Resumo: Na falência, cabe ressaltar o caráter preferencial dos créditos trabalhistas, que estão resguardados em vários pontos de nosso ordenamento pátrio, como no art. 449, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho; no art. 186 do Código Tributário Nacional; no art. 1.422, parágrafo único, do Código Civil; e nos arts. 83 e 151 da Lei nº 11.101/05. Além dessa legislação prolífera, tanto doutrina quanto jurisprudência ainda não definiu a ordem de preferência dos credores na falência. Desse modo, pedimos vênia para apresentar nossa posição sobre o rol de credores na falência.
Palavras-chave: falência; credores; direito empresarial; créditos.
Abstract: In bankruptcy, it is worth noting the preferential nature of labor credits, which are guarded at various points in our juridical homeland system, as in art. 449, § 1, of the Consolidation of Labor Laws; in art. 186 of the Tax Code; in art. 1.422, sole paragraph, of the Civil Code; and the arts. 83 and 151 of Law No. 11.101/05. In addition to this prolific legislation, both doctrine and jurisprudence has not set the order of preference of creditors in bankruptcy. Thus, we bowed to show our position on the list of creditors in bankruptcy.
Keywords: bankruptcy; creditors; business law; credits.
Sumário: Introdução; 1- posição doutrinária; 2- jurisprudência; conclusão; referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Com a instauração da falência, atualmente regulamentada pela Lei de Recuperação de Empresas e Falências (nº 11.101/05), passa a ocorrer uma execução coletiva e universal, sendo o devedor desapossado de seus bens, possuindo a expropriação o objetivo de satisfazer o pagamento aos credores. Vale lembrar que esta decisão do Juízo responsável, que decreta a falência, é um ato constitutivo, desse modo, apesar de, processualmente, ser uma decisão interlocutória, possui natureza jurídica de sentença. De qualquer forma, só cabe agravo de instrumento para combatê-la.
Superada essa fase, o juiz indica um administrador judicial (antigo síndico da massa falida) – geralmente um advogado – para auxiliá-lo. Esse administrador arrecadará tudo o que estiver no estabelecimento do falido. Se um bem arrecadado não pertencer ao devedor, mas sim a terceiro, e for indevidamente arrecadado, este deve entrar com ação ordinária de pedido de restituição, podendo, inclusive, ingressar com liminar de sequestro do bem, devendo, para tanto, ser prestada caução.
A partir da decisão que decreta a falência (ou quebra), o magistrado determina a publicação de edital, sendo estabelecido prazo de quinze dias (art. 7º, § 1º) para que os credores habilitem seus respectivos créditos. Cada credor deve endereçar sua habilitação de crédito para o administrador judicial, sendo este um procedimento administrativo. O administrador judicial possui prazo de quarenta e cinco dias para organizar uma relação de credores (art. 7º, § 2º) – comparando as habilitações recebidas com o livro da sociedade empresária ou do empresário – e publicá-la. No caso de haver discordância sobre a relação de credores organizada pelo administrador judicial ou sobre os próprios créditos, caberá impugnação, a qual poderá ser interposta pelo credor, devedor ou seus sócios, ou pelo Ministério Público, no prazo de dez dias após a publicação da relação (art. 8º).
Mesmo após o edital de falência, e escoado o prazo de quinze dias a que alude o § 1º do art. 7º da Lei nº 11.101/05, ainda é possível a credores endereçarem suas habilitações, sendo estas recebidas como retardatárias (art. 10). Empós o Juízo universal (princípios da indivisibilidade e da universalidade do Juízo da falência) decidir acerca das impugnações judiciais e das habilitações retardatárias, ocorrerá a publicação do quadro-geral de credores, ponto em que vale ressaltar a norma contida no § 6º do art. 10, o qual possibilita o ingresso de credor retardatário mesmo após a homologação do citado quadro.
