho tratará de uma que pode ser considerada um ponto crucial para o destino da Ação Civil Pública nos próximos anos.

 Nesse sentido, como o próprio título adianta, a abordagem deste trabalho será reservada a utilização da Ação Civil Pública na defesa de direitos individuais disponíveis.

Objetiva-se, assim, desmitificar a ideia de que a Ação Civil Pública só pode ser utilizada na defesa de direitos difusos ou coletivos strictu sensu.

Para tanto, serão discutidas questões conceituais sobre o tema e analisado o princípio do acesso à justiça que, no irretocável pensamento de Mauro Cappelletti, é um dos mais importantes para uma vida em sociedade, conforme se observa do seguinte trecho de seu livro, cuja leitura é essencial, “Acesso à Justiça”:

“o direito ao acesso efetivo tem sido progressivamente reconhecido como sendo de importância capital entre os novos direitos individuais e sociais, uma vez que a titularidade de direitos é destituída de sentido, na ausência de mecanismos para sua efetiva reivindicação.”[2]

Assim, sob uma perspectiva principiológica, este trabalho pretende gerar reflexão nos leitores sobre a efetividade da utilização da Ação Civil Pública, principalmente através do estudo de caso de uma ação movida pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do Banco Itaú.

 Apoiado na análise desta ação, pretende-se demonstrar que mais do que nunca a ação civil pública deve ser encarada como um meio de garantir o amplo acesso à justiça aos cidadãos especificamente em hipóteses de violação a direitos individuais disponíveis homogêneos.

Outra ideia que será desenvolvida neste trabalho é que em situações heterogêneas, leia-se, aquelas nas quais por uma única conduta os direitos difusos, coletivos strictu sensu, e os individuais homogêneos são violados, não há razão para se negar a legitimidade somente para o pedido com caráter individual, uma vez que há uma interdependência causal entre todos os direitos violados que torna inviável a defesa independente dos mesmos.

Além disso, o histórico case Grimshaw vs. Ford Motor Company julgado por um corpo de júri nos Estados Unidos será abordado para analisar os recentes ilícitos coletivos praticados por diversos agentes participantes do mercado, principalmente em violações a direitos dos consumidores. A intenção do autor com a análise desse caso é demonstrar que ação civil pública pode ser um mecanismo eficiente para diminuir ou pôr fim a tais ilícitos.

Por fim, é essencial que este trabalho seja lido sob um olhar crítico e tendo em vista a evolução pela qual a sociedade passa, pois somente com estas bases é que se poderá entender e apoiar a tese que será desenvolvida.

1. A legitimidade do ministério público no ajuizamento de ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis.

A legitimidade processual para o ajuizamento de ação civil pública é um típico exemplo de legitimidade extraordinária.[3] Aliás, não poderia ser diferente, pois tal ação tem o escopo de defender direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, de modo que se torna inevitável que a parte legitimada para propor a ação não seja titular do direito lesado, ou que, pelo menos, seja apenas integrante do grupo de pessoas lesadas.

Assim, a lei 7.347/85, em seu artigo 5º, dispõe o rol de legitimados extraordinários para propor ação civil pública, senão vejamos:

“Art. 5o  Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar:

I – o Ministério Público;

II – a Defensoria Pública;

III – a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios;

IV – a autarquia, empresa pública, fundação ou sociedade de economia mista;

V – a associação que, concomitantemente:

a) esteja constituída há pelo menos 1 (um) ano nos termos da lei civil;

b) inclua, entre suas finalidades institucionais, a proteção ao meio ambiente, ao consumidor, à ordem econômica, à livre concorrência ou ao patrimônio artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico.”

O dispositivo acima citado admite que alguém que não teve seu direito lesado defenda, em nome próprio, direito alheio.

 Dessa forma, em consonância com artigo 6º do Código de Processo Civil, a lei específica que trata de ação civil pública confere legitimidade extraordinária ao Ministério Público para o ajuizamento de ação civil pública.

  A Constituição da República de 1988 também conferiu legitimidade ao Ministério Público para ajuizar ação civil pública, vindo a reforçar o que a lei específica já estabelecia.

 A legitimidade de cunho constitucional do Ministério Público deriva da dicção do artigo 129, inciso III, da C.R/88 que dispõe o seguinte:

“Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:

III – promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.”

Logo, a despeito dos legitimados para ajuizar ação civil pública não serem os sujeitos com seus direitos lesados, o rol previsto no artigo 5º da lei 7.347/85 foi pensado sob uma perspectiva de assegurar uma maior proteção aos direitos transindividuais.

 Explique-se: a lei processual brasileira concebe, para as ações coletivas, um sistema de legitimação extraordinária, atribuindo a defesa dos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos a determinados organismos que, supõe-se, tenham condições de adequadamente protegê-los.[4]

 Destaca-se a influência do direito anglo-americano na sistemática de legitimação da ação civil pública, pois para as class actions existe um conceito denominado “representatividade adequada”[5] que retrata, em linhas gerais, o modelo adotado na lei 7.347/85.

 Nesse sentido, a inclusão do Ministério Público no primeiro inciso do artigo 5º da lei em comento não foi por acaso, pois, segundo o caput do artigo 127 da Constituição da República, cabe a ele a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, além das funções descritas nos incisos do artigo 129 da Constituição.

Dessa forma, pelas funções que lhe são atribuídas e confiadas pela Constituição da República, não resta dúvida da capacidade do Ministério Público de representar adequadamente os interesses em jogo por meio da ação civil pública.

Por outro lado, é importante mencionar o porquê da opção do legislador pela legitimidade extraordinária na ação civil pública.

 A sociedade passa por um processo constante de crescimento que tende a gerar fatos jurídicos antes inimagináveis. Paralelamente ao surgimento destes novos fatos jurídicos, leia-se, novos fatos que interessam ao direito, tornou-se comum a violação de direitos que transcendem a órbita de apenas um indivíduo.

Por consequência, o ordenamento jurídico brasileiro passou a contemplar a proteção processual por meio da ação civil pública dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, denominados de “superdireitos”[6] pelo doutrinador Mauro Cappelletti.

A defesa em juízo destes “superdireitos” por meio de uma ação individual não se mostrou eficiente, e tampouco razoável, pois, de um lado, figurava um indivíduo, e do outro, na maioria das vezes, uma grande empresa. Assim, o abismo de capacidade técnica e econômica do indivíduo em comparação com a parte integrante do pólo passivo da ação fez com que fosse necessária a adoção legal pelo regime da legitimação extraordinária.

Essa técnica de equalização das partes, colocando frente a frente litigantes, em princípio, com o mesmo poder de agir técnica e economicamente, descortinou esse novo aspecto da legitimação, municiando o sistema de defesa dos direitos com novos instrumentos decorrentes da cidadania.[7]

 Portanto, o rol do artigo 5º da lei 7.347/85 que abarca as pessoas legitimadas a ajuizar ação civil pública buscou conferir uma representatividade adequada dos direitos sem autor, expressão criada pelo consagrado doutrinador Cappelleti, pois inclui no seu rol elementos do Estado e da sociedade civil.

 Em outras palavras, o referido rol tratou de conferir legitimação concorrente disjuntiva a todos que lá foram arrolados para que o acesso à justiça através da tutela coletiva fosse ampliado.[8]

Superada a análise da legitimidade para a propositura da ação civil pública passa-se ao exame dos direitos resguardados por ela.

 O artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor define os interesses e direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, conforme se depreende de sua leitura:

“Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo.

Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de:

I – interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato;

II – interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base;

III – interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum.”

 Antes de adentrar na diferenciação dos incisos supracitados, é preciso esclarecer o porquê de o dispositivo fazer remissão a direito e, conjuntamente, a interesse.

Entende-se que o interesse é algo anterior ao direito, pois o direito busca resguardar somente o interesse juridicamente importante.

 Dessa forma, o uso das expressões “interesses” e “direitos” nos incisos do artigo 81, parágrafo único, do Código de Defesa do Consumidor é de certa forma redundante, pois o “interesse” lá mencionado refere-se somente aos interesses juridicamente protegidos.

Sem a pretensão de distinguir cada direito acima citado, é necessário identificar as principais diferenças entre eles.

Os direitos difusos e coletivos são indivisíveis, enquanto que os individuais homogêneos são divisíveis. O conceito de indivisibilidade significa que o direito lesado não permite divisão no seu prejuízo. Não há distinção, nem nenhum plus para qualquer pessoa com o direito lesado.[9] Dito de outro modo, não é possível dividir o prejuízo de cada pessoa lesada, pois os danos gerados foram em proporções iguais para todas as pessoas. Este conceito remete a simples ideia de que todos possuem o direito na mesma proporção ou que todos fazem jus àquele direito sem nenhuma distinção.

 Outra diferenciação importante é que os direitos difusos são de uma parcela indeterminada de pessoas; os coletivos são de uma parcela determinada ou determinável; e, por fim, os individuais homogêneos são de uma parcela determinada ligada por uma origem comum.

Os direitos individuais homogêneos são protegidos coletivamente através da ação civil pública. Não obstante a sua classificação como homogêneos, eles não perdem a sua natureza de direito individual, pois esta classificação denota tão somente que eles possuem uma origem em comum.

 Dessa forma, os direitos individuais homogêneos podem ser tutelados tanto por uma ação individual de cada indivíduo lesado, quanto por meio da ação civil pública, sendo esta, por algumas razões, o meio mais eficaz para a sua defesa.

