Resumo: O presente trabalho visa tecer alguns comentários acerca da prescrição, decadência e outros institutos processuais, a fim de desvendar qual deles se aplica à perda do prazo do mandamus.
Palavras-chave: Natureza Jurídica. Prazo. Mandado de Segurança. Prescrição. Decadência.
Sumário: 1- Introdução. 2- Da Prescrição. 3- Da Decadência. 4- Preclusão e Perempção – breves considerações. 5- Prazo do Mandado de Segurança. 6- Conclusão. 7- Bibliografia.
1- INTRODUÇÃO*
Imprescindível é o fator tempo quando tratarmos de relações jurídicas, uma vez que a segurança jurídica é compreendida como um dos postulados basilares do Direito moderno. Neste diapasão, podemos afirmar que o não exercício de um direito ou uma ação num lapso de tempo previsto acarreta a perda de tal faculdade, fato este visando uma estabilidade nas relações jurídicas.
Nos dizeres de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA[1]:
“…ressaltam os efeitos do tempo nas relações jurídicas, sob dúplice ângulo de visão. De um lado, e seguido de outros fatores, é causa de aquisição de direitos, quando torna inatacável e inabalável a situação que o titular vem exercendo continuamente (prescrição aquisitiva). De outro lado, conduz à extinção da pretensão jurídica, que não se exercita por certo período, em razão da inércia do titular (prescrição extintiva). E, finalmente, institui o requisito de validade de alguns direitos, que somente podem ser exercidos dentro de certo prazo, sob pena de perecerem (decadência ou caducidade).”
Neste contexto, faz-se mister uma análise do prazo de 120 dias previsto pelo artigo 18 da Lei nº 1533/51, a qual seja o prazo para se propor o mandando de segurança. Diverso é o posicionamento doutrinário sobre a natureza jurídica da perda de tal prazo, causando verdadeiros debates acerca de referido tema.
Nosso trabalho, data vênia, pretende abordar características peculiares de cada prazo existente no processo de conhecimento, com ênfase na prescrição e decadência, a fim de chegar a uma conclusão a respeito da perda do prazo para se interpor a ação mandamental, mostrando os divergentes posicionamentos doutrinários e tendências jurisprudenciais acerca do tema.
2 – DA PRESCRIÇÃO
No dizer do ilustre civilista CÂMARA LEAL[2], prescrição é a “extinção de uma ação ajuizável, em virtude da inércia de seu titular num certo lapso de tempo, na ausência de causas preclusivas de seu curso”.
No mesmo sentido, referindo-se ao instituto da prescrição, pontifica CRISTINA FERRAZ[3]:
“… é igualmente um prazo dentro do qual pode ser exercitado o direito de ação. Caso não o seja, consoante a teoria civilista, a ação está prescrita, embora o direito ainda exista.”
“A prescrição é a perda do direito de ação” [4].
Prescrição, segundo BEVILÁQUA, “é a perda da ação atribuída a um direito e de toda sua capacidade defensiva, devido ao não-uso delas, em um determinado espaço de tempo”.[5]
Sem dúvida, nosso entendimento pauta nos rumos da doutrina, a saber que a prescrição é a perda do direito de ação pela inércia do titular quando era exigível o seu exercício e assim não o fez.
Dentro do Livro III da Parte Geral do Código Civil de 2002, o Capitulo IV de tal diploma normativo vem com a rubrica “Da Prescrição e da Decadência”. Referindo-se especificamente à prescrição diz o art. 189: “Violado o direito, nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição…”.
Pois bem, levando-se em conta a necessidade de delimitar as peculiaridades de cada instituto em tela, resta-nos agora, após conceituar o fenômeno da prescrição, tecer alguns comentários acerca de suas características. Assim, do próprio texto legal retiramos a primeira característica deste instituto, a qual seja a pré-existência de um direito violado.
Neste sentido, pondera SILVIO RODRIGUES[6]:
“Quando a ação e o direito têm origem comum, trata-se de prazo de caducidade… Porém, se o direito preexiste à ação, que só aparece com a violação daquele, o prazo é de prescrição”.
Complementando o raciocínio, MARIA HELENA DINIZ[7] bem nos ensina que “a prescrição supõe uma ação cuja origem seria diversa da do direito”.
