Resumo: O artigo consiste em um estudo sobre a internacionalização dos direitos humanos, tendo como foco os direitos humanos da mulher brasileira com a concretização da Lei n. 11.340, de 7 de agosto de 2006, denominada Lei Maria da Penha. O trabalho se desenvolve sob o eixo norteador da crítica comprometida com a efetividade da internacionalização dos direitos humanos da mulher e a superação das desigualdades entre homens e mulheres no Brasil. Para tal, alguns documentos serão analisados, tais como – a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará – 1994) -, que normatizam os direitos da mulher.
Palavras-chaves – Lei Maria da Penha. Internacionalização dos Direitos Humanos. Convenção CEDAW. Convenção Belém do Pará.
Abstract: This article is a review about international Human Rights, accept center the Brazilian woman Human Rights with concretion Law number 11.340, august, 7, 2006 – ‘Maria da Penha Law’. The work develops critic guiding compromises with woman international Human Rights effectivity and overcomes dissemblance between men and women in Brazil. Some document will analyze, as – Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women, CEDAW (1979); as Inter-American Convention on the prevention, punishment and eradication of violence against Women, “Convention of Belem do Para” (1994) -, establish norms about woman rights.
Keywords – ‘Maria da Penha’ Law. International Human Rights. Convention CEDAW. “Convention of Belem do Para”.
Sumário: 1. Introdução; 2. Os direitos humanos da mulher nas Convenções Internacionais; 2.1. Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; 2.2. Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher; 3. A Lei Maria da Penha. 4. Considerações Finais.
1. INTRODUÇÃO
O presente artigo aborda a internacionalização dos direitos humanos, nesse contexto, centra-se especificamente nos direitos humanos da mulher brasileira com prioridade para Lei n. 11. 340, de 7 de agosto de 2006 (BRASIL, 2006), denominada Lei Maria da Penha.
Primeiro, tratam-se num breve histórico alguns aspectos do processo de internacionalização dos direitos humanos e da inclusão da pessoa humana como sujeito de direito internacional, segundo, mencionam-se os documentos internacionais que tratam dos direitos humanos da mulher; terceiro trata-se da Lei Maria da Penha e, num quarto e último momento, apresentam-se as considerações finais.
Cabe inicialmente um esclarecimento que aqui os direitos humanos são compreendidos na sua concepção contemporânea, ou seja, são concebidos como sendo universais, indivisíveis, interdependentes e inter-relacionados, sem prescindir dos valores de igualdade e liberdade.
Assim sendo, a construção da moderna cidadania se insere no universo dos direitos humanos, e se associa de modo adequado ao contexto mais amplo das relações entre os direitos humanos, a democracia e o desenvolvimento: [1]
“Nos novos tempos, é manifesta a preocupação com o combate ao desemprego, a erradicação da pobreza, o provimento de serviços básicos para todos, a busca de desenvolvimento humano sustentável, o fortalecimento das instituições democráticas, e a realização da justiça.” (CANÇADO TRINDADE, 2009, p.541)
Portanto, a mulher para conquistar sua cidadania precisa participar ativamente da vida e do governo, ter o poder de tomar decisões, ter emprego e permanecer no mesmo, poder sustentar-se, ter moradia, saúde, lazer, educação, que significa dizer, acesso assegurado a serviços básicos, ter acesso à justiça, garantias judiciais e um recurso rápido e eficiente e, desenvolver-se como ser humano. Cabe menção que a Constituição da República do Brasil[2] assegura em seu artigo 5º, § 1º, que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata.” Entretanto, a realidade das mulheres demonstra que a norma ainda é inaplicável.
No âmbito geral a II Guerra Mundial é o marco histórico definidor do processo de internacionalização dos direitos humanos contra as atrocidades cometidas contra o ser humano tendo como documento impulsionador a Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
Entretanto, cabe mencionar que “o texto da Declaração (1948) inicialmente, não era obrigatório aos Estados, uma vez que foi adotado não como um tratado, mas como uma resolução da Assembléia Geral das Nações Unidas (“soft law”)”. [3]
“Somente na década de 60, com o movimento de independência principalmente dos países africanos a sociedade internacional resolveu adotar os dois Pactos de Direitos Humanos (Pacto internacional dos Direitos Civis e Políticos e o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, ambos de 1966), estes sim textos cogentes (“hard law”).” (BRANT; BORGES, 2004, p.126 -130).
Para Flávia Piovesan (1997, p. 141) [4]
“A necessidade de uma ação internacional mais eficaz para a proteção dos direitos impulsionou o processo de internacionalização desses direitos, culminando na criação da sistemática normativa de proteção internacional, que faz possível a responsabilização do Estado no domínio internacional, quando as instituições nacionais se mostram falhas ou omissas na tarefa de proteção dos direitos humanos.”
Segundo Magalhães e Lamounier (2008) [5] “o processo de internacionalização dos direitos humanos tem como base originária três pilares: o Direito Humanitário,[6] a Liga das Nações Unidas e a Organização Internacional do Trabalho (OIT).”
“Foram importantes porque o Direito Humanitário tratou, em âmbito internacional, da proteção humanitária em casos de guerra. A Liga das Nações, além de buscar a paz e a cooperação internacional, expressou disposições referentes aos direitos humanos. A OIT promulgou inúmeras convenções internacionais, buscando a proteção da dignidade da pessoa humana no direito trabalhista.”
Assim, “a internacionalização da proteção dos direitos humanos inicialmente, resultou em inúmeros tratados internacionais e instrumentos de proteção, como os Pactos de Direitos Civis e Políticos, de Direitos Econômicos, Sociais e culturais,”
“no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), ambos de 1966; a Convenção Americana de Direitos Humanos (Pacto de San José), de 1969, no âmbito do Sistema Interamericano; Tratados de prevenção da discriminação, de prevenção e punição da tortura, de proteção aos refugiados, de proteção aos direitos dos trabalhadores, direitos das crianças, direitos da mulher, deficientes e idosos.” (LAMOUNIER; MAGALHÃES 2008)
Em lição de Cançado Trindade (2004, p.200) [7] depreende-se que o Direito Internacional tem passado por inúmeras modificações,[8] e um capítulo merece destaque – o da personalidade e capacidade jurídicas do indivíduo como sujeito do Direito Internacional. Para ele é preciso um estudo mais atencioso do mesmo, porém “sem apegos a posições dogmático-ideológicas, pois constitui o legado mais precioso da ciência jurídica do século XX.” A esse respeito argumenta ainda que:
“Todo novo corpus juris do Direito Internacional dos Direitos Humanos vem de ser construído em torno dos interesses superiores do ser humano, independentemente de seu vinculo de nacionalidade ou de seu estatuto político […] Se o Direito Internacional reconhece aos indivíduos direitos e deveres (como comprovam os instrumentos internacionais de direitos humanos), não há como negar-lhes personalidade internacional, sem a qual não poderia dar-se aquele reconhecimento […] O reconhecimento do individuo como sujeito tanto do direito interno como do Direito Internacional, dotado, em ambos de plena capacidade processual (cf. infra), representa uma verdadeira revolução jurídica, para a qual temos o dever de contribuir. Esta revolução vem enfim dar um conteúdo ético às normas tanto do direito interno como do Direito Internacional.” (CANÇADO TRINDADE, 2004, p. 212-213).
Portanto a interpretação do autor supracitado nos conduz ao entendimento de que “toda evolução doutrinária aponta na direção da consagração de obrigação erga omnes (o que é válido contra todos) de proteção.” (CANÇADO TRINDADE, 2004, p. 212 e 224).
Isto significa dizer que a proteção aos direitos humanos inova no sentido de que relativiza o sentido de soberania absoluta do Estado, já que este pode ser monitorado e responsabilizado internacionalmente, por violação de direitos humanos e, legitima o indivíduo como sujeito de direitos, que deve ter os seus direitos protegidos internacionalmente.
Cabe mencionar que de acordo com Cançado Trindade (1998, p.21), na Europa as pessoas podem individualmente ter acesso “às instâncias internacionais de proteção e o reconhecimento de sua capacidade processual internacional em casos de violações dos direitos humanos.” [9] Portanto, é assegurado pelo Protocolo 11[10]
“relativo à Reestruturação do Mecanismo de Controlo Estabelecido pela Convenção (STE 155) à Convenção Européia dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais, que reconhece o mesmo direito aos órgãos e organismos da União e a qualquer pessoa, desde que demonstrem interesse na resolução da causa submetida ao Tribunal de Justiça.”
Já a Corte Interamericana de Direitos Humanos não assegura às vitimas acesso direto e locus standi em todas as etapas do processo, embora haja evolução “no sistema interamericano de proteção à capacidade jurídico-processual dos indivíduos como verdadeiros demandantes.” (CANÇADO TRINDADE, 2004, p.252).
Como avanço significativo destaca-se o quarto Regulamento da Corte Interamericana: “A adoção, em 24.11.2001, do quarto Regulamento da Corte, que entrou em vigor em 01 de junho de 2001, outorgando locus standi in judicio aos indivíduos demandantes não só na etapa de reparações, mas em todas as etapas do processo contencioso perante a Corte.” (CANÇADO TRINDADE, 2004, p.249).
Embora desde então tenham ocorrido avanços significativos na proteção dos direitos humanos, ainda resta um longo caminho a percorrer. De acordo com Antônio Augusto Cançado Trindade (1998), a maioria dos países que ratifica os tratados internacionais não desenvolve “uma consciência da natureza e amplo alcance das obrigações contraídas em matéria de proteção dos direitos humanos.” Afirma o mencionado autor que as próprias autoridades públicas não possuem o entendimento necessário.
Entretanto, mesmo com as referidas dificuldades acima mencionada por Cançado Trindade (1998), a comunidade internacional e a regional (nacional) são co-responsáveis na proteção e garantia dos direitos da pessoa humana. Entende-se que as iniciativas internacionais de proteção aos direitos humanos devem ser vinculadas às medidas internas dos Estados-partes que também visem à proteção de tais direitos. A própria Declaração de Viena (1993) [11] em seu artigo 5º afirma: “Todos os direitos humanos são universais, interdependentes e inter-relacionados. A comunidade internacional deve tratar os direitos humanos globalmente de forma justa e eqüitativa, em pé de igualdade e com a mesma ênfase.”[12]
Cabe menção que nem toda violação de direitos humanos por parte de um Estado integrante das Nações Unidas constitui uma questão internacional. Mas o que importa é que “esses Estados deverão afastar o argumento de que a solução ao tratamento desumano infligido a seus nacionais reside unicamente em sua competência exclusiva.” (BRANT; BORGES, 2004, p.122).