Nesse ponto, chega-se a relevante ponto do tema em debate: a ordem dos credores, destacando a existência de várias formas de interpretação aos diversos dispositivos que cuidam do assunto na Lei de Recuperação de Empresas e Falências, seja pela posição topográfica, seja pela própria dificuldade lógica dos enunciados normativos, sendo esses combinados com o Enunciado de Súmulas, o Código Tributário Nacional, o Código Civil, o Código de Processo Civil e a Constituição Federal.
1- POSIÇÃO DOUTRINÁRIA
Da lavra de Sergio Campinho, extrai-se a seguinte hierarquia: em primeiro lugar, o art. 84 da Lei nº 11.101/05 – créditos extraconcursais; em seguida, deve ser observada a ordem estipulada pelo art. 83 da referida Lei.[1]
Já Kelen Campos Benito define a seguinte classificação de crédito – admitindo a prevalência da Súmula nº 307 do Superior Tribunal de Justiça: 1º – crédito decorrente de contrato de câmbio, através de pedido de restituição, sem qualquer limitação de valor; 2º – crédito extraconcursal por fornecimento de produtos e/ou por concessão de crédito, sem qualquer limitação; 3º – crédito trabalhista, até o valor equivalente a 150 salários-mínimos e crédito em razão de acidente de trabalho, sem qualquer limitação; 4º – crédito com garantia real, até o valor do bem oferecido em garantia; 5º – créditos tributários, inclusive das autarquias, sem qualquer limitação; 6º – crédito com privilégio especial; 7º – crédito com privilégio geral; 8º – créditos quirografários, nos quais se enquadram, entre outros, o crédito das instituições financeiras além do valor da garantia real e o crédito trabalhista superior a 150 salários-mínimos; e 9º – crédito subordinado.[2]
Uma terceira possibilidade, por nós defendida, seria a seguinte ordem de créditos: 1º – art. 151 da Lei nº 11.101/05 (créditos trabalhistas até o limite de cinco salários-mínimos); 2º – Súmula STJ nº 307 (débitos decorrentes de adiantamento de contrato de câmbio); 3º – art. 150 da Lei nº 11.101/05 (as despejas cujo pagamento antecipado seja indispensável à administração da falência); 4º – art. 86, incisos I e III, da Lei nº 11.101/05 (restituições em dinheiro); 5º – art. 84 da Lei nº 11.101/05 (créditos extraconcursais); e 6º – segue classificação do art. 83 da Lei de Recuperação de Empresas e Falências.
Assim, cabe ressaltar o caráter preferencial dos créditos trabalhistas, que estão resguardados em vários pontos de nosso ordenamento pátrio, como no art. 449, § 1º, da Consolidação das Leis do Trabalho; no art. 186 do Código Tributário Nacional; no art. 1.422, parágrafo único, do Código Civil; e nos arts. 83 e 151 da Lei nº 11.101/05.
2- JURISPRUDÊNCIA
Com base na preferência dos créditos trabalhistas pode-se destacar as seguintes jurisprudências:
“DUPLA PENHORA. CONCURSO DE CREDORES. É perfeitamente possível a incidência de mais de uma penhora sobre o mesmo bem. Contudo, nessa circunstância, deve-se instaurar o concurso de credores, nos termos dos art. 711 e 712 do CPC, a fim de que seja distribuído o fruto da alienação do bem a todos os credores, observada, primeiramente, a ordem de preferência e, posteriormente, de anterioridade das penhoras. Não observada esta formalidade, mantém-se subsistente a penhora trabalhista recaída sobre o imóvel adjudicado pelos agravantes, perante os autos do processo cível, a fim de que seja garantida a satisfação do crédito trabalhista, que é privilegiado. (TRT 3ª Região – Processo nº 00087-2013-024-03-00-1 Agravo de Petição, Terceira Turma, Rel. Des. CÉSAR MACHADO, DJe 24.06.13)”.
