Resumo: Abordar-se-á o princípio da fungibilidade em face da fase de liquidação de sentença, com base na Lei nº 11.232 de 22 de dezembro de 2005, esta que alterou o procedimento do Código de Processo Civil (Lei 5.869/73) determinando a unificação dos autos nas fases processuais. Pretende portanto analisar a aplicação do princípio da fungibilidade a partir de uma pesquisa jurisprudencial.
Palavras-chave: liquidação. Sentença. Princípio. Fungibilidade.
Abstract: Addressing will be the principle of fungibility in the face of run-off sentencing on the basis of Law No. 11,232 of 22 December 2005, which amended this procedure of the Code of Civil Procedure (Law 5869/73) determining the unification of the case in stages. The aim therefore consider the application of the principle of fungibility from a research case law.
Keywords: liquidation. Sentence. Principle. Fungibility.
Sumário. 1. A liquidação de sentença e sua aplicação. 2. A fungibilidade recursal. 3. A fungibilidade na liquidação de sentença e posicionamento jurisprudencial.
Introdução
O Código de Processo Civil trazia como estrutura procedimental, a divisão entre: processo de conhecimento, liquidação de sentença e execução, todos em autos apartados, como processos autônomos e com recursos próprios.
Advindo a Lei 11.232/2005, o legislador decidiu em unificar esses processos, tornando-os fases a desenvolverem-se nos mesmos autos. Essa união fez com que essas fases necessitassem de um regulamento próprio, o que deu causa a ampliação do artigo 475 do CPC em 475-A ao 475-H, visando não alterar a numeração dos artigos do CPC.
1. A liquidação de sentença e sua aplicação
A liquidação de sentença é “a atividade judicial cognitiva pela qual se busca complementar a norma jurídica individualizada estabelecida num título judicial” (DIDIER, 2009, p. 112). Tem por objetivo “integrar a decisão liquidanda, chegando a uma solução acerca dos elementos que faltam para a completa definição da norma jurídica individualizada, a fim de que essa decisão possa ser objeto de execução” (DIDIER, 2009, p. 112)
Quando se presencia a não determinação do quantum debeatur na sentença, caberá a utilização do processo de liquidação conforme determina o artigo 475-A, visando a realização dessa quantificação que poderá ocorrer a partir de três formas distintas: liquidação por contador do juízo, disposto no artigo 475-B; liquidação por arbitramento, disposto no artigo 475-C; ou liquidação por artigos, nos termos do artigo 475-E e 475-F, todos do CPC.
O legislador de forma estranha, determinou no artigo 475-H que “da decisão de liquidação caberá agravo de instrumento”. O que se questiona é que, prevê o Código de Processo Civil que as decisões que encerram as fases processuais em primeiro grau são sentenças, e o artigo 513 dispõe que “da sentença caberá apelação” e nos artigos seguintes dispõe acerca da forma de utilizar-se desse recurso.
Da mesma forma é estranho perceber, a utilização do agravo pelo legislador como recurso cabível diante de decisão que finaliza fase procedimental, pois o artigo 522 que dispões sobre o agravo, determina que:
“das decisões interlocutórias caberá agravo, no prazo de 10 (dez) dias, na forma retida, salvo quando se tratar de decisão suscetível de causar lesão grave e de defícil reparação, bem como nos casos de inadmissão da apelação e nos relativos aos efeitos em que a apelação é recebida, quando será admitida a sua interposição por instrumento.”
Ressalta-se que não caberá a retratação do juízo prolator da decisão, visto que sendo esta, uma sentença, não será possível o magistrado modificá-la conforme determina o artigo 463 do CPC, o qual dispõe que: “publicada a sentença, o juiz só poderá alterá-la: I – para lhe corrigir, de ofício ou a requerimento da parte, inexatidões materiais, ou lhe retificar erros de cálculo; II – por meio de embargos de declaração”. Como se pode perceber, não se está diante de nenhum dos casos previstos.
2. A fungibilidade recursal
A fungibilidade consiste na possibilidade de que,
“sempre que exista dúvida objetiva a respeito de qual o recurso cabível contra determinada decisão judicial, caso seja interposto pela parte o recurso que o juiz ou o tribunal competente para recebê-lo entenda não ser cabível contra aquela decisão, seja ele recebido, processado e conhecido como se o outro, entendido como o correto, tivesse sido interposto. Trata-se do recebimento de um recurso como outro, adaptando-se o nomen juris e o procedimento.” (PINTO, 2002, p. 89).
Leciona Wickert que a dúvida objetiva pode se originar a partir de três fatores:
“primeiro, quando o próprio código designa impropriamente um pronunciamento judicial em vez de outro(…). O segundo (…) verifica-se quando a doutrina não tem um posicionamento uníssono sobre a classificação de um determinado pronunciamento judicial (…). Por fim, o terceiro (…) diz respeito a quando o juiz emite um pronunciamento em vez de um outro, adequado. Hipótese esta mais difícil de ocorrer.” (2006, p.38).
