A natureza jurídica da sentença que concede o perdão judicial

Assim que o agente comete um crime, concretiza-se para o Estado o Jus Puniendi – o Direito de punir – e surge a possibilidade jurídica de imposição da sanção prevista àquele que infringiu as normas penais – a Punibilidade.

A punibilidade, portanto, é a conseqüência jurídica do crime. Ocorrendo crime e sendo a conduta do agente culpável, a sanção deve ser aplicada.

Entretanto existem causas que, extinguindo a punibilidade, atingem o próprio jus puniendi por ocorrerem antes do trânsito em julgado da sentença, e nessa hipótese, regra geral, não persistem os efeitos do processo ou da sentença condenatória, por exemplo, a prescrição punitiva, a decadência, etc.

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Da sentença condenatória transitada em julgado, surge para o Estado a pretensão executiva – de fazer o agente cumprir a sentença proferida.

Muitos doutrinadores pontificam que apesar da incidência das causas extintivas de punibilidade, o crime continua a existir como ilícito penal, e determinam o reconhecimento dos efeitos civis e criminais, como a reincidência, o agravamento da pena em crimes praticados em conexão, etc.

Entre as causas extintivas da punibilidade, temos o perdão judicial, assim previsto no Código Penal, sob o Título VIII – Da extinção da punibilidade:

“art. 107 – Extingue-se a punibilidade :

(…)IX – pelo perdão judicial, nos casos previstos em lei “

Tourinho Filho destaca algumas hipóteses em que se permite o perdão judicial :

a) crime de injúria – art. 140, §1º, I e II – CP

b) crime de fraude previsto no art. 176, § U – CP

c) crime de homicídio culposo – art 121, §5º – CP

d) crime de lesão corporal culposa – art. 129 §8º – CP

e) crime de receptação culposa  -art 180 §3º –  CP

f) crime de adultério – art. 240, §4º I e II – CP

g) crime de parto suposto previsto no art. 242, §U – CP

h) crime de subtração de incapazes – art 249, §2º – CP

i) Na Lei de Contravenções Penais – arts 8º e 39, § 2º

j) Na Lei de Falências, art 186, § U

k) Na Lei de Imprensa, art. 22, § U

l) Art. 326, §1º do Código Eleitoral

O perdão tanto pode ser concedido pela vítima – perdão do ofendido, somente em crimes de ação penal exclusivamente privada, manifestado a qualquer tempo e, uma vez aceito, extingue a punibilidade; como também pelo Juiz – perdão judicial, manifestado na sentença de mérito, que deve ser procedente (ou condenatória), e independe de aceitação. Entende-se que houve o crime e o agente é punível, mas não será punido em razão do perdão judicial concedido, que assim extingue a pretensão executiva do Estado.

Segundo o Prof. Damásio, perdão judicial é “a faculdade concedida ao juiz de comprovada a prática de uma infração penal, deixar de aplicar a pena imposta pela lei, em face de justificadas circunstâncias excepcionais”.

Finalizando aquele título, temos o disposto no art. 120:

“art. 120 – A sentença que conceder perdão judicial não será considerada para efeitos de reincidência.”

Os principais efeitos da sentença condenatória são as imposições das penas previstas no Código Penal, de reclusão, detenção, multa, penas restritivas de direitos e medida de segurança.

Existem ainda os efeitos secundários, de natureza penal: a sentença condenatória influencia na reincidência, no sursis (suspensão condicional da pena) e no livramento condicional; e de natureza extra-penal, que são os reflexos civis e administrativos, previstos nos arts. 91 e 92 do CP.

Dentre os últimos, importante ressaltar o art. 91, I – “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime” c/ c art 63 do CPP que declara que após o trânsito em julgado da sentença condenatória poderá ser promovida a execução no juízo cível para efeito de reparação do dano, ocasião em será discutido apenas o quantum da reparação.

Vale lembrar do disposto no art. 66 – CPP :

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 “art. 66 – Não obstante sentença absolutória no juízo criminal, a ação civil poderá ser proposta quando não tiver sido, categoricamente, reconhecida a inexistência material do fato.”

 e no art. 67 – CPP :

 art. 67 – “Não impedirão igualmente a propositura da ação civil: (…) II – a decisão que julgar extinta a punibilidade.”

No caso do perdão judicial, podem ser sustados alguns efeitos da condenação, e é o que se tenta alcançar com a discussão sobre a natureza jurídica da sentença que o concede, a fim de se determinarem quais os efeitos da decisão concessiva do perdão.

Observa Tourinho Filho “se não vai haver a punição (…) não seria rigorismo injustificado deixar de aplicar a pena, mas, ao mesmo tempo, macular a primariedade daquele que o próprio Magistrado reconheceu não poder punir?”

Antes da Reforma do Código Penal de 1984, formaram-se várias correntes doutrinárias e jurisprudenciais a este respeito, cinco conforme Sales Júnior e sete na doutrina deTourinho Filho :

a. declaratória da extinção da punibilidade

b. indulgência judicial

c. exclusão (facultativa para alguns) de punibilidade

d. absolutória

e. condenatória

f. condenatória, mas subsistindo todos os seus efeitos secundários – inscrição do réu no rol dos culpados, pagamento das custas, etc

g. condenatória imprópria (condenatória embora libere o sentenciado de todos os seus efeitos)

Mesmo com a Reforma Penal de 84, embora incluído entre as causa de extinção de punibilidade, o perdão judicial implica condenação, extinguindo-se a punibilidade apenas no que diz respeito à pena e ao pressuposto da condenação para o efeito da reincidência.

Vidal da Fonseca, descreve interpretação do Prof. Antonio Magalhães Gomes Filho acerca do art.120, do C.P.: “ao dizer que a sentença que conceder o perdão judicial não será considerada para efeito de reincidência, o art. 120 limitou os efeitos apenas à sua exclusão; persistindo os demais efeitos comuns da condenação, como o pagamento de custas, inclusão do nome do réu no rol dos culpados e o problema da execução civil”  e “a lei não contém palavras inúteis, e se a lei diz que a sentença não será considerada para efeito da reincidência, é porque para outros efeitos deverá ser considerada”.

Para Tourinho Filho, a sentença que concede o perdão judicial é condenatória imprópria. O Juiz profere o decreto condenatório, mas… deixa de aplicar a sanção.

Efetivamente, determina a Súmula nº 18, do STJ, “a sentença concessiva do perdão judicial é declaratória de extinção de punibilidade, não subsistindo qualquer efeito condenatório”.

Para o Prof. Antonio Magalhães Gomes Filho, no entender de Vidal da Fonseca, tal posicionamento origina-se de uma corrente doutrinária e jurisprudencial para quem a decisão não é condenatória, nem absolutória; “não há condenação”; ela limita-se a declarar extinto o jus puniendi do Estado, após reconhecer a veracidade da imputação”.

O Prof. Dr. José Eduardo Arouche de Toledo, em aula de Direito Penal na Universidade de Mogi das Cruzes, em março/2004, garantiu que a tese do Ministério Público (do qual fez parte até aposentar-se) é pela natureza condenatória com declaração de causa de extinção de punibilidade.

Vidal da Fonseca, mencionando Magalhães Noronha, afirma que não se trata de absolvição, já que o perdão pressupõe condenação e consequentemente o acusado não estaria isento do pagamento das custas do processo e do lançamento de seu nome no rol dos culpados. Segundo ele, o Prof. Damásio corrobora afirmando que “somente se perdoa quem errou”; e “perdão judicial é renúncia antecipada à pretensão executória”. Ainda seria de acordo com Damásio, “condenatória a sentença que concede o perdão judicial, que apenas extingue os seus efeitos principais (aplicação das penas), subsistindo os efeitos reflexos ou secundários, entre os quais se incluem a responsabilidade pelas custas e o lançamento do nome do réu no rol dos culpados”.

Percebe-se, portanto que grande parte dos doutrinadores é pela natureza condenatória da sentença que concede o perdão judicial, afastando os efeitos principais e mantendo os efeitos secundários – pagamento das custas, lançamento do nome do réu no rol de culpados, etc, com exclusão da reincidência apenas por disposição expressa do art. 120.

Referências Bibliográficas
FONSECA, Luiz Vidal da. Do Perdão Judicial: natureza jurídica e efeitos, na Reforma Penal de 1984. disponível na Internet : http://www.ammp.com.br/Jurídicos/Artigos/Luiz Vidal da Fonseca_Do Perdão Judicial.doc  , acesso em 04/04/2004.
SALLES JÚNIOR, Romeu de Almeida. Curso Completo de Direito Penal. 5° ed., São Paulo: Saraiva, 1996.
JESUS, Damásio E. Sonegação de Contribuição Previdenciária e Perdão Judicial. In RT/Fasc. Penal Ano 90 v.783 jan.2001 p.532-535
MIRABETE, Julio Fabbrini. Manual  de Direito Penal. V.1-3, 3ª ed., São Paulo: Ed. Atlas, 1987.
TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. V.1, 24ª ed. rev. e atual., São Paulo: Saraiva, 2002.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Sandra Cristina F. C. Medeiros de Moraes

 

Empresária em Mogi das Cruzes – SP, bacharel em Administração de Empresas e graduanda da Faculdade de Direito da Universidade de Mogi das Cruzes (UMC). Atua voluntariamente no Serviço de Assistência Jurídica (SAJ) da UMC.

 


 

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