“[…] no caso dos autos trata-se de crédito trabalhista, possuindo, portanto, preferência em relação aos demais (art. 186, CTN). Na verdade, ele deveria ter sido satisfeito antes mesmo da adjudicação e do pagamento da dívida cível (art. 711, CPC), já que a prioridade estabelecida em consideração à natureza do crédito é o critério que atua em primeiro lugar. O outro, da anterioridade da penhora, somente será considerado não havendo título legal à preferência. (TRT 3ª Região – Processo nº 00087-2013-024-03-00-1 Embargos de Terceiros, 24ª Vara do Trabalho de Belo Horizonte-MG, Rel.ª Juíza JULIANA PETENATE SALLES, Dejt 25.02.13)”.
CONCLUSÃO
Devemos observar que a ordem defendida por nós fundamenta-se não só nos ditames legais citados, mas também caminha fielmente ao lado do princípio geral norteador do Direito, a saber, a dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III, CF). Diante do citado princípio, é de destaque o caráter alimentar das verbas de natureza trabalhista e que, desta forma, não sendo a esta garantida a preferência, resta latente a violação ao princípio – não é digna a vida daquele que é ceifado de recurso para prover seu próprio sustento. Assim, sempre deverá haver preferência dos créditos trabalhistas sobre os demais, cabendo, no entanto, observar os limites legais, conforme destacados nos arts. 83, inciso I, e 151, da Lei nº 11.101/05.
Porém, quanto ao limite legal imposto pela previsão expressa no art. 83, inciso I, da Lei de Recuperação de Empresas e Falências, cabe tecer crítica. Ocorre que o limite estabelecido pelo legislador vai contra a equidade – tendo em vista que os valores acima do determinado não deixam de ser provenientes de relações trabalhistas –, não sendo plausível que, por tal motivo, estes trabalhadores deixem de gozar das mesmas garantias ou, ainda, que, de forma mais derradeira, sejam abandonados pelos princípios protetores de verbas salariais.
Para um real entendimento de nossa posição, devemos ressaltar que o alcance do valor acima do descrito pode se dar de diversas formas, como no caso de ocupante de cargo de destaque, e para exercício de atividade laboral não remunerada por longo período. Diante dos exemplos acima, cabe destacar a primeira hipótese. Nela não se pode ignorar o fato de que aquele que possui um maior salário também possui maiores gastos, e que, proporcionalmente, seus gastos harmonizam-se ao montante recebido, não sendo paritária a limitação imposta na legislação. O estabelecimento de limite aos créditos trabalhistas nada mais é do que uma escolha legislativa para evitar fraude ao ativo empresarial. Ocorre que se comungarmos de tal entendimento, estaremos admitindo que atos fraudulentos são regra, ponto majoritariamente não aceito – em todas as matérias – pela mais respeitável doutrina nacional e estrangeira.
Sem a pretensão de esgotar a discussão sobre o tema, a crítica acima é apenas doutrinária, tendo em vista ter sido esta a posição escolhida pelo legislador. Nesse sentido, a disposição é válida e eficaz, conforme decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal, ao apreciar a Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 3.934-DF. No julgado, relatado pelo Ministro Ricardo Lewandowski (DJe 06.11.09), restou consignado que os créditos trabalhistas que ultrapassarem o limite de 150 salários-mínimos por credor devem ser recebidos em conjunto com os demais créditos quirografários.
Notas:
Informações Sobre os Autores
Alexandre Fernandes Dantas
Professor de Direito Constitucional da Universidade Estácio de Sá. Pesquisador associado ao CONPEDI. Advogado. Pós-Graduado lato sensu em Direito e Gestão da Segurança Pública pelo PPGD/UGF. Mestre em Direito pelo PPGD/UGF-RJ. Doutorando em Ciência Política e Relações Internacionais pelo IUPERJ/UCAM.
Marcelo Barbosa Vianna Shad
Advogado. Pós-Graduado lato sensu em Direito Público e Privado pelo Instituto Superior do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro