A nacionalidade da sentença ou laudo arbitral é um fator de suma importância e que merece, por conseguinte, uma análise mais detida por parte dos responsáveis pela elaboração de convenções de arbitragem, bem como pela condução dos procedimentos arbitrais, haja vista que um mesmo laudo arbitral pode ser reconhecido como nacional em mais de um país e, portanto, sujeito a supervisão por mais de um ordenamento jurídico. Tal faculdade pode, consoante magistral estudo efetuado pelo emérito Professor Edoardo F. Ricci, da Universidade de Milão (La sentenza arbitrale con nazionalità plurima: un utile strumento dei rapporti tra Brasile e alcuni), constituir-se em um grande diferencial para quem pleiteia a execução judicial de sentenças arbitrais no exterior, conforme veremos a seguir.
Basicamente, a tese apresentada pelo Prof. Ricci fundamenta-se no fato de que o princípio utilizado para a definição da nacionalidade do laudo arbitral pode diferir de acordo com o Estado (jurisdiction), sendo que as leis de arbitragem levam em consideração o local onde ele foi proferido ou a localização da sede da arbitragem.
O Brasil optou pelo primeiro critério, haja vista que, consoante artigo 34, parágrafo único, da Lei 9.307/96 (Lei Brasileira de Arbitragem) "considera-se sentença arbitral estrangeira a que tenha sido proferida fora do território nacional".
O Reino Unido, por sua vez, adota o critério da sede da arbitragem (the seat of arbitration), visto que o Arbitration Act 1996 – lei de arbitragem britânica – estabelece que a nacionalidade da sentença arbitral é determinada em função da localização da sede da arbitragem, informação essa que deve inclusive constar na sentença, consoante os termos da s. 52(5) do Arbitration Act 1996. (Cf. Sutton, Kendall e Gill in Russell on Arbitration, Sweet & Maxwell, Londres, 6-052).
Em outras palavras, pelo direito inglês "the seat of arbitration is the notional juridical foundation of an arbitration", como observado pelo insigne magistrado inglês Saville em Union of India v McDonnell Douglas Corporation (Cf. [1993] 2 Lloyd’s Rep. 48).
Dessa forma, se a sede da arbitragem for fixada em Londres, o laudo arbitral proferido no Brasil poderá, à luz do direito arbitral inglês, ser reconhecido também como britânico.
Para uma melhor compreensão do tema, pode-se fazer uma analogia com o princípio utilizado para a determinação da nacionalidade das pessoas naturais. O Brasil, por exemplo, elege o jus soli como critério preponderante para se determinar quem são os seus nacionais (C.F. art.12,I,a), ao passo que diversos países europeus adotam, como critério predominante, o jus sanguinis. Dessa forma, sob a égide do direito italiano poderá um brasileiro adquirir a nacionalidade italiana caso seja, por exemplo, descendente de cidadãos desse país.
Na prática, qual seria a distinção entre o laudo arbitral "comum" e o laudo com "nacionalidade plúrima?" Via de regra, sentenças arbitrais são reconhecidas automaticamente como título executivo somente no plano doméstico. No exterior, a sua eficácia é usualmente alcançada mediante prévio reconhecimento da mesma por parte do país onde se pleiteia a execução judicial, consoante Convenção de Nova York sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras (promulgada no Brasil pelo Decreto nr 4.311 de 07/02). Conclui-se então que, a priori, um laudo arbitral com nacionalidade "plúrima" poderá ser executado com mais celeridade no exterior, desde que não apresente irregularidades perante o direito alienígena.
Informações Sobre o Autor
José Eduardo Kury de O. Coelho
Advogado da Terra, Chaves e Souza Advogados, de Belo Horizonte; Mestre em Direito Mercantil pela Universidade de Birmingham/Inglaterra.