Vemos assim que, existindo um direito subjetivo em gozo, no qual a ação que o assegura está condicionada a violação daquele, estamos diante de prescrição. Caso contrário, se a ação assecuratória do direito nasce juntamente com este, trata-se de decadência ou caducidade.
Em segundo, temos a clássica afirmação de que a prescrição atinge tão somente o direito de ação. Esta peculiaridade da praescriptio é bem expressa no brilhante artigo do prof. GELSON AMARO DE SOUZA[8] sobre o tema, ao citar DE PLÁCIDO E SILVA:
“A prescrição extingue apenas a ação para cujo exercício foi estabelecida, podendo o direito ser pleiteado por outra ação se houver, não atingida pela prescrição;…” .
Ainda sobre a qualidade da prescrição em afetar o direito de ação, vale salientar que se o direito subsiste à perda de uma ação que o assegura, podendo-o ser exercido por outros meios, o prazo daquela ação extinta será prescricional.
E mais. Com base nos dispositivos legais acerca da prescrição tratados pelo Cód. Civil, podemos afirmar que os prazos de prescrição são passiveis de interrupção e suspensão; Também não correm contra determinadas pessoas e em determinadas situações; Os prazos do instituto em questão ainda são estabelecidos por lei e não podem ser alterados por acordo das partes. No mesmo contexto, podemos dizer que, com o advento da Lei nº 11.280/06, a prescrição pode ser reconhecida de oficio pelo juiz e alegada em qualquer grau de jurisdição pela parte a quem aproveita. Por fim, alguns renomados juristas vêem o prazo prescricional relacionado com direitos subjetivos, atingindo apenas ações condenatórias.
Em se tratando de ações condenatórias e prescrição, SILVIO RODRIGUES faz brilhante comentário ao citar AGNELO AMORIM: [9]
“Examinado o instituto da prescrição, o Prof. AGNELO AMORIM FILHO conclui que ela só inicia o seu curso a partir da violação do direito, a qual dá o direito a uma ação que reclama uma prestação. Ora, só as ações condenatórias pretendem alcançar uma prestação e só os direitos a uma prestação ensejam uma ação condenatória. Portanto, só as ações condenatórias estão sujeitas à prescrição”.
3 – DA DECADÊNCIA
“É a perda/extinção de um direito pelo não exercício do mesmo, por prazo determinado em lei, ou entre as partes…”. [10]
No mesmo sentido, CAIO MÁRIO[11]:
“Decadência é o perecimento do direito potestativo, em razão do seu não-exercício em um prazo pré-determinado”
O já referido ilustre doutrinador CÂMARA LEAL, conceitua a caducidade como sendo “a extinção do direito pela inércia do titular, quando sua eficácia foi, de origem, subordinada à condição de seu exercício dentro de um prazo pré-fixado, e este se esgotou sem que esse exercício se tivesse verificado”. [12]
Percebemos que o instituto da decadência se refere à perda do próprio direito material e não apenas do direito de ação pelo não exercício deste num lapso de tempo previsto legal ou convencionalmente. Assim, a decadência faz perecer o próprio direito impedido inclusive seu nascimento.
Referindo-nos às características peculiares dos prazos de caducidade, vemos que sua qualidade primordial é a extinção do próprio direito material pelo não exercício do mesmo. Em que pese as respeitadas opiniões em sentido contrário, cremos, juntamente com a maioria esmagadora da doutrina, que tal característica tem-se tornado uma máxima na distinção e autonomia da decadência frente à prescrição. Apoiando-nos em tal entendimento, reproduzimos um excerto do ilustre jurista SILVIO RODRIGUES[13] :
“A mais corrente, e decerto a mais sábia, é a distinção baseada na idéia de que na prescrição que perece é a ação que guarnece o direito, enquanto na decadência é o próprio direito que fenece”
Outra característica que podemos apontar como marcante na decadência é o fato desta supor uma ação, cuja origem se coincide com a origem do próprio direito material, ou seja, a ação que assegura o direito e o direito assegurado possuem a mesma fonte temporal.
Neste diapasão, bem nos ensina novamente LEAL[14]:
“Bem nítida, pois, a diferença entre a decadência e a prescrição, porque, há entre elas, uma substancial diversidade de objetos, recaindo a decadência sobre o próprio direito, que já nasce condicionado, e recaindo a prescrição sobre a ação, que supõe um direito atual e certo. A prescrição tem, como uma de suas condições, que a ação haja nascido, isto é, se tenha tornado exercitável; ao passo que a decadência, extinguindo o direito antes que ele se fizesse efetivo pelo exercício, impede o nascimento da ação.”
