Resumo: O presente estudo visa a analisar a legitimidade passiva da União para as ações de tutela de saúde que envolvam a obrigação do ente público em garantir à população brasileira o devido acesso à saúde, nos moldes do art. 196 da Constituição Federal.
Palavras-chave: Legitimidade Passiva – Direito à Saúde – União Federal.
Sumário: 1. Introdução – 2. A legitimidade passiva da União para as ações de tutelas de saúde – 3. Conclusão – 4. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
O art. 196 da Constituição Federal de 1988 estabelece que a saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visam à redução do risco de doenças e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Trata-se de norma constitucional que visa a efetivar um direito social do povo brasileiro[1] e um dever do Estado, na medida em que pretende reduzir o risco de doenças e de outras ofensas à saúde.
À evidência, o Estado brasileiro assegura o direito à vida e à dignidade humana, também previstos na Constituição Federal, nos arts. 1º., III,[2] e 5º., caput,[3] da Carga Magna.
Não obstante, a lide judiciária revela as inúmeras tentativas da União Federal para afastar a sua legitimidade passiva para não figurar como ré nas ações de tutelas de saúde. Entende o ente público, por meio de uma interpretação estreita, que a Constituição Brasileira não lhe conferiu legitimidade ou obrigação solidária e integral quanto à prestação da saúde. Defende, igualmente, com base nas regras estabelecidas na Lei 8.080/90, que se trata de entidade responsável apenas pela gestão e financiamento do Sistema Único de Saúde, mas não a executora de suas atividades.
Como será demonstrado neste ensaio, seja através da análise do texto constitucional, seja por meio da jurisprudência nacional, a União Federal possui tanto legitimidade passiva para figurar nos autos das ações de tutela de saúde, quanto obrigação solidária e integral para garantir a todos o direito à saúde, independentemente da divisão administrativa de tarefas dada pela Lei 8.080/90.
2. A legitimidade passiva da união para as ações de tutela de saúde
O direito à saúde, mais que um direito autônomo, é um instrumento para realização de direitos fundamentais como o direito à vida e à dignidade humana, que possui especial importância no Estado Democrático de Direito e, evidentemente, na Constituição Brasileira.
Consoante adverte Ingo Wolfgang Sarlet:
“Por outro lado, há como sustentar que, na base dos quatro direitos sociais expressamente consagrados pelo nosso Constituinte, se encontra a necessidade de preservar a própria vida humana, não apenas na condição de mera sobrevivência física do indivíduo (aspecto que assume especial relevância no caso do direito à saúde), mas também de uma sobrevivência que atenda aos mais elementares padrões de dignidade. Não devemos esquecer que a dignidade da pessoa humana, além de constituir um dos princípios fundamentais da nossa ordem constitucional (art. 1º., inc. III, da CF) foi guindada à condição de finalidade precípua da ordem econômica (art.170, caput, da CF)”.[4]
Por seu turno, a leitura dos artigos que compõem a Seção II do Capítulo II do Título VIII da Constituição Federal, em especial os arts. 196, 197 e 198 não deixam dúvida de que a União Federal, juntamente com Estados, o Distrito Federal e os Municípios, são responsáveis, de forma solidária, por assegurar o direito de todos à saúde. In verbis:
“Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;
III – participação da comunidade.”
Não se trata de normas meramente programáticas, pois, no campo da saúde pública, as garantias que implicam a preservação da vida são autoaplicáveis. Ademais, não se pode apegar, de forma rígida, à leitura fria da norma, e sim, considerá-la, tendo-se em vista a intenção do legislador, mormente perante preceitos maiores insculpidos na Carta Magna garantidores do direito à saúde, à vida e à dignidade humana, devendo-se ressaltar o atendimento das necessidades básicas dos cidadãos.[5]
Na lição de Jorge Miranda:
“Há direitos em que se trata de proteger, directa e essencialmente, a pessoa enquanto tal, a pessoa singular, o indivíduo, nos atributos caracterizadores da sua personalidade moral e física. São os direitos que sempre se encontrariam, ainda que, por hipótese, não se constituíssem laços perduráveis de convivência social e apenas se desse a coexistência de pessoas separadas”.[6]
A realização dos direitos fundamentais merece absoluta prioridade do Estado, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária. Essa lição já foi destacada pelo Supremo Tribunal Federal em vários julgados. Com efeito:
“(…) entre proteger a inviolabilidade do direito à vida, que se qualifica como direito subjetivo inalienável assegurado pela própria Constituição da República (art. 5º, caput), ou fazer prevalecer, contra essa prerrogativa fundamental, um interesse financeiro e secundário do Estado, entendo – uma vez configurado esse dilema, que razões de ordem ético-jurídica impõe ao julgador uma só e possível opção: o respeito indeclinável à vida. (…).[7]
O direito à saúde – além de qualificar-se como direito fundamental que assiste a todas as pessoas – representa conseqüência constitucional indissociável do direito à vida. O Poder Público, qualquer que seja a esfera institucional de sua atuação no plano da organização federativa brasileira, não pode mostrar-se indiferente ao problema da saúde da população, sob pena de incidir, ainda que por censurável omissão, em grave comportamento inconstitucional.[8]
Dever do Estado de Fornecer Medicamentos: DECISÃO: […] Ressalte-se que a discussão em relação à competência para a execução de programas de saúde e de distribuição de medicamentos não pode se sobrepor ao direito à saúde, assegurado pelo art. 196 da Constituição da República, que obriga todas as esferas de Governo a atuarem de forma solidária. 7. Ante o exposto, indefiro o pedido. Publique-se.[9]
I – O Supremo Tribunal Federal, em sua composição plena, no julgamento da Suspensão de Segurança 3.355-AgR/RN, fixou entendimento no sentido de que a obrigação dos entes da federação no que tange ao dever fundamental de prestação de saúde é solidária.
II – Ao contrário do alegado pelo impugnante, a matéria da solidariedade não será discutida no RE 566.471-RG/RN, Rel. Min. Marco Aurélio.
III – Agravo regimental improvido”[10].
Ainda, colhe-se o seguinte precedente favorável à obrigação da União Federal no que tange ao dever fundamental solidário de prestação de saúde:
“Suspensão de Segurança. Agravo Regimental. Saúde pública. Direitos fundamentais sociais. Art. 196 da Constituição. Audiência Pública. Sistema Único de Saúde – SUS. Políticas públicas. Judicialização do direito à saúde. Separação de poderes. Parâmetros para solução judicial dos casos concretos que envolvem direito à saúde. Responsabilidade solidária dos entes da Federação em matéria de saúde. Fornecimento de medicamento: Zavesca (miglustat). Fármaco registrado na ANVISA. Não comprovação de grave lesão à ordem, à economia, à saúde e à segurança públicas. Possibilidade de ocorrência de dano inverso. Agravo regimental a que se nega provimento.”[11]
Extrai-se do corpo do voto do Ministro Gilmar Mendes, nos autos da Suspensão da Tutela Antecipada 175, antes ementada, que:
“A competência comum dos entes da Federação para cuidar da saúde consta do art. 23, II, da Constituição. União, Estados, Distrito Federal e Municípios são responsáveis pela Saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos nas demandas cuja causa de pedir é a negativa, pelo SUS (seja pelo gestor municipal, estadual ou federal), de prestação na área de saúde. O fato de o Sistema Único de Saúde ter descentralizado os serviços e conjugado os recursos financeiros dos entes da Federação, com o objetivo de aumentar a qualidade e o acesso aos serviços de saúde, apenas reforça a obrigação solidária e subsidiária entre eles.”
É certo que a competência administrativa comum da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios[12], consoante adverte o art. 23, II, da Constituição Federal, transparece a obrigação de a União providenciar integralmente a tutela adequada do direito à saúde.
Sendo competência comum dos entes públicos, eventuais implicações decorrentes da predominância do interesse geral, regional ou local são resolvidas através da descentralização do serviço de saúde, o que não afasta a obrigação solidária e subsidiária na prestação do direito. A norma constitucional prevista no art. 23, em sintonia com o art. 196, pressupõem a legitimidade da União, Estados, Município e Distrito Federal para zelar pela saúde e pela assistência pública geral, sem distinguir a obrigação ante questões que poderiam tangenciar à divisão de tarefas, ao modo de execução do serviço ou à gestão específica do orçamento.
Friedrich Müller destaca em sua obra Métodos de trabalho do direito constitucional, que uma norma jurídica não se limita a seu texto, mas envolve um programa – o texto e suas determinantes gerais de aplicação – e um âmbito – este identificado, empiricamente, no mundo real em que se aplica. Sua concreção depende da identificação e orientação de ambos – programa e âmbito da norma.[13]
Nessa senda, ao referir-se ao Sistema Único de Saúde, o art. 4º. da Lei nº. 8.080/90 determina que o conjunto de ações e serviços de saúde serão prestados, em conjunto, por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, pela administração direta e indireta e pelas fundações mantidas pelo Poder Público, constituindo um sistema.
Por sua vez, os arts. 16, 17 e 18 da Lei 8.080/90, ao disporem sobre as condições para promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e outras providências, distribuíram, tão somente, as tarefas executivas da direção nacional, estadual e regional do SUS. Discriminaram, pois, a organização do sistema de cooperação administrativa das três esferas estatais, em suas órbitas nacional, regional e local, a qual principia uma ação integrada na solução (ou parte dela) dos problemas de saúde que atingem, principalmente, as camadas mais pobres da população.
Trata-se, à evidência, de repartição de serviços, o que não é sinônimo de repartição de competências ou da obrigação comum de zelar pela guarda da saúde como garantia constitucional.
Assim, o fato de a descentralização ser um dos princípios norteadores do SUS, não exime a União Federal da legitimidade e da responsabilidade que lhe fora atribuída pela Constituição Federal, tão somente, com base em uma divisão de atribuições administrativas, como é dado pela Lei 8.080/90.
Essa responsabilidade solidária não gera litisconsórcio passivo necessário entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, seja pelo fato de que a satisfação do direito à saúde pode ser requerida e realizada individualmente pelos entes que compõem a Federação, seja pelo fato de que não há disposição legal que obrigue a presença de todos os entes no litígio. Todavia, a responsabilidade direta pelo fornecimento do medicamento não retira a legitimidade passiva dos demais, os quais, no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação por parte do primeiro, deverão cumpri-la em caráter subsidiário e solidário.
Ainda sobre o tema, a recente jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça:
“FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS. RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS. LEGITIMIDADE PASSIVA AD CAUSAM DA UNIÃO. REPERCUSSÃO GERAL DECLARADA PELO STF. SOBRESTAMENTO. IMPOSSIBILIDADE.1.O funcionamento do Sistema Único de Saúde – SUS é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades tem legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros.Precedentes do STJ.2. O reconhecimento, pelo STF, da repercussão geral não constitui hipótese de sobrestamento de recurso que tramita no STJ, mas de eventual Recurso Extraordinário a ser interposto.3. A superveniência de sentença homologatória de acordo implica a perda do objeto do Agravo de Instrumento que busca discutir a legitimidade da União para fornecimento de medicamentos.4. Agravo Regimental não provido.[14]
ADMINISTRATIVO – CONTROLE JUDICIAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS – POSSIBILIDADE EM CASOS EXCEPCIONAIS – DIREITO À SAÚDE – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – MANIFESTA NECESSIDADE – OBRIGAÇÃO DO PODER PÚBLICO – AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO PRINCÍPIO DA SEPARAÇÃO DOS PODERES – NÃO OPONIBILIDADE DA RESERVA DO POSSÍVEL AO MÍNIMO EXISTENCIAL. 1. Não podem os direitos sociais ficar condicionados à boa vontade do Administrador, sendo de fundamental importância que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa. Seria uma distorção pensar que o princípio da separação dos poderes, originalmente concebido com o escopo de garantia dos direitos fundamentais, pudesse ser utilizado justamente como óbice à realização dos direitos sociais, igualmente fundamentais. 2. Tratando-se de direito fundamental, incluso no conceito de mínimo existencial, inexistirá empecilho jurídico para que o Judiciário estabeleça a inclusão de determinada política pública nos planos orçamentários do ente político, mormente quando não houver comprovação objetiva da incapacidade econômico-financeira da pessoa estatal. 3. In casu, não há empecilho jurídico para que a ação, que visa a assegurar o fornecimento de medicamentos, seja dirigida contra o município, tendo em vista a consolidada jurisprudência desta Corte, no sentido de que “o funcionamento do Sistema Único de Saúde (SUS) é de responsabilidade solidária da União, Estados-membros e Municípios, de modo que qualquer dessas entidades têm legitimidade ad causam para figurar no pólo passivo de demanda que objetiva a garantia do acesso à medicação para pessoas desprovidas de recursos financeiros” (REsp 771.537/RJ, Rel. Min. Eliana Calmon, Segunda Turma, DJ 3.10.2005). Agravo regimental improvido.[15]
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO – AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO DE INSTRUMENTO – FORNECIMENTO DE MEDICAMENTOS – RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA DOS ENTES FEDERATIVOS – LEGITIMIDADE PASSIVA DA UNIÃO.
1. Esta Corte em reiterados precedentes tem reconhecido a responsabilidade solidária dos entes federativos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios no que concerne à garantia do direito à saúde e à obrigação de fornecer medicamentos a pacientes portadores de doenças consideradas graves.
2. Agravo regimental não provido”.[16]
Em verdade, a tese de ilegitimidade passiva levada a efeito pela União Federal nas lides em que é demandada traz ínsita outras questões, relativas às ingerências orçamentárias do ente público, do que decorre alusão indireta à suposta ofensa ao princípio da reserva do possível[17]. Aludida ilação também não prospera sob o ponto de vista jurídico, político e financeiro, considerando-se que a arrecadação total do governo federal atingiu o valor de R$826 bilhões somente no ano de 2010.[18]
Na lição de Jürgen Habermas, uma crise de gestão orçamentária realmente poderia implicar alguma espécie de sobrecarregamento das condições procedimentais de legitimação de normatizações. Não obstante, adverte:
“Pois a partir do momento em que se criam políticas que não obedecem mais às condições da gênese democrática do direito, perdem-se os critérios que permitiriam avaliá-las normativamente. Pois, na implantação de tais programas, entram medidas de efetividade capazes de medir o emprego do poder administrativo, as quais substituem medidas de legitimidade da regulação jurídica. De fato, esse perigo parece crescer quando as tarefas do Estado se ampliam. A partir desse momento, o direito instrumentalizado para fins políticos, é açambarcado por um sistema administrativo independente e degradado à condição de meio entre outros meios aptos a resolver unicamente problemas de integração funcional”.[19]
Logo, a questão tangente à responsabilidade solidária do sistema nacional de saúde não se cinge ao custeio ou previsão orçamentária, mas ao melhor gerenciamento da verba pública e ao efetivo atendimento da população carente.
Ademais, em se tratando de direito à saúde, impera a prevalência da essencialidade do direito à saúde sobre os interesses financeiros do Estado. Veja-se, nesse passo, a doutrina de J.J. Gomes Canotilho:
“O entendimento dos direitos sociais, económicos e culturais como direitos originários implica, como já foi salientado, uma mudança na função dos direitos fundamentais e põe com acuidade o problema de sua efectivação. Não obstante se falar aqui da efectivação dentro de uma “reserva possível”, para significar a dependência dos direitos económicos, sociais e culturais dos “recursos económicos”, a efectivação dos direitos económicos, sociais e culturais não se reduz a um simples apelo ao legislador. Existe uma verdadeira imposição constitucional, legitimadora, entre outras coisas, de transformações económicas e sociais na medida em que estas forem necessárias para a efectivação desses direitos (cfr. Artigos 2.º, 9.º /d, 80.º, 81.º).
As normas constitucionais consagradoras dos direitos sociais, económicos e culturais implicam, além disso, uma interpretação das normas legais de modo conforme com a “constituição social, económica e cultural” (…). Por outro lado, a inércia do Estado quanto à criação de condições de efectivação pode dar lugar a inconstitucionalidade por omissão (artigo 283.º), considerando-se que as normas constitucionais consagradoras de direitos económicos, sociais e culturais implicam a inconstitucionalidade das normas legais que não desenvolvem a realização do direito fundamental ou a realizam diminuindo a efectivação legal anteriormente atingida”.[20]
Portanto, é obrigação do Estado, no sentido genérico (União, Estados e Municípios), assegurar às pessoas desprovidas de recursos financeiros acesso ao tratamento médico, internação hospitalar e medicação necessária para a cura de suas mazelas, em especial as mais graves. Cumpre, pois, ao Estado garantir os cuidados de saúde, haja vista a essencialidade desse bem e sua universalidade.
Dessa forma, nada mais razoável os entendimento esboçados acima, uma vez que a Constituição Federal, além de garantir o acesso à saúde, demanda a obrigação do Estado em prestar a assistência integral à saúde através de ações comuns e solidárias, sem que isso implique divisão de obrigações ou competências entre União, Estado, Município e Distrito Federal.
Trata-se, pois, de direito (à saúde) que não pode ser subtraído pelo Estado, haja vista que se caracteriza por sua dimensão positiva quando se refere à liberdade do indivíduo, por intermédio do Estado, com vistas ao bem-estar e ao pleno desenvolvimento da personalidade humana.[21]
4. Conclusão
A Constituição Federal de 1988, quando revela que a saúde é direito de todos e dever do Estado, estabelece, além de um garantia ao cidadão, um dever de o Estado para prestar serviços de saúde.
Nesse contexto, mesmo impondo o texto constitucional que as ações e serviços públicos de saúde constituem um sistema único e descentralizado, tal premissa não importa a divisão de competências ou obrigações entre os entes públicos, mas, em verdade, ratifica essa solidariedade.
Outrossim, a responsabilidade direta pelo fornecimento de medicamentos ou de tratamento hospitalar de um ente público não retira a legitimidade passiva dos demais, os quais, no caso de impossibilidade de cumprimento da obrigação por parte do primeiro, deverão cumpri-la em caráter subsidiário e solidário.
Não surpreende tenha a Constituição Federal elencado a saúde entre as competências comuns dos entes públicos, conforme consta do art. 23, II, na medida em que a saúde, como garantia, é instrumento de justiça social e de efetivação do Estado Democrático, que, de fato, distribui riquezas em favor daqueles que não têm acesso regular a esse tipo de serviço.
Dessa feita, a União Federal, juntamente com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, são responsáveis pela saúde, tanto do indivíduo quanto da coletividade e, dessa forma, são legitimados passivos para as demandas cuja causa de pedir é a prestação de uma tutela de saúde.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Felipe Dezorzi Borges
Defensor Público Federal de Primeira Categoria, especialista em Direito Processual Civil pelo Instituto de Direito Público de Brasília.