 Nesse sentido, vale observar a seguinte hipótese suscitada por Pedro Lenza:

“Imagine-se os compradores de veículos que tenham um mesmo defeito de série, como, por exemplo, terem sido entregues sem a luz de ré. Pois bem, pelo simples fato de terem comprado carros do mesmo lote, produzidos com o mesmo defeito de série, surge uma situação de fato a ligá-lo uns aos outros.

Individualmente, talvez fosse até mais econômico se cada lesado comprasse a luz de ré em qualquer loja de pelas e, por si, providenciasse o reparo no veículo. A grande maioria, havendo resistência por parte da concessionária em entregar a luz de ré, não iria ‘bater às portas do Judiciário’, principalmente em razão do valor envolvido e dos gastos que poderiam sofrer.

Nesse sentido é que a tutela dos litígios individuais, muitas vezes, faz-se mais satisfatória se exercida coletivamente. Nessas situações, de violações a direitos produzidas em série e em massa, recomenda-se a tutela jurisdicional coletiva. Em razão do dano em série, esses litígios, de modo acidental, adquirem o caráter coletivo.”[10]

 Assim, tem-se que a propositura da ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos é essencial quando as questões de direito e de fato comuns prevaleçam sobre as individuais, e porque a tutela coletiva é superior em termos de justiça e eficácia da sentença sobre a tutela individual.[11]

Superada a demonstração dos benefícios da ação coletiva em relação à ação individual, passa-se a analisar o possível desmembramento dos direitos individuais em dois grupos.

O direito individual pode ser dividido em disponível e indisponível. Em apertada síntese, pode-se diferenciá-los, como o próprio conceito os define, pela disponibilidade do direito.

 Nesse sentido, o direito indisponível é aquele que o indivíduo não pode dispor, pois o ordenamento jurídico o dota de tamanha relevância que impede que os indivíduos sobre eles disponham. Exemplo de direito individual indisponível é o direito a vida.

Por outro lado, direito disponível é aquele que o indivíduo pode dispor da forma como quiser, ou seja, há uma faculdade do indivíduo em exercê-lo, repará-lo, entre outras faculdades. O exemplo típico deste direito é o direito patrimonial. Frise-se, no entanto, que nem sempre o patrimônio é um direito disponível, uma vez que o ordenamento jurídico brasileiro impõe diversas restrições a sua disposição, tal como na doação quando o doador possuir herdeiros necessários e nessa condição só pode dispor de metade de seu patrimônio. Porém, apesar de algumas exceções, o patrimônio pode ser apontado como um exemplo de direito disponível.

 Dessa forma, como o artigo 81, parágrafo único, inciso III, do Código de Defesa do Consumidor tratou dos direitos individuais homogêneos, sem qualquer distinção entre estes direitos individuais, incabível a restrição da ação coletiva para a defesa apenas dos direitos individuais homogêneos indisponíveis.

Isso porque vigora no direito o princípio de que onde o legislador não restringe, não cabe ao intérprete restringir.

Cite-se a precisa lição de Nelson Nery Jr. e de Rosa Andrade Nery[12] sobre o tema:

“No entanto, o feixe de direitos individuais, ainda que disponíveis, que tenham origem comum, qualifica esses direitos como sendo individuais homogêneos (CDC 81 par. ún. III), dando ensejo à possibilidade de sua defesa poder ser realizada coletivamente em juízo (CDC 81 ‘caput’ par. ún. III)”

 Portanto, por uma visão estritamente legal, não há nenhuma vedação à propositura de ação civil pública na defesa de direito individuais disponíveis homogêneos.

 Ressalte-se, aliás, que esta visão se coaduna com o artigo 129, IX, da Constituição da República de 1988 e também com o artigo 127, caput, da Carta Magna que determina que incumbe ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais.

Estes dispositivos foram elaborados propositalmente com um caráter genérico, de forma a deixar margem aos membros do Ministério Público a exercerem atividades que não lhes foram incumbidas expressamente pelo Constituinte Originário.

 Nesse sentido, Cassio Scarpinella Bueno[13] assevera que:

“Assim, não obstante o artigo 129, III, da Constituição Federal, não se referir de maneira expressa à legitimidade do Ministério Público para a tutela jurisdicional dos direitos e interesses individuais homogêneos, suas funções institucionais não a repelem”.

 Logo, ao estabelecer que é função institucional do Ministério Público exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas, o artigo 129, IX, da C.R/88 municia o Ministério Público de poderes para, v.g. ajuizar ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos, que, a princípio, não é uma função expressa deste órgão no rol do artigo 129 da C.R/88.

Todavia, é evidente que não cabe ao Ministério Público a propositura de ação civil pública na defesa de todo e qualquer direito individual homogêneo de cunho disponível, sob pena de invasão do campo de atuação da advocacia privada.

 Justamente para a ação civil pública não adentrar no espaço da advocacia privada é que o artigo 1º, parágrafo único, da lei 7.347/85 dispõe que:

“Não será cabível ação civil pública para veicular pretensões que envolvam tributos, contribuições previdenciárias, o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço – FGTS ou outros fundos de natureza institucional cujos beneficiários podem ser individualmente determinados.”

 Existem alguns indicadores que apontam para a necessidade do Ministério Público ajuizar uma ação civil pública que serão expostos ainda neste trabalho, mas isto, de qualquer modo, servirá apenas como parâmetro para os membros do Parquet, que terão autonomia e independência para optarem pela propositura ou não da ação.

2. O princípio do acesso à justiça e a ineficiência da reparação de direitos individuais disponíveis lesados por meio de ação individual.

Neste capítulo será abordado um ponto que diante dos princípios basilares da Constituição da República de 1988 deve ser devidamente explorado.

O artigo 5º, inciso XXXV, da Constituição da República de 1988 estabelece como direito fundamental o princípio denominado acesso à justiça, assegurando a todos os cidadãos que a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.

 A ideia por detrás deste princípio é garantir que qualquer cidadão que tenha algum direito violado não seja inviabilizado pela lei de obter a reparação cabível pelos danos sofridos. E não poderia ser diferente, tendo em vista que a vítima do dano não deve arcar com os danos causados por outrem.

 Destaque-se sobre este assunto a brilhante divisão em princípios que informam o acesso à justiça feita pelo ilustre advogado Paulo Cezar Pinheiro Carneiro[14]

 Tal divisão abarca os seguintes elementos: acessibilidade, operosidade, utilidade e proporcionalidade.

Sem o intuito de massificar o presente trabalho com a discussão de cada elemento especificamente, serão abordados os pontos mais importantes para o sustento do raciocínio desenvolvido.

 A acessibilidade à justiça requer que os cidadãos, antes de tudo, conheçam os seus direitos. O conhecimento dos direitos é requisito essencial para que alguém pondere sobre exercer ou não o seu direito de ação garantido constitucionalmente[15].

 A operosidade expressa o dever dos participantes da atividade jurisdicional agirem com ética e sempre em prol da efetividade do processo. Dito de outro modo, este princípio determina que as partes colaborem e atuem positivamente para o deslinde do litígio instaurado[16].

 Em seguida, a análise passa para o plano instrumental da defesa de direitos, ou seja, a utilidade e efetividade dos mecanismos postos à disposição dos cidadãos para provocarem o Poder Judiciário.

A acessibilidade requer também que não haja custos financeiros que obstaculizem o exercício do direito de ação. Não se pode impedir que alguém pleiteie um direito que lhe é assegurado por causa dos custos para a propositura de uma ação.

Frise-se, aliás, que os custos para a propositura de uma ação sequer podem dar margem a um juízo de oportunidade de ajuizá-la ou não, uma vez que isso afrontaria diretamente o objetivo da Constituição da República de 1988[17].

Por último, acrescente-se que é essencial que não exista nenhum impedimento de ordem social/cultural para a propositura de uma ação.

 Explique-se: rotineiramente as pessoas sofrem lesões na esfera de seus direitos, sejam disponíveis ou indisponíveis. Dentre estas lesões, existem as que geram pequenos danos, e aquelas que geram danos de maiores proporções.

Dentro desse contexto, é crível que as pessoas suportem com maior facilidade as pequenas lesões, e que, diante de lesões mais graves, proponham a medida judicial adequada para restabelecer o seu status quo.

A preocupação que se tem cinge-se às lesões de menor potencialidade danosa.

Afirma-se isso, pois nestas hipóteses é possível que haja um óbice social/cultural, que pode ser traduzido pela idéia difundida por parcela dos cidadãos de que o trâmite de uma ação judicial é extremamente moroso e desgastante, que desincentive as pessoas a buscarem a reparação cabível através da via judicial.

Para o atendimento pleno do direito de acesso à justiça é preciso, portanto, que não exista uma noção de que a reparação através da via judicial é uma opção desarrazoada.

Em outras palavras, faz-se necessário que o cidadão não considere os problemas intrínsecos ao Poder Judiciário no momento da ponderação de ajuizar ou não uma ação judicial.

O custo de oportunidade do cidadão de propor uma ação judicial deve abarcar tão somente razões de ordem pessoal de cada um, e não questões como o alto custo de uma ação, ou a morosidade do Judiciário.

Percebe-se, assim, que a divisão do princípio do acesso à justiça nestes pontos realizada pelo festejado advogado Paulo Cezar Pinheiro Carneiro demonstra a complexidade dos conceitos intrínsecos a ele.

 De todo modo, em apertada síntese, pode-se afirmar que o cidadão deve conhecer o seu direito; ter instrumentos eficazes para provocar o Poder Judiciário; não possuir nenhum óbice financeiro e técnico para ajuizar uma ação; e, por fim, não ter nenhum impedimento social/cultural capaz de desincentivá-lo a propor a medida judicial.

 No entanto, não raras vezes, falta algum destes requisitos para que o princípio do acesso à justiça seja exercido em sua plenitude.

Quando isto ocorre, estar-se-á, na maioria das vezes, diante de casos nos quais as ações individuais sejam mecanismos ineficientes para a reparação integral dos danos sofridos pelos indivíduos, e a tutela coletiva a solução eficiente.

Denomina-se ineficiente basicamente por não conseguir atingir o fim que lhe incumbe.

Não é uma tarefa difícil apontar a causa da ineficiência das ações individuais em algumas ocasiões, uma vez que a deficiência deriva da evolução da própria sociedade.

 A sociedade do século XXI é caracterizada pelas intensas relações sociais entre as pessoas, pelo consumo de massa, pela forte interação de culturas e por transações econômicas sem fronteiras. Neste contexto, o indivíduo perde o seu espaço para um grupo de indivíduos, assim como um Estado isoladamente para um País.

 Por consequencia dessas características da sociedade, surgem, naturalmente, novos conflitos e novos tipos de danos.

Assim, a natureza dos novos conflitos não é mais individual, e sim coletiva, o que é facilmente identificado quando ocorre um dano ao meio ambiente, pois todos os cidadãos serão prejudicados nesse caso. Frise-se, contudo, que uma lesão ao meio ambiente pode gerar danos individuais para pessoas específicas, além daqueles comuns a todos.[18]

 Nos casos que versem sobre lesões coletivas à direitos individuais, as ações individuais são, por diversas vezes, um mecanismo ineficiente para a reparação pelos danos sofridos.

 Com o intuito de exemplificar a assertiva feita no parágrafo acima, será analisada uma ação civil pública proposta no final do ano de 2008 que, apesar de não ser considerada um leading case, deve ser encarada, pelo menos, como um caso merecedor de reflexão para o fim de garantir o amplo acesso à justiça.

2.1 Estudo de caso: ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos

 O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro propôs, em dezembro de 2008, Ação Civil Pública em face de Banco Itaú S.A. objetivando, principalmente, a restituição dos valores pagos indevidamente pelos consumidores a título de renovação de cadastro e a declaração de nulidade da cláusula que permitia tal cobrança.

Tal ação foi proposta depois do Parquet estadual tomar conhecimento através de representações de consumidores da prática adotada pelo Banco Itaú de enviar um comunicado aos seus clientes informando que seria cobrada uma tarifa para renovação de cadastro no valor de R$ 39,00, parcelado em três vezes.

  No entanto, a cobrança realizada pelo Itaú não tem nenhum suporte legal ou contratual, sendo, por consequencia, manifestamente abusiva, já que o consumidor não percebe nenhuma contraprestação pelo valor pago.

Assim, a renovação de cadastro é um ônus que o Itaú deve arcar por exercer a atividade bancária, e jamais pode ser cobrada do consumidor, uma vez que não há nenhum serviço, leia-se benefício, para ele.

 Esta ação foi autuada sob o nº 2009.001.001650-4 (nº novo 0000965-58.2009.8.19.0001) e distribuída para a 7ª Vara Empresarial da Comarca do Rio de Janeiro.

 O Itaú apresentou sua contestação e arguiu, em sede de preliminar, a ilegitimidade ativa do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro para ajuizar a ação civil pública, aduzindo, para tanto, que a pretensão deste é a defesa de um direito de um universo restrito de pessoas que contrataram com o sistema bancário, e não coletivo, além da ausência de conotação social que justifique a tutela do direito através da ação civil pública.

 O juiz a quo rejeitou a preliminar de ilegitimidade ativa, sob o pretexto de que há clara violação a direitos individuais homogêneos que são aglutinados por uma origem comum, cujo número expressivo de sujeitos abrangidos justifica que se dê tratamento coletivo à matéria, evitando-se a multiplicação desmensurada de ações individuais com risco de soluções divergentes.

 Ademais, julgou procedente em parte os pedidos formulados pelo Ministério Público, considerando ilegal a cobrança realizada pelo Itaú.[19]

  Ambas as partes interpuseram apelação e a 2

ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro reformou parcialmente a sentença para excluir o dano moral coletivo, determinar que os efeitos da sentença se restrinjam ao Estado do Rio de Janeiro e condenar o Itaú a restituir de forma simples os valores pagos indevidamente pelos consumidores a título de renovação de cadastro.

Contra o v. acórdão, o Itaú interpôs recurso especial e recurso extraordinário, que tiveram seus seguimentos negados pelo 3º Terceiro Vice-Presidente do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. A decisão que inadmitiu ambos os recursos do Itaú foi atacada através de agravo de instrumento que ainda não foram apreciados pelo Superior Tribunal de Justiça até o término do presente trabalho[20].

  Apesar do acórdão ainda não ter transitado em julgado, o processo em comento deve ser analisado como um caso emblemático da problemática relacionada à defesa de direitos individuais homogêneos por meio da ação civil pública.

 Por ter sido considerada ilegal e abusiva pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, a tarifa cobrada pelo Itaú de R$ 39,00 é nitidamente um exemplo de lesão à direito individual disponível, pois trata-se de lesão ao patrimônio dos consumidores.

  É claro também que este direito lesado é homogêneo, já que decorre de uma origem comum, qual seja: a condição de correntista do banco.

 Assim, qualquer consumidor lesado pela cobrança da referida tarifa poderia ajuizar uma ação individual para ver declarada a nulidade da cláusula contratual que permitia a cobrança da tarifa de renovação de cadastro e ser restituído do valor pago.

No entanto, estima-se que somente cerca de 400 consumidores agiram dessa forma.[21]

Este dado reflete a ineficiência das ações individuais para repararem o direito violado no caso trazido à baila.

Aliás, não se pode chegar a outra conclusão, uma vez que a despeito de cerca de 400 consumidores terem buscado no Poder Judiciário a reparação pelos danos sofridos, milhares de consumidores foram lesados em seu patrimônio e não seriam ressarcidos sem a propositura da ação civil pública pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro.

 Logo, apenas uma minoria dos consumidores lesados deduziu uma pretensão judicial para recuperar o valor indevidamente cobrado.

 Os demais, que totalizam milhares de consumidores, permaneceriam com seus patrimônios lesados, se o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro se quedasse inerte diante das representações oferecidas por alguns lesados.

 Assim, a situação do caso analisado pode ser sintetizada da seguinte forma: milhares de consumidores sofreram a cobrança indevida de R$ 39,00 (trinta e nove reais), mas, apesar de este valor ser considerável para muitos, apenas alguns deles ajuizaram uma ação judicial para serem ressarcidos, enquanto outros, por razões específicas, foram coniventes com a cobrança.

 As razões específicas para a conivência dos consumidores que se quedaram inertes podem ser justificadas por diversos motivos, tais como: a crença na morosidade e burocracia do Poder Judiciário, os custos em acompanhar um processo, entre outros.

Porém, estes fatores não podem superar a garantia constitucional de inafastabilidade do Poder Judiciário frente à lesão ou ameaça a direito.

 Este entendimento foi o que prevaleceu no Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, e posteriormente pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro ao julgar em primeira e segunda instância a ação civil pública em comento.

 Um simples raciocínio acerca do caso em análise demonstra a importância da conduta do Parquet ter proposto esta ação civil pública, qual seja: é razoável que um cidadão lesado ajuíze uma ação para ser ressarcido da quantia de R$ 39,00 (trinta e nove reais) que lhe foi cobrada indevidamente?

A resposta é negativa.

 Contudo, é necessário criar um mecanismo para que em situações semelhantes, leia-se da mesma proporção, os lesados sejam devidamente representados em juízo e conquistem a reparação devida.

 O mecanismo que melhor pode alcançar tal objetivo é a ação civil pública proposta pelo Ministério Público, pois, como visto, é um órgão independente que tem a estrutura técnica para representar adequadamente os interesses dos lesados.

Porém, este mecanismo exige a presença de alguns requisitos para sua utilização, pois, do contrário, caso fosse possível o Ministério Público ajuizar ação civil pública em todo e qualquer caso de lesão a direitos individuais, este órgão estaria extrapolando a sua competência e estaria agindo no campo destinado à advocacia privada.

Portanto, após a análise do caso colacionado, cujo objetivo foi demonstrar a necessidade da propositura da ação civil pública em um episódio flagrante de lesão a direitos dos consumidores, passa-se a tratar dos referidos requisitos que são necessários para que o Ministério Público tenha legitimidade para propor ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos.

Cite-se, somente para terminar este capítulo, o seguinte trecho do livro de Cappelletti para reflexão:

o consumidor isolado, sozinho, não age; se o faz, é um herói; no entanto, se é legitimado a agir não meramente para si, mas pelo grupo inteiro do qual é membro, tal herói será submetido ao ridículo destino de Dom Quixote, em vã e patética luta contra o moinho de vento. Os heróis de hoje não são mais, pois sim, os cavaleiros errantes da Idade Média, prontos a lutar sozinhos contra o prepotente em favor do fraco e inocente; mas são, mais ainda, os Ralph Nader, são os Martin Luther King, são aqueles, isto sim, que sabem organizar seus planos de luta em grupo em defesa dos interesses difusos, coletivos, metaindividuais, tornando a submeter as tradicionais estruturas individualistas de tutela – entre as quais aquelas judiciais – às necessidades novas, típicas da moderna sociedade de massa”.[22]

 3. Razões jurídicas que justificam a possibilidade de defesa de direitos individuais disponíveis por meio da ação civil pública

A ideia central desenvolvida neste trabalho é a de que a Ação Civil Pública é um mecanismo eficiente para proteger os direitos individuais disponíveis homogêneos lesados de um grupo de pessoas.

A eficiência desta ação se justifica pela promoção do amplo acesso à justiça que ela propicia para as pessoas lesadas que, na maioria das vezes, não usufruem plenamente do direito garantido constitucionalmente de ter acesso ao Poder Judiciário.

No entanto, cabe, antes de prosseguir o raciocínio, explicar de onde advém a possibilidade de defesa de direitos individuais disponíveis pela ação civil pública.

 Como ressalvado no primeiro capítulo deste trabalho, o Código de Defesa do Consumidor, em seu artigo 81, parágrafo único, inciso III, estabelece que a defesa coletiva será exercida quando se tratar de interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os de origem comum.

O dispositivo não faz nenhuma distinção se o direito individual tem de ser indisponível ou disponível, de forma que não cabe ao intérprete fazer tal distinção. Aliás, não faria sentido fazer.

 Isso porque os direitos individuais homogêneos, por terem uma mesma origem, gozam de tamanha relevância que passam a ser tutelados coletivamente como se direito indisponível fossem.

Infere-se daí que direitos individuais disponíveis lesados, que possuem como núcleo central uma origem comum, passam a ser concebidos coletivamente e são alçados a uma condição superior, de forma que a disponibilidade cede lugar ao caráter indisponível do direito coletivamente tratado.[23]

Um dado que corrobora para o entendimento acima exposto é que a divisibilidade dos direitos individuais homogêneos manifesta-se somente na fase de liquidação e execução da sentença na ação civil pública.[24]

 Quando da propositura da ação civil pública, o bem tutelado é tratado de forma genérica, pois o interesse social é que o bem lesado seja reparado de forma genérica, cabendo aos interessados/lesados, individualmente, na fase de liquidação e execução satisfazerem seus interesses pessoais.

É extremamente necessário sobre este ponto abordado citar o artigo 100 do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

Art. 100. Decorrido o prazo de um ano sem habilitação de interessados em número compatível com a gravidade do dano, poderão os legitimados do art. 82 promover a liquidação e execução da indenização devida.

Parágrafo único. O produto da indenização devida reverterá para o fundo criado pela Lei n.° 7.347, de 24 de julho de 1985.’’

Apesar dos interesses individuais serem satisfeitos somente na fase de liquidação e execução da sentença, a inércia dos particulares afetados em promover o andamento destas fases processuais implicará nas suas promoções pelo próprio Ministério Público.

No entanto, nesta hipótese, os valores obtidos de indenização serão destinados ao Fundo criado pela Lei 7.347/85 que objetiva reconstituir o bem jurídico lesado.

Esta possibilidade de destinação ao Fundo ratifica as afirmações feitas anteriormente, no sentido de que o interesse na propositura de ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos é para tutelar o bem jurídico afetado, e não o interesse particular dos cidadãos afetados.

 Registre-se, oportunamente, a precisa lição de Teori Albino Zavascki[25] acerca da tutela coletiva de direitos individuais homogêneos:

os objetivos perseguidos na ação coletiva são visualizados não propriamente pela ótica individual e pessoal de cada prejudicado, e sim pela perspectiva global, coletiva, impessoal, levando em consideração a ação lesiva do causador do dano em sua dimensão integral. (…)

Caberá aos próprios titulares do direito, depois, promover a ação de cumprimento de sentença genérica, compreendendo a liquidação e a execução pelo dano individualmente sofrido”.

 Destaque-se, outrossim, outra passagem do Ministro Teoria Albino Zavascki[26] que sintetiza conceitualmente o exposto anteriormente:

“Na ação coletiva, até como decorrência natural da repartição da cognição que a caracteriza, a sentença será, necessariamente, genérica. Ela fará juízo apenas sobre o núcleo de homogeneidade dos direitos afirmados na inicial, ou seja, apenas sobre três dos cinco principais elementos da relação jurídica que envolve os direitos subjetivos objeto da controvérsia: o an debeatur ( existência de obrigação do devedor), o quis debeat (identidade do sujeito passivo da obrigação), e o quid debeat (a natureza da prestação devida). Tudo o mais (o cui debeatur = quem é o titular do direito e o quantum debeatur = qual é a prestação a que especificamente faz jus) é tema a ser enfrentado e decidido por outra sentença, proferida em outra ação, a ação de cumprimento.“

Logo, percebe-se que a natureza dos direitos individuais lesados unidos por uma origem comum independe para a efetiva tutela através da ação civil pública, uma vez que tendo os interesses lesados uma origem comum, surge, paralelamente, mas não necessariamente, o interesse social para o ajuizamento de uma ação civil pública.

No entanto, apesar de surgir paralelamente, o interesse social na propositura da ação deve ser comprovado pelo membro do Parquet encarregado de redigir a petição inicial, pois é necessário que ele demonstre a dimensão social e coletiva do interesse a ser protegido.

Esta tarefa do Parquet justifica-se pela exigência de que a ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos aproveite não só ao grupo de indivíduos lesados, mas sim à coletividade como um todo.

 Neste sentido, sustenta Hugo Nigro Mazzilli[27] que:

“a atuação do Ministério Público sempre é cabível em defesa de direitos difusos, em vista de sua larga abrangência. Já em defesa de interesses coletivos ou individuais homogêneos, atuará sempre que: a) haja manifesto interesse social evidenciado pela dimensão ou pelas características do dano, ainda que potencial; b) seja acentuada a relevância social do bem jurídico a ser defendido; c) esteja em questão a estabilidade de um sistema social, jurídico ou econômico, cuja preservação aproveite à coletividade como um todo”.

 Assim, é perfeitamente possível que o Ministério Público tome conhecimento de duas lesões a direitos individuais homogêneos distintos, e opte pela propositura de apenas uma ação civil pública, sob a justificativa de que sobre o outro caso não existe o interesse social na proteção coletiva do direito lesado.

É, pois, essencial que o interesse transcenda a órbita dos particulares envolvidos e simbolize o interesse social de toda coletividade. A essencialidade destra transcendência decorre da literalidade do artigo 127 da C.R/88 que atribui a incumbência de defender os interesses sociais ao Ministério Público.

 Após a leitura deste dispositivo, salta aos olhos o porquê da tão repetida expressão “relevância social” ser um requisito para o Ministério Público ter legitimidade para propor ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos.

Tem-se, assim, que por ser uma expressão de caráter genérico, a presença da “relevância social” não pode ser afirmada a priori.[28]

Assim, v.g., o número de pessoas lesadas não pode ser considerado um critério definidor da relevância social, sendo certo considerá-lo apenas como um mero indicativo da presença deste requisito. 

Do mesmo modo, a grande dispersão dos lesados deve ser levada em consideração para a verificação da legitimidade do Ministério Pùblico e a anterior relevância social no deslinde da controvérsia via ação civil pública, uma vez que presente esta característica, a tutela dos direitos violados é feita de uma forma mais fácil por uma ação coletiva ajuizada por um órgão independente.

3.1 Os efeitos gerados pela tutela coletiva dos direitos individuais disponíveis homogêneos

Como discorrido anteriormente, os direitos individuais disponíveis homogêneos podem ser tutelados através de ações individuais.

 Contudo, é possível que o Ministério Público, identificando interesse social na propositura de uma ação civil pública, a proponha e paralelamente diversos indivíduos lesados ajuízem as respectivas ações individuais com o fito de serem reparados pelos mesmos danos sofridos.

Nesta hipótese, o indivíduo tem plena liberdade de nos 30 dias subsequentes a sua notificação sobre a existência da ação civil pública se vincular ou não a ela, conforme se extrai do artigo 104, parte final, do Código de Defesa do Consumidor, in verbis:

“Art. 104. As ações coletivas, previstas nos incisos I e II e do parágrafo único do art. 81, não induzem litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada erga omnes ou ultra partes a que aludem os incisos II e III do artigo anterior não beneficiarão os autores das ações individuais, se não for requerida sua suspensão no prazo de trinta dias, a contar da ciência nos autos do ajuizamento da ação coletiva.”

 Esta liberdade de aderir a ação civil pública evidencia que a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos tem previsão no ordenamento jurídico brasileiro para otimizar a defesa de tais direitos em juízo e garantir o pleno acesso à justiça de todos os lesados, através do regime de substituição processual.

Com uma cautela justificada, o Código de Defesa do Consumidor determina, no seu artigo 103, inciso III, parágrafo segundo, que na hipótese de improcedência da ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos, os interessados que não tiverem intervindo no processo como litisconsortes poderão propor ação de indenização a título individual.

O teor deste artigo no CDC apenas confirma a ideia central exposta anteriormente, qual seja: a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos está prevista no nosso ordenamento para otimizar a defesa de tais direitos em juízo e garantir o pleno acesso à justiça de todos os lesados.

Em eventual fracasso no trato da ação proposta pelo Ministério Público, por exemplo, esta não fará coisa julgada para àqueles que interviram como litisconsorte, de modo que é árdua a tarefa de identificar algum efeito negativo na tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos.

 Os efeitos benéficos oriundos da tutela coletiva para a prestação jurisdicional são variados: a) economia processual; b) igualdade técnica entre os litigantes; c) segurança jurídica; d) garantia do pleno acesso à justiça; e) desincetiva a prática de condutas ilícitas. 

 Em um cenário de “inchaço” da máquina judiciária, a economia processual, v.g., gerada pela propositura de uma ação civil pública, ao invés de milhares de ações individuais é uma vantagem a toda sociedade, uma vez que uma única ação na defesa de direitos titularizados por milhares de pessoas não engessa o Poder Judiciário, como na hipótese dos milhares lesados ajuizarem individualmente a ação cabível.

 Comparando as duas possibilidades acima, no que se refere à economia processual, a propositura de uma ação civil pública na defesa de direitos de milhares de pessoas atende plenamente este fim, enquanto que diversos indivíduos lesados ajuizando cada um uma ação individual com a mesma causa de pedir e pedido caminha na direção contrária a tal objetivo.

Outro efeito que se obtém pela tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos é a igualdade técnica entre os litigantes.

 Em regra, os danos de massa são oriundos de práticas de grandes empresas. Desta forma, por figurarem rotineiramente no pólo passivo grandes empresas, cujas capacidades econômicas são imensuráveis, resta claro que os interesses dos cidadãos serão tutelados adequadamente e em condições de igualdade através do Ministério Público.

Não é crível que um indivíduo, principalmente no Brasil, onde poucas pessoas possuem condições de contratar um bom advogado, consiga defender adequadamente os seus direitos em juízo diante de uma grande empresa no outro pólo.

 A disparidade econômica e técnica entre as partes pode, inclusive, prejudicar o êxito do indivíduo lesado no processo.

Nesse sentido, vale lembrar o conceito de representatividade adequada importado das class actions que denota a capacidade do Ministério Público representar adequadamente em juízo os direitos individuais homogêneos.

 Não se pode olvidar de outro efeito decorrente do ajuizamento de apenas uma ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos de milhares de pessoas, qual seja: a segurança jurídica que se obtém com o ajuizamento de apenas uma ação civil pública em detrimento de diversas ações individuais.

 Estas poderiam ter sentenças discrepantes, e até contraditórias, o que, indubitavelmente, só traria insegurança jurídica para as pessoas lesadas por uma mesma origem em comum, além de criar um embasamento constitucional para a interposição de recurso especial com base no dissídio jurisprudencial sobre a matéria.

Uma simples diferença na redação das petições iniciais é um fator apto a gerar decisões divergentes pelos juízes. Do mesmo modo, em sede de recurso, é possível que os Desembargadores também confiram tratamento diferenciado à matéria.

 Não menos importante, aliás, muito pelo contrário, tem-se que a propositura de uma ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos tem o condão de assegurar o amplo acesso à justiça de todos os cidadãos lesados.

 Neste sentido, ressalte-se o entendimento esposado anteriormente que demonstrou a ineficiência das ações individuais em algumas hipóteses e os desestímulos sofridos pelos cidadãos para a ajuizarem.

Neste cenário, a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos é um mecanismo, quiçá uma solução, para a dificuldade de se garantir em plenitude o princípio do acesso à justiça consagrado na Constituição de República de 1988.

Como consequencia lógica do pleno atendimento a este princípio, impõe-se aos infratores, no mínimo, um ônus sobre os benefícios oriundos da conduta antijurídica praticada.

 Em outras palavras, uma ação civil pública proposta na defesa de direitos individuais homogêneos desincentiva o infrator a cometer lesões no futuro, pois ele sempre se verá ameaçado por uma eventual ação coletiva com o fito de obter a reparação pelos danos causados.

Sabiamente, Cappelletti notou há décadas atrás como a dificuldade de se ter acesso à justiça incentiva certas pessoas a lesarem direitos alheios, conforme se observa do seguinte trecho de sua obra:

“Os novos direitos substantivos das pessoas comuns têm sido particularmente difíceis de fazer valer ao nível individual. As barreiras enfrentadas pelos indivíduos relativamente fracos com causas relativamente pequenas, contra litigantes organizacionais – especialmente corporações ou governos – têm prejudicado o respeito a esses novos direitos”.[29]     

 Assim, a tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos deve ser encarada mais do que uma forma de se garantir o amplo acesso à justiça.

 A sua função dentro de uma sociedade de massa é também a de tutelar os direitos agredidos e desincentivar futuras lesões a eles através, principalmente, da procedência dos pedidos feitos ao juízo.

 Os ônus decorrentes de uma condenação afetarão severamente a saúde financeira do infrator, por mais que ele seja uma grande companhia.

Estes ônus, além do caráter reparatório e/ou compensatório a depender da natureza do pedido, surtirão efeitos na postura do infrator para as suas próximas atividades, pois ele terá em mente que lesões de massa podem ser tuteladas pela ação civil publica.

 A diferença de encargo sofrido pelo infrator numa hipótese em que somente alguns cidadãos pleiteiam individualmente a reparação cabível em comparação com outra, na qual o Ministério Público proponha uma ação civil pública na defesa do direito de todos os lesados, é brutal.

 A ação civil publica tem a vantagem de abarcar o prejuízo de todos os lesados. Por sua vez, as ações individuais têm como objeto somente o prejuízo sofrido por aquela pessoa que figura no pólo ativo.

 Dessa forma, o infrator terá menos incentivos para praticar lesões aos cidadãos, se o Ministério Publico, sempre que notar interesse social na solução da controvérsia, ajuizar a ação civil publica na defesa dos direitos individuais homogêneos.

 Estes efeitos tratados acima são apenas os de fácil percepção. Certamente existem outros efeitos positivos da legitimidade do Ministério Publico na propositura de ação civil publica na defesa de direitos individuais homogêneos. A aceitação pelos Tribunais de Justiça desta legitimidade irá clarear e demonstrar os demais efeitos benéficos da tutela coletiva dos direitos individuais homogêneos.

3.2 Postulações em defesa de interesses individuais homogêneos em hipóteses de situação jurídica heterogênea

 Não raras vezes, uma única conduta pode simultaneamente gerar danos a direitos difusos, coletivos strictu sensu e individuais homogêneos.  Na presença concomitante destas violações, estar-se-á diante de uma situação jurídica heterogênea.

Frise-se, de antemão, que a heterogeneidade da situação jurídica implica somente na multiplicidade de interesses afetados, e não, como uma interpretação a contrario sensu do conceito de homogeneidade poderia remeter o leitor, que a situação jurídica específica tem diversas origens. É que, como anteriormente explanado, a heterogeneidade reside na diversidade de violações por apenas uma única conduta.

 Para clarificar a ideia acima exposta, cite-se o elucidativo exemplo de uma situação jurídica heterogênea pensada por Teori Albino[30]:

“o transporte irregular de produto tóxico constitui ameaça ao meio ambiente, direito de natureza transindividual e difusa. Mas constitui, também, ameaça ao patrimônio individual e às próprias pessoas moradoras na linha de percurso do veículo transportador (= direitos individuais homogêneos). Eventual acidente com veículo atingirá o ambiente natural (v.g., contaminando o ar ou a água), o que importa ofensa a direito difuso e, ao mesmo tempo, à propriedade ou à saúde das pessoas residentes na circunvizinhança, o que configura lesão coletiva a direitos individuais homogêneos”.

 Não obstante o explicativo exemplo acima, o estudo de caso feito neste trabalho no capítulo 2.1 aborda uma situação jurídica heterogênea. Este ponto não foi explorado quando da análise do caso propositalmente para reforçar o argumento que se pretende construir neste capítulo.

 Aquele caso englobava a defesa de interesses difusos, coletivos strictu sensu e individuais homogêneos.

Explique-se: o aspecto difuso do caso estudado é visível na medida em que a ação proposta terá efeitos para os futuros consumidores que celebrarem contrato bancário de adesão, pois a cobrança da taxa de renovação de cadastro, na hipótese de persistir a procedência do pedido, não poderá mais ser feita a nenhum consumidor. Logo, os efeitos da ação não se restringem somente aos consumidores afetados, mas sim a todos potenciais consumidores que venham a abrir uma conta bancária.

 A faceta coletiva strictu sensu daquele caso decorre da sua correlação com os contratos atuais, ou seja, com os consumidores atuais do banco. Em relação a eles, o pedido feito pelo Ministério Público foi no sentido de impedir a imediata cobrança da taxa de renovação de cadastro.

 Por fim, o aspecto individualista do caso está presente na medida em que os consumidores atuais foram cobrados de um valor manifestamente ilegal, de forma que o pedido que sintetiza a violação a este direito é a devolução dos valores cobrados pelo banco.

 Assim, o próprio caso estudado é uma situação heterogênea, na qual o Banco Itaú, através da cobrança da taxa de renovação de cadastro, violou três interesses distintos que foram amparados em uma mesma ação. Tanto os futuros consumidores, quanto os consumidores atuais, tiveram seus direitos resguardados pela atuação do Ministério Público. Exemplo disto é que a Resolução nº 3.518 de 06.12.07 do Banco Central que autorizava a cobrança da taxa de renovação de cadastro pelos bancos foi revogada pela Circular do Banco Central nº 3.466 de 11.09.09, gerando, por consequencia, um efeito a todos os atuais e futuros consumidores.

Em hipóteses de violação simultânea a interesses difusos, coletivos strictu sensu e individuais homogêneos, não é razoável que a defesa de cada interesse em juízo seja feita de forma independente, uma vez que há uma interdependência causal entre todos eles.

 Acertadamente, o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, ao defender a ilegalidade da cobrança aos consumidores da taxa de renovação de cadastro, englobou em seu pedido a restituição dos valores pagos pelos consumidores a este título.

Não faria sentido o Ministério Público ajuizar uma ação civil pública na defesa de direitos difusos, outra na defesa dos direitos coletivos strictu sensu e uma terceira na defesa de direitos individuais homogêneos, quando todas as violações são decorrentes de uma única conduta do infrator.

 Nessa linha de raciocínio, vale a leitura da seguinte ementa[31]:

ADMINISTRATIVO – AÇÃO CIVIL PÚBLICA – INTERDEPENDÊNCIA CAUSAL – POSSIBILIDADE DE VIOLAÇÃO SIMULTÂNEA A MAIS DE UMA ESPÉCIE DE INTERESSE COLETIVO – DIREITOS DIFUSOS E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS – RELEVANTE INTERESSE SOCIAL – LEGITIMIDADE.

1. Conforme se observa no acórdão recorrido, o caso dos autos ultrapassa a órbita dos direitos patrimoniais da população diretamente afetada e atinge interesses metaindividuais, como o meio ambiente ecologicamente equilibrado e a uma vida saudável.

2. É um erro acreditar que uma mesma situação fática não possa resultar em violação a interesses difusos, coletivos e individuais simultaneamente. A separação, ou melhor, a categorização dos interesses coletivos lato sensu em três espécies diferentes é apenas metodológica.

3. No mundo fenomenológico as relações causais estão tão intimamente ligadas que um único fato pode gerar consequências de diversas ordens, de modo que é possível que dele advenham interesses múltiplos. É o caso, por exemplo, de um acidente ecológico que resulta em danos difusos ao meio ambiente, à saúde pública e, ao mesmo tempo, em danos individuais homogêneos aos moradores da região.

4. Ademais, ainda que o caso presente tratasse unicamente de direitos individuais homogêneos disponíveis, isso não afasta a relevância social dos interesses em jogo, o que é bastante para que se autorize o manejo de ação civil pública pelo agravado. Agravo regimental improvido.”

 Assim como no julgado acima citado, no caso estudado neste trabalho, a defesa dos três interesses coletivos lato sensu afetados foi feita em uma mesma ação por estarem intimamente ligados por um mesmo fato causador das violações.

 Ressalte-se, aliás, que esta ementa, no seu ponto 4, retrata o entendimento defendido neste trabalho de que a ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos é cabível quando houver relevância social em jogo.

 Porém, especificamente nesta parte do trabalho, o que se defende é que em situações heterogêneas, por existir uma interdependência causal nas violações de direitos, é plenamente cabível a defesa dos interesses individuais homogêneos por meio de ação civil pública juntamente com outro direito.

 Sem fazer menção expressa ao que ora se defende, Teori Albino[32], analisando as situações jurídicas heterogêneas, asseverou que:

“Nesses momentos, mais do que em qualquer outro, é indispensável que o juiz assuma efetivamente seu papel de condutor e dirigente, o que inclui a tarefa de ordenar as situações novas, valendo-se, para tal fim, dos recursos hermenêuticos e das linhas de princípios que o sistema oferece”.

  A receptividade pelo Poder Judiciário de postulações conjuntas na defesa de direitos coletivos lato sensu é essencial para que os legitimados a propor ação civil pública englobem todos os pedidos possíveis e exaurem todas as pretensões decorrentes das violações praticadas pelo infrator.

 Portanto, a admissão da ação civil pública na defesa de direitos individuais homogêneos pode ser sustentada também sob o ponto de vista de que por razões fáticas e práticas não haveria motivo para a ação coletiva não englobar a defesa de tais direitos.

 A assertiva feita no parágrafo anterior pode não causar impacto e reflexão o leitor, sendo oportuno, portanto, fazer o seguinte questionamento: no estudo de caso da ação do Itaú, faria sentido admitir que o Ministério Público postulasse a obrigação do banco em não cobrar a tarifa de renovação de cadastro, sem que pudesse exigir a devolução aos lesados dos valores pagos?

Sem maiores delongas, a resposta tem de ser negativa. Beira o absurdo defender que a legitimidade do Ministério Público se restringe à postulação da obrigação de não cobrar a referida tarifa, pois assim como neste caso, em hipóteses nas quais há um núcleo que une os direitos violados a uma mesma causa, a reparação destes deve ser, por conseguinte, conjuntamente.

Se o Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro não englobasse o pedido de caráter individual, qual seja, a devolução do valor pago pelos consumidores, este órgão teria feito um trabalho, no máximo, pela metade. Afirma-se isto com plena segurança, pois se a causa de pedir da ação em comento é composta pela ilegalidade da taxa de renovação de cadastro e por sua cobrança aos consumidores, o pedido de devolução dos valores pagos pelos consumidores é uma consequencia lógica e necessária do que foi postulado pelo Parquet.

3.3 Caso Ford Pinto e a ilicitude lucrativa

 Ford Pinto foi um carro produzido pela companhia Ford no final da década de 60, início da década de 70, que se enquadrava no gênero dos veículos subcompactos. O planejamento e construção do veículo foram feitos em tempo recorde à época.

 As vendas do Ford Pinto no seu lançamento foram um sucesso. No entanto, o carro ficou marcado na história pelos graves acidentes sofridos por seus usuários decorrentes do design do veículo.

O projeto do carro alterou a localização comumente utilizada do tanque de combustível, passando a colocá-lo atrás do eixo traseiro, ao invés de em cima dele. Porém, esta mudança de localização, aliado a outras características do carro, tornaram o tanque mais vulnerável na hipótese do veículo sofrer alguma colisão traseira, de forma que o combustível era expelido facilmente e, por consequencia, o carro explodia.

 Diante desta falha no design do veículo, diversas pessoas sofreram queimaduras, e outras morreram, acarretando a instauração de diversos processos em face da Ford para esta reparar os danos sofridos pelas vítimas.

Dentre estes processos, o caso Grimshaw vs. Ford Mortor Company[33] é tratado como o paradigma. Richard Grimshaw era um garoto de 13 anos que estava viajando com sua vizinha Lily Gray que dirigia um Ford Pinto. Quando estavam na estrada a caminho de seus destinos, o Ford Pinto sofreu uma colisão traseira que imediatamente fez com que o carro incendiasse, causando a morte da Sra. Gray e deixando o garoto Grimshaw seriamente machucado.

 O júri condenou a Ford a pagar a família da Sra. Gray US$ 560.000,00 dólares, a título de danos pela sua morte, e US$ 2.500.000,00 dólares ao garoto Grimshaw, a título de compensação pelos danos sofridos. Além disso, o júri condenou a Ford ao pagamento de US$ 125.000.000,00 de dano punitivo, o que, em seguida, foi reduzido pelo juiz para US$ 3.500.000,00 como condição para não ocorrer um novo julgamento. Este julgado se manteve em grau de recurso e a Suprema Corte americana recusou uma audiência sobre o caso.[34]

 O caso do carro Ford Pinto tem contornos relacionados ao presente trabalho, na medida em que esta empresa automobilística adotou uma postura baseada no custo-benefício de praticá-la e, com base neste critério, colocou a integridade física e a vida dos consumidores em risco.

Afirma-se que a Ford fez esta análise, pois as vítimas dos acidentes conseguiram um documento assinado por dois engenheiros da referida empresa, no qual eles comparam os custos e benefícios de reduzir os problemas decorrentes da localização do tanque de combustível. Os engenheiros calcularam um valor de US$ 11 por veículo para deixá-lo mais seguro e estimaram que fossem 12 milhões e meio de veículos afetados, o que daria um custo em torno de US$ 137.000.000,00 (cento e trinta e sete milhões de dólares).

Contudo, os engenheiros registraram que estas mudanças evitariam 180 mortes e 180 queimaduras. No entanto, como a vida humana foi precificada pelos membros da Ford por US$ 200.000,00 e os danos decorrentes de queimaduras em US$ 67.000,00, a melhora na segurança do veículo geraria um benefício de US$ 49.500.000,00 (quarenta e nove milhões e quinhentos mil dólares), o que era muito inferior aos US$ 137 milhões de custos que a Ford teria que incorrer para impor tais mudanças.[35]

 Assim, a omissão da Ford em aplicar recursos para melhorar a segurança do carro foi baseada puramente em uma análise de custo-benefício desta conduta. Porém, por colocar em risco a vida dos consumidores, esta análise não foi adequadamente utilizada. Prova disto é que a Ford foi condenada a pagar nos Tribunais uma quantia muito superior àquela que ela calculava gastar com a melhora na segurança do carro.

Fora as condenações, a empresa teve sua reputação no mercado severamente afetada pelas diversas mortes e acidentes que foram ocasionados pela falha no design do carro e a posterior omissão em melhorar sua segurança.

Em comparação com o caso estudado anteriormente de cobrança de taxa de renovação de cadastro pelo Itaú, note-se que há diversas semelhanças entre eles, apesar da nítida diferenciação de bem jurídico afetado, visto que naquele os direitos violados foram basicamente os dos consumidores, enquanto neste foram violados também o direito à vida e o direito à integridade física.

 À exceção da diferença de bem jurídico agredido, as duas situações retratam políticas de grandes empresas de praticar condutas ilícitas, tendo como único fim o aumento no lucro. No entanto, por estas práticas excederem os limites impostos pelas leis e violarem as esferas de direitos assegurados aos cidadãos, elas se caracterizam pela ilicitude e, na maioria das vezes, por serem lucrativas.

O caso Ford Pinto é um exemplo histórico da denominada ilicitude lucrativa. Outra definição não caberia à conduta desta empresa, uma vez que ela violou direitos de diversos cidadãos com o intuito de diminuir os seus custos, o que, em outras palavras, pode ser sintetizado pela escolha do caminho mais lucrativo para a empresa, sem qualquer preocupação com seus consumidores.

Do mesmo modo, o Itaú, ao cobrar de seus clientes uma taxa manifestamente ilegal e em um valor não significativo, o fez, tendo como base, supõe-se, um cálculo de quantas pessoas ajuizariam uma ação para serem restituídas do valor cobrado e o benefício total que esta cobrança poderia gerar a empresa.

 Diante da constante utilização do critério de custo-benefício por parte das grandes empresas que repetidamente importa na violação a diversos direitos dos cidadãos, a ação civil pública é um mecanismo eficiente para coibir e diminuir tais práticas por partes das companhias, inclusive quando os direitos violados forem essencialmente individuais disponíveis homogêneos, pois, nessas hipóteses, como narrado anteriormente, as ações individuais são por diversas vezes meios ineficientes para os cidadãos serem reparados.

Por isso, afirmou-se acima que um dos efeitos gerados pela propositura de ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos seria desincentivar as condutas lesivas aos cidadãos.

 A sensação de impunidade, sob a perspectiva civil, faz com que constantemente alguns agentes pratiquem condutas ilícitas. Levando-se em consideração esse cenário, o receio de que o Ministério Público possa ajuizar uma ação civil pública que englobe o direito de todo o grupo de pessoas lesadas trará consequencias para o futuro da política destes agentes infratores, pois uma conduta ilícita lucrativa pode, com uma atuação segura e ativa do Parquet, se transformar em uma conduta ilícita e com prejuízos.

 No caso Ford Pinto, a ação civil pública sequer foi necessária[36] pela relevância do bem jurídico afetado e também pela amplitude dos danos gerados, mas a sua abordagem neste trabalho serve para elucidar como diversas condutas ilícitas são praticadas baseadas em um custo-benefício de pô-las em ação.

 Apoiado nos argumentos suscitados acima e valendo-se novamente do caso estudado Itaú, admitir que o Ministério Público, como instituição incumbida da defesa da ordem jurídica e dos interesses sociais, postule em  ações civil públicas as reparações individuais de cada lesado cria desincentivos econômicos para que os infratores tornem a delinquir.

 Além desta função preventiva de novas lesões, a possibilidade de o Ministério Público obter indenizações individuais junto às empresas facilita a obtenção de soluções negociadas através de Termos de Ajustamento de Conduta capazes de atingir plenamente o fim de uma eventual ação civil pública.

 Por óbvio, os pedidos de natureza individual feitos pelo Parquet devem se restringir à extensão dos danos sofridos pelos consumidores, sem passar deste limite, sob pena de impor perdas econômicas injustificáveis às empresas que seriam posteriormente internalizadas e cobradas dos consumidores, atingindo, por conseguinte, o fim inicial do infrator com a prática do ato ilícito.[37]

 Caso não se admita que o Parquet possa englobar tal pedido, o infrator não terá nenhum incentivo para respeitar a legislação, no caso específico do Itaú a legislação consumerista, uma vez que não terá nenhuma ameaça de ter o seu patrimônio afetado negativamente. Ao defender esta posição, assume-se a qualidade de cúmplice da ilicitude lucrativa praticada por algumas empresas.

Conclusão

A ação civil pública é proposta, na maioria das vezes, pelo Ministério Público.  Isto decorre, primeiramente, pelo fato deste órgão ser o primeiro na lista de legitimados a propor tal ação do artigo 5º, da Lei 7.347/85.

 Além disso, esta liderança na propositura de ação civil pública decorre da própria função que a Constituição da República de 1988 atribui ao Ministério Público. Os seus artigos 127 e 129 evidenciam a atribuição do Parquet de defender os interesses sociais e de promover a ação civil pública.

Como visto anteriormente, estes dispositivos não explicitam em que hipóteses será cabível a ação em análise, mas indicam na defesa de quais direitos ela será utilizada.

 Sob essa perspectiva, a conjugação de ambos os artigos aponta que a ação civil pública é cabível na defesa dos interesses sociais e individuais indisponíveis[38], e também para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos[39].

Assim, apesar da C.R/88 não fixar expressamente as hipóteses de cabimento da ação civil pública, ela delimita o seu escopo de forma genérica.

Após a promulgação da C.R/88, o Código de Defesa do Consumidor foi o segundo diploma legal a inovar em matéria de tutela coletiva dos direitos e, nesta condição, definiu, no seu artigo 81, parágrafo único, os direitos difusos, os coletivos strictu sensu e os individuais homogêneos.

Os direitos individuais homogêneos são definidos pela Lei como aqueles decorrentes de uma origem comum.

O simples fato de terem uma origem em comum não descaracteriza a essência deste direito, qual seja: a sua individualidade e possibilidade de defesa individual em juízo.

 Porém, a defesa individual dos direitos individuais homogêneos, não raras vezes, não garantirá o pleno acesso à justiça dos lesados.

 Isso porque muito dos cidadãos lesados não ajuizarão uma ação individual para ser ressarcido dos danos causados, seja porque o custo da propositura da ação é alto, ou porque ele acredita que o Poder Judiciário é moroso, entre outras justificativas.

Diante desse cenário, este trabalho defendeu a idéia de que, em algumas hipóteses de violação a direitos individuais disponíveis homogêneos, a ação civil pública é um mecanismo eficiente para reparar os cidadãos lesados.

Nesse sentido, o estudo de caso da ação proposta pelo Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro em face do Banco Itaú S.A. demonstra a importância da ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos, tendo em vista que se tem notícia somente de cerca de 400 ações individuais, enquanto que o número efetivamente de lesados supera e muito esta perspectiva.

 A garantia constitucional do acesso à justiça deve ser plenamente assegurada aos cidadãos por ser um direito fundamental de aplicação imediata.

 Dessa forma, a defesa de direitos individuais homogêneos por meio da ação civil pública pode ser indicada como um dos pilares para o atendimento pleno a esta garantia constitucional.

No entanto, é preciso demonstrar quando que a ação civil pública é cabível na defesa dos direitos individuais disponíveis homogêneos, visto que, por serem individuais e disponíveis, eles também podem ser defendidos pela advocacia privada.

 O primeiro requisito é a configuração do direito como individual homogêneo, ou seja, que ele tenha uma origem comum para que sua tutela possa ser feita de forma coletiva.

O segundo requisito é que a lesão que se busca tutelar esteja dentre alguma das hipóteses da C.R/88 que foram citadas acima ou das dispostas no artigo 1º da lei 7.347/85.

Especificamente sobre os direitos individuais disponíveis homogêneos, para que a tutela do direito possa ser feita de forma coletiva através da ação civil pública, é necessário que haja interesse social na propositura da ação, pois, como assevera o artigo 127 da C.R/88, incumbe ao Ministério Público a defesa dos interesses sociais.

 Na ausência deste interesse social, o Ministério Público carece de interesse na propositura da ação, cabendo a defesa dos direitos violados ser feita pelos indivíduos que optarem pelo ajuizamento da medida judicial cabível.

Apesar de ser um conceito genérico, o interesse social pode ser identificado como aquele que transcende a esfera daqueles indivíduos lesados.

Assim, v.g., é possível que os direitos disponíveis violados afrontem um bem jurídico de tamanha importância que surge o interesse social na tutela coletiva destes direitos.

 A atuação do Parquet em uma ação civil pública na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos é feita de forma genérica, sem  qualquer observância das peculiaridades de cada indivíduo lesado, apesar dos direitos serem perfeitamente divisíveis.

O requerimento de condenação, v.g., nesta ação será genérico.

Assim, os interesses individuais só serão satisfeitos na fase de liquidação e execução do julgado, o que confirma e evidencia o tratamento coletivo dada à causa pelo Ministério Público.

Os efeitos benéficos gerados pela aceitação da legitimidade do Parquet para ajuizar tal ação são diversos, dentre os quais a garantia do amplo acesso à justiça, a economia processual e a segurança jurídica.

Outro efeito de suma importância da utilização da ação em comento na defesa de direitos individuais homogêneos é a sua capacidade de desincentivar os crescentes ilícitos coletivos que, em síntese, ocorrem devido à ausência de um mecanismo eficaz para reprimir este tipo de prática. O receio de que o Ministério Público possa ajuizar uma ação civil pública influencia a postura dos infratores, pois o prejuízo que a propositura desta ação pode gerar a eles abarca a lesão de todos os envolvidos, e não somente de parte deles.

A abordagem do histórico caso do carro Ford Pinto ocorrido na década de 70 nos Estados Unidos serviu para demonstrar o comportamento de grandes empresas perante os consumidores.  Analisando este caso, o conceito de ilicitude lucrativa foi explorado, principalmente através da ponderação de custo-benefício das práticas lesivas aos consumidores, e ficou evidenciado que uma participação ativa do Parquet na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos é um desincentivo para que as empresas continuem desrespeitando a legislação.

 Portanto, existindo interesse social para a propositura da ação, é essencial que o Ministério Público a proponha, sob pena de colocar em xeque tais efeitos e também a sua incumbência de natureza constitucional.

 Assim, apesar da C.R/88 não fazer menção expressa à possibilidade de defesa dos direitos individuais disponíveis homogêneos por meio da ação civil pública, o que não poderia ser diferente, uma vez que este conceito só surgiu no ano de 1990 através do CDC, a própria C.R/88 confere legitimidade para o MP ajuizar a ação na defesa de tais direitos, pois determina expressamente que cabe a este órgão a defesa dos interesses sociais.