Ainda, com base nos artigos 207 a 211 do Código Civil, podemos destacar mais algumas peculiaridades do instituto decadencial, dentre elas: A decadência pode ser estabelecida por lei ou por vontade das partes e corre contra todos[15]. Ainda, a decadência não se suspende, nem se interrompe.
Em contrapartida ao que tratamos no tópico “Da prescrição”, que estaria ligado a ações condenatórias, podemos afirmar, juntamente com parte da doutrina, que a decadência está relacionado com direitos potestativos, atingindo ações constitutivas e desconstitutivas, bem como ações anulatórias.
4- PRECLUSÃO E PEREMPÇÃO – BREVES CONSIDERAÇÕES
Certo é que a grande dúvida doutrinária sobre qual instituto aplicável à perda do writ gira em torno da prescrição e decadência. Porém, importante tecer alguns comentários acerca de dois outros institutos processuais a respeito de perda de prazo processual, as quais sejam a preclusão e a perempção.
Preclusão é a perda da faculdade de se praticar determinado ato processual em decorrência da inércia de quem deveria praticar (temporal), da prática de outro ato incompatível com o pretendido (lógica) ou, ainda, pelo fato do ato já ter sido praticado (consumativa).
CRISTINA FERRAZ, citando CHIOVENDA, diz que a preclusão é “a perda, ou extinção, ou consumação de uma faculdade processual pelo só fato de se haverem atingidos os limites prescritos ao seu exercício”. [16]
VILSON RODRIGUES ALVES[17], num exemplo prático sobre o tema da preclusão, tece comentários acerca do art. 245 do Código de Processo Civil:
“… Nele estatui-se o dever de argüição de nulidade pela parte prejudicada. Se ela falta ao exercício do direito de argüição desde logo, ‘na primeira oportunidade em que couber falar nos autos’, diz o art. 245, pr., perde, pelo não-exercício do direito, o direito e a pretensão processual dele irradiada”.
Aufere-se do transcrito que a preclusão é um instituto eminentemente processual. E mais, trata-se de um instituto endo-processual, ocorrendo tão somente após proposta a ação e iniciado o processo.
Na mesma seara, tratemos da Perempção, que nos dizeres de CARMEM FERREIRA SARAIVA é “a extinção da pretensão decorrente da violação do direito pelo autor ter dado causa a três arquivamentos sucessivos ao processo pelo abandono da causa por mais de 30 dias, em conformidade com o parágrafo único do artigo 268 do Código de Processo Civil”. [18]
Nos dizeres de SÉRGIO CRUZ ARENHART, ao citar TEMISTOCLES BRANDÃO CAVALCANTI, a perempção é o “abandono do processo, pelo decurso de um certo prazo”. [19]
A perempção é um modo extintivo de relação processual pela omissão, desinteresse, desídia na prática do ato processual. Assim, percebemos que se trata também de instituto endo-processual, visto que só ocorre dentro do processo.
5- PRAZO DO MANDADO DE SEGURANÇA
Exposto algumas considerações introdutórias, analisemos agora o decurso do prazo do mandado de segurança contextualizando-o com os referidos institutos acima explanados, no intuito de indicar, na nossa modesta opinião, qual deles melhor se aplica à perda do prazo para propositura deste remédio constitucional.
Nossa Carta Magna, em seu art. 5º, inc. LXIX, prevê que “conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por hábeas corpus ou habeas data, quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público”
Sucintamente, o chamado mandamus é uma ação específica, que visa proteger direito violado ou prestes a ser violado, por ato de uma autoridade pública em sentido amplo, incluindo aqueles atos decorrentes de funções delegadas pelo Estado.
Centralizemos atenção agora no real objeto deste trabalho, a qual seja a natureza do decurso do prazo do mandado de segurança. Neste diapasão, prevê o artigo 18 da Lei nº 1.533, de 1951, in verbis:
“O direito de requerer mandado de segurança extinguir-se-á decorridos cento e vinte dias contados da ciência, pelo interessado, do ato impugnado”.
