Tauã Lima Verdan Rangel
Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar a importância da Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.257/2011) no processo de atendimento ao direito à informação pública e sua fundamentalidade. É fato que a Constituição de 1988, ao estabelecer a premissa de Estado Democrático de Direito, estabelece a moralidade e a publicidade administrativa como premissas inafastáveis do comportamento a ser seguido pela Administração Pública. Nesta linha, o acesso à informação pública se apresenta como desdobramento claro do próprio Estado Democrático de Direito e constitui direito-meio para o exercício de outros direitos dotados de elevada densidade jurídica. A Lei nº 12.527/2011, responsável por instituir o dever de transparência por parte da Administração Pública, representa, no contexto de promoção do Estado Democrático de Direito, um verdadeiro marco de ruptura. Contudo, a legislação apresenta pontos de fragilidade que se operam, sobretudo, no processo de implementação da política de transparência e a ausência de um prazo expressamente estabelecido para tal fim, bem como a cultura burocrática estabelecida no modelo de gestão empreendidos por servidores públicos e que tende, em decorrência de aspectos culturais dominantes, edificar obstáculos que difícil superação. Logo, faz-se carecida a modificação de uma realidade complexa, a fim de alinhá-la com a contemporaneidade e na promoção do direito à informação pública como conditio sine qua non para o êxito do Estado Democrático de Direito e para o exercício da cidadania. A metodologia empregada parte do método dedutivo, auxiliada de revisão de literatura e pesquisa bibliográfica como técnicas de pesquisa.
Palavras-chave: Direito à Informação Pública. Princípio da Moralidade Administrativa. Princípio da Publicidade Administrativa. Lei do Acesso à Informação.
Abstract: The purpose of this article is to analyze the importance of the Law on Access to Information (Law 12,257 / 2011) in the process of attending to the right to public information and its fundamentality. It is a fact that the 1988 Constitution, in establishing the premise of the Democratic State of Law, establishes morality and administrative publicity as unassailable premises of the behavior to be followed by the Public Administration. In this line, access to public information is a clear development of the Democratic State of Law itself and constitutes a right-medium for the exercise of other rights with a high legal density. Law 12,527/2011, responsible for establishing the duty of transparency on the part of the Public Administration, represents, in the context of promoting the Democratic State of Law, a true framework of rupture. However, the legislation presents weaknesses that are mainly related to the process of implementing the transparency policy and the absence of an express deadline for doing so, as well as the bureaucratic culture established in the management model undertaken by public servants and tends, due to dominant cultural aspects, to build obstacles that are difficult to overcome. Therefore, it is necessary to modify a complex reality in order to align it with contemporaneity and to promote the right to public information as conditio sine qua non for the success of the Democratic State of Law and for the exercise of citizenship. The methodology used is part of the deductive method, aided by literature review and bibliographical research as research techniques.
Keywords: Right to Public Information. Principle of Administrative Morality. Principle of Administrative Advertising. Law on Access to Information.
1 NOTAS INICIAIS: A PARTICIPAÇÃO DA SOCIEDADE CIVIL NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA: O RECONHECIMENTO DE UMA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA DEMOCRÁTICA
Em linhas introdutórias, a concepção de Estado de Direito por um Texto Constitucional teria duplo aspecto, a saber: imposição de limites ao exercício do poder estatal e a criação de uma autêntica garantia constitucional aos cidadãos. Assim, a acepção de Estado de Direito perpassa por introduzir uma garantia aos cidadãos contra os arbítrios do poder público. Trata-se de reafirmar que o Estado de Direito, em uma órbita administrativa, encontra vinculação direta ao ideário de supremacia do interesse público. Dessa forma, não há que se confundir o interesse que a Administração Pública possui, enquanto síntese de todos os seus cidadãos, com o interesse privado daquele que atua em nome da Administração Pública.
No que alude à democracia, conquanto seja difícil alcançar a unanimidade na determinação precisa de seus aspectos elementares, é imprescindível estabelecer uma definição mínima. Desta feita, a democracia substancializa um conjunto de regras (primárias e fundamentais) que afixam quem está autorizado a tomar as decisões coletivas e com quais procedimentos a serem empregados para a consecução(BOBBIO, 1992). “A democracia, assim, estaria essencialmente relacionada à formação e atuação do governo”, conforme aduz Oliveira (1997, p. 272).
Doutro ângulo, a democracia, enquanto clara manifestação do “governo do povo, pelo povo e para o povo”, plasma o ideário de que a titularidade do poder estatal, em um regime democrático, encontra-se centrado no povo. Trata-se da manifestação mais robusta da soberania popular. A partir de tal dinâmica, alcança-se a concepção de legitimidade, que, nos dizeres de Moreira Neto, consiste em “submissão do poder estatal à percepção das necessidades e dos interesses do grupo nacional que lhe dá existência” (MOREIRA NETO, 1992, p. 65).
Denota-se, portanto, que o controle da legalidade é oriundo do Estado de Direito, no qual o Estado possui claras limitações no que atina ao exercício da supremacia do interesse público, bem como as vedações, de índole constitucional, da deturpação de tal interesse para o atendimento dos interesses particulares daqueles agentes que atuam em seu nome. Já o Estado Democrático de Direito institucionaliza o controle da legitimidade. Diante de tal cenário, Canotilho (1992, p. 421) frisa que a consagração constitucional da acepção de democracia atende o escopo de alça-la a um autêntico princípio informador do Estado e da sociedade. Sem embargos, o sentido constitucional de tal corolário implica na democratização da democracia, isto é, a condução e a propagação do ideal democrático para além dos marcos fronteiriços do território político.
Com ênfase, a configuração da República Federativa do Brasil como um Estado Democrático de Direito e o tratamento conferido à Administração Pública são convergência que, em conjunto, contribuem para uma maior democratização da Administração Pública. Assim sendo, em diversos momentos, o Texto Constitucional de 1988 estabeleceu como norte uma maior participação popular na Administração Pública e, em especial, por meio da democracia pelo processo. Ao lado disso, “Teve início no Brasil a real democratização administrativa, a ser implementada por intermédio da participação popular na Administração pública e, principalmente, por meio da democracia pelo processo” (OLIVEIRA, 1997, p. 273).
Em tal cenário, é forçoso reconhecer que processo e participação são institutos indissociáveis. Logo, o processo administrativo, sobretudo no que toca aos procedimentos estabelecidos para fiscalização dos contratos públicos, viabiliza o exercício efetivo da participação da sociedade civil. Trata-se de ferramenta jurídica idônea a regular a relação entre governantes e governados e governantes e gastos com o erário público. A participação, desse modo, constitui postulado inafastável da democracia e o processo é, em si mesmo, democrático e, portanto, participativo, sob pena de não ser legítimo.
No que se refere à realidade institucional brasileiro, a confluência entre democracia e Estado de Direito, levada a cabo pelo atual Texto Constitucional, mais que apresentar um qualificativo da forma assumida pelo Estado Federal, foi responsável pela atribuição aos cidadãos de um direito de primeira ordem e dotado de importância inquestionável: o direito de participação nas decisões estatais. Em tal conjuntura, reconhecer a convergência daqueles elementos implica na aproximação do particular da Administração Pública, atalhando as barreiras existentes entre Estado e sociedade, o que se efetiva por meio da participação da sociedade civil.
Concebida como a possibilidade de intervenção direta ou indireta do cidadão na gestão da Administração pública, de caráter consultivo ou deliberativo, a participação popular na Administração pública – ou participação administrativa – é considerada um dos principais meios para tornar efetiva a democracia administrativa (OLIVEIRA, 1997, p. 274).
A participação da sociedade civil na esfera administrativa visa conferir legitimidade aos atos praticados, conquanto, de maneira incidental, possa desdobrar-se no controle de legalidade. Extrai-se, em tal lógica, a existência de uma dupla função da participação, a saber: uma função legitimadora, que visa assegurar uma maior legitimidade político-democrática às decisões da Administração Pública e a o exercício da função administrativa; e uma função corretiva, ou seja, o objetivo se traduz em ampliar a correção das decisões administrativas, a partir do ponto de vista técnico-funcional e sob o prisma da sua justiça interna.
2 O ACESSO À INFORMAÇÃO COMO DESDOBRAMENTO DO PRINCÍPIO DA MORALIDADE
Urge salientar que a Constituição Cidadã, ao contrário das Cartas que a antecederam, trouxe, de forma expressa e clara, os princípios informadores da Administração Pública, assinalando a incidência de tais preceitos a todos os entes da Federação, bem como os elementos estruturantes da administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes constituídos. Para tanto, como fértil sedimento de estruturação, é possível transcrever o caput do artigo 37 que, em altos alaridos, dicciona que “a administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência” (BRASIL, 1988). Nesta toada, quadra ter em mente os seguintes apontamentos:
Trata-se, portanto, de princípios incidentes não apenas sobre os órgãos que integram a estrutura central do Estado, incluindo-se aqui os pertencentes aos três Poderes (Poder Executivo, Poder Legislativo e Poder Judiciário), nas também de preceitos genéricos igualmente dirigidos aos entes que em nosso país integram a denominada Administração Indireta, ou seja, autarquias, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e as fundações governamentais ou estatais (SERESUELA, 2002, s.p.).
É verificável, desta sorte, que os preceitos em comento, dada à proeminência alçada pelo texto constitucional, passam a atuar como elementos que norteiam e, corriqueiramente, conformam a atuação dos entes federativos, bem como as estruturas, tais como autarquias, sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações, que constituem a Administração Indireta. Em razão de estarem entalhados nas linhas que dão corpo à Lex Fundamentallis do Estado Brasileiro, a doutrina convencionou chamá-los de “Princípios Constitucionais Explícitos” ou “Princípios Expressos. São considerados como verdadeiras diretrizes que norteiam a Administração Pública, na medida em que qualquer ato por ela emanado só será considerado válido se estiver em consonância com tais dogmas (CARVALHO FILHO, 2011, p. 21).
Tem-se por princípios reconhecidos aqueles que, conquanto não estejam taxativamente contemplados no texto constitucional, de modo explícito, permeiam, por conseguinte, toda a ramificação do Direito Administrativo. Isto é, são corolários que encontram descanso, mais evidente e palpável, na atividade doutrinária e jurisprudencial, que, por meio dos seus instrumentos, colaboram de forma determinante na consolidação e conscientização de determinados valores, tidos como fundamentais, para o conhecimento e a interpretação das peculiaridades e nuances dos fenômenos jurídicos, advindos dessa ramificação da Ciência Jurídica. “Os princípios são mandamentos nucleares de um sistema, seu verdadeiro alicerce, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas” (GASPARINI, 2012, p. 61).
No mais, ao se ter em visão, a dinamicidade que influencia a contínua construção do Direito, conferindo, via de consequência, mutabilidade diante das contemporâneas situações apresentadas pela sociedade, é possível salientar que a construção da tábua principiológica não está adstrita apenas aos preceitos dispostos nos diplomas normativos e no texto constitucional. Ao reverso, é uma construção que também encontra escora no âmbito doutrinário, tal como no enfrentamento, pelos Tribunais Pátrios, das situações concretas colocadas sob o alvitre. Afora isso, segundo Carvalho Filho,
[…] doutrina e jurisprudência usualmente a elas se referem, o que revela sua aceitação geral como regras de proceder da Administração. É por esse motivo que os denominamos de princípios reconhecidos, para acentuar exatamente essa aceitação (CARVALHO FILHO, 2011, p. 34).
Consagrado no texto da Carta Magna de 1988, no caput do artigo 37, o princípio da moralidade, como vetor de orientação e inspiração da Administração Pública, impõe que
[…] o administrador público não dispense os preceitos éticos que devem estar presentes em sua conduta. Deve não só averiguar os critérios de conveniência, oportunidade e justiça em suas ações, mas também distinguir o que é honesto do que é desonesto (CARVALHO FILHO, 2011, p. 23).
Neste diapasão, pode-se salientar que o mandamento em exame exige que o agente público oriente a sua conduta nos padrões éticos, cujo fim último se desdobra em lograr a consecução do bem comum, independente da esfera de poder ou nível político-administrativo da Federação em que sua atuação esteja fincada. Ao lado disso, cuida destacar que o preceito em comento se apresenta, no cenário contemporâneo, como o bastião de validade de todo ato da Administração Pública.
Nesta esteira, não se trata de um instrumento sistematizador de um conceito atrelado à moral comum; ao reverso, está assentado em uma moral jurídica, compreendida como o conjunto de ordenanças normativas de condutas retiradas da disciplina interior da Administração. Assim, a moralidade administrativa, distintamente da moralidade comum, é constituída por disciplinas de boa administração, a saber: pelo conjunto de disposições finais e disciplinares suscitadas não só pela distinção entre o bem e o mal, mas também, pelo ideário geral de administração e pela ideia de função administrativa. De acordo com Meirelles,
O certo é que a moralidade do ato administrativo juntamente com a sua legalidade e finalidade, além de sua adequação aos demais princípios, constituem pressupostos de validade sem os quais toda atividade pública seria ilegítima (MEIRELLES, 2012, p. 91).
O corolário em destaque, como preceito norteador da Administração Pública, expressamente insculpido no texto constitucional e como requisito de validade dos atos administrativos, encontra seu substrato de edificação no sistema de direito, mormente no ordenamento jurídico-constitucional, sendo certo que os valores humanos que inspiram e subjazem a esse ordenamento constituem, em muitos casos, a concretização normativa de valores retirados da pauta dos direitos naturais, ou do patrimônio ético e moral consagrado pelo senso comum da sociedade. Ademais, o aviltamento ao axioma em análise se caracteriza pela desarmonia entre a expressão formal do ato, substancializada na aparência, e a sua manifestação real, consistente na substância, criada e decorrente de impulsos subjetivos essencialmente viciados no que se refere aos motivos, à causa ou à finalidade da atuação administrativa.
Quadra rememorar que a atividade estatal, independente do domínio institucional de sua incidência, está fundamentalmente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos, os quais ressoam a consagração constitucional do preceito da moralidade administrativa, que se qualifica com valor constitucional emoldura de essência ética e içada à condição de axioma fundamental no processo de poder, subordinando, de modo estrito, o exercício, pelo Estado e seus agentes, da autoridade concedida pelo ordenamento normativo. Assim, o postulado em realce norteia a atuação do Poder Público, conferindo, por via de consequência, substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos, nos quais se alicerça a própria ordem positiva do Estado. Desta sorte, é patente que o princípio constitucional da moralidade administrativa, ao estabelecer limitações ao exercício do poder estatal, legitima, de maneira proeminente, o controle de todos os atos do poder público que ofendam os valores éticos que devam sustentar, imperiosamente, o comportamento dos órgãos e dos agentes governamentais, não importando em que instância de poder eles esteja alocados.
Com realce, o preceito da moralidade administrativa apresenta primazia sobre os demais corolários constitucionalmente formulados, porquanto é constituído, em sua essência, de elemento interno a fornecer a substância válida do comportamento público. Nesta esteira, toda atuação administrativa tem como ponto de partida os influxos decorrentes do cânone em exame e a ele se volta. Os demais princípios constitucionais, expressos ou implícitos, somente podem ter a sua leitura correta no sentido de admitir a moralidade como parte integrante de seu conteúdo. “Assim, o que se exige no sistema de Estado Democrático de Direito no presente, é a legalidade moral, vale dizer, a legalidade legítima da conduta administrativa”, conforme o magistério de Carmem Lúcia Antunes Rocha (1994, p. 213-214). Com o escopo de fortalecer as ponderações estruturadas, cuida trazer à colação a manifestação apresentada pelo Ministro Ricardo Lewandowski, ao apreciar o Recurso Extraordinário N° 579.951/RN, notadamente no que concerne ao princípio da moralidade, quando, com bastante pertinência, evidencia que:
Essa moralidade não é o elemento do ato administrativo, como ressalta Gordillo, mas compõe-se dos valores éticos compartilhados culturalmente pela comunidade e que fazem parte, por isso, da ordem jurídica vigente. A indeterminação semântica dos princípios da moralidade e da impessoalidade não podem ser um obstáculo à determinação da regra da proibição ao nepotismo. Como bem anota García de Enterria, na estrutura de todo conceito indeterminado é identificável um ‘núcleo fixo’ (Begriffhern) ou ‘zona de certeza’, que é configurada por dados prévios e seguros, dos quais pode ser extraída uma regra aplicável ao caso (BRASIL, 2008).
Como bem pontua Ávila (2006, p. 38), o corolário constitucional da moralidade administrativa, em razão de sua essência, “estabelece um estado de confiabilidade, honestidade, estabilidade e continuidade nas relações entre o poder público e o particular, para cuja promoção são necessários comportamentos sérios, motivados, leais e contínuos”. Alinhando-se a tais ponderações, não se pode olvidar que a partir da realidade inaugurada pela Carta de Outubro de 1988, a observância do baldrame em estudo, especialmente por parte dos agentes que integram a Administração Pública, passou a reunir aspectos e característicos que figuram como verdadeiros pressupostos de validade dos atos, independentes de estarem arrimados, ou não, em competência discricionária.
