O tempo não passa quando a gente pensa.
Aquele relógio de mesa a me entreolhar, a me comer com seus pontiagudos ponteiros…
A revelar horas, minutos e segundos.
Recorda-me o coelho, que no mundo da Alice das maravilhas bradava: “ – É tarde! É tarde! Olhe a hora!”.
O tempo é implacável com as mulheres; que enrugam, enfeiam, empalidecem, envelhecem e, só servem de desculpa para serem desprezadas…
O tempo não passa mesmo para os que morrem.
Ficam lá, todos em prontidão sob uma lápide, sob um monumento lúgubre qualquer… E no silêncio secreto das sepulturas não importa a hora.
O tempo que passou, a infância que azedou na esquina, bem ali, na esquina, agora mesmo.
A miséria invisível de crianças que viajam famintas, maltrapilhas e desamadas…
A miséria inflexível do “cheirar cola” que retira a dor da fome, mas lhe rouba também a vida, a meninice, o direito de ser consciente e feliz.
O tempo de agora, em que escrevo, reescrevo, subscrevo e persigo as palavras até que se rendam a minha expressão.
Mas qual será a melhor palavra? De toda a língua portuguesa? Ou será brasileira?
Esperança?
Pandora?
Vitória?
Qual será a exata acepção dessa horda de gente de carne e osso que ninguém vê…
E circulam na rua, nos sinais de trânsito…
Ver, até podem, mas enxergar…
Fazer diferença, alterar o curso fatídico da história?
Ou será estória?
Ou será discreta catástrofe?
Mais um ou dois milímetros e mais, e uma alma vem ao mundo, a respirar oxigênio, a sair do útero tépido e líquido.
Para mergulhar na dureza da vida prática no dia-a-dia.
A precisar de outras mão que não apenas as suas…
A ver e sentir não apenas o que lhes mostram mas, sobretudo, o que a vida quer…
Sejamos sensíveis a essa miséria invisível que nos ronda à todos, e a todos os dias.
Precisamos nos despir do medo, do preconceito e até do nojo, do repúdio à essa miséria invisível.
Experimentemos dar-lhe feição humana, dar-lhe um nome, um lar, um alimento, uma escola, mas não sem esquecer do tempero fundamental das almas:
Do amor, do afeto, da afeição.
Da mão que afaga, que ampara, do casaco que aquece perdido nas ruas não apenas em corpos pobres debaixo de viadutos, mas que resguarda seres humanos.
Busquemos dar-lhes essa tal dignidade que todo e qualquer ser humano tem o direito, (e não é favor) reconhecer, mas que todos, sem exceção merecem ter: DIGNIDADE.
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
(…)
III – a dignidade da pessoa humana;
(…)
Talvez se conseguirmos fazer um décimo disso tudo, um minimum.
Se guiarmos uma mão para escrever a última vogal.
O “U” de Utopia.
Um dia seremos capazes de alcançar a justiça social, um dia seremos capazes de fazer e, da simples curiosidade transformá-la em uma descoberta científica: ao afirmarmos a humanidade do outro, garantirmos firmemente não só a nossa sobrevivência, mas principalmente, a paz. Garantirmos um mundo melhor para os nossos filhos, netos, bisnetos, vizinhos e até (pasmem) inimigos.
Não se espere recompensas, medalhas, brios próprios da vaidade.
Não há recompensa em fazer o óbvio.
Mas que possamos identificar que por detrás de cada homem, cada mulher há um sentimento bom da inclusão, de que os fazem partilhar um projeto de ser feliz.
Ou tentar ser feliz (pelo menos)
A criança de hoje será o velho de amanhã.
Se matarmos precocemente essas crianças, não haverá terceira idade, não haverá necessidade de se dar prerrogativas ao idoso. Não haverá o amanhã.
ARMINDA ABERASTURY, in verbis:
“as modificações psicológicas que se produzem neste período, e que são correlatas de modificações corporais, levam a uma nova relação com os pais e com o mundo” (em Adolescência. Porto Alegre: Artes Médicas, 1980, p. 24).
“LEI Nº 8.069, DE 13 DE JULHO DE 1990.
Estatuto da Criança e do Adolescente
(…)
Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
(…)
Art. 5º Nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, punido na forma da lei qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.
Art. 6º Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento.
(…)”
“DECLARAÇÃO UNIVERSAL DOS DIREITOS HUMANOS
Preâmbulo
CONSIDERANDO que o reconhecimento da dignidade inerente a todos os membros da familia humana e seus direitos iguais e inalienáveis é o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo, CONSIDERANDO que o desprezo e o desrespeito pelos direitos do homem resultaram em atos bárbaros que ultrajaram a consciência da Humanidade, e que o advento de um mundo em que os homens gozem de liberdade de palavra, de crença e da liberdade de viverem a salvo do temor e da necessidade,
CONSIDERANDO ser essencial que os direitos do homem sejam protegidos pelo império da lei, para que o homem não seja compelido, como último recurso, à rebelião contra a tirania e a opressão, CONSIDERANDO ser essencial promover o desenvolvimento de relações amistosas entre as nações, CONSIDERANDO que os povos das Nações Unidas reafirmaram, na Carta, sua fé nos direitos do homem e da mulher, e que decidiram promover o progresso social e melhores condições de vida em uma liberdade mais ampla, CONSIDERANDO que os Estados Membros se comprometeram a promover, em cooperação com as Nações Unidas, o respeito universal aos direitos e liberdades fundamentais do homem e a observância desses direitos e liberdades, CONSIDERANDO que uma compreensão comum desses direitos e liberdades é da mais alta importância para o pleno cumprimento desse compromisso,
A Assembléia Geral das Nações Unidas proclama a presente “Declaração Universal dos Direitos do Homem” como o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, com o objetivo de que cada indivíduo e cada órgão da sociedade, tendo sempre em mente esta Declaração, se esforce, através do ensino e da educação, por promover o respeito a esses direitos e liberdades, e, pela adoção de medidas progressivas de caráter nacional e internacional, por assegurar o seu reconhecimento e a sua observância universais e efetivos, tanto entre os povos dos próprios Estados Membros, quanto entre os povos dos territórios sob sua jurisdição.
Artigo1º
Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade.
Artigo2º
I) Todo o homem tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, língua, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição.
II) Não será também feita nenhuma distinção fundada na condição política, jurídica ou internacional do país ou território a que pertença uma pessoa, quer se trate de um território independente, sob tutela, sem governo próprio, quer sujeito a qualquer outra limitação de soberania.
(…)”
“Convenção Americana de Direitos Humanos (1969)
(Pacto de San José da Costa Rica)
Adotada e aberta à assinatura na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José de Costa Rica, em 22 de novembro de 1969 e ratificada pelo Brasil em 25 de setembro de 1992.
Preâmbulo
Os Estados Americanos signatários da presente Convenção,
Reafirmando seu propósito de consolidar neste Continente, dentro do quadro das instituições democráticas, um regime de liberdade pessoal e de justiça social, fundado no respeito dos direitos humanos essenciais;
Reconhecendo que os direitos essenciais da pessoa humana não derivam do fato de ser ela nacional de determinado Estado, mas sim do fato de Ter como fundamento os atributos da pessoa humana, razão por que justificam uma proteção internacional, de natureza convencional, coadjuvante ou complementar da que oferece o direito interno dos Estados Americanos.
Considerando que esses princípios foram consagrados na Carta da Organização dos Estados Americanos, na Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem e na Declaração Universal dos Direitos do Homem, e que foram reafirmados e desenvolvidos em outros instrumentos internacionais, tanto de âmbito mundial como regional.
Reiterando que, de acordo com a Declaração Universal dos Direitos Humanos, só pode ser realizado o ideal do ser humano livre, isento do temor e da miséria, se forem criadas condições que permitam a cada pessoa gozar dos seus direitos econômicos, sociais e culturais, bem como dos seus direitos civis e políticos;
(…)
Artigo 4º – Direito à vida
1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.
2. Nos países que não houverem abolido a pena de morte, esta só poderá ser imposta pelos delitos mais graves, em cumprimento de sentença final de tribunal competentes e em conformidade com a lei que estabeleça tal pena, promulgada antes de haver o delito sido cometido. Tampouco se estenderá sua aplicação a delitos aos quais não se aplique atualmente.
3. Não se pode restabelecer a pena de morte nos Estados que a hajam abolido.
4. Em nenhum caso pode a pena de morte ser aplicada a delitos políticos, nem a delitos comuns conexos com delitos políticos.
5. Não se deve impor a pena de morte a pessoa que, no momento da perpetração do delito, for menor de dezoito anos, ou maior de setenta, nem aplicá-la a mulher em estado de gravidez.
6. Toda pessoa condenada à morte tem direito a solicitar anistia, indulto ou comutação da pena, os quais podem ser concedidos em todos os caos. Não se pode executar a pena de morte enquanto o pedido estiver pendente de decisão ante a autoridade competentes.
Artigo 5º – Direito à integridade pessoal
1. Toda pessoa tem direito a que se respeite sua integridade física, psíquica e moral.
(…)”
Informações Sobre o Autor
Gisele Leite
Professora universitária, Mestre em Direito, Mestre em Filosofia, pedagoga, advogada, conselheira do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas.