A Lei n.º 11.187, de 19 de outubro de 2005: Reforma do recurso de agravo

À GUISA DE INTRÓITO

Em 20.10.2005 foi publicada a Lei n.º 11.187, sancionada pelo Presidente da República em 19.10.2005, decorrente do Projeto de Lei n.º 3.578, de 2004 cujo autor foi o Ilustre Deputado Federal Maurício Rands.

É cediço que a norma em comento vem na esteira da reforma processual há muito reivindicada pelos jurisdicionados brasileiros.  Tudo indica, contudo, que essa não será a última inovação processual do ano, há outros projetos de leis que visam, por exemplo, alterar a execução dos títulos executivos judiciais, o recurso de apelação etc.  O que nos interessa, entretanto, no presente ensaio, é trazer nossos comentários sobre o novo regime procedimental do recurso de agravo no processo civil brasileiro.

Antes de tudo, é importante trazer os argumentos que contribuíram na elaboração da norma em lume.  Vejamos o que a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania da Câmara dos Deputados Federal relatou:

“RELATÓRIO (…) O nobre autor da Proposição, em epígrafe numerada, pretende alterar a Lei 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil, transformando o atual § 4º do art. 523 no caput do 522, e tornando obrigatória, por parte do relator no juízo ad quem,  a conversão do agravo de instrumento em agravo retido, modificando o inciso II do artigo  527.

Alega, em defesa de sua tese, que:

‘Conforme se depreende da nova redação conferida pela Lei n.º 10.352, de 2001, ao inciso II do art. 527 do Código de Processo Civil – CPC, é possível concluir que o legislador pretende instituir o agravo, na modalidade retida, como regra na forma de impugnação das decisões interlocutórias (art. 162, § 2.º, do CPC), deixando o agravo por instrumento como exceção, cabível apenas nas hipóteses de provisão jurisdicional de urgência ou quando houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação.

Nessa esteira interpretativa, incompreensível que na reforma legislativa não se tenha pensado na hipótese de alterar os demais artigos do CPC que tratam desse recurso, fazendo com que das decisões interlocutórias fosse oponível apenas o agravo retido, deixando a modalidade por instrumento naquelas situações previstas no inciso II do art. 527 do Código de Processo Civil…’

Como alega o ilustre autor do projeto em exame as inúmeras formas de recursos à disposição na legislação brasileira, possibilitam lides forenses quase que eternizadas pela quantidade de procedimentos que a cada recurso têm que ser forjados. Isso faz com que um processo de rito ordinário, por exemplo, possa levar uma década para ser concluído.

Não obstante, a possibilidade de um elevadíssimo número de agravos de instrumento diuturnamente interpostos nos tribunais transforma a instância revisional em instância instrutória dos processos que tramitam em jurisdição a quo. Isto enfraquece a figura do Juiz de Direito que é órgão de representação do Poder Judiciário nas comarcas do Estado.

A concessão de efeito suspensivo aos agravos, bem como a recorribilidade de todas as decisões interlocutórias, fazem do magistrado de primeiro grau um mero coletor de provas e ordenador de processo, passando ao segundo grau, antes mesmo da sentença, a função de decidir sobre todas as questões postas em juízo.

Sugere o autor que o exemplo a ser seguido é, sem dúvida, o exemplo da Justiça do Trabalho, onde as decisões dos Juízos monocráticos de primeiro grau encontram respaldo. É muito importante que esse avanço seja conquistado importando-se essas idéias progressistas de fortalecimento da jurisdição a quo para o âmbito da legislação processual civil brasileira.

Por esses fatos, a proposição entende como necessária e fundamental a alteração da interposição do recurso de agravo (retido ou por instrumento) e adoção, pelas partes, dessa nova postura processual com a consciência de que o agravo por instrumento é cabível somente nas situações de caráter excepcional como aquelas referidas no atual inciso II do art. 527, sendo, nos demais casos, tal recurso interposto sempre na modalidade retida.

É inteligente o objetivo da proposição quando prevê que, nos casos em que a parte entenda que a situação em concreto mereça exame imediato pelo Tribunal, poderá interpor agravo de instrumento, sendo que o relator, no momento do juízo de admissibilidade e sem prejuízo do disposto no art. 557 do CPC, converterá em retido se o recurso não tratar de provimento jurisdicional de urgência ou não representar perigo de lesão grave e de difícil reparação. Porém, essa decisão do relator deve ser irrecorrível.

A esta Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania compete analisar a proposta sob os aspectos de constitucionalidade, juridicidade, legalidade, regimentalidade e técnica legislativa, sendo a apreciação conclusiva (art. 24, II do Regimento Interno).

VOTO DO RELATOR (…) Assim, votamos pela constitucionalidade, juridicidade e boa técnica legislativa, com a redação dada pelas emendas, em anexo, do Projeto de Lei n.º 3.578, de 2004. É o voto.” (http://www.camara.gov.br/sileg/integras/237705.htm, acessado em 02.01.2006, às 14:30 horas.)

Aí está a razão da mudança! Em síntese, os legisladores estão dando efetividade ao dispositivo constitucional consignado no inciso LXXVIII, do artigo 5º da CRFB, incluído no texto constitucional pela Emenda Constitucional n.º 45, de 2004.

Não há como negar que o excesso de recursos no processo civil pátrio é um dos muitos motivos que impossibilitam que o Poder Judiciário preste sua tutela jurisdicional de forma célere!

Só o tempo irá nos mostrar, contudo, se as medidas ultimadas serão eficazes para tornarem mais rápida a prolação da decisão judicial de primeiro grau.

Com o intuito de colaborar com todos os que militam na seara jurídica, aduzimos a seguir as principais mudanças trazidas pela novel legislação, consolidando de forma sintética os dispositivos legais que versam sobre o recurso de agravo.

DO CABIMENTO DO RECURSO DE AGRAVO

O recurso de agravo não pode ser manejado quando se pretende opor-se aos despachos de mero expediente, conforme se depreende do artigo 504 do CPC.

Devem ser considerados despachos de mero expediente todos aqueles atos praticados pelo magistrado, de ofício ou a requerimento da parte, que não se constituam em sentenças ou decisões interlocutórias. (art. 162, §§ 1º, 2º e 3º, do CPC)

Vale lembrar que também não são recorríveis os atos meramente ordinatórios, como a juntada, a vista obrigatória dos autos etc., que independem de despacho do juiz, devendo ser praticados de ofício pelo servidor e revisto pelo juiz quando necessário. (art. 162, § 4º, do CPC)

Neste sentido, resta evidente que o recurso de agravo só será manejado quando tratar-se de decisão interlocutória, ou seja, ato do juiz que decide questão controvertida na lide, mas não põe fim à demanda (art. 522, do CPC)

DO PRAZO PARA INTERPOR O RECURSO DE AGRAVO

Inicialmente, deve-se destacar que são aplicadas as regras dos artigos 184 e 506 na contagem do prazo para interposição do agravo.

O prazo para interpor o recurso de agravo é de 10 (dez) dias, seja ele retido dos autos ou por instrumento, a contar da intimação da decisão interlocutória (art. 522, do CPC).

DAS MODALIDADES DE RECURSO DE AGRAVO

São duas as modalidades de recurso de agravo: retido e de instrumento.

O recurso de agravo retido independe de preparo (art. 522 e seu parágrafo único, do CPC), isto é, o recorrente não precisa comprovar o recolhimento de custas judiciais.

Quando o recorrente interpor um agravo retido requererá que o tribunal dele conheça, preliminarmente, por ocasião do julgamento da apelação (art. 523, do CPC)

Vale frisar que o tribunal não conhecerá do agravo retido se a parte interessada não requerer expressamente, nas razões ou nas contra-razões, seu julgamento (art. 523, § 1º, do CPC).

O recorrido terá o prazo de 10 (dez) dias para apresentar suas manifestações quanto ao recurso de agravo retido interposto pela outra parte.  Após o término desse prazo os autos voltarão para conclusão do juiz para que o mesmo possa exercer a sua faculdade de retratação. (art. 523, § 2º, do CPC)

A parte que pretender opor-se à decisões interlocutórias proferidas em audiência poderá interpor oralmente o recurso de agravo retido, que deverá constar do respectivo termo, aduzindo suas razões e requerendo nova decisão. (art. 523, § 3º, do CPC).  Aqui vale ressaltar que o legislador criou o prazo instantâneo ou imediato, pois o recorrente terá que aduzir suas razões no ato, para que se faça constar na ata da assentada, sob pena de ser intempestivo o recurso interposto em momento posterior.

As decisões interlocutórias proferidas na audiência de instrução e julgamento e nas posteriores à sentença, salvo nos casos de dano de difícil e de incerta reparação, nos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, só serão passíveis de recurso de agravo retido. (art. 523, § 4º, do CPC)

Como se percebe o legislador tornou o Agravo Retido a regra e o de Instrumento a exceção.

O agravo de instrumento continua sendo dirigido diretamente ao tribunal competente, através de petição com os seguintes requisitos dos artigos 524 e 525 do CPC.

Quanto a parte interpor o agravo de instrumento deverá, no prazo de 3 dias, requerer a juntada, aos autos da cópia da petição do recurso e do seu comprovante de interposição, bem como a relação dos documentos que o instruíram (artigo 526, do CPC).  Vale lembrar, entretanto, que o não cumprimento do disposto, desde que argüido e provado pelo agravado, importará na inadmissibilidade do agravo de instrumento (parágrafo único do artigo 526, do CPC).

O agravo de instrumento será recebido no tribunal e distribuído a um desembargador relator (artigo 527, do CPC).

O desembargador relator ao receber o agravo de instrumento poderá (artigo 527 e incisos, do CPC):

– negar-lhe seguimento, liminarmente, nos casos do artigo 557, do CPC, isto é, o relator negará seguimento a recurso manifestamente inadmissível, improcedente, prejudicado ou em confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do respectivo tribunal, do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior.   Se a decisão recorrida estiver, entretanto, em manifesto confronto com súmula ou com jurisprudência dominante do Supremo Tribunal Federal, ou de Tribunal Superior, o relator poderá dar provimento ao recurso.  Da decisão do relator caberá agravo, no prazo de cinco dias, ao órgão competente para o julgamento do recurso, e, se não houver retratação, o relator apresentará o processo em mesa, proferindo voto; provido o agravo, o recurso terá seguimento. Vale destacar que quando for manifestamente inadmissível ou infundado o agravo, o tribunal condenará o agravante a pagar ao agravado multa entre um e dez por cento do valor corrigido da causa, ficando a interposição de qualquer outro recurso condicionada ao depósito do respectivo valor.

– converter o agravo de instrumento em agravo retido, salvo quando se tratar de provisão jurisdicional de urgência ou houver perigo de lesão grave e de difícil ou incerta reparação, remetendo os respectivos autos ao juízo da causa, onde serão apensados aos principais, cabendo agravo dessa decisão ao órgão colegiado competente.

– atribuir efeito suspensivo ao recurso (art. 558), ou deferir, em antecipação de tutela, total ou parcialmente, a pretensão recursal, comunicando ao juiz sua decisão.

– requisitar informações ao juiz da causa, que as prestará no prazo de 10 (dez) dias.

– intimar o agravado, na mesma oportunidade, por ofício dirigido ao seu advogado, sob registro e com aviso de recebimento, para que responda no prazo de 10 (dez) dias, facultando-lhe juntar cópias das peças que entender convenientes; nas comarcas sede de tribunal e naquelas cujo expediente forense for divulgado no diário oficial, a intimação far-se-á mediante a publicação no órgão oficial.

– após as providências referidas nos itens supracitados, ouvir o Ministério Público, se for o caso, para que se pronuncie no prazo de 10 (dez) dias.

Na sua resposta, o agravado observará o disposto no § 2º do art. 525, conforme comando do parágrafo único do artigo 527, do CPC.

O desembargador relator, em prazo não superior a 30 dias da intimação do agravado, pedirá dia para julgamento. (art. 528, do CPC)

Se o juiz comunicar que reformou inteiramente a decisão, o relator considerará prejudicado o agravo.  (artigo 529, do CPC)

O AGRAVO NO TRIBUNAL

Os autos remetidos ao tribunal serão registrados no protocolo no dia de sua entrada, cabendo à secretaria verificar-lhes a numeração das folhas e ordená-los para distribuição. Os serviços de protocolo poderão, a critério do tribunal, ser descentralizados, mediante delegação a ofícios de justiça de primeiro grau. (artigo 547 e seu parágrafo único, do CPC)

Far-se-á a distribuição de acordo com o regimento interno do tribunal, observando-se os princípios da publicidade, da alternatividade e do sorteio. (artigo 548, do CPC)

Distribuídos, os autos subirão, no prazo de 48 (quarenta e oito) horas, à conclusão do relator, que, depois de estudá-los, os restituirá à secretaria com o seu “visto”. O relator fará nos autos uma exposição dos pontos controvertidos sobre que versar o recurso. (artigo 549 e seu parágrafo único, do CPC)

Os recursos interpostos nas causas de procedimento sumário deverão ser julgados no tribunal, dentro de 40 (quarenta) dias. (artigo 550, do CPC)

Os autos serão, em seguida, apresentados ao presidente, que designará dia para julgamento, mandando publicar a pauta no órgão oficial. Entre a data da publicação da pauta e a sessão de julgamento mediará, pelo menos, o espaço de 48 (quarenta e oito) horas.  Afixar-se-á a pauta na entrada da sala em que se realizar a sessão de julgamento. Salvo caso de força maior, participará do julgamento do recurso o juiz que houver lançado o “visto” nos autos. (artigo 552 e seus parágrafo, do CPC)

Na sessão de julgamento, depois de feita a exposição da causa pelo relator, o presidente, questionará os votos dos demais desembargadores, sendo certo que a decisão será tomada, na câmara ou na turma, pelo voto de 3 julgadores. (artigos 554 e 555, caput, do CPC)

Ocorrendo relevante questão de direito, que faça conveniente prevenir ou compor divergência entre câmaras ou turmas do tribunal, poderá o relator propor seja o recurso julgado pelo órgão colegiado que o regimento indicar; reconhecendo o interesse público na assunção de competência, esse órgão colegiado julgará o recurso. A qualquer juiz integrante do órgão julgador é facultado pedir vista por uma sessão, se não estiver habilitado a proferir imediatamente o seu voto. (artigo 555 e seus parágrafos, do CPC)

Proferidos os votos, o presidente anunciará o resultado do julgamento, designando para redigir o acórdão o relator, ou, se este for vencido, o autor do primeiro voto vencedor. (artigo 556, do CPC)

O relator poderá, a requerimento do agravante, nos casos de prisão civil, adjudicação, remição de bens, levantamento de dinheiro sem caução idônea e em outros casos dos quais possa resultar lesão grave e de difícil reparação, sendo relevante a fundamentação, suspender o cumprimento da decisão até o pronunciamento definitivo da turma ou câmara. (artigo 558, do CPC)

Vale lembrar que a apelação não será incluída em pauta antes do agravo de instrumento interposto no mesmo processo. Se ambos os recursos houverem de ser julgados na mesma sessão, terá precedência o agravo. (artigo 559 e seu parágrafo único, do CPC)

Qualquer questão preliminar suscitada no julgamento será decidida antes do mérito, deste não se conhecendo se incompatível com a decisão daquela. Versando a preliminar sobre nulidade suprível, o tribunal, havendo necessidade, converterá o julgamento em diligência, ordenando a remessa dos autos ao juiz, a fim de ser sanado o vício. (artigo 560 e seu parágrafo único, do CPC)

Rejeitada a preliminar, ou se com ela for compatível a apreciação do mérito, seguir-se-ão a discussão e julgamento da matéria principal, pronunciando-se sobre esta os juízes vencidos na preliminar. (artigo 561, do CPC)

Preferirá aos demais o recurso cujo julgamento tenha sido iniciado. (artigo 562, do CPC)

Todo acórdão conterá ementa. (artigo 563, do CPC)

Lavrado o acórdão, serão as suas conclusões publicadas no órgão oficial dentro de 10 (dez) dias. (artigo 564, do CPC)

Desejando proferir sustentação oral, poderão os advogados requerer que na sessão imediata seja o feito julgado em primeiro lugar, sem prejuízo das preferências legais. Se tiverem subscrito o requerimento os advogados de todos os interessados, a preferência será concedida para a própria sessão. (artigo 565 e seu parágrafo único, do CPC)

DA VIGÊNCIA DAS ALTERAÇÕES

A Lei n.º 11.187, de 19 de outubro de 2005, em seu artigo 2º estabelece que a norma entra em vigor após decorridos 90 dias de sua publicação.

A lei em comento foi publicada no Diário Oficial da União no dia 20 de outubro de 2005 e entrou em vigor, portanto, em 18 de janeiro de 2006.

CONCLUSÃO

Não é possível afirma, neste primeiro momento, que as alterações promovidas pela Lei n.º 11.187/2005 irão possibilitar uma maior celeridade na prestação jurisdicional, mas, é provável que com as modificações, ora em análise, o trâmite processual de primeira instância seja menos penoso para as partes envolvidas.

Só com o passar do tempo será possível sopesar se as presentes alterações irão promover as melhorias almejadas pelo legislador.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Leonardo Ribeiro Pessoa

 

Advogado Especializado em Direito Tributário; Professor de Pós-Graduação em Direito Material e Processual Tributário; Mestre em Direito Empresarial e Tributário; Pós-Graduado em MBA de Gestão Empresarial em Tributação e Contabilidade; Pós-Graduado em Direito Tributário e Legislação de Impostos; Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil; Pós-Graduado em Docência do Ensino Superior; Membro da Academia Brasileira de Direito Tributário – ABDT; Filiado à Associação Brasileira de Direito Tributário – ABRADT; Sócio-Pleno da Associação Brasileira de Direito Financeiro – ABDF; Associado Máster da Associação Paulista de Estudos Tributários – APET; Sócio-Professor do Instituto Brasileiro de Planejamento Tributário – IBPT; Membro da International Fiscal Association – IFA

 


 

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