Ora, não se pode olvidar que o preceito constitucional em exposição reunião valores de essência ética que sustentam a acepção de moralidade jurídica, notadamente no que se refere à atuação do administrador. Inclusive, há que se destacar que o STF, ao se manifestar em processo que trazia em seu bojo o assunto em comento, em oportunidade pretérita, consolidou o entendimento no qual o baldrame da moralidade administrativa condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais.
Desta sorte, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, a atividade estatal está imperiosamente submetida à observância de parâmetros ético-jurídicos, que são refletidos de modo claro na consagração do princípio da moralidade no caput do artigo 37 da Carta de 1988. Nesta esteira, é possível colacionar robusto entendimento jurisprudencial que sustenta as ponderações vertida até o momento, consoante se inferem dos arestos:
Ementa: Ação Direta de Inconstitucionalidade (…). O princípio da moralidade administrativa – Enquanto valor constitucional revestido de caráter ético-jurídico – Condiciona a legitimidade e a validade dos atos estatais. – A atividade estatal, qualquer que seja o domínio institucional de sua incidência, está necessariamente subordinada à observância de parâmetros ético-jurídicos que se refletem na consagração constitucional do princípio da moralidade administrativa. Esse postulado fundamental, que rege a atuação do Poder Público, confere substância e dá expressão a uma pauta de valores éticos sobre os quais se funda a ordem positiva do Estado. O princípio constitucional da moralidade administrativa, ao impor limitações ao exercício do poder estatal, legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam os valores éticos que devem pautar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. (…)
(Supremo Tribunal Federal – Tribunal Pleno/ ADI 2.661 MC/ Relator: Ministro Celso de Mello/ Julgado em 05.06.2002/ Publicado no DJ em 23.08.2002, p. 70).
Ementa: Recurso ordinário em mandado de segurança. Concurso público. Aprovação dentro do número de vagas. Direito líquido e certo. Recurso provido. 1. O princípio da moralidade impõe obediência às regras insculpidas no instrumento convocatório pelo Poder Público, de sorte que a oferta de vagas vincula a Administração pela expectativa surgida entre os candidatos. 2. A partir da veiculação expressa da necessidade de prover determinado número de cargos, através da publicação de edital de concurso, a nomeação e posse de candidato aprovado dentro das vagas ofertadas, transmuda-se de mera expectativa à direito subjetivo. 3. Tem-se por ilegal o ato omissivo da Administração que não assegura a nomeação de candidato aprovado e classificado até o limite de vagas previstas no edital, por se tratar de ato vinculado. 4. Recurso provido para determinar a investidura da recorrente no cargo de Médico Generalista para o qual foi devidamente aprovada. (Superior Tribunal de Justiça – Quinta Turma/ RMS nº 26.507-RJ/ Relator: Ministro Napoleão Nunes Maia Filho/ Julgado em 18.09.2008/ Publicado no DJe em 20.10.2008).
O postulado em destaque tem o condão de conferir substância, ao tempo em que atribui expressão a uma plural tábua de valores éticos, servido, também, como pilar fundante da ordem positiva do Estado. Além do entalhado, patente se revela a necessidade de salientar que tal dogma legitima o controle jurisdicional de todos os atos do Poder Público que transgridam, ofendam ou inobservem os valores éticos que devem sustentar o comportamento dos agentes e órgãos governamentais. Ao lado disso, ao espancar a respeito do princípio da moralidade administrativa, importante destacar a robusta e singular lição de Celso Antônio Bandeira de Mello, que assim versa:
De acordo com ele, a Administração e seus agentes têm de atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação, porquanto tal princípio assumiu foros de pauta jurídica, na conformidade do art. 37 da Constituição. Compreendem-se em seu âmbito, como é evidente, os chamados princípios da lealdade e boa-fé, tão oportunamente encarecidos pelo mestre espanhol Jesús Gonzáles Peres em monografia preciosa. Segundo os cânones da lealdade e da boa-fé, a Administração haverá de proceder em relação aos administrados com sinceridade e lhaneza, sendo-lhe interdito qualquer comportamento astucioso, eivado de malícia, produzido de maneira a confundir, dificultar ou minimizar o exercício de direitos por parte dos cidadãos (MELLO, 2013, p. 109-110).
A partir do dever imposto à Administração Pública, advindo do princípio da moralidade administrativa, é perceptível que o acesso à informação constitui verdadeiro corolário desdobrado. Trata-se, neste aspecto, de reconhecer o acesso à informação como uma das bases do sistema interamericano de Direitos Humanos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, também conhecida por Pacto de São José da Costa Rica, foi subscrita em 1969 e entrou em vigência em 1978. Nacionalmente, os mecanismos de informação pública são dotados de contemporaneidade. Com o fim da ditadura civil-militar e o fomento pela redemocratização do país, o acesso à informação ganha espaço, passando a ser incluído no bojo da nova Constituição de 1988.
O texto afixa três mecanismos assegurando sobredito direito, quais sejam: o inciso XXXIII do artigo 5º, o inciso II do §3º do artigo 37 e o §2º do artigo 216. Conquanto esteja previsto no Texto Constitucional, desde a sua promulgação, o direito à informação carecia de um instrumento legislativo estabelecido com o escopo exclusivo de promover sua regulação. Sobre o aludido, Medeiros, Magalhães e Pereira (2014, p. 58) afirmam que “pelo contrário, o que se percebeu foi que, em nosso país, foi uma cultura pródiga de produzir decretos e legislações sobre o sigilo de documentos públicos”.
O direito à informação encontra vinculação direta com a liberdade de expressão e configura verdadeiro direito público subjetivo, no qual cada cidadão tem direito a formar seu livre convencimento a partir de informações prestadas. A partir de um recorte essencialmente individual, o direito em comento atende o papel de maximizar o exercício de uma autonomia pessoal e fomenta o exercício da cidadania e de uma gestão administrativa democrática, na modalidade de participação da sociedade civil. De acordo com Bucci,
O direito individual ao acesso à informação pública está interligado com o exercício da cidadania em fiscalizar os atos governamentais. Não deve ser confundido com o direito de informação a dados pessoais em poder do Estado, já que este está inserido no rol de garantias de direito à informação, que contém, também, o direito a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, e não é abarcado pelo DAIP [direito ao acesso à informação pública] (BUCCI, 2009, s.p.).
Outro aspecto que sobreleva anotar é o aspecto coletivo que todo bem público possui, logo, as informações contidas no Estado Democrático de Direito materializa res publica, sendo carecido o seu conhecimento pela sociedade, que é responsável por conferir legitimidade ao exercício do poder. Materializa-se, dessa forma, a única medida eficaz que há para o controle institucional, porquanto sem o exercício de tal direito inerente à cidadania, subsistirá o sufocamento do interesse público em detrimento do interesse pessoal que será convertido em corrupção.
Além disso, ao reconhecer a informação pública como um bem público, é forçoso apontar que tais tem caráter não distributivo, isto é, são inalienáveis, imprescritíveis e impenhoráveis. Logo, o direito à informação pública configura um direito indisponível, tendo, além de natureza pública, aspecto individual e coletivo simultaneamente. Bucci (2009) sustenta que o direito à informação pública encontra relação direta com o corolário da publicidade que o Estado se atém, pois subsiste a necessidade da transparência dos fatos e atos praticados ou de sua omissão.
Logo, não há se falar em um direito coletivo, pois, se assim o fosse, incidiria a supressão de um direito individual contido na Carta de 1988, bem como alguns direitos encontrariam obstáculos para sua efetiva concretização, a exemplo da liberdade de expressão. O direito à informação pública é um apenas, contudo os interesses coletivos a ele vinculados assumem natureza transindividual, consistindo em três espécies, quais sejam: (i) interesse individual homogêneo, consistente naquele ligado a um indivíduo, porém há um grupo que também goza dos mesmos interesses; (ii) interesses coletivos, assim compreendidos como aqueles que são titulares um grupo, categoria ou classe; e (iii) interesses difusos, nos quais há uma indeterminação de titulares.
Além disso, o direito à informação pública apresenta um escopo muito maior do que conseguir a concreção em si mesmo, eis que não é um direito autônomo, mas sim um instrumento necessário para efetivação da participação da sociedade civil, da liberdade de expressão e, por meio, um meio dotado de eficácia para se promover a exigibilidade dos direitos sociais contidos na Carta de 1988. Logo, o direito em comento materializa um pré-requisito para o livre exercício da cidadania, abarcado na participação da política do Estado, tal como na requisição de direitos inerentes ao ser humano.
Dessa forma, não se trata apenas de um direito constitucional fundamental, mas sim um direito humano, cujo fito maior é promover o alcance e a concretização de outros direitos igualmente constitucionais fundamentais e humanos. Reconhece-se que o direito à informação, em termos gerais e com especial ênfase para a informação pública, substancializa um importante direito-meio para a consecução de outros direitos que são indissociáveis do Estado Democrático de Direito.
3 A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO EM PAUTA: A PROEMINÊNCIA DO PRINCÍPIO DA PUBLICIDADE E O DIREITO À TRANSPARÊNCIA DAS INFORMAÇÕES ADMINISTRATIVAS
Importante mandamento entalhado nas linhas da Constituição Federal, no que concerne à atuação da Administração Pública, é o princípio da publicidade, disposto, de maneira expressa, no art. 37, caput. Pela dicção de tal preceito, “os atos da Administração devem merecer a mais ampla divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a legitimidade da conduta dos agentes administrativos” (CARVALHO FILHO, 2010, p. 28). Tal fato tem como arrimo de sustentação a premissa que, apenas com a transparência das condutas da Administração Pública, por meio de sua publicização, é que os cidadãos poderão aquilatar, ou não, a legalidade dos perpetrados, bem como se estes se revestem de eficiência.
Como bem destacou Wlassak (2002, s.p.), “a publicidade sempre foi tida como um princípio administrativo, porque se entende que o Poder Público, por ser público, deve agir com a maior transparência possível”, com o escopo de assegurar que os administrados tenham, a todo momento, o conhecimento do desenvolvimento das atividades dos administradores. Em igual substrato ensina Meirelles (2012, p. 96), ao abordar o princípio em tela, destacando que “a publicidade não é elemento formativo do ato; é requisito de eficácia e moralidade”. Deste modo, sendo o ato considerado como irregular, mesmo havendo publicidade, esta não terá o condão de convalidá-lo; em mesmo sentido, ainda que seja regular, a dispensa de sua publicização não será comportada, quando a lei ou o regulamente, de maneira expressa, a exigir. Acerca do princípio da publicidade, a lição de Mello:
Consagra-se nisto o dever administrativo de manter plena transparência em seus comportamentos. Não pode haver em um Estado Democrático de Direito, no qual o poder reside no povo (art. 1º, parágrafo único, da Constituição), ocultamento aos administrados dos assuntos que a todos interessam, e muito menos em relação aos sujeitos individualmente afetados por alguma medida (MELO, 2010, p. 114).
