Resumo: Este trabalho visa a reflexão sobre os aspectos relacionados à conduta psicossocial da mulher portadora da síndrome borderline e a inimputabilidade que se aplica ao caso vertente, quando do cometimento de conduta ilícita por parte da diagnosticada com a referida síndrome, vez que a impulsividade potencialmente perigosa é uma das características verificadas na portadora. Ainda, analisaremos um caso concreto que ilustra a dificuldade já diagnosticada, bem como a impossibilidade de trato igualitário da mulher com borderline e das mulheres que cometem crimes sem a mencionada doença. [1]
Palavras-chave: Síndrome de Borderline, mulher, delinquente, sistema prisional, crime.
Abstract: This work aims to reflect on the psychosocial aspects related to the conduct of women with borderline syndrome and unimputability that applies to this case, when the commission of conduct by the unlawful diagnosed with the syndrome, since the potentially dangerous impulsivity, is one of the characteristics observed in the carrier. Even it’ll be looking a case already diagnosed that reflects the difficulty, as well as the impossibility of equal treatment of women with borderline and women who commit crimes without the mentioned disease.
Keywords: Borderline, Women, Offenders.
Sumário: 1- Introdução; 2- Critério de diagnóstigo do transtorno de personalidade borderline; 3- A mulher borderline e a associação ao tráfico de drogas; 4- Espécie de medida de segurança; 5- A mulher delinquente; 6- Conclusão; 7- Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
Em uma visita ao Presídio Tenente Coronel Jaimer Pereira Alves (Presídio Central) em Porto Alegre, realizada em 2011 pelos alunos do curso de direito das Faculdades Rio Grandenses – FARGS, observou-se que o único abandono existente é do próprio Estado, visto que nos dias de visita percebe-se uma enorme fila de familiares levando comida, agasalho e colchões aos reclusos.
A falta de estrutura do presídio é absurda, quem passa pelos corredores das galerias se sensibiliza, com o descaso do Estado, e com a superlotação. Desta feita quem acaba comandando as galerias são os próprios detentos, organizados por facções das quais o Estado é ciente.
A superlotação do presídio, é inclusive uma fonte causadora de diversos problemas psíquicos como é o caso da “psicose carcerária”[2], dos quais os detentos precisam de tratamento contínuo. Muitos destes problemas são causados por não ter espaço físico suficiente para dormir e estes precisam fazer o revezamento de colchões e o que mais chama a atenção é a alimentação, que devido a superlotação, as cozinhas não dão conta de fazer o alimento para todos os presos, ficando estes à mercê das facções.
A visita monitorada pelos alunos do curso de direito da FARGS, feita na Penitenciária Feminina Madre Pelletier no início do ano de 2012 em Porto Alegre, mostrou outro cenário, no primeiro instante testemunhamos mulheres com pouca idade já cumprindo pena. A maior parte das detentas cumpre regime na casa prisional por tráfico de drogas, dentre estas, as grávidas também estão presas por tráfico. Mas o maior contrassenso é ver crianças de até 1(um) ano de idade, acompanhando suas mães no cumprimento de suas penas, como se este fardo fosse delas também, pois por mais afastadas de outras presas, o lar destas crianças continua sendo uma casa prisional.
Vale observar que o Estado se preocupou como ficariam estas crianças, pois a casa possui creche e lavanderia longe das demais presas. Olhando assim, parece um mundo paralelo no mesmo presídio, mas não é, pois, as jovens mães também estão presas tanto quanto as demais.
Como esta visita foi guiada por uma agente penitenciária, realizaram-se algumas perguntas informais tais como:
a) O que você fez?
b) A senhora faria novamente?
c) Você acha justo seu filho estar com você aqui?
A resposta de todas é a mesma, “enquanto estava grávida meu marido (parceiro, namorado) pedia que eu levasse drogas para ele no presídio onde ele estava, e numa destas fui surpreendida com a posse das drogas. Com certeza faria novamente, pois é o meu homem. Não acho justo meu filho estar aqui comigo, mas é o que me fortalece para acreditar que vou sair daqui.”