 Logo, a literalidade da C.R/88 não é capaz de impedir que o Ministério Público ajuíze ação civil pública na defesa de direito individual disponível homogêneo. Ademais, não faria sentido impedir, basicamente porque a postulação de cunho individual, muitas vezes, é consequencia necessária e lógica da defesa do interesse difuso ou coletivo strictu sensu. O caso Itaú estudado neste trabalho é um exemplo disto, já que não faria sentido o Parquet postular que o banco não cobrasse a taxa de renovação de cadastro, sem requerer a devolução dos valores já pagos pelos consumidores.

 A sociedade evoluiu desde 1988, e os institutos jurídicos devem ser adaptados, nos seus limites, a esta evolução, sob pena de inviabilizar a efetividade de suas normas.

 Nesse sentido, tendo como base o princípio do acesso à justiça, é juridicamente possível e socialmente aconselhável que existindo interesse social o Ministério Público ajuíze ações civis públicas na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos, uma vez que os benefícios oriundos da atuação do Parquet na defesa destes direitos, naturalmente, só ocorrerão através do empenho de seus membros e da propositura de ações civis públicas.

Portanto, conclui-se que mais do que juridicamente possível, é de suma importância que o Ministério Público proponha, cada vez mais, ações civis públicas na defesa de direitos individuais disponíveis homogêneos sempre que identificado um interesse social no caso, com vista a evitar que cresça o número de lesões aos cidadãos.

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Notas:
[1] BOBBIO, Noberto. A era dos direitos. Trad. Carlos Nelson Coutinho. Tradução de L’età dei diritti. Rio de Janeiro: Campus, 1992.

[2] CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988, p. 11.

[3] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em Juízo. 17ª ed. São Paulo: Saraiva, 2004, p.56.

[4] MARINONI, Luiz Guilherme, ARENHART, Sérgio Cruz. Curso de Processo Civil v.2. 7ªed.  São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2008, p. 744.

[5] Parte da doutrina, como Antonio Gidi e Álvaro Mirra, defende que deve existir um controle judicial da representividade adequada caso a caso, sob o fundamento de que muitas vezes os interesses do grupo afetado não são adequadamente representados em juízo.

[6] CAPPELLETTI, Mauro. Formações Sociais e Interesses Coletivos diante da Justiça Civil. RP, 5/129.

[7] FUX, Luiz. Curso de Direito Processual Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 143.

[8] MILARÉ, Édis. A Ação Civil Pública após 20 anos: Efetividade e Desafios. Texto de Alexandre Amaral Gavronski. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p.30.

[9] CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Dez Anos da Ação Civil Pública. Uma Retrospectiva Geral, Palestra proferida no Congresso Internacional de Responsabilidade Civil, Consumidor, Meio Ambiente e Danosidade Coletiva: Fazenda Justiça no Terceiro Milênio, realizado em Blumenau no período de 29/10/1995 a 01/11/1995.

[10] LENZA, Pedro. Teoria geral da ação civil pública. 1ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.90.

[11] PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A natureza jurídica do direito individual homogêneo e sua tutela pelo Ministério Público como forma de acesso à justiça, p. 152/153, Rio de Janeiro: Forense, 2002.

[12] NERY JUNIOR, Nelson, NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado e legislação extravagante. 9ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006, p. 264.

[13] BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: direito processual coletivo e direito processual público, vol. 2, tomo III. São Paulo: Saraiva, 2010, p. 214.

[14] CARNEIRO, Paulo Cezar Pinheiro. Acesso à justiça: juizados especiais cíveis e ação civil pública: uma nova sistematização da teoria geral do processo. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

[15] Id., p. 65.

[16] Idem, p. 71.

[17] Idem, p. 68.

[18] Esta questão será desenvolvida com a atenção que lhe é devida no capítulo 3.2.

[19] No entanto, o juiz de primeira instância entendeu por bem que o caso em comento não se enquadra na previsão de restituição em dobro do valor pago indevidamente do artigo 42, parágrafo único, do CDC, sob a justificativa de que este dispositivo trata de hipótese de uma sanção civil para aquele que cobra dívida em maior valor que o real, o que não é a hipótese.

[20] Última consultada datada de 19.11.10.

[21] Dado estimado com base em consulta no dia 19.11.10 de processos em trâmite na Turma Recursal Cível e nas Câmaras do Tribunal de Justiça no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro http://www.tjrj.jus.br/. Foi feita uma pesquisa minuciosa no campo de jurisprudência através das seguintes palavras chaves: tarifa e renovação e cadastro e restituição. Foram encontrados 16 julgados nas Varas Cíveis, dos quais 15 se relacionavam ao Itaú e mais de 300 (limite de informação prestada pelo site) nas Turmas Recursais Cíveis. Porém, no mês de julho do ano de 2010, o autor deste trabalho fez uma pesquisa e o número de processos encontrados era menor do que 300. Assim, o número estimado foi apontado com base nessas premissas.

[22] CAPPELLETTI, Mauro. Formações sociais e interesses coletivos diante da justiça civil. Tradução Nelson Renato Palaia Ribeiro de Campos. RePro:.São Paulo, 1977, p. 137.

[23] Nesse sentido, vale citar o ensinamento de Humberto Dalla Bernardina de Pinho: “Em outras palavras, aquele direito que se fosse concebido individualmente seria disponível, é alçado a uma condição superior, pois há todo um grupamento social interessado no deslinde daquela controvérsia.” (PINHO, Humberto Dalla Bernardina de. A natureza jurídica do direito individual homogêneo e sua tutela pelo Ministério Público como forma de acesso à justiça, p. 90, Rio de Janeiro: Forense, 2002).

[24] GIDI, Antonio. Coisa julgada e litispendência em ações coletivas. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 23/31.

[25] ALBINO, Teori Zavascki. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, p. 242.

[26] Id., 176.

[27] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. 16. ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 91/94.

[28] Deste modo, não é adequado tecer comentários sobre em que hipóteses existirá a relevância social necessária para a atuação do Ministério Público. Entretando, é válido citar a Súmula nº 7 do Conselho Superior do Ministério Público do Estado de São Paulo que delimita a legitimidade do Ministério Público para defesa de direitos individuais homogêneos somente para algumas hipóteses: SÚMULA 7 O Ministério Público está legitimado à defesa de interesses ou direitos individuais homogêneos que tenham expressão para a coletividade, tais como: a) os que digam respeito a direitos ou garantias constitucionais, bem como aqueles cujo bem jurídico a ser protegido seja relevante para a sociedade (v.g., dignidade da pessoa humana, saúde e segurança das pessoas, acesso das crianças e adolescentes à educação); b) nos casos de grande dispersão dos lesados (v.g., dano de massa); c) quando a sua defesa pelo Ministério Público convenha à colet ividade, por assegurar a implementação efetiva e o pleno funcionamento da ordem jurídica, nas suasperspectivas econômica, social e tributária.”

[29] CAPPELLETTI, Mauro, GARTH, Bryant. Acesso à Justiça. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre: Fabris, 1988,p. 92.

[30] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, p. 46. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

[31] AgRg no REsp 1154747 / SP, Segunda Turma do Superior Tribunal de Justiça, Ministro Relator Humberto Martins, data de julgamento 06.04.10.

[32] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: tutela de direitos coletivos e tutela coletiva de direitos, p. 46. 3ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2008.

[33] Além do artigo de Gary T. Schwartz, outros autores abordaram este caso emblemático sob diferentes perspectivas. Dentre eles, citem-se Malcolm E. Wheeler e Steven C. Bennett que tratam o caso sob o enfoque criminal, Bart Schwartz que concentra sua análise nas provas produzidas no processo, e Matthew T. Lee e M. David Ermann que pensaram o caso por uma perspectiva organizacional e institucional de grandes empresas.

[34] SCHWARTZ, Gary T.. The Myth of the Ford Pinto Case, p. 1.017. 43 Rutgers Law Review, 1991.

[35] SCHWARTZ, Gary T.. The Myth of the Ford Pinto Case, p. 1.020. 43 Rutgers Law Review, 1991.

[36] Após o episódio do carro Ford Pinto, a maioria das questões envolvendo automóveis nos Estados Unidos é resolvida por meio de recalls voluntários das empresas, sem que seja necessária a propositura de uma class action.

[37] Do mesmo modo, Steven Shavell e Mitch Polinsky, renomados professores da Harvard Law School e da Stanford Law School respectivamente, observam que os danos punitivos devem ser impostos quando as outras formas de prevenção seriam inadequadas por causa da possibilidade de o infrator escapar da responsabilidade. Em particular, os danos punitivos devem ser fixados a um nível tal que a almejada indenização dos réus seja igual ao prejuízo que eles tenham causado, de modo que o pagamento da indenização será, em um sentido médio, igual ao prejuízo. Ademais, alertam que na hipótese do infrator ser uma empresa, é preciso ter cuidado ao aplicar um dano punitivo, pois ele pode acabar por  penalizar seus clientes e acionistas que não possuem nenhuma relação com a infração cometida, uma vez que o infrator pode internalizar os custos decorrentes da indenização e realocá-las a estas pessoas. Assim, concluem que as indenizações devem ser fixadas no patamar dos prejuízos gerados pelo infrator. (POLINSKY, A. Mitchell, SHAVELL, Steven. Punitive damages: An economic analysis, p. 954/956, Harvard Law Review, vol. 111, February 1998.).  

[38] Artigo 127, C.R/88

[39] Artigo 129, III, C.R/88.


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Bernardo Souza Barbosa

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