Portanto, há uma convivência dinâmica entre o direito internacional e o direito interno, no tocante à proteção dos direitos humanos com primazia da norma mais favorável, que melhor proteja, erga omnes, o ser humano.
2. OS DIREITOS HUMANOS DA MULHER NAS CONVENÇÕES INTERNACIONAIS
Direitos Humanos em âmbito internacional é o conjunto de normas subjetivas e adjetivas do Direito Internacional que visam assegurar ao indivíduo, de qualquer nacionalidade, os instrumentos e mecanismos de defesa contra os abusos de poder de um Estado, e não apenas Estados, mas, outras formas variadas de poder que oprimem, excluem, discriminam e matam.[13] (BORGES, 2006)
Na interpretação de Cançado Trindade (1997, p. 25) “O Direito Internacional dos Direitos Humanos não rege as relações entre iguais; opera precisamente em defesa dos ostensivamente mais fracos.”
“Nas relações entre desiguais, posiciona-se em favor dos mais necessitados de proteção. Não busca obter um equilíbrio abstrato entre as partes, mas remediar os efeitos do desequilíbrio e das disparidades na medida em afetam os direitos humanos. Não se nutre das barganhas de reciprocidade, mas se inspira nas considerações de ordre public em defesa de interesses comuns superiores, da realização da justiça.”
Neste contexto de universalidade da proteção dos direitos humanos ao mais necessitado, insere-se a discussão sobre a internacionalização dos direitos humanos da mulher brasileira com a vigência da Lei Maria da Penha. A seguir contextualizam-se os documentos que historicamente contribuíram para a tessitura da internacionalização desses direitos no Brasil, na seguinte ordem: a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979) e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção Belém do Pará – 1994). E, como marco histórico pelo reconhecimento dos direitos humanos da mulher, menciona-se brevemente a Convenção de Viena (1993).
Na Conferência de Viena (1993) as mulheres levantaram a bandeira ‘os direitos das mulheres também são direitos humanos’. Tal propositura foi decisiva para a inclusão pela primeira vez, na Declaração e no Programa, dos direitos das mulheres e crianças de sexo feminino como direitos humanos. Reitere-se que, a Convenção de Viena (1993) amplia e renova o entendimento sobre a universalidade e a indivisibilidade dos direitos humanos, além de afirmar a relação de interdependência entre democracia e direitos humanos.
Assim há o reconhecimento expresso de que os direitos da mulher, sem distinção de idade, e das meninas constituem parte inalienável, integral e indivisível dos direitos humanos universais. Ainda ficou definido como prioridade da comunidade internacional assegurar “a participação plena e igual das mulheres na vida política, civil, econômica, social e cultural, a nível nacional, regional e internacional, e a erradicação de todas as formas de discriminação com base no sexo.”[14]
Neste sentido, leciona Cançado Trindade (1999, p.242) [15] que
“Democracia e política hoje envolvem além dos processos formais, os diretos civis e políticos como instrumentos realizadores do desenvolvimento das condições de igualdade humana.[16] Democracia, direitos humanos e desenvolvimento constituem uma face da mesma moeda que se denomina universalidade dos direitos humanos no plano conceitual, normativo, e operacional, tanto no âmbito internacional, quanto no nacional.”
Na construção da democracia já na década de 70 (cabe lembrar que no Brasil esse foi o período da ditadura militar) realizou-se a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher, (1979) estabelecida pela Assembléia Geral das Nações Unidas.
E, preocupados com as diferentes formas de discriminação nos diversos Estados, os membros da referida Assembléia afirmaram que o estabelecimento da nova ordem econômica internacional, baseada na eqüidade e na justiça, contribuiria de forma significativa para a promoção da igualdade entre homens e mulheres. Tais premissas conduzem à concretização de documentos, que embora sejam de épocas diferentes, são complementares na defesa dos direitos da mulher, como se verá a seguir, a Convenção CEDAW e a Convenção ‘Belém do Pará’.
2.1. Convenção Sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher– CEDAW[17]
A Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher [18] é formada por 30 artigos e um preâmbulo, foi adotada em 1979, pela Assembléia Geral da Organização das Nações Unidas (ONU), ratificada pelo Brasil em 1984. Ao ratificá-la o Brasil assume o compromisso de adotar providências efetivas e reais no sentido de enfrentar todas as formas de discriminação contra a mulher no país. Cabe salientar que foi após 22 anos da ratificação da Convenção o legislativo elabora a Lei Maria da Penha.
Considera–se no preâmbulo, que
“A discriminação contra a mulher viola os princípios da igualdade de direitos e do respeito à dignidade humana, dificultando a participação da mulher, nas mesmas condições que o homem, na vida política, social, econômico e cultural de seu país, constituindo um obstáculo ao aumento de bem-estar da sociedade e da família e impedindo a mulher de servir o seu país e a humanidade em toda a extensão das suas possibilidades.”
No seu art.1º a Convenção define o conceito de ‘discriminação contra as mulheres’ como sendo:
“Toda distinção, exclusão ou restrição fundada no sexo e que tenha por objetivo ou conseqüência prejudicar ou destruir o reconhecimento, gozo ou exercício pelas mulheres, independentemente do seu estado civil, com base na igualdade dos homens e mulheres, dos direitos humanos e das liberdades fundamentais, nos campos políticos, econômicos, social, cultural e civil ou em qualquer outro campo.”
Para Hirao (2007) [19] a definição supra mencionada vincula a discriminação contra a mulher diretamente com os direitos humanos em geral e envolve os seguintes elementos: “(i) distinção, exclusão ou restrição baseada no sexo, (ii) ter como objeto ou resultado prejuízo e anulação do reconhecimento, gozo ou exercício de direitos humanos e liberdades fundamentais, o que expressa (iii) o principio de indivisibilidade dos direitos humanos. […]”
Essa definição inclui, por exemplo, os casos de agressão sexuais, que afetam majoritariamente a mulheres. Desse modo, “são atos de discriminação contra a mulher tanto a violência domestica – que afeta desproporcionalmente as mulheres – como a demissão de mulheres grávidas – que afeta unicamente as mulheres.” (HIRAO, 2007, p.759).
O art. 2º da referida Convenção (1979) tutela que
“Os Estados-Partes condenam toda forma de discriminação contra as mulheres sob todas suas formas e assumem o compromisso de buscar sem demora e por todos os meios a aplicabilidade de uma política destinada a eliminar a discriminação contra a mulher no plano interno, adotando medidas legislativas, jurídicas, políticas, sociais e educativas pertinentes.”
Ainda no tocante ao art.2º, alínea “e” da Convenção, Hirao (2007) apresenta a seguinte interpretação:
“Verifica-se assim que a Convenção supera a limitação da responsabilidade do Estado à chamada esfera pública, consagrando o entendimento de que o Estado também é responsável por uma violação perpetrada por particulares quando deixar de cumprir suas obrigações decorrentes da Convenção, contra a mulher ou a de criar mecanismos que garantam a igualdade entre homens e mulheres.” (HIRAO, 2007, p.762).
Em seu art.3º a CEDAW prevê que
“Os Estados-Partes: Deverão em todos os campos e em particular, no político, social, econômico e cultural tomar todas as medidas apropriadas inclusive de caráter legislativo, para assegurar o pleno desenvolvimento e o progresso das mulheres, com vistas a garantir-lhes o exercício e o gozo dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em igualdade de condições com o homem.”
Quanto à mudança de padrões de comportamento social e culturalmente construídos, espera-se que
“Os Estados-Partes tomarão todas as medidas apropriadas para sua modificação de posturas preconceituosas, idéias de inferioridade e superioridade entre homens e mulheres ou papéis estereotipados entre os mesmos. Além de assegurar uma nova educação familiar que contribua com um novo entendimento da maternidade como função social, da responsabilidade comum de ambos os pais no tocante à educação e desenvolvimento dos filhos e compreensão de que o interesse dos filhos está em ordem de prioridade em todos os casos. (art. 5º).
Os Estados-Partes deverão também tomar todas as medidas no sentido de eliminar a discriminação contras as mulheres na vida política e pública do país garantindo a igualdade com os homens. (Art.7º).”
A CEDAW assegura em seu art. 23º que “nada do que está disposto em seu texto poderá prejudicar qualquer disposição presente em outros documentos e que propiciem a igualdade entre homens e mulheres.” Assim fica consagrado o princípio da norma mais benéfica para assegurar a efetivação dos direitos humanos da mulher. (HIRAO, 2007, p. 763).
Por fim, também quanto à efetividade da CEDAW, Gisele Salgado (2007) [20] argumenta que
“embora estejam ocorrendo mudanças significativas, se comparadas com o tempo em que a mulher vem sofrendo discriminação, estas, porém não são tão rápidas para garantirem a vida da mulher. Pois, entende a mencionada autora que: Os direitos humanos das mulheres são essenciais para a garantia de uma ordem internacional mais justa e para o estabelecimento de um Estado realmente democrático. Para a efetivação da democracia é necessário que os direitos estejam distribuídos de forma global no seu aspecto qualitativo e quantitativo; caso contrário, não é direito, é privilégio.” (SALGADO, 2007, p.772).
2.2. Convenção Interamericana Para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – Convenção Belém do Pará. [21]
A Assembléia Geral das Nações Unidas, convencida da necessidade de um documento internacional que enfrentasse o problema da violência contra a mulher, afirma que a violência contra a mulher consiste em violência contra os direitos humanos e as liberdades fundamentais, e adota a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará” (1994). A Convenção é formada por 25 artigos e um preâmbulo, foi ratificada pelo Brasil em 27 de novembro de 1995 e promulgada em 1996.
No preâmbulo da Convenção fica retratada a situação da mulher em relação à violência e a preocupação dos membros da Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA) que reunidos em 06.06.94 elaboram as seguintes premissas:
“Considerando que o reconhecimento e o respeito irrestrito de todos os direitos da mulher são condições indispensáveis para seu desenvolvimento individual e para criação de uma sociedade mais justa, solidária e pacífica;
Preocupada porque a violência em que vivem muitas mulheres da América, sem distinção de raça, classe, religião, idade ou qualquer outra condição, é uma situação generalizada;
Persuadida de sua responsabilidade histórica de fazer frente a esta situação para procurar soluções positivas;
Convencida da necessidade de dotar o sistema interamericano de um instrumento internacional que contribua para solucionar o problema da violência contra a mulher;
Recordando as conclusões e recomendações da Consulta Interamericana sobre a Mulher e a Violência, celebrada em 1990, e a Declaração sobre a Erradicação da Violência contra a Mulher, nesse mesmo ano, adotada pela Vigésima Quinta Assembléia de Delegadas;
Recordando também a resolução AG/RES n. 1.128 (XXI-0/91) “Proteção da Mulher Contra a Violência”, aprovada pela Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos;
Levando em consideração o amplo processo de consulta realizado pela Comissão Interamericana de Mulheres desde 1990 para o estudo e a elaboração de um projeto de convenção sobre a mulher e a violência, e Vistos os resultados da Sexta Assembléia Extraordinária de Delegadas, Resolve: Adotar a seguinte Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará”.”
Para os efeitos da Convenção estabeleceu-se nos artigos 1º e 2º a definição de violência:
“Art.1º – Para os efeitos desta Convenção deve-se entender por violência contra a mulher qualquer ação ou conduta, baseada no gênero, que cause morte, dano ou sofrimento físico, sexual ou psicológico à mulher, tanto no âmbito público como no privado.
Art. 2º – Entender-se-á que violência contra a mulher inclui violência física, sexual e psicológica.”
Assim, a violência contra a mulher, passa a ser reconhecida como violação de direitos humanos e a sua proteção contra a violência se universaliza.
No Capítulo II da Convenção encontram-se tutelados os Direitos Protegidos:
“Artigo 3º- Toda mulher tem direito a uma vida livre de violência, tanto no âmbito público como no privado.
Artigo 4º- Toda mulher tem direito ao reconhecimento, gozo, exercício e proteção de todos os direitos humanos e às liberdades consagradas pelos instrumentos regionais e internacionais sobre os direitos humanos. Estes direitos compreendem, entre outros:
a) o direito a que se respeite a sua vida;
b) o direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral;
c) o direito à liberdade e à segurança pessoais;
d) o direito a não ser submetida a torturas;
e) o direito a que se respeite a dignidade inerente a sua pessoa e que se proteja sua família;
f) o direito à igualdade de proteção perante a lei e da lei;
g) o direito a um recurso simples e rápido diante dos tribunais competentes, que a ampare contra atos que violem seus direitos;
h) o direito à liberdade de associação;
i) o direito à liberdade de professar a religião e as próprias crenças, de acordo com a lei;
j) o direito de ter igualdade de acesso às funções públicas de seu país e a participar dos assuntos públicos, incluindo a tomada de decisões.
Artigo 5º- Toda mulher poderá exercer livre e plenamente seus direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais e contará com a total proteção desses direitos consagrados nos instrumentos regionais e internacionais sobre direitos humanos. Os Estados-partes reconhecem que a violência contra a mulher impede e anula o exercício desses direitos.
Artigo 6º- O direito de toda mulher a uma vida livre de violência inclui, entre outros:
a) o direito da mulher de ser livre de toda forma de discriminação, e
b) o direito da mulher ser valorizada e educada livre de padrões estereotipados de comportamento e práticas sociais e culturais baseadas em conceitos de inferioridade ou subordinação.”
A Convenção também prevê em seu artigo 12, que os casos de violações aos direitos fundamentais das mulheres podem ser reportados à Corte Interamericana de Direitos Humanos, sendo que os trâmites do caso serão de acordo com as regras previstas no Pacto de São José da Costa Rica e no próprio regulamento interno da Comissão focado nos artigos 44 a 51 da Convenção Interamericana de Direitos Humanos de 1999.
“Artigo 12 – Qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidade não-governamental legalmente reconhecida em um ou mais Estados-membros da Organização, pode apresentar à Comissão Interamericana de Direitos Humanos petições que contenham denúncias ou queixas de violação do artigo 7º da presente Convenção pelo Estado-parte, e a Comissão para a apresentação e consideração de petições estipuladas na Convenção Americana sobre Direitos Humanos e no Estatuto e Regulamento da Comissão Interamericana de Direitos Humanos.”
Com fulcro no artigo 12 dessa Convenção, pode Maria da Penha e os outros peticionários recorrerem à Comissão Interamericana de Direitos Humanos e apresentarem a denúncia de violação de seu direito pelo Estado brasileiro.
Reitere-se que, os indivíduos não têm acesso à Corte Interamericana de Direitos Humanos, mas somente à Comissão que recebe os casos encaminhados. Porém, são recebidos apenas os casos cujos Estados declarem reconhecer a sua competência, nos termos do artigo 62 do Pacto de São José da Costa Rica.
3. A Lei Maria da Penha [22]
As mulheres organizadas conseguiram em 1988 um marco histórico no capítulo de sua trajetória para construção de uma cidadania digna e universal: a visibilidade da mulher como sujeito de direitos no texto constitucional. Assim a Constituição (1988), como documento jurídico e político, contribuiu para que o Brasil se integrasse ao sistema de proteção internacional dos direitos humanos, antiga reivindicação da sociedade.
“Pela primeira vez na história constitucional brasileira, consagra-se a igualdade entre homens e mulheres como um direito fundamental. O princípio da igualdade entre os gêneros é endossado no âmbito da família, quando o texto estabelece que os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal são exercidos igualmente pelos homens e pelas mulheres. Daí a importância da edição do novo Código Civil brasileiro e a necessidade de reforma da legislação penal, que data da década de 1940.” (CAMPOS; CORRÊA, 2007, p.143). [23]
Com a assinatura e ratificação pelo Brasil dos tratados específicos sobre a promoção e defesa dos direitos da mulher: a Convenção da Organização das Nações Unidas sobre Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher – CEDAW (1979); e a Convenção Interamericana para Prevenir e Erradicar a Violência Contra a Mulher – “Convenção de Belém do Pará” (1994), são geradas obrigações para o país no âmbito internacional como também no nacional.
Os referidos documentos preceituam novos direitos para as mulheres que agora podem contar com a instância internacional de decisão, quando falhar o direito interno na realização da justiça. Isto significa a possibilidade legitima de recorrer à Comissão Interamericana de Direitos Humanos.
Quanto à incorporação dos tratados de direitos humanos pelo Brasil encontra-se no art.5º, parágrafo 2º e 3º da Constituição que alberga esses “tratados no universo de direitos fundamentais constitucionalmente protegidos. […] Ao processo de constitucionalização do Direito Internacional conjuga-se o processo de internacionalização do Direito Constitucional.” (PIOVESAN, 2007, p.118-119).[24]
As mudanças no cenário de proteção internacional dos direitos humanos determinaram a elaboração no Brasil da Lei Maria da Penha (Lei n. 11.340/06), que recebeu essa denominação devido à história de violência sofrida por Maria da Penha Maia Fernandes, em 1983, vítima de seu marido, que por duas vezes tentou assassiná-la. Na primeira tentativa com disparo de arma de fogo que lhe causou uma paraplegia; na segunda, por meio de choque elétrico. Apesar da gravidade do ocorrido somente após vinte anos (quase prescrevendo o crime), seu marido foi condenado, cumprindo apenas dois anos de prisão, já se encontra em liberdade.
No preâmbulo da Lei Maria da Penha, formada por 46 artigos, lê-se que a mesma
“Cria mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, nos termos do § 8o do art. 226 da Constituição Federal, da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres e da Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher; dispõe sobre a criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; altera o Código de Processo Penal, o Código Penal e a Lei de Execução Penal; e dá outras providências. Além do mencionado acima, no seu artigo 1º a Lei faz referência que é criada, também nos termos de outros tratados internacionais ratificados pela República Federativa do Brasil (…) e estabelece medidas de assistência e proteção às mulheres em situação de violência doméstica e familiar.”
Então cabe conferir como foi que se chegou à concretude da referida Lei. Em 20 de agosto de 1998, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos recebeu a denúncia apresentada pela senhora Maria da Penha Maia Fernandes, pelo Centro pela Justiça e pelo Direito Internacional (CEJIL) e pelo Comitê Latino Americano de Defesa dos Direitos da Mulher (CLADEM) (denominados “os peticionários”): [25]
“A denúncia alega a tolerância da República Federativa do Brasil (doravante denominada “Brasil” ou “Estado”) para com a violência cometida por Marco Antonio Heredia Viveiros em seu domicilio na cidade de Fortaleza. Estado do Pará, contra a sua então esposa Maria da Penha Maia Fernandes durante os anos de convivência matrimonial, que culminou numa tentativa de homicídio e novas agressões em maio e junho de 1983. Maria da Penha em decorrência dessas agressões sofre de paraplegia irreversível e outras enfermidades desde esse ano. Denuncia-se a tolerância do Estado, por não haver efetivamente tomado por mais de 15 anos as medidas necessárias para processar e punir o agressor, apesar das denúncias efetuadas.” (Relatório Anual 2000. Comissão Interamericana de Direitos Humanos. N° 54/01. Caso 12.051).
Os peticionários sustentaram na denúncia que o caso Maria da Penha não constituía um fato isolado no país. Mencionou-se a existência de um padrão de impunidade, nos casos de violência doméstica contra as mulheres, a maioria das denúncias não é convertida em processos criminais e, as poucas que chegam a ser processada, somente uma minoria conduzem à condenação dos agressores. Também se alegou que o Brasil não havia até então, tomado medidas eficazes e legais no sentido de prevenção ou punição da violência contra a mulher. E, que tais crimes são cometidos pelos companheiros ou conhecidos. Portanto, havia descumprimento dos documentos internacionais ratificados pelo Estado brasileiro.
Em relação à competência ratione personae (em razão da pessoa) cumpre mencionar que a petição apresentada em conjunto por Maria da Penha, CEJIL e CLADEM encontrou fulcro no artigo 44 da Convenção Americana,[26] que concede legitimidade a qualquer pessoa ou grupo de pessoas, ou entidades governamentais para pleitearem direitos junto à Comissão. E, com relação ao Estado assegura o art. 28 da mesma Convenção, “quando se tratar de uma República Federativa (Brasil), o governo responde na esfera internacional pelos seus próprios atos e pelos atos praticados por agentes das entidades que compõem a federação.”
“Após a devida análise dos requisitos de admissibilidade a petição foi aceita e seguiram-se os trâmites regulamentares. O Brasil não apresentou nenhum comentário à petição apesar dos repetidos requerimentos da Comissão Interamericana. Assim os peticionários pediram que se considerassem verdadeiros os fatos relatados na petição, aplicando-se o artigo 42 do Regulamento da Convenção.”
Nas palavras de Campos e Corrêa (2007)
“Concluído o relatório do caso, a Convenção envia ao Brasil o informe 105/00 no dia 19.10.2000 durante o 108º período de sessões, que foi transmitido no dia 01.11.2000, concedendo o prazo de dois meses para o Estado dar cumprimento às recomendações formuladas. Entretanto isto não aconteceu. Assim sendo em 13.03.2001 a Comissão decide de acordo com o art. 51 da Convenção e após o silêncio de 30 dias do Estado brasileiro e, ainda com base no art. 28 de seu regulamento, reiterar as recomendações dos §§1º e 2º, tornar público o relatório e incluí-lo no relatório anual à Assembléia Geral da Organização dos Estados Americanos (OEA).” (CAMPOS; CÔRREA, 2007, p.69).
Como assinalado por Cançado Trindade (2004)
“A prestação de contas pelo Estado que violou os direitos humanos, não seria possível, se este não tivesse que responder pela maneira como são tratados os seres humanos sobre sua jurisdição e evitar novas violações. Entretanto, está prestação de contas só é possível devido a três conquistas: a consagração do direito de petição individual, o reconhecimento do caráter objetivo das obrigações de proteção e a aceitação da garantia coletiva de cumprimento das mesmas; e que constituem o sentido real do resgate histórico do indivíduo como sujeito do Direito Internacional dos Direitos humanos.” (CANÇADO TRINDADE, 2004, p.233)
No final de todo o processo o Comitê Interamericano apresentou um documento contendo as recomendações ao Brasil. Entretanto, somente em agosto de 2006 o Estado brasileiro formaliza a Lei Maria da Penha num preliminar cumprimento às recomendações da Convenção Interamericana de Direitos Humanos (2000). A seguir algumas são mencionadas:
“Rapidez no processo penal do agressor de Maria da Penha; investigação e responsabilização dos responsáveis pelos atrasos injustificáveis do processo bem como medidas administrativas, legislativas e judiciárias correspondentes; adoção sem prejuízos de outras ações de reparação indenizatória moral e material devido aos danos causados pelo Estado; intensificação das reformas que visem evitar tolerância estatal e tratamento discriminatório com respeito à violência domestica contra a mulher, capacitação e sensibilização dos funcionários judiciais e policiais especializados para que compreendam a importância de não tolerar a violência doméstica, simplificação dos processos penais sem afetar os direitos e garantias do devido processo, estabelecimento de formas alternativas para solução dos conflitos intrafamiliares; multiplicar as delegacias policiais especiais para a defesa do direito da mulher e equipá-las devidamente com os recursos necessários, apoio ao Ministério Público na preparação de seus informes, inclusão nos currículos escolares unidades que permitam a compreensão da importância do respeito à mulher e seus direitos reconhecidos na Convenção Belém do Pará, bem como manejo dos conflitos intrafamiliares.”
Na interpretação de Campos; Corrêa (2007) Maria da Penha Maia, como vítima, foi novamente vítima das legislações penal e processual, estas desatualizadas e extremamente formais, preterindo-se condições materiais aos aspectos meramente formais. Analisam ainda o caráter sistêmico e inovador da referida Lei:
“A Lei n.11.340/06 detém consideráveis repercussões no âmbito jurídico, criando trâmite inovador de garantia, decorrentes dos acréscimos efetivados no campo Direito Penal, do Processo Penal, da Execução Penal, do Direito Trabalhista e do Previdenciário, tudo isso para maximizara ordem jurídica no que se refere à integração sistêmica de benefícios assistências e de proteção, buscando, sempre a devida concreção dos direitos e garantias fundamentais, na máxima constitucional do princípio da inafastabilidade. (CAMPOS; CORRÊA, 2007, p.145).”
Adiante as autoras argumentam que
“também a Constituição Federal (1988) permite uma nova ordem jurídica ao reconhecer a inexistência de distinção discriminatória baseada no preconceito e, admite uma nova construção das relações sociais entre homens e mulheres fundamentadas na igualdade. A previsão legal desses preceitos se encontra, no texto constitucional, nos seguintes artigos, art.1º, II e II, art.3º, I, III e IV, art. 4º, II, art.5º, I e §§ 1º, 2º, 3º e 4º.” (CAMPOS; CORRÊA, 2007, p.145).
Como a situação de discriminação contra as mulheres ainda persiste, cabe menção que o Comitê sobre a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres,[27] após análise do sexto relatório periódico do Brasil (CEDAW/C/BRA/6) em suas 795a e 796a reuniões, em 25 de julho de 2007, apresentou ao país novas recomendações em 10 de agosto de 2007. A seguir destacam-se algumas:
“O Comitê apela para o Estado-Parte acentuar seus esforços para eliminar a lacuna entre a igualdade de jure e de facto das mulheres e homens ao assegurar a implementação de leis, planos e políticas e através do monitoramento regular eficaz e a avaliação do impacto, especialmente com relação aos grupos de mulheres em maior desvantagem. Recomenda que o Estado-Parte se assegure de que os encarregados da responsabilidade pela implementação dessas leis e políticas em todos os níveis estejam plenamente conscientes de suas obrigações.
“O Comitê assinala a responsabilidade plena do Estado-Parte, inclusive em todos os poderes do Estado, e independentemente de sua estrutura constitucional, para cumprir em todos os níveis com suas obrigações previstas na Convenção. Recomenda que a uniformidade de normas e resultados na implementação da Convenção seja assegurada em todo o país, inclusive através do estabelecimento de mecanismos efetivos de implementação e coordenação. Recomenda ainda que todas as autoridades nos níveis federal, estadual e municipal estejam plenamente conscientes dos compromissos internacionais do Brasil pela Convenção e na área de direitos humanos em geral.”
O Comitê (CEDAW) destaca a importância de se assegurar que a Convenção e as legislações de direito interno pertinentes ao tema sejam objeto de estudo e treinamento das autoridades judiciárias, inclusive juízes, advogados, promotores e defensores públicos, como também das universidades de modo a estabelecer-se uma cultura legal no país de apoio à igualdade de gêneros.
“O Comitê exorta o Estado-Parte a assegurar que a Convenção e a legislação nacional correlata sejam parte integrante da educação e treinamento das autoridades judiciárias, inclusive juízes, advogados, promotores e defensores públicos, bem como do currículo das universidades, de forma a estabelecer firmemente no país uma cultura legal de apoio à igualdade de gêneros e não discriminação. Convida ainda o Estado-Parte a fomentar a conscientização das mulheres sobre seus direitos, inclusive em áreas remotas e entre os grupos em maior desvantagem, através de programas de alfabetização legal e assistência jurídica de forma a que possam reivindicar todos os seus direitos previstos na Convenção. Incentiva o Estado-Parte a disseminar ainda e aumentar a conscientização sobre a Convenção e o Protocolo Opcional entre o público em geral de forma a criar conscientização sobre os direitos humanos das mulheres.”
Sobre a violência contra as mulheres destaca-se a seguinte recomendação do Comitê:
“O comitê exorta o Estado-Parte a continuar dando prioridade à eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres, inclusive violência doméstica, e a adotar rapidamente medidas eficazes para a plena implementação da nova legislação, como a criação acelerada de tribunais especiais sobre violência doméstica contra as mulheres em todo o país e o total envolvimento de todos os atores relevantes, incluindo organizações não-governamentais, autoridades judiciais e outros profissionais que trabalham para cuidar da violência contra as mulheres. O Comitê recomenda ainda o monitoramento sistemático e a avaliação do impacto da Lei No 11.340 (A Lei Maria da Penha), inclusive através da coleta de dados, desagregados por tipo de violência e pela relação do perpetrador para coma vítima. Recomenda ainda mais campanhas de conscientização pública sobre a inaceitabilidade da violência contra as mulheres como uma violação dos direitos humanos. O comitê incentiva o Estado-Parte a fazer pleno uso da recomendação geral 19 do Comitê e das informações contidas no estudo aprofundado do Secretário-Geral sobre todas as formas de violência contra as mulheres (A/61/122 e Add. 1 e Add. 1/Corr.1).”
A existência da Lei Maria da Penha, por si só, confirma que a violação dos direitos humanos da mulher brasileira persiste na sociedade atual, e demanda enfrentamento da violência de gênero e sua múltipla manifestação desemprego, miserabilidade, trabalho escravo, prostituição, tráfico de pessoas, violência física, psicológica, sexual, patrimonial.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O processo de internacionalização dos direitos humanos contribuiu para a universalidade e indivisibilidade da noção desses direitos, registrados em tratados, conferências, convenções, declarações e decisões das cortes internacionais e, desse modo, teceu a atual idéia de uma cidadania universal. Merece destaque o papel político desempenhado pelo movimento de mulheres, tanto no plano externo como no plano interno, em todo o processo histórico de construção dos direitos humanos da mulher.
A Conferência e as convenções internacionais aqui mencionadas – Conferência Mundial dos Direitos Humanos de Viena (1993); Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (1979); e a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência Contra a Mulher (1994) -, foram fundamentais para a internacionalização dos direitos humanos da mulher, bem como, para elaboração da Lei Maria da Penha.
Embora a Lei Maria da Penha constitua um avanço histórico-jurídico e sócio-político na concretização da internacionalização dos direitos humanos da mulher no plano interno, a efetividade desses direitos em sua totalidade, ainda demanda instrumentos/mecanismos jurídicos e legais com aplicabilidade direta que permitam à mulher garantir a sua dignidade humana, bem como, a conscientização/envolvimento da sociedade brasileira para mudança da mentalidade/comportamentos discriminatórios contra a mulher.
Reitere-se também a resistência por parte do judiciário em aplicar a Lei Maria da Penha; a inoperância na criação dos Juizados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher; a limitação de dotação orçamentária específica dos entes federados, para as políticas públicas de gênero; ausência de uma campanha pública permanente na grande mídia para conscientização e valorização da mulher. Portanto, todos esses elementos combinados ainda mantêm a mulher na exclusão social, política, econômica e jurídica.
Informações Sobre o Autor
Elizabeth do Nascimento Mateus
Advogada, Especialista em Direito Público pela Universidade de Itaúna/MG, mestre em Educação Tecnológica e professora e Orientadora de monografias da Escola de Saúde Pública do Estado de Minas Gerais – ESPMG