Resumo: Este trabalho tem como objetivo compreender as relações entre a não violência ativa, compreendida a partir da proteção dos direitos humanos, e do empoderamento, como capacidade das partes através do diálogo buscarem soluções para seus conflitos, os quais são ferramentas para o Movimento Feminista com o intuito de proteção dos direitos das mulheres, as quais, ainda, sofrem com a cultura do estupro que possui forte influencia na sociedade, conforme exposto na pesquisa do IPEA, provocando, assim, o ativismo digital como prática da não violência ativa e que pode ser ilustrado a partir da Campanha “Não mereço ser estuprada”.
Palavra-chave: Não violência ativa. Feminismo. Mediação. Empoderamento. Cultura do estupro.
Abstract: This study aims to understand the relationship between the active nonviolence , ranging from the protection of human rights and empowerment , as the capacity of the parties by seeking dialogue solutions to their conflicts, which are tools for the feminist movement with protection order the rights of women , which also suffer from a culture of rape that strong has influence in society , as stated in the IPEA research , causing thus the digital activism and practice of active nonviolence and can be illustrated from the campaign " I do not deserve to be raped ."
Keywords: Active nonviolence . Feminism. Mediation. Empowerment . Culture of rape.
Sumário: Introdução. 1. Direitos Humanos e a Não Violência Ativa. 2. Mediação e o Empoderamento dos Sujeitos. 3. Movimento Feminista. 3.1. Campanha “Não Mereço ser Estuprada”. Considerações Finaisl.
Introdução
Os Direitos Humanos tem ligação com a Mediação de conflitos, pois, este através do diálogo busca solucionar problemas, garantindo o poder de decisão às partes, enquanto aquele deve ser protegido e garantido pelo Estado, visto referir-se aos direitos fundamentais do homem.
A mediação tem como característica o empoderamento dos agentes, isto é, a capacidade dos sujeitos verbalizarem seus conflitos e controlarem a resolução do problema, de modo que ao procurar a transformação positiva do desentendimento remetemo-nos à prática da não violência ativa, a qual a partir de meios não violentos combate as injustiças e a violação de direitos, conforme afirmação de Lima (2011, p. 69)
“É de fundamental importância que a sociedade saiba que não é por intermédio de uma comunicação violenta ou com atos de violência que há de se chegar a um bom termo na solução de um conflito. Os seres humanos devem se tratar com respeito mútuo e com fraternidade.”
Sendo assim, os movimentos sociais utilizam-se desse empoderamento para manifestar-se, inclusive, o Movimento Feminista, o qual tem usado a ciberativismo para propagar suas bases de luta, como no caso da campanha “Não mereço ser estuprada” como reação à pesquisa do IPEA, onde 65% dos entrevistados declararam que se a roupa da mulher mostrar seu corpo, justifica o ataque à mesma.
Finalmente, buscamos entender, através de pesquisa bibliográfica, como o empoderamento e o ativismo digital promovem o debate público, servindo como prática da não violência ativa, apesar, de provocar transformações positivas na sociedade como um todo, visto que a internet alcança inúmeras pessoas, expandindo ideias além de sua comunidade.
1. Direitos humanos e a não violência ativa
Os direitos humanos são direitos naturais históricos, isto é, aqueles que são inerentes ao ser humano independente das leis impostas, o direito à vida e a dignidade. Sendo assim, o Estado tem o dever de respeitar, garantir, proteger e implementá-los, seu marco legal é a Declaração Universal dos Direitos Humanos e do Cidadão, ligada à Revolução Francesa, que foi anunciada em 1789 e separava a sociedade em homem (pessoa do sexo masculino) e cidadão (homem branco, maior de 25 anos, livre, proprietário e cristão).
Do mesmo modo que a Revolução Francesa, as revoluções burguesas (Revoluções Inglesas, a Independência dos EUA e a Revolução Industrial), cujo intuito era consolidar o poder da burguesia, superando o poder absolutista, foram relevantes para a construção dos direitos humanos.
As revoluções burguesas tiveram forte influência no caráter civilista dos direitos humanos, visto que ao ceder parte de sua liberdade ao Estado, este, através de um contrato social, possuirá obrigações para a sociedade, inclusive em relação aos direitos econômicos e sociais abordados pela Revolução Russa, enquanto, a Revolução Mexicana tratou, ainda, dos direitos culturais do indivíduo. Nesse sentido, Rangel (2014, p. 17) conclui “[…] a construção dos direitos humanos reflete a evolução da sociedade, a necessidade da edificação dos direitos basilares à existência humana e a sua personalidade”.
Sendo assim, com a ineficácia da Sociedade das Nações, cujo objetivo era mediar conflitos e evitar uma II Grande Guerra, surge a Organização das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, proclamada em 1948, que, apesar de não conter força de norma, tendo, portanto, caráter de carta de princípios de uso costumeiro, afirma em seu artigo primeiro: “todas as pessoas nascem livres e iguais em dignidade e direitos”.
O termo universal contido na denominação do documento e a ideia de direitos universais provocaram debates que perduram, pois, se os direitos do homem são necessidade de cada sujeito, logo, há uma variedade de acordo com a localidade que o homem se encontra e a sua época, conforme Bobbio (2004, p. 18) adverte:
“O elenco dos direitos do homem se modificou, e continua e se modificar, com a mudança das condições históricas, ou seja, dos carecimentos e dos interesses, das classes no poder, dos meios disponíveis para a realização dos mesmos, das transformações técnicas, etc. […] O que prova que não existem direitos fundamentais por natureza. O que parece fundamental numa época histórica e numa determinada civilização não é fundamental em outras épocas e em outras culturas.”
Corroborando o pensamento de Bobbio, Santos (1997, p. 13) questiona “como poderão os direitos humanos ser uma política simultaneamente cultural e global?”
Desta forma, a proteção dos direitos do homem é uma questão bem mais relevante para a sociedade do que quais direitos são efetivamente universais, visto que através de uma cultura multicultural, Santos (1997) propõe que haja uma complementação das culturas, as quais ampliarão seus conceitos e direitos, em vez de uma sobreposição que proporciona a dominação de uma cultura sobre outra e propaga as necessidades locais para o global.
Para a proteção dos direitos humanos foram criados sistemas que se dividem em gerais (direitos e sujeitos generalizados) e especiais (direitos e sujeitos específicos, ou seja, a prevenção e repressão da violação dos direitos das minorias, como negros e mulheres), além dos quatro regimes de aplicação dos direitos, elencados por Santos (1997, p. 19): “o europeu, o inter-americano, o africano e o asiático”.
Logo, observando que os direitos humanos resultaram de situações de conflito, Hannah Arendt entendia que o poder era algo latente nas relações e, portanto, não estável; a força uma capacidade coletiva dos sujeitos de exercer o poder; o vigor como energia para integração coletiva e a autoridade o reconhecimento pacífico das relações na sociedade, portanto, a violência era o não reconhecimento dessa autoridade e por isso, a melhor maneira de se contrapor às leis injustas era através da desobediência civil a partir da resistência pacífica e, consequentemente, da não violência ativa (práticas não violentas de se contrapor à injustiças que devem ser combatidas). Assim, baseada nos ensinamentos de Gandhi, Brasil (2009, p. 5) explica:
“Ali compreendemos a força de seu pensamento na luta pela liberdade, marcado pela verdade, justiça e respeito pelo outro, num movimento contra leis opressivas; sua capacidade e coragem para enfrentar o ódio das autoridades cruéis, traduzidas em ações não-violentas, que não se confundem com a prática do inimigo. Gandhi opta pela não violência-ativa, ação que se esforça em enternecer o outro, ao invés de partir para o embate duro e violento contra a opressão.”
Nesse sentido, tanto as campanhas como as manifestações são expressões da não violência ativa, do mesmo modo que a mediação, pois, através do diálogo, busca promover os aspectos positivos do conflito para forma de solucioná-lo, caracterizando seu poder transformativo, pois, segundo Rangel (2014, p. 18):
“A mediação possibilita um tratamento igualitário entre os envolvidos, na condição de seres humanos, observando as características de cada indivíduo, não comportando qualquer forma de julgamento, mas sim fomentando uma compreensão recíproca e uma responsabilidade compartilhada.”
Portanto, entendemos que os direitos humanos são importantes para resguardar os direitos naturais e históricos dos indivíduos, os quais apesar de mutáveis no tempo e no espaço, precisam ser protegidos, incluindo, os das minorias, que deverão ser tratadas como desiguais na medida de sua desigualdade. Por outro lado, a violação desses direitos provoca conflitos que podem ser combatidos de duas formas reagindo à violência com violência, ratificando a Lei de Talião, ou através da não violência ativa, isto é, ações que não se utilizam de atos violentos, mas, buscam a transformação da sociedade através de campanhas, manifestações e até mediação.
2. Mediação e o empoderamento dos sujeitos
A mediação é uma forma de autocomposição indireta, na qual um terceiro motiva as partes a encontrarem a solução para o conflito, de modo que os principais interessados possuirão o poder de decidir sobre a resolução, diferente do que ocorre na Justiça Comum, que é uma forma de heterocomposição, conforme conceitua Lima (2011, p. 61):
“Mediação – é um processo voluntário entre duas ou mais pessoas físicas ou jurídicas que buscam o entendimento consensual entre elas, com a ajuda de uma terceira pessoa neutra e imparcial para solução amigável do conflito. A mediação tem caráter multidisciplinar.”
Essa característica da parte de exercer o poder de decisão é denominada como empoderamento, ou seja, a capacidade dos sujeitos em exercerem sua voz no processo de solução do conflito, possuindo, assim, uma natureza emancipatória, como compreende Horochovski e Meirelles (2007, p. 2), “empoderar é o processo pelo qual indivíduos, organizações e comunidades angariam recursos que lhes permitam ter voz, visibilidade, influência e capacidade de decisão”.
No âmbito mais amplo que conflitos particulares, há a mediação social, cuja proposta é mediar na comunidade, conscientizando as pessoas que compõem aquele local sobre seus direitos e prevenção de conflitos através do trabalho dos agentes comunitários, os quais são voluntários capacitados para promover “a educação dos direitos, a mediação comunitária de conflitos e a animação de redes sociais” (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2008, p. 15).
Nesse sentido, é necessário diferenciar a animação de redes sociais com a mediação de redes sociais, pois, se a primeira tem como intuito promover o diálogo entre toda a comunidade, observando quais grupos sofrem com determinado problema e juntos buscarem a solução para o problema comum; a segunda busca o relacionamento das pessoas envolvidas através das redes sociais vinculadas à internet, como os sites de relacionamento.
De forma que ambas permitem, durante o processo de mediação, o poder de decisão de diversas pessoas, gerando um empoderamento comunitário, a modo que Horochovski e Meirelles (2007, p. 4) alertam:
‘“Na perspectiva que adotamos, empoderamento traz como resultado o aprofundamento da democracia, por várias razões. Para que o empoderamento signifique pessoas e comunidades sendo ‘protagonistas de sua própria história’, são prementes o aumento da cultura e da sofisticação políticas […]”
Sendo assim, podemos perceber que a mediação comunitária é capaz de alcançar além de uma comunidade específica, pois, através de campanhas – inclusive nas redes sociais – e outros projetos, a voz da comunidade vai se propagando nas vizinhanças e assim vão alcançando as cidades, possuindo, assim, um poder de transformação social extenso, principalmente, porque são cidadãos comuns verbalizando seus conflitos e buscando soluções para eles e não o Estado impondo algo.
3. Movimento feminista
A cultura machista tem discriminado as mulheres e recusado a igualdade entre os sexos, de modo que durante muitos anos elas foram impedidas de estudar, votar e trabalhar, resignando-se, apenas, aos serviços domésticos e sendo dominadas pelo pai ou pelo marido, de acordo com seu estado civil.
Assim, a partir dos anos 1960 com o movimento “hippie” e a contracultura, o movimento feminista surgiu e através da luta social obteve muitos direitos, por isso, Oliveira (2014, p. 3) declara:
“Mas o mero facto de eu estar na faculdade ou de ter sequer terminado o secundário devia-se às feministas. […] ‘Nós erguemo-os nos ombros de gigantes’ – qualquer mulher que tirou um curso superior, se divorciou, possui propriedades, votou numas eleições ou usou calças, ergue-se nos ombros de feministas.”
Por outro lado, mesmo com as vitórias, a igualdade está longe de ser alcançada e as mulheres, ainda, sofrem com violações a seus direitos básicos, como a vida, a liberdade sexual e a integridade física. Segundo pesquisa do IPEA (2013 APUD Loureiro, 2014, p. 1), entre 2009 e 2011, cerca de 17.000 mulheres morreram pelo chamado feminicídio, ou seja, o homicídio pelo fato de ser mulher.
O Brasil ao assinar as Convenções que visam proteger os direitos das mulheres, tem como obrigação buscar medidas que promovam essa proteção, gerando, desta forma, leis como a de nº 11.340/2006, conhecida como Lei Maria da Pena, com o intuito de combater a violência doméstica, e campanhas que procuram conscientizar a população sobre a igualdade dos sexos.
Entretanto, embora, as campanhas contra a violência doméstica tenham proporcionado um aumento de denúncias, em relação, à violência sexual pouco tem sido feito, visto, a cultura do estupro ser tão enraizada em nossa cultura, a qual gera os seguintes dados, conforme Aquino, Menezes e Daudén (2013, p. 2):
“Em 2012, a cada 24 horas, dez brasileiras foram estupradas por desconhecidos. Entre 2009 e 2012, esse tipo de crime teve um aumento de 162%, segundo o Ministério da Saúde. No mesmo período, o total de notificações de estupro triplicou.”
Portanto, se faz urgente motivar medidas que vão de encontro à cultura do estupro, de forma a combater a culpabilização da vítima, cujo reflexo pode ser encontrado, inclusive, no Poder Judiciário e em locais que deveriam combatê-la, como a Delegacia da Mulher, segundo afirmação de Aparecida Gomes, secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, e entendimento de Daniella Couloris, pesquisadora da USP, respectivamente:
“‘Quando as vítimas chegam à delegacia para registrar estupro, as primeiras perguntas sugerem que a mulher é responsável pelo crime. Somos vistas como objeto de desejo e propriedade e, sendo assim, podemos ser culpadas pelo abuso’ (AQUINO, MENEZES e DAUDÉN, 2013, p. 4)
[…] por normalmente contar com poucas provas materiais e testemunhas, o julgamento de casos de estupro está essencialmente calcado nos depoimentos da vítima. […] ‘Essa questão demonstra que um julgamento de estupro é especialmente desfavorável às vítimas, porque a doutrina, a jurisprudência e os juízes presumem o consentimento por parte da mulher adulta, cabendo à vítima provar o contrário’. (AQUINO, MENEZES e DAUDÉN, 2013, p. 4)”
Logo, para ocasionar transformações na sociedade e estabelecer suas lutas em escala ampla, o Movimento Feminista tem se voltado à internet, gerando um ciberativismo, ou seja,
“[…] as redes digitais, são os veículos de comunicação utilizados pelos movimentos sociais – por isso a relevância das redes digitais para formar um processo de comunicação que propague os eventos e as emoções dos movimentos”. (RODRIGUES, GADENZ e LA RUE, 2014, p. 11)
A partir do ativismo digital, o feminismo propaga seus eventos e suas manifestações, gerando uma forma de articulação inter-organizada, a qual Scherer-Warren (2006, p. 111) explica como o relacionamento entre organizações nacionais e sociedade civil, de modo que através do empoderamento dos sujeitos surgem parcerias entre a sociedade e o Estado, e, ainda, a articulação entre diversos grupos provocam maior visibilidade na esfera pública, como ocorreu com a Campanha #eunãomereçoserestuprada.
4. Campanha “não mereço ser estuprada”
A jornalista Nana Queiroz criou um evento no facebook convidando as mulheres a publicar suas fotos com a seguinte frase “Eu não mereço ser estruprada”, a qual gerou, inclusive, a respectiva hastag.
A campanha foi uma reação à pesquisa do IPEA “indicando que 65% dos entrevistados acham que mulheres merecem ser atacadas quando estão com roupas que mostram o corpo” (LEAL, 2014, p. 1).
O evento foi aderido por mais de 45 mil pessoas, e apesar do apoio à iniciativa, a jornalista revelou que foi ameaçada de estupro, entretanto, ela declara que seu objetivo não era só chamar atenção para o alto índice de pessoas influenciadas pela cultura do estupro e que culpam a vítima, mas, ainda, de promover o debate e buscar políticas públicas, visto acreditar que tudo é uma questão de educação.
A campanha virtual teve participação de famosos como Daniela Mercury e Valesca Popozuda, de modo que a funkeira em entrevista a Revista Época, declarou sobre a pesquisa:
“Se fosse assim, as mulheres que usam burca nunca seriam violentadas. E as crianças que são estupradas, elas provocaram também? A roupa não influencia em nada. O homem que ataca uma mulher, uma criança ou uma idosa tem o instinto pior que de um animal. Homens que fazem isso – atacam mulheres – são monstros. Só entenderei esse resultado quando souber como foi feita essa pergunta aos entrevistados. As pessoas podem ter interpretado errado, assim prefiro acreditar.” (OLIVEIRA, 2014, p. 3)
Além das fotos, a campanha permitiu que mulheres vítimas de violência sexual se expressassem, criando uma rede de solidariedade, mesmo que seja na esfera virtual, de acordo com a explicação de Juliana de Faria , criadora da campanha on-line “Chega de Fiu-Fiu”: ‘Quando estamos juntos, mesmo que de forma virtual, conseguimos retomar nossa voz e ter mais força do que se fôssemos sozinhas’. (OLIVEIRA et. al, 2014, p. 4).
Ademais, o debate público foi promovido através de manifestações como as que ocorreram em Campo Grande, e a adesão da ministra da Secretaria de Políticas Públicas para as Mulheres, Eleanora Menicucci, e da Presidenta Dilma Rousseff que declarou ‘nenhuma mulher merece ser vítima de violência, seja física ou sob a forma de ameaça.’ (OLIVEIRA et. al, 2014, p. 2). Houve, ainda, o apoio dos homens, como o blogueiro, Felipe Moura Brasil que publicou:
“[…] é perfeitamente compreensível o raciocínio de que se elas [as mulheres brasileiras] não usassem roupas tão provocantes atrairiam menos a atenção dos estupradores, assim como, se os homens não passassem de Rolex ou de Ferrari em áreas perigosas, atrairiam menos a atenção dos assaltantes. E nada disso seria culpá-los dos crimes que os demais cometeram.” (MARTINS, 2014, p. 2)
Entretanto, uma semana após a publicação da pesquisa, o IPEA informou que houve um erro e que em vez de 65%, o total de pessoas que concordavam com a afirmação – mulheres merecem ser atacadas quando estão com roupas que mostram o corpo – era de 26%, contudo, outra percentagem tão relevante para o movimento feminista continuava inalterada, isto é, 58,% dos entrevistados acham que ‘se as mulheres soubessem como se comportar, haveria menos estupro’ (OLIVEIRA et. al., 2014, p. 1).
Sendo assim, mesmo com a mudança de porcentagem na questão, as manifestantes afirmam que 26% continuam sendo um número alto, conforme declaração de Mariana Miguel Avelino, assistente social, “[…] A gente ainda tem uma porcentagem que pensa. E 26% ainda é muita gente pensando” (OLIVEIRA et. al., 2014, p. 10).