A agente penitenciária que acompanhou o percurso pelo presídio declarou que a maioria das detentas não recebe visitas de seus familiares, visto a forte discriminação existente em suas famílias. Algumas delas são do interior do estado e por isso também acabam ocasionalmente sendo abandonadas.
Cabe ressaltar que mulheres que estão no cárcere acabam gerando um novo conceito de relacionamento, e com isso acabam namorando suas colegas de prisão, ao menos pelo período em que permanecem na casa prisional, por falta de seus parceiros que na maioria também estão presos.
Com a visita monitorada pelos alunos do curso de direito da FARGS, feita no Instituto Psiquiátrico Forense Maurício Cardoso no final do ano de 2012 em Porto Alegre, presenciamos pacientes com quadros graves de esquizofrenia. Essa é a doença diagnosticada mais comum dos pacientes, explicou a diretora do instituto psiquiátrico Magda Pires. As condições de tratamento e alojamento são precárias ao extremo, possuindo, inclusive, instalações elétricas expostas e uma latrina no meio da cela sem divisória, estas são apenas algumas dificuldades no tratamento dos pacientes.
Os pacientes que chegam ao instituto psiquiátrico forense vêm de todas as regiões do Estado do Rio Grande do Sul, não há superlotação, explicou a diretora Magda Pires.
Notadamente os pacientes masculinos ficam separados da galeria das mulheres, estas ficam um pouco afastadas do pátio de passeio dos homens.
As mulheres, ao contrário dos homens, não têm o hábito de ficar tomando banho de sol ou de ficar caminhando pelo pátio, passando a maior parte do tempo dentro de sua galeria, quase que insociáveis.
Os pacientes que estão sobre cuidados no instituto psiquiátrico forense, cumprem medida de segurança, tratamento ambulatorial e outros passam a ser internados. Anualmente os pacientes passam por perícia médica, para receber ou não alta, em alguns casos de periculosidade se mantém o paciente internado, contudo os pacientes ficam mais tempo sob custódia do que se estivesse cumprindo pena em casa prisional.
Neste sentido vale ressaltar que os pacientes ali internados não possuem pena e sim uma medida de segurança, a maior parte dos pacientes está internada por homicídio ou tentativa de homicídio e como estes crimes são praticados em sua maior parte contra os próprios familiares estes acabam então abandonando os internados.
Existe um projeto interno de aposentadoria aos pacientes, onde os agentes organizam a documentação necessária para que possam aposentar os pacientes. Esta proposta feita pela diretora do instituto psiquiátrico é uma das formas de atrair os familiares e consequentemente resulta na possibilidade dos pacientes terem ao menos uma casa para passeio ou recebendo alta, resulta na possibilidade de ter novamente um lar.
Em 2013, na aula de psicologia aplicada ao direito, após ouvir a explicação do Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), surgiu a ideia para o tema deste artigo, que resultou na pesquisa sobre a mulher portadora da Borderline e a diferença da mulher delinquente.
O Transtorno de Personalidade Borderline (DSM-IV-TR – CID 10), é caracterizado por um padrão de instabilidade nas relações interpessoais, da auto-imagem e dos afetos, possui uma impulsividade acentuada, que começa no início da vida adulta e está presente em uma variedade de contextos. O presente trabalho irá abordar exclusivamente casos de mulheres borderline, que a síndrome tem a maior representatividade em mulheres de acordo com DSM-IV-TR.
Observa-se que a mulher borderline, diferentemente da delinquente não tem a intenção de agredir, lesar ou até mesmo matar, pois seu instinto automutilador e suicida leva a crueldade a si mesma e não a outrem.
A delinquente, conforme o estereótipo e comportamento apontado por Cesare Lombroso, se distingue claramente da borderline, pois a cultura Lombrosiana diz que a mulher reprime inconscientemente suas tendências más, contudo sua perversidade e o vício, acentuam-se em mulheres, na mesma explicação restringe principalmente a mulheres belas.
Em contrapartida a mulher atual quando envolvida com o crime, não demonstra sinais de clemência, e acredita no seu potencial criminoso, fascinando-se pelo luxo, por isso seu envolvimento fácil com o tráfico de drogas.
2. CRITÉRIO DE DIAGNÓSTICO DO TRANSTORNO DE PERSONALIDADE BORDERLINE
O transtorno de personalidade borderline (TPB), possui muitas diferenças entre a delinquência estereotipada citada por Lambroso.
A borderline é intrigante e fascinante para qualquer pesquisador, pois consegue unir a façanha de ser amável e cruel consigo mesma, demonstrando também a instabilidade nos relacionamentos e a impulsividade, sente vazio, tédio, possui comportamento automutilador. Desta feita a borderline tráz um turbilhão de instabilidade acompanhada de mau humor.
O critério de diagnóstico para o transtorno de borderline – DSM-IV-TR está exemplificado conforme abaixo:
Critérios Diagnósticos para Transtorno da Personalidade Borderline.
Um padrão invasivo da instabilidade dos relacionamentos, auto-imagem e afectos e acentuada impulsividade que começa no início da idade adulta e está presente em uma variedade de contextos, como indicado por cinco (ou mais) dos seguintes critérios:
1) esforços frenéticos para evitar um abandono real ou imaginado.
Nota: Não inclui comportamento suicida ou automutilador, coberto no critério 5
2) um padrão de relacionamentos interpessoais instáveis e intensos, caracterizado pela alternância entre extremos de idealização e desvalorização
3) perturbação de identidade: instabilidade acentuada e resistente da auto-imagem ou do sentimento de Self[3]
4) impulsividade em pelo menos duas áreas potencialmente prejudiciais à própria pessoa (por ex., gastos financeiros, sexo, abuso de substâncias, direção imprudente, comer compulsivamente).
Nota: Não incluir comportamento suicida ou automutilante, coberto no critério 5
5) recorrência de comportamento, gestos ou ameaças suicidas ou de comportamento automutilante
6) instabilidade afetiva devido a uma acentuada reatividade do humor (por ex., episódios de intensa disforia, irritabilidade ou ansiedade geralmente durando algumas horas e apenas raramente de alguns dias)
7) sentimentos crônicos de vazio
8) raiva inadequada e intensa ou dificuldade em controlar a raiva (por ex., demonstrações freqüentes de irritação, raiva constante, lutas corporais recorrentes)
9) ideação paranóide transitória e relacionada ao estresse ou severos sintomas dissociativos[4]
3. A MULHER BORDERLINE E A ASSOCIAÇÃO AO TRÁFICO DE DROGAS
Observa-se que para a mulher borderline associar-se ao tráfico de drogas é muito simples, levando em consideração os elementos pré-existentes da doença (item 4, do critério de diagnóstico de borderline). A borderline é propícia ao uso de entorpecentes, deixando de lado a consciência da própria identidade o self.
Após pesquisa realizada utilizando as palavras chaves “mulher” e “borderline”, na busca por jurisprudência nos Tribunais de Justiça, na esfera criminal, encontrou-se apenas um caso no Estado de Santa Catarina.
Vejamos a jurisprudência colacionada abaixo do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, em corroboração com o estudo:
“HABEAS CORPUS – TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO (LEI N. 11.343/06, ARTS. 33, CAPUT E 35) A PACIENTE COM DEPENDÊNCIA TOXICOLÓGICA E TRANSTORNO PSIQUIÁTRICO BORDERLINE – COMPROVADA NECESSIDADE DE INTERNAÇÃO PARA DESINTOXICAÇÃO – AUSÊNCIA DE INDÍCIOS CONCRETOS DE QUE A MEDIDA PODERÁ TRAZER RISCO À ORDEM PÚBLICA OU À INSTRUÇÃO CRIMINAL – ORDEM CONCEDIDA.
Em restando evidenciado que a paciente sofre de transtorno psicótico Borderline, derivado de grave dependência toxicológica, reputa-se imprestável impingir-lhe a prisão preventiva para fins a que efetivamente se destina, o que somente poderia contribuir para o agravamento do quadro de sua saúde, de sorte que a melhor solução adotada ao caso é a imediata internação para tratamento do vício, em vista à função ressocializadora inerente ao sistema repressivo penal e ao preceito constitucional que eleva a dignidade da pessoa humana como fundamento republicano, ao passo que resguarda a sociedade da prática de novos ilícitos.
Demais disso, não se vislumbram nos autos indícios concretos de que a internação da paciente para tratamento químico colocará em risco a ordem pública ou a instrução criminal, de modo que, ausentes as razões de necessidade da medida extrema, revela-se esta incabível na hipótese em tela, mormente ante a sua excepcionalidade e as peculiaridades do caso concreto.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Habeas Corpus n. 2011.088119-8, da comarca de Lages (2ª Vara Criminal), em que é impetrante Márcia Schlemper Wernke, e paciente Leila Madalozzo Camati: (…)
RELATÓRIO
Consta no relatório que de acordo com a cópia da denuncia a paciente responde a ação penal, em tese pelo crime de tráfico ilícito de intorpecente, em razão de ter sido encontrado em sua residência 1(um) torrão de maconha, 2 (duas) pedras de crack na posse do coacusado.
Consta no relatório que embora a paciente tenha comprovado por meio de documentos sua dependência toxicológica e Transtorno de Personalidade Borderline (TPB), a mesma foi encaminhada para prisão.
Prisão esta que conta com a capacidade de engenharia para 77 (setenta e sete) pessoas e atualmente possui 400 presos, sendo incompatível para a necessidade de saúde e tratamento da paciente.
O médico da instituição carcerária responsável pela avaliação de saúde dos detentos, atestou a necessidade de internação, emitindo termo de liberação de internação hospitalar na ala psiquiátrica.
Haja visto que a paciente é usuária e dependente de substâncias entorpecentes, dentre estas cola, crack e cocaína, além é claro, do transtorno de personalidade borderline, exacerbar a dependência química.
VOTO
Trata-se de habeas corpus com pedido de liminar (…) em favor de L. M. C (grifo nosso), contra ato do Juiz de Direito da 2ª Vara Criminal da comarca de Lages que indeferiu o pedido de revogação de prisão preventiva da paciente, bem como negou-lhe o direito de responder ao processo internada em instituição de tratamento para dependentes químicos. (…)
De fato, a informação trazida pelo ergástulo público só vem a corroborar toda a documentação que já havia sido trazida aos autos pela impetrante, os quais, devidamente concatenados, garantem o direito líquido e certo para que a paciente responda ao processo em local adequado e onde seja possível a realização de tratamento para desintoxicação. (…)
Não se olvida que, na maioria das vezes, os indivíduos que se dizem viciados em entorpecentes também praticam o comércio ilícito, aproveitando-se da situação para sustentar o vício por meio do lucro obtido com a venda das drogas, o que exige a devida repressão do poder público. Entretanto, o direito ao tratamento de saúde e a observância ao princípio da dignidade da pessoa humana devem prevalecer, mormente em casos em que o próprio acusado e sua família manifestam interesse no tratamento, como ocorre na hipótese em tela, e não simplesmente se esquivar da eventual aplicação de penalidade prevista na Lei de Tóxicos. (…)