Neste diapasão, quadra destacar que o princípio da publicidade não está adstrito apenas à Administração Pública, enquanto manifestação do Poder Executivo, mas também se estende aos demais Poderes constituídos. O princípio da publicidade também se aplica à elaboração das leis em si, o que já foi definido na Lei Complementar 95, de 26 de fevereiro de 1998. Fortalecendo tais ponderações, o articulista Wlassak, ao orientar a incidência do princípio da publicidade no âmbito do Poder Judiciário, frisa que:
No que diz respeito ao Judiciário, a própria Constituição estatui regra específica quanto à publicidade de seus atos (inciso IX do art. 93). Sabedores que somos da necessidade de fundamentação dos atos judiciais, para que se possa contrastá-los, é na publicidade destes atos que se constrói a ponte entre o juiz e o cidadão. Todos os seus atos, com exceção dos que possam atingir a intimidade dos envolvidos ou quando o interesse social assim o exigir (o que, convenhamos, deixa ao juiz um amplo poder de decidir o que seria este “interesse social”), o que está estampado no inciso LX do art. 5º da Constituição – “a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem” (WLASSAK, 2002, s.p) (destaque nosso).
Nagib Slaibi Filho, com grande técnica, bem resume a dupla vertente do princípio da publicidade no âmbito de atuação do Judiciário:
Vemos, assim, que o princípio da publicidade, no Poder Judiciário, funciona em dois níveis: no primeiro, no sentido de publicidade ampla, absoluta ou externa em que a atuação do Estado-juiz deve ser levada ao conhecimento de toda a sociedade, como fator de legitimação do exercício do poder e, no segundo, como publicidade relativa, restrita ou interna em que se restringe o conhecimento dos atos processuais tão-somente às partes e advogados (SLAIBI FILHO, 1998, p. 132).
Valiosas são as lições do doutrinador Gasparini que, ao abordar acerca dos efeitos da publicação oficial, destaca que:
Entre outros, são efeitos da publicação oficial: I – presumir o conhecimento dos interessados em relação ao comportamento da Administração direta, indireta ou fundacional; II – desencadear o decurso dos prazos de interposição de recursos; III – marcar o início dos prazos de decadência e prescrição; IV – impedir a alegação de ignorância em relação ao comportamento da Administração Pública direta e indireta. Diga-se que o princípio da publicidade no deve ser desvirtuado. Com efeito, mesmo a pretexto de atendê-lo, é vedado mencionar nomes ou veicular símbolos ou imagens que possam caracterizar promoção pessoal de autoridade ou servidor público […] . Essas disposições são de observância imediata, não necessitando para sua aplicação de qualquer regulamentação (GASPARINI, 2012, p. 12).
Desta feita, a par de tais ponderações, para que o princípio da publicidade tenha seus mandamentos cumpridos, imperiosa se faz a ampla e irrestrita publicização dos atos da Administração, direta, indireta e fundacional, em veículo informativo (jornal ou congênere) de ampla circulação. A publicidade, como supernorma de inspiração da Administração Pública, compreendendo tanto direta e indiretamente, não confere a faculdade de veicular seus atos, mas sim a obrigação de tal fato. Ora, tão-somente por meio do esposado alhures é que o administrado/cidadão pode exercer, sem qualquer restrição, barreira ou limitação, a análise da legalidade dos atos praticados pela Administração Pública, bem como comprovar se estes alcançam a eficiência que devem ambicionar.
É fato que a transparência, enquanto desdobramento dos princípios norteadores da Administração Pública, estimula a participação da sociedade civil, bem como a informação divulgada traz aproximação da sociedade de gestão exercida por seus representantes. “As entidades públicas têm o dever de promover a transparência de sua administração e a sociedade tem o direito ao acesso e o acompanhamento da administração pública” (FIGUEIREDO; SANTOS, 2013, p. 05), com fins de promover a consolidação da cidadania.
Dessa maneira, a transparência viabiliza um ambiente de análise e reflexão, contudo, para isso, é imprescindível que os gestores públicos apresentem suas tomadas de decisões, como também as divulguem de maneira potencializada nos meios de comunicações acessíveis à população. Para tanto, deve-se superar a perspectiva que as informações fiquem condicionadas e limitadas ao círculo de alguns servidores e assessores apenas. Há que se reconhecer que a transparência, enquanto corolário do princípio da publicidade, opõe-se à teoria arcana imperii, dominante no período do poder absoluto. A teoria em comento preconizava que o poder do príncipe é mais eficaz, logo, mais condizente com seu objetivo. Dessa forma, quanto mais oculto estava dos olhares indiscretos do vulgo, mais se aproximava da semelhança de Deus, invisível.
Ao promover o afastamento do cidadão, o gestor fortalece seu poder e confirma o autoritarismo. A transparência, em tal cenário, é a forma de evitar tal conduta, pois a divulgação das ações contribui para a análise crítica da gestão pública. A doutrina encontra sustentação em dois pontos. O primeiro é inerente à própria natureza do sumo poder, cujas ações serão bem sucedidas quanto mais rápidas e previsíveis se comportarem; o controle público, mesmo que exercido apenas por uma assembleia de notáveis, tem o condão de retardar a decisão e impedir a surpresa. Logo,
As medidas realizadas às ocultas e postas em prática de imediato enfraquece o controle social e distancia cada vez mais os governantes dos governados. Dessa forma não há possibilidade de reação dos populares diante das medidas adotadas (FIGUEIREDO; SANTOS, 2013, p.05).
O segundo argumento é oriundo do desprezo do vulgo, considerado, em tal contexto, como um “animal selvagem” que reclamava domesticação, já que, uma vez dominado por forças mais fortes, era impedido de formar uma opinião racional do bem comum, egoísta de visão estreita, presa fácil dos demagogos que se utilizariam para a obtenção de vantagens. Os dominantes depreciam a capacidade dos dominados de exercer a cidadania de forma consciente. Assim, utilizam da evasiva alegação e pretexto para se esquivar de dificuldades que o cidadão possa criar. Os governantes adotam o engano como estratégia para manter seus privilégios.
De acordo com Pires (2011, p. 61), a participação da sociedade civil pressiona as instituições a serem mais céleres e transparentes, bem como proporciona um suporte de legitimidade às decisões de direção. Consiste em uma instância política da comunidade de usuários de um serviço público, inclusive no que se refere à fiscalização dos contratos estabelecidos pela Administração Pública. “A entidade ao dar transparência de seus dados, abre espaço para futuras reivindicações sociais que visem a um maior detalhamento e à ampliação das informações disponibilizadas” (FIGUEIREDO; SANTOS, 2013, p. 06).
Santos (2012), em complemento, diz que a informação precisa, suficiente e de fácil entendimento para o cidadão comum é imprescindível para o controle social. Em tal linha, a transparência e a participação social são conceitos indissociáveis, interdependentes e intercambiáveis. Revestindo a transparência na concepção de accountability inquina-a como um instrumento robusto de participação da sociedade civil. A ampliação da transparência auxilia diretamente no envolvimento das distintas classes sociais no acompanhamento da gestão. A divulgação das informações em grupos restritos e direcionado inibe o seu aspecto de promoção da democracia, atentando contra os princípios da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da publicidade e da eficiência, enquanto pilares norteadores da Administração Pública.
4 A LEI DE ACESSO À INFORMAÇÃO EM DESTAQUE: PONDERAÇÕES AO RECONHECIMENTO DO DIREITO À INFORMAÇÃO COMO FUNDAMENTAL À LUZ DA MOLDURA CONSTITUCIONAL
A publicação da Lei nº 12.527 constituiu um marco na conquista pela informação, eis que, na sua ausência, “o cidadão e a sociedade civil ficam, portanto, a depender da discricionariedade burocrática, situação perniciosa para a construção de uma administração pública transparente” (BERTAZZI, 2011, p. 26). Mencionada legislação foi promulgada em 18 de novembro de 2011 e entrou em vigor em maio de 2012, configurando verdadeira ruptura em um cenário existente dotado de pouca ou tímida transparência das informações do Poder Público, afetando diretamente o pleno exercício da cidadania e da democracia participativa.
Ora, em contextos sociais em que há pouca transparência nos atos da Administração Pública, verifica-se comumente o desenvolvimento de práticas paternalistas, clientelistas, corrupções e outras formas de emprego dos bens públicos para promover os interesses particulares. Em razão disso, reconhece-se que os esforços para a efetivação de uma legislação promotora da transparência das informações administrativas e o seu respectivo acesso configuram esforços imprescindíveis no Estado Democrático de Direito. Segundo Stiglitz (2002), isso ocorre porque a melhora do acesso à informação pública e o estabelecimento de regras que proporcionem a disseminação das informações produzidas pelo governo reduzem o objetivo dos abusos que podem ser perpetrados.
Além disso, a tendência contemporânea se pauta na busca pela parceria entre o governo e o cidadão, implicando na participação ativa deste último na tomada de decisões e na formulação de políticas públicas. Dahl (2001) sustenta que cidadãos silenciosos só são perfeitos para um governo autoritário, contudo seriam desastrosos para o desenvolvimento e afirmação de uma democracia. Logo, há que se reconhecer que práticas de tal natureza corroboram a transparência governamental e a redução dos abusos cometidos pelas autoridades governamentais. Lopes justifica:
As políticas que tenham o objetivo de promover acesso à informação pública implicam necessariamente ações que possibilitem acesso a fóruns plurais de discussões, a instituições que prestem contas ao cidadão, a leis de acesso à informação, a proteções contra a negação de prestação de informações por parte de órgãos públicos e à liberdade de imprensa (LOPES, 2007, p. 10).
O emprego de mecanismos de controle público, incluído, aqui, o direito à informação pública, subsidia, de maneira direta, a aproximação do cidadão dos atos governamentais, assegurando, por consequência, maior transparência. Neste aspecto, a legislação pode ser considerada dotada de amplitude, com o escopo de estabelecer normas para promover a promoção do direito humano fundamental de acesso à informação. O conceito de informação é dado pela própria lei, definindo-a como “dados, processados ou não, que podem ser utilizados para a produção e transmissão de conhecimento, contidos em qualquer meio, suporte ou formato” (BRASIL, 2011).
Conforme dita o artigo 2º da Lei nº 12.527/2011, os procedimentos são aplicados à União, Estados, Distrito Federal e Municípios, todavia, não se limita a eles. Contempla, ainda, quaisquer dos órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério, bem como as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pelos entes supramencionados. Dessa forma, a legislação rompe com a burocracia estatal em manter sigilo dos seus atos, logo, o texto contém diretrizes que privilegiam a observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção, eis que o domínio da informação constituiria uma inegável fonte de poder.
Lopes (2007) aduz que a falta de informação pública é justamente um dos diversos fatores que motivaram a persistência de comportamentos pré-burocráticos, remanescentes de uma administração patrimonialista, tendo como característica principal o sigilo no trato da coisa pública. Sem a garantia de acesso à informação torna-se inviável a atuação robusta neste sistema de freios e contrapesos. Logo, a modificação no paradigma acarretará como consequência a diminuição do poder daqueles que exercitam o monopólio das informações, democratizando seu acesso à população. Destarte, o acesso aos dados constitui em um dos fundamentos para a consolidação da democracia, ao fortalecer a capacidade dos indivíduos de participar de modo efetivo da tomada de decisões que os afeta. Nesta linha, o cidadão bem informado possui melhores condições de conhecer e acessar outros direitos essenciais, a exemplo da saúde, da educação e dos benefícios sociais.