Nessa perspectiva, o número maior que a metade dos entrevistados foi importante para chocar a opinião pública e provocar o debate, como entende a criadora da campanha, Nana Queiroz, que vê o lado bom do equívoco, “Porque assim, um assunto muito importante, que até então era tratado como tabu, veio à tona, fazendo as pessoas pensarem e se manifestarem”. (PIMENTA, 2014, p. 1). Sendo corroborada por Daiara Figueiroa, professora:
“Eu quero dizer que me sinto aliviada que é menor, mas essa pesquisa não invalida a questão que veio à tona e nem como ela está sendo discutida. Antes da retratação, as pessoas falaram que deviam repensar os dados, mas o que eu dizia é que o importante no que estava acontecendo é que as pessoas decidiram falar abertamente. Isso deve ser valorizado. Antes, a sociedade dava mais voz ao agressor, onde as vítimas eram tratadas como número. Hoje são pessoas se abrindo e falam disso como um problema social. De maneira alguma isso altera meu posicionamento. Até porque quando começamos essa campanha houve reação violenta. Não só os depoimentos são reais, mas ameaças também. Mesmo que diminua, há pessoas que ainda pensam dessa forma. E isso é perigoso e deve ser combatido.” (OLIVEIRA et. al., 2014, p. 8).
Finalmente, podemos observar que a Campanha “Não mereço ser estuprada” foi uma forma que as mulheres encontraram de transformar a sociedade em que vivem e que, baseada na cultura do estupra, culpam as vítimas pela violência sofrida. Desta forma, através de imagens suas com os dizeres da campanha, as mulheres empoderam-se de sua voz com o intuito de promover o debate público e encontrar uma solução para tal conflito, utilizando a internet como meio de divulgação.
Considerações finais
Debater direitos humanos vai além da universalidade, sendo mais profundo em relação à proteção, visto que o Estado tem o dever de garantí-los, entretanto, é seu principal violador. Nesse sentido, Hanna Arendt propõe conceitos, entre os quais a autoridade é o reconhecimento do poder, enquanto a violência é usada quando não existe mais o reconhecimento, logo, para combater leis injustas, a população que utiliza da violência estará alimentando a barbárie, por isso, sugere que o combate ocorra através da desobediência civil com meios de não violência pacífica.
Já a Mediação permite que os sujeitos de um conflito sejam o protagonista, também, de sua resolução, ao estimular o diálogo e o consenso entre eles, pois, antes de solucionar o desentendimento, é necessário manter as relações sociais. Desta forma, as partes possuem o empoderamento, isto é, são capazes de expressar-se, portanto, através da mediação comunitária há o intuito da pacificação com a educação de direitos e animação de redes sociais.
Desta forma, o Movimento Feminista, cujo debate é pela igualdade entre os sexos, utiliza-se, muitas vezes, destes dois institutos, ou seja, a não violência ativa e o empoderamento, visto que ao optar por não usar as mesmas armas de seu violador, as feministas verbalizam sua luta e buscam maneiras de possuírem visibilidade, como ocorre no ciberativismo.
Sendo assim, quando a pesquisa do IPEA trouxe um número alarmente e escancarou a influência da cultura do estupro na sociedade brasileira, campanhas como, a criada por Nana Queiroz, “Não mereço ser estuprada” geraram o debate público e questionamentos que, no futuro, poderão resultar na transformação do imaginário que culpa as vítimas pelo estupro sofrido.
Portanto, é notório que a campanha, cujo início ocorreu no site de relacionamentos Facebook, permitiu o empoderamento das mulheres, que praticando um meio não violento de combate à injustiça, estimulou o diálogo na sociedade e, assim, a busca de maneiras para a pacificação, logo, todo esse processo pode ser considerado o início de uma mediação entre mulheres e a sociedade como um todo.
Informações Sobre o Autor
Anailde da Silva Ribeiro
Advogada. Atualmente é graduada em Direito pela UNINASSAU Licenciada em Letras pela UPE Campus Mata Norte está cursando Pós-Graduação em Mediação e Arbitragem de Conflitos pela FOCCA e Pós-Graduação em Literatura Brasileira pela FAFIRE