Apesar de todas as discussões que ainda possam ser travadas a propósito da natureza e dos objetivos do tratamento do delinqüente, não resta dúvida alguma sobre um ponto: a pena privativa de liberdade não pode manter o caráter segregador, impondo-se ao condenado a reclusão diuturna a exemplo do isolamento que a medicina recomenda para determinadas doenças infecto-contagiosas. Domina hoje a idéia de que a prisão deve ser executada em bases de humanidade objetivando a reforma do infrator mediante o cumprimento da legislação especial que regula os direitos e deveres do condenado e sob o controle jurisdicional permanente a fim de que a execução e seus incidentes não se transformem em autênticas terras devolutas a espera de requerentes. (Bases e alternativas para o sistema de penas. 2 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1998, p 229/234). (…)
No entanto, em restado evidenciado que a paciente sofre de transtornos psicóticos derivados de grave dependência química, reputar-se-ia imprestável impingir-lhe a prisão preventiva, para fins a que efetivamente se destina, o que somente poderia contribuir para o agravamento do quadro depressivo, de sorte que a melhor solução adotada ao caso seria a de permitir a imediata internação para tratamento do vício, em vista à função ressocializadora inerente ao sistema repressivo penal e ao preceito constitucional que eleva a dignidade da pessoa humana como fundamento republicano, ao mesmo passo restaria a sociedade resguardada da prática de novos ilícitos. (Habeas Corpus n. 2011.088119-8, de Lages – Relatora: Desa. Salete Silva Sommariva)
“À vista do exposto, o voto é no sentido de conceder a ordem, determinando-se a imediata internação da paciente em instituição de tratamento para dependentes químicos, a ser indicada pela Secretaria Municipal de Saúde de Lages (SC), devendo a fiscalização acerca de seu estrito cumprimento permanecer a cargo da autoridade coatora.[5]
Gab. Desa. Salete Silva Sommariva.” (HC n. 2010.047855-8, de Blumenau, desta Relatora, j. em 24-8-2010)
Vale observar, em corroboração com a matéria, os dispositivos dos artigos 96 ao 99 do Código Penal:
“ESPÉCIES DE MEDIDAS DE SEGURANÇA
Art. 96. As medidas de segurança são:
I – Internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado;
II – sujeição a tratamento ambulatorial.
Parágrafo único – Extinta a punibilidade, não se impõe medida de segurança nem subsiste a que tenha sido imposta.”
“IMPOSIÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA PARA INIMPUTÁVEL
Art. 97 – Se o agente for inimputável, o juiz determinará sua internação (art. 26). Se, todavia, o fato previsto como crime for punível com detenção, poderá o juiz submetê-lo a tratamento ambulatorial.”
PRAZO
§ 1º – A internação, ou tratamento ambulatorial, será por tempo indeterminado, perdurando enquanto não for averiguada, mediante perícia médica, a cessação de periculosidade. O prazo mínimo deverá ser de 1 (um) a 3 (três) anos.
PERÍCIA MÉDICA
§ 2º – A perícia médica realizar-se-á ao termo do prazo mínimo fixado e deverá ser repetida de ano em ano, ou a qualquer tempo, se o determinar o juiz da execução.
DESINTERNAÇÃO OU LIBERAÇÃO CONDICIONAL
§ 3º – A desinternação, ou a liberação, será sempre condicional devendo ser restabelecida a situação anterior se o agente, antes do decurso de 1 (um) ano, pratica fato indicativo de persistência de sua periculosidade.
§ 4º – Em qualquer fase do tratamento ambulatorial, poderá o juiz determinar a internação do agente, se essa providência for necessária para fins curativos.”
“SUBSTITUIÇÃO DA PENA POR MEDIDA DE SEGURANÇA PARA O SEMI-IMPUTÁVEL
Art. 98 – Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de 1 (um) a 3 (três) anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º a 4º.”
“DIREITOS DO INTERNADO
Art. 99 – O internado será recolhido a estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento.”
Vale ressaltar que no caso em concreto, não caberia uma pena, mas sim uma medida de segurança conforme estabelece o doutrinador Nucci[6], pois a finalidade da medida de segurança é a cura do paciente, não havendo caráter repressivo.
De acordo com a lei vigente, não há prazo determinado para o término da internação visto que dependerá apenas do paciente a sua alta, haja vista que tem prevalecido pelo Supremo Tribunal Federal (STF) o entendimento que também será estendido a medida de segurança ao teto de 30 anos conforme solidifica o artigo 75 do código penal.
Quanto ao controle dos impulsos, o ser livre é uma das características da normalidade mental esta deve estar de acordo a consciência do indivíduo. As pessoas que não controlam suas emoções, impulsos e nem tem o total controle de suas decisões, é preciso de um diagnóstico psiquiátrico, devendo então ser observado os critérios do CID.10 – DSM-IV.
Por fim, nos casos onde não há o exímio controle dos atos morais e éticos, pode existir uma distorção da realidade, neste caso, é o que ocorre com a borderline, porém esta falta de controle de impulso, não serve para isenção de imputabilidade, podendo então ser privado de sua liberdade até sua cura ou perpetuamente não havendo cura, exceto a imposição do STF de 30 anos.
4. A MULHER DELINQUENTE
No contexto da mulher borderline, podemos trazer para ilustrar a mulher delinquente, a ex-presidiária Djanira Ramos Suzano, conhecida nacionalmente como Lili Carabina, sendo esta assaltante de bancos na Década de 70.
A história contada pelo escritor Agnaldo Silva[7] e transmitida pelos canais de televisão da época, esclareceu um pouco mais sobre a mente brilhante da Lili Carabina, personagem esta que mesmo presa foi digna de filme. (Lili, a Estrela do Crime – 1988).
Djanira foi a mulher mais procurada pela polícia na década de 70, excêntrica em seus assaltos, observando o padrão comportamental feminino da época.
Djanira era de família humilde e iniciou no crime após a morte injusta de seu marido, este era funcionário de uma empresa de ônibus, sua morte se deu por ter sido desconfiado de sua falta ao trabalho, dia este em que houve um assalto na empresa de ônibus onde este trabalhava.
No dia seguinte, o marido de Djanira retornando para o trabalho foi surpreendido pelos seguranças sob o comando do diretor da empresa. O autor Agnaldo Silva conta que o esposo de Djanira foi torturado por quase uma semana, vindo a falecer, sendo então enterrado como indigente.
Vários dias após o fato, Djanira recebeu uma visita em sua casa de um homem de carro, pedindo para entrar e deixa sob a sua mesa um maço de dinheiro, o homem pedia desculpas pela morte injusta do marido de Djanira, neste momento Djanira percebe que foi o verdadeiro assaltante da empresa de ônibus, rejeita o dinheiro do homem e pede para entrar no bando, pois seu objetivo passa a ser a vingança da morte de seu marido.
Djanira tinha 2(dois) filhos, que passa a deixar com sua comadre. Desta forma começa a saga em busca da vingança pela morte de seu marido, deixando seus filhos para trás e passando a ser chamada de Lili Carabina.
Ao entrar no bando Lili Carabina é iniciada pelo armador do grupo e passa a ter aulas de tiro e aprender técnicas de armas, iniciando por uma escopeta. Após algumas aulas e completamente decidida Lili Carabina passa a acompanhar o bando em assaltos a postos de combustíveis, e, logo, no primeiro assalto que Djanira deixa de lado seu estilo humilde e passa a usar roupas justas e sedutoras, peruca loira, causando impacto no bando.
Após muitos assaltos a postos de combustíveis, Lili Carabina sugere ao bando novos tipos de assaltos e propões assaltar motéis, neste momento Lili Carabina começa a vingança pela morte do seu marido e passa a vigiar os passos do diretor da empresa de ônibus. Descobriu então que, semanalmente no mesmo dia da semana e horário o diretor entrava no mesmo motel com sua amante.
O bando passou a fazer a estratégia para o assalto ao motel onde encontrava-se o diretor da empresa de ônibus, e da forma descrita abaixo o bando iniciou o assalto: na guarita o segurança do motel se deslumbra com o caminhar de Lili Carabina, com sua roupa justa, maquiagem pesada e peruca loira, indo ao encontro do segurança, Lili Carabina rende o segurança e desta forma o bando entra no motel.
Lili Carabina logo encontra o veículo utilizado pelo diretor da empresa de ônibus, o bando entra no quarto e logo encontra-os desprovido de roupas, o diretor sem entender o que se passava, enrola-se no lençol junto com sua amante. Lili Carabina pergunta se ele a conhece, o diretor responde que não, então Lili Carabina se apresenta, “eu sou a mulher do homem que você mandou matar injustamente na empresa de ônibus, agora me chamo Lili Carabina, Djanira mata o diretor da empresa e vinga a morte injusta do marido.
O bando segue assaltando motéis, depois de algum tempo Lili Carabina propõe ao grupo um novo foco para assaltos, visto que postos de combustíveis e motéis já estavam manjados e passaram a ser algo da polícia. Dessa forma Lili Carabina passa a ser a mente brilhante do grupo e começou a arquitetar os assaltos a bancos.
Para ter certeza que seu plano de assaltos a bancos daria certo, Lili Carabina passa a frequentar uma agência bancária, onde é atendida por um gerente, supondo que iria fazer a abertura de uma conta e que guardaria alguns valores em cofre, desta forma começa também a seduzi-lo.
O gerente do banco, sem ter a noção do plano arquitetado por Lili Carabina, começou a passar informações sobre o cofre, sobre a segurança do banco para que Lili Carabina pudesse ter a certeza que seu dinheiro ficaria muito bem guardado.
Passaram-se alguns dias, Lili Carabina dirigiu-se até o gerente da agência bancária, rende o gerente e chama o restante do bando para concluir o assalto.
Lili Carabina, sempre foi uma criminosa vaidosa e destemida, em seus assaltos combinava armamento pesado, roupas justas, peruca loira e muita maquiagem, ao longo de 20(vinte) anos, somou uma vasta folha criminal, passou por várias delegacias e presídios, de onde fugiu várias vezes também. Djanira Ramos Suzano foi condenada a mais de 100(cem) anos de prisão pelos crimes de assalto seguido de morte (latrocínio), direção perigosa, porte de armas de fogo e drogas.
Após longos anos no cárcere, em 1999, recebeu o indulto de natal, assinado pelo então presidente da república Fernando Henrique Cardoso e veio a falecer aos 56 anos de idade.
Lili Carabina tornou-se um ícone na criminalidade, após sua trajetória, começaram a surgir muitas “Lili Carabina” em diversos estados, no Rio Grande do Sul por exemplo, surgiu a “Lili Carabina dos Pampas”, por usar a sedução e a crueldade em assaltos a bancos e tráfico de drogas.
6. CONCLUSÃO
A partir dos dois casos apresentados, frente a psiquiatra forense; observa-se que no primeiro caso apresentado aborda-se a patologia do transtorno de personalidade borderline, e no segundo momento apresenta-se a delinquente Lili Carabina, compulsiva por assaltos e líder de bando.
Ambas possuem igualmente o mesmo poder de sedução, porém para que haja a completa distinção entre uma e outra é preciso aplicar o critério de diagnóstico para transtorno de borderline – DSM-IV-TR. No caso da Lili Carabina, como fará o Psicólogo ou Psiquiatra para excluí-la do banimento da pena, sendo que seu caráter leva ao item 2 e 4 do critério de diagnóstico borderline?
Dentre tantas opções observa-se que a mulher borderline só pode ser cruel consigo mesma, ao contrário da delinquente que é capaz de matar para alcançar o que deseja. Desta feita a borderline perde a consciência da própria identidade e a delinquente? A delinquente é capaz de trocar sua identidade por querer, por ter a intenção de fazer, o que vai diferindo da borderline que não possui a intenção de praticar o prejuízo.
O presente artigo apresentou as diferenças e semelhanças entre a mulher com Transtorno de Personalidade Borderline (TPB) e a mulher delinquente. Pode-se constatar a dificuldade do Estado na aplicação da punição, visto a semelhança existente entre a delinquente e a borderline.
Mostra-se por fim, como o Estado age quando se comprova a existência de uma doença e como é feita a internação. Cabe ressaltar que a borderline deixou de ser imputável passando então a ser submetida a tratamento psiquiátrico até a sua cura.
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