Diante do diagnóstico patológico da atividade ilimitada do Poder Executivo no tocante ao alargamento de sua reserva normativa, figura-se no Brasil um vertiginoso desrespeito ao princípio constitucional da separação dos poderes, uma secundarização do papel teoricamente precípuo ao Poder Legislativo, desaguando numa hipertrofia do Poder Executivo. Assim, se vive no Brasil um presidencialismo quase que Imperial e ditatorial mal disfarçado pelo Executivo que, principalmente por meio das medidas provisórias, exerce sua aberração legiferante, inviabilizando a aplicabilidade do princípio da separação dos poderes, e consequentemente inobservando a supremacia constitucional e o escopo de um Estado Democrático de Direito, e tudo isso sobre argumentações das mais variadas que, inclusive, ao mesmo tempo são refutações, como governabilidade e um Estado pós-moderno mais social e intervencionista.
Esboçado por Aristóteles, John Locke, bem como por Rousseau; o princípio clássico de separação dos poderes – lê-se tripartição das funções, já que o poder que resvala do Estado é uno – em três órgãos distintos harmônicos e independentes: Executivo, Legislativo, Judiciário, é tratado e sistematizado por Charles Luis Secondar, Barão de La Brede e de Montesquieu, em sua célebre obra O Espírito das Leis, historicamente situada na transição da Idade Média para Contemporânea, remontando séc. XXI, precursor do conhecido movimento social, cultural, intelectual, jurídico – o Iluminismo. Dogmatizado na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, mais precisamente no seu art. 16, em nossa atual Constituição, o princípio é insuscetível de ser objeto de deliberação de uma emenda constitucional que o tente abolir, sendo, pois, princípio insuprimível, pétreo, granítico da nossa Carta Magna.
No entanto, embora pétreo, um meio pelo qual o Executivo fere o princípio constitucional, e, portanto, soberano, de separação dos poderes de forma harmônica e independente, contrariando as concepções de um Estado Democrático de Direito, é pela espécie normativa prevista no art. 59º inciso V e disciplinada no art. 62º da nossa Carta Maga de 1988 – a medida provisória.Ao percorrer um breve percurso histórico somos levados à conclusão de que os períodos estão em constante correlação e influência. Assim, originária da Constituição Federal de 88, a medida provisória, certamente, vem de influência do Poder Moderador ainda na Carta Imperial de 1824, mas de inspiração direita, e sem nenhuma razão lógica (inclusive o sistema de governo italiano é parlamentar), da Constituição Italiana de 27 de Dezembro de 1947, mais precisamente no seu art. 77 e em uma sucessão do decreto-lei de 1967 que, por sua vez, teve inspiração ditatorial de 1937.
Um dos grandes entraves que favorece a arbitrariedade das medidas provisórias decorre justamente das limitações formais. É que o STF decretou que a relevância e a urgência são discricionários ao Presidente da República, atribuindo, então, alto grau subjetivo aos pressupostos de admissibilidade formal da medida provisória. O que é constatável na práxis, entretanto, é que não se observa os pressupostos formais, mas sim oportunidades político-legislativas, relevando a veemente incontinência normativa do governo, e consequentemente uma desarmonia na medida em que se constata a usurpação, o domínio de uma função sobre as outras, desaguando no próprio arbítrio.
O controle parlamentar, por sua vez, pragmaticamente quase que é inexistente, numa vinculação também quase absoluta ao Executivo. `A exemplo ilustrativo, no primeiro mandato de FHC, das 160 medidas provisórias editadas, apenas uma foi rejeitada,eo atual presidente Luís Inácio Lula da Silva, que, até tomar posse em Janeiro de 2003, era um feroz crítico das medidas provisórias, nos dois primeiros anos do seu governo – 2003/ 2004 – editou 131 medidas provisórias.
Além do mais, se observa ainda um alargamento também na competência de se adotar as medidas provisórias. Em alusão ao caput do art. 62 somente o Presidente da República, inserido nos limites formais analisados, tem competência para adotar tal espécie normativa. No entanto, com o decorrer do tempo verifica-se que também aos governadores e prefeitos podem caber a competência para adotar tal ato normativo, desde que devidamente previstos legalmente nas Constituições Estaduais e Leis Orgânicas, e obviamente que em observância a CF; como acontece atualmente com os Estados de Santa Catarina, Tocantins e Acre em que suas Constituições atribuem aos seus respectivos governadores a prerrogativa de adotar medidas provisórias.
Há de se reconhecer o decantado princípio de “separação dos poderes” como mandamento nuclear de um sistema – servindo, pois, de base à estruturação de um Estado, de modo a preservar a soberania do povo e os direitos fundamentais – para cuja defesa é que também existe uma Constituição. Por isso tal princípio não pode ser simplesmente ignorado, ou minimizado. E junto com sua veemente importância discorre-se também sobre sua preocupante inobservância, sendo eximado e sepultado por meio das medidas provisórias.
Pela via do tal instrumento se usurpa e destrói os limites da competência normativa governamental brasileira, violando, sobretudo, a soberania do povo, na medida em que se tem uma aberração legisferante, num abuso manifesto da incontinência normativa governamental e sob a vista complacente do órgão judicial incumbido de zelar pela guarda e conservação do sistema constitucional, figurando em cúmplice habitual que como representantes do povo, tem a função de limitar os poderes de coação do Governo e fiscalizar o seu exercício.
Com efeito, é concordável que as peculiaridades que outrora fora sólido para germinação e concretização do princípio da separação dos poderes no séc. XVIII não mais correspondem à realidade e anseios sociais. De modo que embora pétreo e extremamente necessário não exista observância pragmática, de maneira que seja condição para sua aplicabilidade sua reformulação.
As modificações estatais foram necessárias no decorrer dos tempos como requisito para corresponder às novas exigências sociais. A neutralidade, o individualismo, o liberalismo, foram causa de diversos movimentos sociais ao longo da história e o Estado precisou passar por uma mutação, como requisito para se integrar à realidade no sentido de corresponder as novas exigências sociais. O Estado Democrático de Direito, devida as súbitas e acumulativas mazelas sociais, tem seus limites de atuação alargados com fins sócio-econômicos, figurando num estado promotor da justiça social.
Enfim, tudo isso, é visível, reconhecido e concordável. No entanto, não se pode em razão destas condições, atribuir uma discricionariedade tamanha como a que assistimos. Uma vez que o poder atribuído pela Constituição Federal ao Presidente da República de editar medidas provisórias trata-se de uma competência excepcional, atípica, coadjuvante, secundária, derivada, não originária, precípua, como vem ocorrendo.
A veemente necessidade de uma releitura do célebre princípio, de modo que este corresponda de modo mais apropriado as exigências sociais e o realinhamento dos limites da competência legislativa no Executivo são, estas sim, questões urgentes e relevantes. E como referência à possibilidades desta competência respeitadora temos a reserva normativa positiva e critérios para admissibilidade de atos normativos mais rigorosos e definidos preliminarmente e objetivamente.
A aberração legiferante por parte do Executivo, seguramente, não é a via mais concretizadora da soberania e respeito social e, nem tampouco, é a melhor maneira do Chefe do Estado “manter, defender e cumprir a Constituição” (art. 78).
Bibliografia:
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