A moderna interpretação constitucional e suas novas categorias jurídicas

Resumo: Na busca de sentido das normas constitucionais e na solução de casos concretos, os elementos tradicionais de interpretação passaram a ser insuficientes ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição. A nova interpretação passa a desenvolver categorias específicas de trabalho que incluem a atribuição de sentido a conceitos jurídicos indeterminados, a normatividade dos princípios, as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação. O objetivo principal desse artigo é determinar como essas novas categorias jurídicas se relacionam e quais são seus parâmetros de aplicação para a solução dos chamados “casos difíceis”. Veremos que frequentemente não haverá resposta correta para os problemas jurídico-constitucionais, mas sim soluções argumentativamente racionais, de modo que a decisão legítima desses casos difíceis virá da demonstração de sua capacidade de convencimento no caso concreto.

Palavras-chaves: interpretação constitucional; hermenêutica constitucional; interpretação jurídica; normas constitucionais

Abstract: In search of meaning of constitutional norms and solution of concrete cases, the traditional elements of interpretation became insufficient development of some original formulas to perform the will of the Constitution. The new interpretation pass to develop specific categories of work that include assigning meaning to vague legal concepts, the normativity of principles, constitutional collisions, ponderation and argumentation. The main objective of this paper is to determine how these new legal categories relate and what are their application parameters for the solution of so-called "hard cases". We will see that often there is no correct answer to the legal and constitutional issues, but argumentatively rational solutions, so that the legitimate decision of these difficult cases will demonstrate its ability to convince the case.

Keywords: constitutional interpretation; constitutional hermeneutics; legal interpretation; constitutional norms

Sumário: 1. Considerações iniciais acerca das interpretações jurídica e constitucional; 2. Métodos da interpretação constitucional; 2.1. Método jurídico ou hermenêutico-clássico; 2.2. Método tópico-problemático; 2.3. Método hermenêutico-concretizador; 2.4. Método científico-espiritual; 2.5. Método normativo-estruturante; 3. Princípios da interpretação constitucional; 3.1. Princípio da unidade da Constituição; 3.2. Princípio da concordncia prática; 3.3. Princípio da máxima efetividade; 3.4. Princípio da interpretação conforme a Constituição; 3.5. Princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade; 4. Categorias jurídicas utilizadas pela nova interpretação constitucional; 5. Conclusão. Bibliografia

1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS ACERCA DAS INTERPRETAÇÕES JURÍDICA E CONSTITUCIONAL

A interpretação jurídica consiste na função de revelar o sentido dos textos ou outros elementos normativos em vista de resolver problemas práticos, se e quando a simples leitura não permitir de imediato a aferição do seu significado e alcance.

Nas palavras de Herkenhoff, “interpretar é apreender ou compreender os sentidos implícitos nas normas jurídicas. É indagar a vontade atual da norma e determinar seu campo de incidência. É expressar seu sentido recorrendo a signos diferentes dos usados na formulação original”. (1994, p. 9).

Os métodos tradicionais na sistemática de interpretação jurídica adotados no Brasil e nos países de Direito codificado remontam à contribuição de Savigny, que distinguiu os componentes gramatical, histórico, sistemático e teleológico de atribuição de sentido aos textos normativos. (SAVIGNY apud BARROSO, 2009, p. 290).

O componente gramatical funda-se nas possibilidades de interpretações semânticas das palavras do texto normativo. Faz-se uma leitura de cada palavra do texto legal de modo a descobrir seus sentidos no contexto.

“O método gramatical assenta-se na ideia ou crença básica de que as palavras têm um sentido unívoco, que o intérprete deve descobrir e sistematizar; ele busca o significado literal das palavras que são interpretadas isoladamente ou no contexto da oração (…)” (ANDRADE, 1992, p. 30).

Por sua vez, a interpretação histórica busca a vontade que as palavras exprimiam no momento que o legislador as criou.

“Esse esforço retrospectivo para revelar a vontade histórica do legislador pode incluir não só a revelação de suas intenções quando da edição da norma como também a especulação sobre qual seria sua vontade se estivesse ciente dos fatos e ideias contemporâneos”. (BARROSO, 1996, p. 124).

A interpretação sistemática assenta-se na ideia de unidade do ordenamento jurídico e, portanto, o intérprete coloca a norma a ser interpretada dentro de um contexto geral e estabelece relação com as instituições e as normas jurídicas.

“O argumento sistemático parte da hipótese de que o direito é ordenado, e que suas diversas normas formam um sistema cujos elementos podem ser interpretados de acordo com o contexto em que são inseridos”. (PERELMAN, 1998, p. 80).

Por fim, a interpretação teleológica é aquela que “procura revelar o fim da norma, o valor ou o bem jurídico visado pelo ordenamento com a edição de dado preceito”. (BARROSO, 1996, p. 129-130).

No entanto, essas regras tradicionais de interpretação não podem ser isoladas como métodos autônomos, já que no processo de concretização elas se complementam e reforçam reciprocamente, refletindo a extrema complexidade do trabalho hermenêutico. (MÜLLER, 2005, p. 70).

Por questões didáticas é pertinente lembrar que, quanto aos resultados, a interpretação pode ser declarativa, restritiva e extensiva. Declarativa é aquela onde o intérprete limita-se a dizer que o enunciado a ser interpretado não tem outra baliza, senão aquela que, desde logo, se percebe no texto legal.

“Ocorre a interpretação declarativa quando na reconstrução do pensamento pelo intérprete coincide a interpretação gramatical com a interpretação lógica, isto é, a letra da lei corresponde ao sentido que lhe é atribuído pela razão”. (BONAVIDES, 2004, p. 444).

A restritiva por sua vez, acontece quando se restringe o alcance da norma, dessa forma, a lei diz mais do que pretendeu o legislador. Ocorre uma interpretação restritiva relativa ao propósito da lei quando a aplicação desta é supérflua para a obtenção daquela finalidade. (ANDRADE, 1991, p. 180).

Finalmente, a interpretação extensiva acontece quando a lei abrange mais casos que aqueles que ela taxativamente contemplou, ou seja, a ideia da lei é ampliada para casos que coincidam com casos que o legislador quis exprimir. É aquela segundo a qual a fórmula legal é menos ampla do que a mens legislatoris deduzida. (FRANÇA, 1988, p. 30).

Norberto Bobbio explica a diferença entre analogia propriamente dita e interpretação extensiva: “o efeito da primeira é a criação de uma nova norma jurídica; o efeito da segunda é a extensão de uma norma para casos não previstos por esta.” (1995, p. 155).

Uma das discussões mais acintosas no plano da interpretação jurídica cuidou-se de discutir se deveria prevalecer na interpretação a vontade do legislador histórico (teoria subjetivista) ou a vontade objetiva da lei (teoria objetivista).

Pela teoria subjetivista o intérprete tem a missão de descobrir o sentido que as palavras da lei pretendiam exprimir, ou seja, o intérprete busca a vontade historicamente real do legislador.

Philipp Heck leciona que essa teoria é uma “investigação de caráter histórico, quase sempre com o cunho de investigação causal, pois as palavras são em regras determinadas, causadas pelos pensamentos existentes no momento de sua formulação”. (1947, p. 31).

Ao revés, Karl Larenz explica que a lei, segundo a teoria objetivista, “intervém em relações da vida diversa e em mutação, cujo conjunto o legislador não podia ter abrangido e dá resposta a questões que o legislador ainda não tinha colocado a si próprio”. (1997, p. 446).

Considerando que quando posta em vigor, a lei se desprende do complexo de vontades que animaram seus criadores, quase toda doutrina convergiu pela adoção da teoria objetivista.

Inocêncio Mártires escreve que “só as intencionalidades que se objetivaram, e na forma em que efetivamente se objetivaram, são trabalhadas pelos intérpretes e aplicadores do direito em todos os domínios da experiência jurídica”. (2010, p. 156).

Não se quer dizer com isso que a análise da vontade do legislador não precisa ser observada e sim, que ela não é determinante, devendo concorrer com outros tanto fatores.

Feitas essas considerações gerais, é mister dizer que a  interpretação constitucional é uma modalidade da interpretação jurídica, sendo que, como a Constituição se utiliza de conceitos vagos e gerais, tais como justiça, igualdade, segurança etc., ela tem lugar quando a compreensão dos enunciados constitucionais causam aos seus intérpretes uma sensação de estranheza hermenêutica, sendo necessário tirar conclusões a respeito de matérias que estão além das expressões contidas no texto.

Nas palavras de J. J. Gomes Canotilho:

“interpretar as normas constitucionais significa (como toda a interpretação de normas jurídicas) compreender, investigar e mediatizar o conteúdo semântico dos enunciados lingüísticos que formam o texto constitucional. A interpretação jurídica constitucional reconduz-se, pois, à atribuição de um significado a um ou vários símbolos lingüisticos escritos na Constituição.” (1993, p. 208).

Ensina Luís Roberto Barroso que as especificidades quanto à posição hierárquica, à linguagem, às matérias tratadas e ao alcance político fazem com que

“a interpretação constitucional extrapole os limites da argumentação puramente jurídica. (…) A moderna interpretação constitucional, sem desgarrar-se das categorias do Direito e das possibilidades e limites dos textos normativos, ultrapassa a dimensão puramente positivista da filosofia jurídica, para assimilar argumentos da filosofia moral e da filosofia política.” (2009, p. 272).

A linguagem constitucional, sob pena de ter seus objetivos frustrados, deve ser comum a todos os seus destinatários, de modo que os verdadeiros enunciados jurídicos se definem em cada situação hermenêutica, ou seja, eles só se revelam no momento da aplicação e que, a compasso das mudanças no prisma histórico-social, esse sentido varia continuamente.

É justamente essa a lição de Hans-Georg Gadamer, senão vejamos:

“Através da interpretação o texto tem que vir à fala. Todavia, nenhum texto, como também nenhum livro fala, se não falar a linguagem que alcance o outro. Assim, a interpretação tem que encontrar a linguagem correta, se é que quer fazer com que o texto realmente fale. Por isso, não pode haver uma interpretação correta “em si”, porque em cada caso se trata do próprio texto (…). Compreender um texto significa sempre aplicá-lo a nós próprios, e saber que, embora se tenha de compreendê-lo em cada caso de uma maneira diferente, continua sendo o mesmo texto que, a cada vez, se nos apresenta de modo diferente”. (1997, p. 578-579).

Como categoria específica, a interpretação constitucional poderá ser, quanto à sua origem, legislativa, administrativa e judicial. A primeira é indispensável para que o Poder Legislativo exercite sua atividade nos limites da Constituição e, desta maneira, legisle de forma a realizar os fins constitucionais. A administrativa tem lugar quando o Poder Executivo, para pautar a sua conduta, reverencia os princípios constitucionais da Administração Publica e contem-se dentro dos limites que lhe são impostos. A judicial, por razões óbvias, é aquela feita pelo Poder Judiciário, sendo final e vinculante aos demais Poderes como, por exemplo, pela verificação da compatibilidade de uma norma frente à Constituição (controle de constitucionalidade).

Duas grandes teorias são estudadas acerca da possibilidade ou não da interpretação judicial recorrer a elementos externos ao texto constitucional na atribuição de sentido à Constituição; são as chamadas teorias “interpretativas” e “não-interpretativas”.

As teorias interpretativas afirmam que a revisão judicial de decisões legislativas só pode ser baseada na própria Constituição. Ao contrário, as teorias não-interpretativas dizem que podem ser usados elementos retirados de outra fonte que não o texto constitucional, como a “moralidade popular”, “teorias de justiça” ou alguma concepção de “democracia genuína”. (DWORKIN, 2000, p. 44).

O argumento das teorias interpretativas é de que os juízes, na maioria dos casos, não são agentes públicos eleitos e que, portanto, não deveriam ser inseridos na dinâmica da política. Em oposição, as teorias não-interpretativas argumentam que o intérprete não deve se limitar a revelar o sentido contido na norma, mas, ao contrário, ajudar a construí-lo.

Luís Roberto Barroso destaca três modalidades desse construtivismo: interpretação evolutiva, leitura moral da Constituição e o pragmatismo jurídico. A interpretação evolutiva consiste em compreender a Constituição como um “documento vivo”, sujeito às mudanças ocorridas na realidade social. A leitura moral da Constituição preconiza que as cláusulas gerais do texto constitucional devem ser interpretadas de acordo com os valores morais vigentes na sociedade. Por fim, para o pragmatismo a melhor decisão é a que gera melhor conseqüências práticas, não a que tem mais coerência com o texto constitucional ou com seus valores fundamentais. (2009, p. 282-283).

Há uma tensão muito grande quando o Judiciário invalida atos dos outros Poderes ou quando atua na ausência de manifestação do legislador, seja por meio de construção jurídica, mutação constitucional ou integração das omissões constitucionais. Discute-se nesse plano a legitimação democrática dessas decisões, colocando em pauta assuntos como ativismo judicial, autocontenção, supremacia legislativa e soberania popular.

Uma das grandes questões referentes à legitimação democrática do Poder Judiciário é a chamada dificuldade contramajoritária, ou seja, os membros dos outros Poderes são eleitos, em contraposição com os membros do Judiciário que, via de regra, são investidos por critérios técnicos. A atividade criativa do Judiciário e a possibilidade de invalidar atos dos outros Poderes são confrontadas com a falta de justo título democrático.

Então, onde está o fundamento para o Judiciário impor sua vontade sobre os agentes eleitos dos outros Poderes? Luís Roberto Barroso responde que “na confluência de ideias que produzem o constitucionalismo democrático”. Desse modo, explica o excelso jurista, a Constituição deve desempenhar dois grandes papéis. Um deles é assegurar o jogo democrático, propiciando a participação política ampla e o governo de maioria. Mas a democracia não se resume ao princípio majoritário. O autor usa de exemplo um grupo de oito católicos e dois muçulmanos em uma sala, onde o primeiro grupo não pode deliberar sobre jogar o segundo pela janela só por estar em maior número. E é aí que se mostra o segundo grande papel: proteger valores e direitos fundamentais, mesmo contra a vontade de quem tem mais votos. (2009, p. 286).

Os meios de argumentação e atuação do Poder Judiciário têm fundamentos jurídicos, mas, quando envolvem jurisdição constitucional, sua natureza é sem dúvida política. Isso porque o intérprete desempenha uma função criativa e porque suas decisões na prática alteram o equilíbrio entre os Poderes. Nesse caminho, a interpretação constitucional pode envolver casos fáceis e casos difíceis. Os primeiros são solucionáveis por regras tradicionais de interpretação e hermenêutica, tendo sua dimensão política diminuída. Nos casos difíceis, sem deixar de envolver argumentos jurídicos, sofrerá influência da filosofia moral e da filosofia política. Dessa forma, ativismo e contenção judicial se contrabalanceiam nos diversos países democráticos. Diante de tais fatos, o sistema jurídico, sempre tomará uma papel decisivo na interpretação constitucional, juntamente com o intérprete (já que sua concepção pessoal do mundo irá afetar sua visão dos valores da comunidade) e com o problema a ser resolvido.

Diante disso, Luís Roberto Barroso diz que:

“a integração de sentido dos conceitos jurídicos indeterminados e dos princípios deve ser feita, em primeiro lugar, com base nos valores éticos mais elevados da sociedade (leitura moral da Constituição). Observada essa premissa inarredável – porque assentada na ideia de justiça e na dignidade da pessoa humana –, deve o intérprete atualizar o sentido das normas constitucionais (interpretação evolutiva) e produzir o melhor resultado possível para a sociedade (interpretação pragmática). A interpretação constitucional, portanto, configura uma atividade concretizadora – i.e., uma interação entre o sistema, o intérprete e o problema – e construtiva, porque envolve a atribuição de significados aos textos constitucionais que ultrapassam sua dicção expressa”. (2009, p. 287).

Pelo exposto, notamos que a interpretação constitucional e o próprio direito constitucional, em compasso com a lição de Dworkin[1], por necessitarem de atribuições de significados outros que ultrapassam aqueles expressos na Constituição, só farão um verdadeiro progresso quando unidos com as filosofias morais e políticas.

Todo esse aparato específico da interpretação constitucional acerca do construtivismo jurídico, dos conceitos jurídicos indeterminados, do conflito entre normas constitucionais e demais categorias jurídicas será objeto de estudo mais detalhado a partir daqui.

2. MÉTODOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Importante começar esse tópico dizendo que a questão do “método justo”, como salienta Gomes Canotilho, é um dos problemas mais difíceis da moderna teoria juspubliscística, de modo que a interpretação de normas constitucionais é um conjunto de princípios e métodos diferentes, porém complementares, confirmando o caráter unitário da atividade interpretativa. (CANOTILHO apud COELHO, 2010, p. 157).

Diante da variedade de meios hermenêuticos os intérpretes da Constituição residem, de um lado, em um vasto repertório de possibilidade e, paradoxalmente de outro, na inexistência de critérios para validar a escolha dos seus instrumentos de trabalho, levando a uma necessidade de complementação e restrição recíproca entre objeto e método, tendo sempre como eixo o valor justiça.

Dessa forma, os intérpretes escolhem esses instrumentos de acordo com seus sentimentos e intuições, critérios que os socorrem, mas nada nos dizem sobre a razão dessas opções.

Apesar das incertezas advindas do pluralismo de métodos constitucional-interpretativos, este colabora para o conhecimento da verdade, ampliando o horizonte de compreensão e facilitando aos intérpretes a tarefa de aplicar o direito.

Com essas considerações, passamos agora à análise dos principais métodos que balizam a atividade interpretativa, fazendo o estudo dos métodos jurídico ou hermenêutico-clássico, tópico-problemático, hermenêutico-concretizador, científico-espiritual e o normativo-estruturante, lembrando que embora disponham de nomes próprios, em regra não constituem abordagens autônomas.

2.1. Método jurídico ou hermenêutico-clássico

Para os adeptos desse método a Constituição, a despeito da sua posição hierárquica e de ser fundamento e fator de integração do ordenamento jurídico, é uma lei e deve ser interpretada segundo as regras tradicionais de hermenêutica que são levadas em conta na interpretação de leis em geral.

Os seguidores desse método acreditam que desconsiderando o caráter legal da Constituição, estaria esta sujeita a modificações de viés interpretativo que lhe ofenderiam o texto, comprometendo a sua finalidade estabilizadora, avessa a mudanças hermenêuticas.

Explica Inocêncio Mártires Coelho:

“Por tudo isso, para os críticos da autonomia da interpretação constitucional, se alguma particularidade existe na Constituição – o que admitem em linha de princípio –, essa singularidade seria quando muito apenas um fator adicional, a ser considerado na exegese do texto e na construção do sistema, jamais um motivo para que, no manejo das normas constitucionais, se afastem os métodos clássicos de interpretação.” (2010, p. 160).

Por isso, a tarefa do intérprete, enquanto aplicador do direito seria descobrir o verdadeiro significado das normas e guiar-se por ele na sua aplicação. Ou seja, o legislador constitucional é o soberano e o juiz é aquele que pronuncia as palavras da lei.

2.2. Método tópico-problemático

Considerando que a Constituição é um sistema aberto de regras e princípios e, portanto, exige distintas interpretações; que um problema permite mais de uma resposta; e que, o tópico é a técnica do pensamento problemático, então pode-se dizer que os meios hermenêuticos tradicionais não resolvem dificuldades da interpretação concretizadora do novo modelo constitucional e que, por isso, o método tópico-problemático aparece, se não como único, pelo menos o mais adequado para se chegar até a Constituição.

Dessa forma, tendo as normas constitucionais aquela estrutura aberta e indeterminada já mencionada, sua efetivação exige o protagonismo dos intérpretes, fazendo com que a leitura constitucional seja um processo aberto de argumentação onde participam todos os operadores da Constituição.

Em outras palavras, a Constituição aparece muito mais problemática do que sistemática, apontando-se assim para uma necessidade de interpretação que envolve o diálogo, onde todos os argumentos são válidos até que apareça um vencedor.

É justamente esse o propósito de Peter Häberle afirmando que se deve abrir a sociedade dos intérpretes da Constituição, para que sua leitura seja feita também por todos aqueles que “vivem” a norma Constitucional, constituindo, ainda que parcialmente, uma interpretação constitucional antecipada. De acordo com o autor “não apenas o processo de formação, mas também o desenvolvimento posterior revela-se pluralista: a teoria da ciência, da democracia, uma teoria da Constituição e da hermenêutica propiciam aqui uma mediação específica entre Estado e sociedade”. (2002, p. 18).

Dessa feita, juízes e tribunais não seriam os únicos intérpretes da Constituição; boa parte da interpretação do Direito seria feita, fora de situações contenciosas, por cidadãos ou por órgãos estatais.

2.3. Método hermenêutico-concretizador

O ponto de partida dos seguidores desse método hermenêutico, de resto pouco diferente do método tópico-problemático, é a percepção de que toda leitura de texto normativo (inclusive do texto constitucional), começa pela pré-compreensão do intérprete, a quem cabe concretizar a norma a partir de uma dada situação histórica, que nada mais é que o ambiente em que o problema é posto a seu exame, para que ele resolva de acordo com critérios postos na Constituição e não segundo critérios pessoais de justiça.

Assim, o limite para a concretização é ancorado no próprio texto constitucional, mas sem perder de vista a realidade que ele intenta regular e que, na verdade, lhe esclarece o sentido.

Em que pese a importância filosófica dessas premissas, há de se reconhecer a grande dificuldade de se produzirem resultados práticos razoavelmente consistentes, já que a pré-compreensão do intérprete distorce desde logo não somente a realidade, mas também o próprio sentido da norma constitucional, que por si só é multívoco.

2.4. Método científico-espiritual

O que dá sustentação a esse método é a ideia de Constituição como instrumento de integração, não só como sentido jurídico-formal, como instrumento de suporte e fundamento do ordenamento, mas também como instrumento de regulação de conflitos e, dessa feita, de construção e preservação da unidade social.

Aqui, “o intérprete constitucional deve prender-se sempre à realidade da vida, à ‘concretude’ da existência, compreendida esta sobretudo pelo que tem de espiritual, enquanto processo unitário e renovador da própria realidade, submetida à lei de sua integração”. (BONAVIDES, 2004, p. 479)

A Constituição é a ordenação jurídica do Estado ou da dinâmica em que se desenvolve a vida estatal, embora o Estado não limite sua vida nos momentos da realidade contemplados na Constituição. Aqui o Estado é visto como um fenômeno espiritual em permanente configuração, ou seja, é algo dinâmico que se renova continuamente a compasso das transformações da própria realidade que suas normas intentam regular.

Nessa ideia, portanto, a Constituição aparece como instrumento que ordena a vida do Estado, do seu processo de integração e da própria dinâmica social, não só permitindo, como também exigindo uma interpretação extensiva sem necessidade de que o seu texto contenha alguma ordenação nesse sentido.

2.5. Método normativo-estruturante

Os adeptos desse método partem da premissa de que há uma implicação necessária entre os preceitos jurídicos e a realidade que eles pretendem regular, uma vinculação tão grande que a própria normatividade parece ter buscado apoio fora do ordenamento como meio de tornar eficazes seus propósitos.

Dessa forma, é “insignificante” o teor literal de qualquer prescrição de direito positivo; o que realmente importa para o intérprete é a situação que a norma escolheu regular. Interpretação constitucional é, portanto, concretização; aquilo que não aparece de forma clara como conteúdo da Constituição é que deve ser determinado pela incorporação da realidade, de cuja ordenação se trata.

Em resumo, o conteúdo da norma só se torna completo com a interpretação que, no entanto, não pode realizar-se apenas com as pretensões contidas nas normas – ainda mais porque o texto constitucional aparece com conteúdos genéricos e indeterminados –, é preciso também levar em consideração as peculiaridades das relações concretas que essa norma pretende regular.

3. PRINCÍPIOS DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Também merecem comentários os chamados princípios da interpretação constitucional, os quais, à semelhança dos métodos interpretativos, também devem ser aplicados conjuntamente.

Com apoio em Böckenförde, deve-se esclarecer que os princípios não têm caráter normativo, ou seja, eles não enceram interpretações de antemão obrigatórias, de modo a servirem apenas como pontos de vista interpretativos para solução de problemas de interpretação, mas que não nos habilitam, como tais, nem a valorar nem a eleger os que devam ser utilizados em dada situação hermenêutica. (1993, p. 32).

É importante transcrever a lição de Inocêncio Mártires Coelho:

“Quanto à sua função dogmática, deve-se dizer que, embora os princípios da interpretação constitucional se apresentem como enunciados lógicos e, nessa condição, pareçam anteriores aos problemas hermenêuticos que, afinal, eles ajudam a resolver, em verdade e quase sempre funcionam como fórmulas persuasivas, isto é, como argumentos de que se valem os aplicadores do direito para justificar pré-decisões que, mesmo necessárias ou convenientes, mostrar-se-iam arbitrárias ou desprovidas de fundamentos se não contassem com o apoio desse cânones interpretativos”. (2010, p. 171).

A generalidade e abstração dos princípios permitem ao intérprete superar o legalismo estrito e buscar no próprio sistema a solução mais justa; funcionam os princípios como limites interpretativos, neutralizando o subjetivismo, reduzindo a arbitrariedade do aplicador da norma e impõe ao intérprete o dever de motivar seu convencimento.

Fazemos aqui um estudo resumido dos mais importantes princípios norteadores da interpretação constitucional

3.1. Princípio da unidade da Constituição

Segundo essa regra as normas constitucionais devem ser vistas como preceitos integrados num sistema unitário de regras e princípios, instituído na e pela Constituição e não como normas isoladas. Dessa forma a Constituição só pode ser interpretada se a entendermos como unidade, de sorte que não devemos separar uma norma do conjunto em que ela se integra.

Com esse princípio, explica Virgílio Afonso da Silva, “se quer dizer que o intérprete deve considerar as normas constitucionais não como isoladas e dispersas, mas como preceitos integrados – evitando-se, assim, contradições internas no seio da Constituição. (2005, p. 121).

Portanto, o papel desse princípio é reconhecer as contradições que existam entre as normas constitucionais e delimitar a força vinculante e o alcance de cada uma delas. Cabe-lhe o papel de harmonização das normas sem negar por completo a eficácia de qualquer delas.

3.2. Princípio da concordância prática

Extremamente ligado ao princípio da unidade da Constituição, esse princípio consiste numa recomendação para que o aplicador das normas constitucionais, caso se depare com situações de concorrência entre bens constitucionalmente protegidos, adote a solução que otimize a realização de todos eles e ao mesmo tempo não acarrete a negação de nenhum.

Como o próprio nome insinua, é somente no momento da aplicação do texto, e no contexto dessa aplicação, que se pode coordenar, ponderar e, afinal, conciliar os bens ou valores constitucionais em conflito.

Essa conciliação de bens constitucionalmente protegidos é meramente formal, já que nas demandas reais apenas um dos contendores terá acolhida, por inteiro ou em grande parte, sua pretensão. Mesmo assim esse princípio é um vetor hermenêutico de grande alcance e extremamente utilizado em cortes constitucionais.

3.3. Princípio da máxima efetividade

A doutrina atual refere-se à necessidade de dar preferência, nos problemas constitucionais, aos pontos de vista que levem as normas a obter a máxima efetividade ante as circunstâncias de cada caso.

Efetividade significa a realização do Direito, a atuação prática da norma, simbolizando, portanto, a maior aproximação possível entre o dever-ser normativo e o ser da realidade social. Cuida-se aqui da concretização do comando normativo, sua força operativa no mundo dos fatos.

Em resumo, esse cânone hermenêutico orienta os aplicadores da Constituição para que interpretem as suas normas em ordem a otimizar-lhes a eficácia, sem alterar o seu conteúdo. Igualmente direciona os realizadores para que em toda situação hermenêutica, especialmente em direitos fundamentais, procurem densificar seus preceitos, sabidamente predispostos a interpretações expansivas.

3.4. Princípio da interpretação conforme a Constituição

Esse princípio recomenda que os aplicadores da Constituição, em face de normas infraconstitucionais de múltiplos significados, escolham o sentido que as torne constitucionais e não aquele que resulte na sua declaração de inconstitucionalidade, conservando as leis e prevenindo os conflitos. Essa prudência, no entanto, não pode ser excessiva a ponto de induzir o intérprete a salvar a lei à custa da Constituição, subvertendo a hierarquia das normas.

Lenio Luiz Streck afirma que este é um “princípio imanente da Constituição, até porque não há nada mais imanente a uma Constituição do que a obrigação de que todos os textos normativos do sistema sejam interpretados de acordo com ela”. (1999, p. 221).

De acordo com esse princípio uma lei não pode ser declarada nula quando ela pode ser interpretada em consonância com a Constituição, no entanto, não se pode contrariar o sentido inequívoco da norma analisada, a fim de constitucionalizá-la de qualquer maneira, já que em sede de controle de constitucionalidade, os tribunais não podem comportar-se como produtores de normas, ainda que essa produção seja por via interpretativa.

3.5. Princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade

Trata-se de um valioso instrumento de proteção dos direitos fundamentais e do interesse público, já que permite o controle da discricionariedade dos atos do Poder Público e funciona como medida para que uma norma seja interpretada, no caso concreto, de acordo com a melhor realização do seu fim constitucional.

“Há violação do princípio da proporcionalidade, com ocorrência de arbítrio, toda vez que os meios destinados a realizar um fim não são por si mesmos apropriados e/ou quando a desproporção entre meios e fim é particularmente evidente”. (STRECK, 1999, p.222).

Dessa forma, o princípio da proporcionalidade exige que o sacrifício de um direito seja útil para a solução do problema, que não haja outro meio menos danoso para atingir o resultado desejado e que seja proporcional em sentido estrito, isto é, que o ônus imposto ao sacrificado não sobreleve o benefício que se pretende obter com a solução.

4. CATEGORIAS JURÍDICAS UTILIZADAS PELA NOVA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Na busca de sentido das normas constitucionais e na solução de casos concretos, os elementos tradicionais de interpretação – gramatical, histórico, teleológico e sistemático – passaram a ser insuficientes ao desenvolvimento de algumas fórmulas originais de realização da vontade da Constituição.

Em que pese a sistematização de alguns princípios específicos da interpretação constitucional, a constatação de que as normas constitucionais não trazem sempre um sentido único e válido para todas as situações sobre as quais incidem foi o ponto determinante pra esse tipo de interpretação. Assim, como explica Luís Roberto Barroso, no direito contemporâneo, mudaram o papel do sistema normativo, do problema a ser resolvido e do intérprete. (2009, p. 307).

A interpretação constitucional punha ênfase no sistema jurídico, de modo que na norma jurídica estaria a prescrição que deveria reger a hipótese, mesmo tendo caráter geral e abstrato. O problema deveria oferecer os elementos fáticos sobre os quais incidiria a norma. E o intérprete, por sua vez, desempenhava uma função técnica, provida essencialmente de objetividade e neutralidade.

Na interpretação constitucional atual a norma jurídica não é vista da mesma forma, primeiro porque ela não contém todos os elementos para sua determinação e segundo porque ela não se confunde com o enunciado normativo sendo, na verdade, produto da interação texto/realidade.

Nesse cenário, o problema não só oferece os elementos fáticos sobre os quais incide a norma, mas se transforma no fornecedor de parte dos elementos que irão produzir o Direito. Assim, fato e realidade são elementos decisivos para a atribuição de sentido à norma, sendo que em múltiplas situações não será possível qualquer solução jurídica sem integrar o problema a ser resolvido.

Finalmente, não é mais admitida a tese de separação absoluta entre sujeito da interpretação e objeto a ser interpretado. O papel do intérprete não é só de conhecimento técnico e sim, muitas vezes, de participante da criação do Direito, fazendo valorações de sentido para cláusulas abertas e realizando escolhas entre soluções possíveis. Dessa forma, a pré-compreensão do mundo irá influenciar a decisão do intérprete ao fazer valorações sociais para embasar suas decisões.

A nova interpretação passa a desenvolver categorias específicas de trabalho que incluem a atribuição de sentido a conceitos jurídicos indeterminados, a normatividade dos princípios, as colisões de normas constitucionais, a ponderação e a argumentação.

Os chamados conceitos jurídicos indeterminados ou cláusulas gerais são conseqüência de uma técnica legislativa que se utiliza de expressões textuais abertas. Assim, a norma em abstrato não tem todos os elementos de sua aplicação, devendo o intérprete fazer valorações de fatores objetivos e subjetivos presentes na realidade fática, de modo a definir o sentido e o alcance da norma. Em outras palavras, cabe ao intérprete o papel de complementar o sentido da norma, tendo em vista os elementos do caso concreto.

Luís Roberto Barroso explica que não se deve confundir o poder de valoração concreta dos conceitos jurídicos indeterminados com poder discricionário. O primeiro envolve uma atuação predominantemente técnica, baseada em regras de experiência e em precedentes, já o segundo compreende valorações de conveniência e oportunidade, caracterizando uma liberdade de escolha subjetiva fundamentada em critérios extrajurídicos. (2009, p. 313).

O modelo tradicional fora concebido para a interpretação e aplicação de regras; no entanto, no sistema moderno prevalece a concepção de que um sistema jurídico ideal exige uma distribuição de regras e princípios. Portanto, o reconhecimento de normatividade dos princípios e sua distinção qualitativa em relação às regras também é um dos símbolos dessas novas categorias jurídicas do pós-positivismo. Diferentemente das regras, que são comandos descritivos de condutas específicas, os princípios são normas que consagram determinados valores a serem realizados por diferentes meios. Cláusulas como segurança jurídica e dignidade da pessoa humana têm menor densidade jurídica, impedindo que delas se extraia a solução completa das questões sobre as quais incidem, justamente pelo seu caráter abstrato. Aqui também o intérprete assume um papel de definição concreta dos seus alcances e sentidos.

Outro fenômeno presente no constitucionalismo contemporâneo é a existência de colisões de normas constitucionais, tanto as de princípios como as de direitos fundamentais. Luis Roberto Barroso explica que “quando duas normas de igual hierarquia colidem em abstrato, é intuitivo que não possam fornecer, pelo seu relato, a solução do problema”. Nesses casos, continua o autor, “a atuação do intérprete criará o direito aplicável ao caso concreto, a partir de balizas contidas nos elementos normativos em jogo”. (2009, p. 310).

A colisão de normas constitucionais é de três tipos: colisão entre princípios constitucionais[2], colisão entre direitos fundamentais e colisão entre direitos fundamentais e outros valores e interesses constitucionais. A primeira acontece em decorrência da pluralidade de valores e interesses trazidos pela Constituição e pelo fato de não haver hierarquia em abstrato entre os princípios, devendo a prevalência relativa de um sobre outro ser determinada no caso em concreto, como já foi assinalado. A segunda acontece pela estrutura normativa dos direitos fundamentais, que praticamente segue as dos princípios, de modo que direitos fundamentais que convivem bem em abstrato podem criar antinomias no caso concreto. Por fim, a última diz respeito à colisão de direito fundamentais e valores voltados para o interesse público ou coletivo, como, por exemplo, quando a demarcação de terras indígenas coloca em risco a perspectiva de desenvolvimento econômico de um Estado da Federação.

Mais uma vez Luís Roberto Barroso completa essa lição dizendo que essas três modalidades têm características em comum, que são: insuficiência dos critérios tradicionais de solução de conflitos para resolvê-los; inadequação do método subsuntivo para formulação da norma concreta que irá decidir a controvérsia; e a necessidade de ponderação para encontrar o resultado constitucionalmente adequado. (2009, p. 331).

Pois bem, a subsunção foi o raciocínio padrão na aplicação do Direito. Dessa forma ela se desenvolve por um raciocínio silogístico, onde uma premissa maior (a norma) incide sobre uma premissa menor (os fatos), produzindo um resultado. Essa fórmula, contudo, não é suficiente para os casos de colisões de princípios ou de direito fundamentais, já que nesses casos mais de uma norma postula aplicação sobre os mesmos fatos e, como pelo princípio da unidade da Constituição as normas constitucionais não têm hierarquia jurídica entre si, esse raciocínio é inadequado.

Diante da possibilidade de aplicação de mais de uma norma (de mesma hierarquia jurídica) ao mesmo fato, a interpretação constitucional procurou desenvolver técnicas que produzissem soluções racionais e controláveis, chegando-se à chamada ponderação. Consiste esta em uma técnica de decisão jurídica, aplicável aos casos difíceis, que se resume em três etapas.

Na primeira etapa o intérprete detecta as normas relevantes para a solução do caso, identificando eventuais conflitos entre elas. O propósito desse agrupamento é facilitar o trabalho de comparação entre os elementos normativos aplicáveis. Na segunda etapa cabe examinar os fatos e as circunstâncias aplicáveis ao caso concreto. Embora os princípios e as regras tenham uma existência autônoma, é na aplicação concreta que seus verdadeiros conteúdos se preenchem de significação. É na terceira etapa que a ponderação se singulariza; nessa fase, dedicada à decisão, os grupos de normas e os elementos fáticos do caso concreto serão examinados conjuntamente, de modo a apurar o grupo de normas que irá preponderar no caso. Em seguida, será preciso ainda decidir quão intensamente esse grupo de normas deve prevalecer em detrimento dos demais.

É por isso que falamos anteriormente que a interpretação constitucional envolve avaliações de caráter subjetivo, que poderão variar de acordo com as circunstâncias pessoais do intérprete. A doutrina, no entanto, tem desenvolvido alguns vetores interpretativos para que as decisões produzidas mediante ponderação tenham legitimidade e racionalidade, devendo o intérprete:

“a) reconduzi-las sempre ao sistema jurídico a uma norma constitucional ou legal que lhe sirva de fundamento: a legitimidade das decisões judiciais decorre sempre de sua vinculação a uma decisão majoritária, seja do constituinte seja do legislador;

b) utilizar-se de um parâmetro que possa ser generalizado aos casos equiparáveis, que tenha pretensão de universalidade: decisões judiciais não devem ser casuísticas nem voluntaristas;

c) produzir, na intensidade possível, a concordância práticas dos enunciados em disputa, preservando o núcleo essencial dos direitos”. (BARROSO, 2009, p. 337).

Assim, quando a solução não decorre de um método subsuntivo, o ônus argumentativo se potencializa, devendo o intérprete demonstrar, categoricamente, a construção do seu raciocínio. Daí a necessidade de se utilizar da argumentação jurídica.

A argumentação jurídica está ligada a ideia de que a solução dos problemas que envolvem a aplicação do Direito nem sempre poderá ser deduzida do relato da norma, mas terá que ser construída com base em valores e escolhas, tendo como finalidade propiciar o controle da racionalidade das decisões judiciais.

A importância da argumentação jurídica tem motivações associadas à filosofia política e à filosofia moral. No plano político, remete à questão da legitimidade democrática da atividade jurídica, já que, como foi falado, o juiz participa criativamente da construção da norma; e, no plano moral, porque não é aceito, sem qualquer consideração, que qualquer decisão emanada de autoridade competente seja legítima, também é preciso uma justificação racional e moral[3].

Separamos três critérios para orientar a argumentação jurídica, já que os principais desafios são determinar a prevalência de um argumento sobre o outro e encontrar a interpretação correta entre tantas possibilidades acerca de uma mesma hipótese.

Em primeiro lugar a argumentação jurídica deve ser capaz de apresentar fundamentos normativos que lhe dêem sustentação, ou seja, são necessárias a apresentação de elementos de ordem jurídica e a abstenção de voluntarismos.

Em segundo lugar a argumentação jurídica deve preservar a integridade do sistema, em outras palavras, suas decisões devem ter compromisso com a ordem jurídica, de modo a serem universalizáveis a todos os casos que estejam presentes as mesmas circunstâncias. É possível exercer a criatividade, mas sem romper com a integridade do Direito; para tanto, essa criatividade deverá ser cuidadosamente justificada.

Por fim, o intérprete constitucional não pode perder-se no mundo jurídico e esquecer-se da realidade e das conseqüências práticas de suas decisões. Deve haver um equilíbrio entre a prescrição normativa, os valores aplicáveis ao caso e os efeitos sobre a realidade.

5. CONCLUSÃO

Pelo exposto, podemos concluir que no ambiente da ponderação, da colisão e da argumentação, frequentemente não haverá resposta correta para os problemas jurídico-constitucionais, mas sim soluções argumentativamente racionais, de modo que a decisão legítima dos casos difíceis virá da demonstração de sua capacidade de convencimento no caso in concreto.

Em suma, esse domínio das novas categorias jurídicas de interpretação não é feito de verdades absolutas. Ele é influenciado pelas características da norma e dos fatos envolvidos, pela pré-compreensão do intérprete e pelos valores morais e políticos da sociedade. Uma argumentação dotada de lógica jurídica e racionalidade é o mínimo e o máximo que se pode pretender na busca da solução constitucionalmente adequada para os casos difíceis.

 

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Notas:
[1] Cf. DWORKIN, Ronald. Levando os direitos a sério. cit., p. 233: “O direito constitucional não poderá fazer um verdadeiro progresso enquanto não isolar o problema dos direitos contra o Estado e tornar esse problema parte de sua própria agenda. Isso conta como um argumento em favor de uma fusão do direito constitucional e da teoria moral, uma relação que, inacreditavelmente, ainda está por ser estabelecida”.
[2] Cf. ALEXY, Robert. Teoría de los derechos fundamentales, 1993, p. 89: “Cuando dos principios entran en colisión uno de los principios tiene que ceder ante el outro. Pero, esto no significa declarar inválido al principio desplazado ni que en el principio desplazado haya que introducir uma cláusula de excepción. Más bien que lo sucede es que, bajo ciertas circunstancias uno de los principios precede al outro. Bajo otras circunstancias, la cuestión de la precedencia puede ser solucionada de manera inversa. Esto es lo que se quiere decir cuando se afirma que en los casos concretos los principios tienen diferente peso y que prima el principio com mayor peso.

[3] Cf. Ernesto Garzón Valdés e Francisco J. Laporta, El derecho y la justicia, 2000, p. 231-232: “En el contexto de las sociedades contemporáneas, existe cada vez más la idea de que las decisiones de los órganos públicos no se justifican simplemente por haber sido adoptadas por órganos que directa o indirectamente reflejan las opiniones de las mayorías. Es también necesario que las decisiones estén racionalmente justificadas, es decir, que en favor de las mismas se aporten argumentos que hagan que la decisión pueda ser discutida y controlada”.


Informações Sobre o Autor

Mateus Lúcio Mamede

Acadêmico de Direito na Escola Superior de Administração, Marketing e Comunicação – ESAMC/Uberlândia.


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