Ainda, há necessidade de observar-se a inocorrência do erro grosseiro, este que impossibilita a aplicação da fungibilidade, ocorre em um caso por exemplo, onde o recurso cabível é o de apelação e utiliza-se do agravo de instrumento ou vice versa.
A jurisprudência demonstra no caso concreto quando ocorre esse erro grosseiro conforme se demonstra:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PRESSUPOSTOS DE ADMISSIBILIDADE. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. Da decisão que julga liquidação de sentença cabe agravo de instrumento. Inteligência do art. 475-H do CPC. A interposição de apelação constitui erro grosseiro, o que inviabiliza a aplicação do princípio da fungibilidade recursal. APELAÇÃO NÃO CONHECIDA.” (RIO GRANDE DO SUL, 2009a).
Não há meio de utilizar-se do agravo de instrumento como se fosse apelação, visto que a diferença quanto à aplicabilidade é extremamente diversa e portanto inadmissível, levando ao não conhecimento do recurso.
3. A fungibilidade na liquidação de sentença e posicionamento jurisprudencial
A ocorrência da aplicação do princípio da fungibilidade é corriqueiro, nos casos em que se presencia uma dúvida quanto a aplicação do recurso correto, como se pode verificar na jurisprudência do TJ/RS.
“EMENTA: AGRAVO INTERNO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS MATERIAIS E MORAIS. RESPONSABILIDADE CIVIL. INVERSÃO DO ÔNUS DA PROVA. RELAÇÃO DE CONSUMO. CABIMENTO. 1. Da decisão que julga monocraticamente o agravo de instrumento cabe o agravo previsto no art. 557, § 1º, do C.P.C., e não agravo regimental. 2. Por outro lado, segundo o princípio da fungibilidade recursal, não havendo erro grosseiro, preenchidos os demais requisitos do recurso que seria o correto e dentro do prazo legal deste, é possível o recebimento do agravo regimental como agravo interno. 3. A parte autora postula a indenização por danos materiais e morais em função do incêndio ocorrido em seu veículo, na qual restou comprovada a relação de consumo entre os litigantes, consubstanciada na compra e venda de um extintor de incêndio, acessório indispensável à utilização do veículo, o qual não teria funcionado por ocasião do sinistro. 4. Portanto, viável a inversão probatória quando a parte traz ao feito um mínimo de prova a corroborar a verossimilhança de suas alegações. Inteligência do art. 6º do CDC. 5. Os argumentos trazidos no recurso não se mostram razoáveis para reformar a decisão monocrática. Negado provimento ao agravo interno”. (RIO GRANDE DO SUL, 2009b).
“EMENTA: AGRAVO REGIMENTAL. EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE.CABIMENTO. LANÇAMENTO. NULIDADE. EMBARGOS DO DEVEDOR. 1. Embora o agravo regimental não seja o recurso correto contra decisão proferida com base no art. 557 do CPC, a hipótese comporta a aplicação do princípio da fungibilidade dos recursos. 2. O Superior Tribunal de Justiça admite a exceção de pré-executividade em execução fiscal somente para apreciação de matérias de ordem pública e que não necessitam de dilação probatória. Hipótese em que a matéria invocada ¿ excesso de execução ¿ deve ser deduzida em sede de embargos do devedor. Recurso desprovido”. (RIO GRANDE DO SUL, 2009c).
Quanto à aplicabilidade do princípio da fungibilidade na liquidação de sentença, quando ao invés de utilizar-se do agravo de instrumento conforme determina o artigo 475-H, utiliza-se à apelação do artigo 513, demonstra sua posição o Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. PROMESSA DE COMPRA E VENDA. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. PROCESSUAL CIVIL. PRINCÍPIO DA SINGULARIDADE. INTERPOSIÇÃO DE RECURSO DE APELAÇÃO CONTRA DECISÃO QUE JULGA A LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. ERRO INESCUSÁVEL. O recurso cabível contra decisão que julga a liquidação de sentença é, induvidosamente, o agravo de instrumento, consoante expressamente dispõe o art. 475-H do Código de Processo Civil. Incabível, assim, a interposição de recurso de apelação, ante a violação do princípio da singularidade. Inaplicável, por outro lado, o princípio da fungibilidade, já que inescusável o erro no manejo recursal, mormente porque expressamente previsto na legislação processual o recurso cabível na espécie. Precedentes jurisprudenciais. RECURSO DE APELAÇÃO NÃO CONHECIDO.” (RIO GRANDE DO SUL, 2009d).
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. ART. 475-H DO CPC. ERRO GROSSEIRO. RECURSO NÃO CONHECIDO. Apelo não conhecido, porque não preenchido o requisito do cabimento. O CPC, em seu art. 475-H, com redação dada pela Lei n° 11.232, de 2005, é expresso ao determinar que o recurso cabível contra a decisão que resolve liquidação de sentença é o agravo de instrumento. Inocorrência, diante do texto expresso de lei, de dúvida objetiva sobre qual o recurso a ser interposto e existência de erro grosseiro, situações que impedem a aplicação do princípio da fungibilidade. APELO NÃO CONHECIDO. UNÂNIME”. (RIO GRANDE DO SUL, 2009e).
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. CADERNETA DE POUPANÇA. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. O artigo 475-H do CPC é claro ao dispor que o recurso cabível contra a decisão de liquidação é o agravo de instrumento. Por outro lado, não cabe a aplicação do princípio da fungibilidade ante a existência de previsão legal expressa a respeito do recurso adequado. APELO NÃO CONHECIDO” (RIO GRANDE DO SUL, 2009f).
“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. O artigo 475-H do CPC é claro ao dispor que o recurso cabível contra a decisão de liquidação é o agravo de instrumento. Por outro lado, não cabe a aplicação do princípio da fungibilidade. ante a existência de previsão legal expressa a respeito do recurso adequado. APELO NÃO CONHECIDO” (RIO GRANDE DO SUL, 2009g).
“EMENTA: LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. RECURSO CABÍVEL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. O artigo 475-H do CPC é claro ao dispor que o recurso cabível contra a decisão de liquidação é o agravo de instrumento. Por outro lado, não cabe a aplicação do princípio da fungibilidade ante a existência de previsão legal expressa a respeito do recurso adequado. APELO NÃO CONHECIDO.” (RIO GRANDE DO SUL, 2009h).
“EMENTA: Apelação cível. Negócios jurídicos bancários. Poupança. Liquidação de sentença. Recurso cabível. Agravo de instrumento, consoante previsto no art. 475-H do Código de Processo Civil. Erro grosseiro. Inaplicabilidade do princípio da fungibilidade recursal. Apelo não conhecido.” (RIO GRANDE DO SUL, 2009i).
Como pode se perceber, o Tribunal entende que é caso de erro grosseiro utilizar-se do recurso de apelação na existência de disposição expressa que determina o uso do agravo de instrumento para as decisões em fase de liquidação de sentença conforme disposto no CPC.
Mesmo assim entende de forma diversa o Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, justificando que o erro é escusável e coberto pelo princípio da fungibilidade.
“EMENTA: LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA. DISSOLUÇÃO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA. APELAÇÃO CÍVEL. FUNGIBILIDADE RECURSAL. INCLUSÃO DE BENS NA PARTILHA. IMÓVEIS, COTAS SOCIETÁRIAS E MÓVEIS E UTENSÍLIOS. PROVA. 1. Tendo sido lançada sentença, em vez de mera decisão interlocutória apreciando a fase de liquidação, é escusável o equívoco da parte ao interpor recurso de apelação, tendo aplicação o princípio da fungibilidade. 2. Somente podem ser incluídos na partilha os bens adquiridos ao tempo da união estável havida entre a autora e o falecido, nos termos do acórdão, não comportando partição aqueles adquiridos após o término da convivência e sem haver sub-rogação. 3. Ficam excluídos também os bens móveis e utensílios indicados pela virago 18 anos após a dissolução da união, pois não ficou comprovada a sua existência nem a época da aquisição. 4. Compõem a partilha os imóveis adquiridos de forma parcelada, ainda que registrados após a ruptura da relação. Recurso parcialmente provido.” (RIO GRANDE DO SUL, 2009j).
Quase unanimemente entende o Tribunal que o erro grosseiro está presente, ao mesmo tempo que, não está presente a dúvida objetiva, sendo o desembargador de pensamento distinto dentre os egrégios julgadores.
Conclusão
Embora a respeitável decisão do Desembargador Sérgio Fernando de Vasconcellos Chaves, que determina a possibilidade do uso da fungibilidade na liquidação de sentença, concluiu-se que não se está diante de dúvida objetiva que permita sua utilização.
A aplicação do princípio da fungibilidade ocorre quando há dúvida objetiva e não haja erro grosseiro, o qual é visível que há, visto a translúcida disposição legal do artigo 475-H do Código de Processo Civil. O erro grosseiro é mencionado em diversas decisões o que traz por conseqüência o não conhecimento do recurso de apelação em substituição ao agravo de instrumento na liquidação.
Percebe-se que a decisão diversa do Desembargador, leva-nos a perceber que por mais discutível que seja essa previsão legal, ela expressa e não possibilita-nos pensar que caberá aplicar esse princípio, necessitando portanto cautela dos procuradores no manejar desse novo procedimento, demonstrando novamente a necessidade da constante atualização dos juristas para a utilização correta dos meios na busca pela justiça social.
Informações Sobre o Autor
Pablo Juarez Viera Czyzeski
Pós graduando em Direito Civil e Direito Processual Civil pela Verbo Jurídico. Juiz Arbitral da 8ª Camara de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Tribunal de Arbitragem do Rio de Janeiro.