Na cultura de acesso, o fluxo de informações incide diretamente no processo de tomada de decisões, na boa gestão de políticas públicas e na inclusão do cidadão. De acordo com Manzano Filho (2012), o acesso à informação materializa uma ferramenta imprescindível para combater a corrupção e transformar em realidade o princípio da transparência na gestão pública e melhora na qualidade da própria democracia.
Frise-se, ainda, que a Lei em comento dispensou preocupação para o desenvolvimento de controle social sobre a Administração Pública, elencada como uma de suas diretrizes. Ora, o acesso à informação é essencial para assegurar que as políticas públicas sejam implementadas pelos governos e potencialmente pela participação dos cidadãos, compreendendo desde o planejamento até a execução e a avaliação. Em relação ao desenvolvimento da cultura de transparência na Administração Pública, é imprescindível uma estratégia no que atina à implementação, abarcando ampla gama de ações coordenadas que possibilitem, facilitem e estimulem o acesso a fóruns plurais de discussões, a accountability e a proteção contra a negação de prestação de informações por parte de órgãos públicos.
Assim, para a divulgação das informações, os órgãos e entidades públicas deverão utilizar todos os meios e instrumentos legítimos de que dispuserem, sendo obrigatória a divulgação em sítios oficiais da rede mundial de computadores (internet). Contudo, a legislação foi omissa ao não fixa o limite para tais órgãos e entidades se adequarem a esta determinação. Medeiros, Magalhães e Pereira (2014) aduzem que o prazo, a rigor, seria coincidente com a vacatio legis de 180 (cento e oitenta) dias; contudo, é fato que isso não seria possível, produzindo sítios eletrônicos com informações desencontradas ou com ferramentas insuficientes de acessibilidade.
Além disso, outro obstáculo para a produção de resultados exitosos pela legislação em comento está relacionado no desempenho dos servidores. Não é possível olvidar que as mudanças propostas pelo diploma legal trarão impactos consideráveis sobre as rotinas dos servidores, sobretudo no que se vincula ao atendimento ao público, além de exigir uma adequação na maneira de produzir, arquivar e divulgar as informações. A nova legislação, conforme as ponderações de Bertazzi,
[…] trará grandes impactos para a administração pública brasileira como um todo. Em especial, trará novidades para o trabalho cotidiano dos servidores públicos, e pode encontrar diversos entraves para sua implementação, uma vez que a lei de acesso à informação pode funcionar como um catalisador da mudança organizacional dentro das repartições públicas, impactando diretamente o dia a dia da organização (BERTAZZI, 2011, p. 25).
Contudo, mesmo se tratando de uma realidade de ruptura, a implementação requer o desenvolvimento de mecanismos exitosos e a modificação de rotinas arcaicas, bem como a capacitação dos servidores para o seu atendimento. A legislação exige uma nova postura a reger a Administração Pública, sobretudo no que toca à asseguração de mecanismos capazes de materializar o direito à informação pública como elemento indissociável do exercício da cidadania e da promoção da democracia participativa, promovendo uma gestão democrática.
5 COMENTÁRIOS FINAIS
Conforme estabelecido no decurso do presente, o Estado Democrático de Direito é caracterizado pela participação direta, referindo-se à terceira fase de evolução da Administração Pública, na qual o particular, individual e pessoalmente, exerce influência na gestão, no controle e nas decisões propaladas pelo Estado. Em tal cenário, trata-se da materialização do princípio democrático norteador do Estado Brasileiro. Neste sentido, o estabelecimento de princípios constitucionais norteadores da Administração Pública, a exemplo da moralidade e da publicidade, emergem como verdadeiros pilares de promoção de uma democracia participativa e de uma gestão administrativa pautada na transparência e na acessibilidade de suas informações, a fim de assegurar o controle por parte da sociedade.
Em tal concepção, decorre o reconhecimento do direito à informação pública como típico direito de um Estado Democrático de Direito, no qual a informação encontra relação íntima com o processo de cidadania e exercício da fiscalização, por parte da sociedade, das atividades desempenhadas pela Administração Pública. Afora isso, não pode se olvidar que o direito à informação pública configura direito-meio do qual outros direitos dotados de fundamentalidade demandam espaço para serem exigidos por parte de seus titulares. Não se trata apenas da informação como acesso aos dados, mas também como instrumento para o exercício de direitos.
Assim, para a construção de uma verdadeira democracia, apresenta-se indispensável o acesso claro e transparente à informação pública, além de permitir maior participação popular, fortalecendo os sistemas democráticos e culminando em um processo de cidadania e emancipação dos cidadãos. Em tal contexto, o sigilo propicia a corrupção e estabelece barreiras ao desenvolvimento. Logo, ainda que o acesso à informação pública, por si só, não seja suficiente para a efetivação plena da cidadania e da democracia participativa, se apresenta como importante instrumento de propagação da fiscalização e do estabelecimento de mecanismos de exigibilidade de cumprimento não apenas do direito à informação pública, mas também a gama de outros direitos que dependem direta e indiretamente desse.
A Lei nº 12.527, responsável por instituir o dever de transparência por parte da Administração Pública, representa, no contexto de promoção do Estado Democrático de Direito, um verdadeiro marco de ruptura. Contudo, a legislação apresenta pontos de fragilidade que se operam, sobretudo, no processo de implementação da política de transparência e a ausência de um prazo expressamente estabelecido para tal fim, bem como a cultura burocrática estabelecida no modelo de gestão empreendidos por servidores públicos e que tende, em decorrência de aspectos culturais dominantes, edificar obstáculos que difícil superação. Logo, faz-se carecida a modificação de uma realidade complexa, a fim de alinhá-la com a contemporaneidade e na promoção do direito à informação pública como conditio sine qua non para o êxito do Estado Democrático de Direito e para o exercício da cidadania.
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