Tanto a doutrina como a jurisprudência dominante, têm entendido o decurso do prazo para interpor mandado de segurança como sendo de decadência. Senão vejamos.
O grande mestre HELY LOPES MEIRELLES, em sua clássica obra “Mandado de Segurança”, afirma veementemente:
“O prazo para impetrar mandado de segurança é de cento e vinte dias, a contar da data em que o interessado tiver conhecimento oficial do ato a ser impugnado. Este prazo é de decadência do direito à impetração, e, como tal, não se suspende nem se interrompe desde que iniciado”. [20]
No mesmo sentido, CELSO AGRÍCOLA BARBI, referindo-se ao prazo em questão, diz que “esse prazo tem em vista a forma processual e não a relação jurídica substancial; por isso, não é considerado pela doutrina, acertadamente, como prazo de prescrição mas sim como de decadência, insuscetível, portanto, de interrupção ou suspensão” [21]
Na mesma seara, a jurisprudência tem admitido a tese de decadência do prazo para propor a ação de mandado de segurança.
DECADÊNCIA – Mandado de segurança – Ocorrência – Prazo contado a partir da ciência, pelo interessado, do ato impugnado – Indeferimento de pedido de contagem de tempo – Ato exarado em processo administrativo – Inércia da impetrante – Artigo 18 da Lei n.º 1.533/51 – Feito extinto sem julgamento do mérito. O prazo para impetrar mandado de segurança não é prazo preclusivo, porque ele não se verifica no curso do processo, tampouco é de prescrição ou decadência, porque não fere mortalmente o direito material, que remanesce imprejudicado, podendo ser pleiteado por via ordinária. O prazo é extintivo de uma faculdade pelo seu não exercício dentro de cento e vinte dias, contados da ciência do ato a ser impugnado.(Relator: Leire Cintra – Apelação Cível n.º 209.008-1 – Santo André – 06.04.94)
DECADÊNCIA – Mandado de segurança – Impetração – Ocorrência – Decorridos quatorze anos entre o ato impugnado e a impetração – Aplicação do artigo 18 da Lei n.º 1.533/51 – Nomeação de defensora que não era advogada – Irrelevância – Artigo 298, § 1º da Lei 10.261/68 – Apenas recomendada a designação de bacharel para defesa do funcionário réu – Extinção do processo com julgamento de mérito O prazo da decadência é contínuo, operando-se automaticamente, e extintivo da inércia do titular. A decadência não se suspende, nem se interrompe, ao contrário do que ocorre com a prescrição. (Relator: Bueno Magano – Mandado de Segurança n.º 18.981-0 – São Paulo – 04.03.94)
DECADÊNCIA – Mandado de segurança – Ocorrência – Fluxo do prazo de 120 dias entre o ato administrativo e a impetração – Inteligência do artigo 18 da Lei n.º 1.533/51 – Recurso não provido. (Relator: Reis Kuntz – Apelação Cível n.º 219.063-1 – Sorocaba – 15.12.94)
Inclusive o Supremo Tribunal Federal, por meio da Súmula 632, confirmou o entendimento predominante, a saber:
“É constitucional lei que fixa o prazo de decadência para a impetração de mandado de segurança”
Não obstante a predominância da tese decadencial, autores como GUDESTEU PIRES e MATOS PEIXOTO já entenderam que o prazo do art. 18 em questão trata-se de prescrição. Por sua vez, o saudoso PONTES DE MIRANDA entendia que tal prazo era preclusivo. Para CASTRO NEVES ocorre perempção da ação e, uma derradeira corrente presenciada por ALFREDO BUZAID vê o prazo como pura e simplesmente extintivo.
Não merece procedência, data vênia, a afirmação de PONTES DE MIRANDA, uma vez que a Preclusão, como explicitado acima, pressupõe um processo. Trata-se de instituto endo-processual, só podendo se falar em prazo preclusivo com a propositura de uma ação e posterior seguimento do processo. Claramente não é o caso em tela já que, sendo o mandado de segurança uma ação, e o prazo destinado a sua propositura, não há de se falar em processo instaurado.
No mesmo parâmetro, podemos dizer que de perempção da ação não se trata já que este instituto pressupõe um abandono do processo por parte do autor. Ora, se há um processo e o lapso temporal em questão prevê exatamente um período para dar inicio a um processo, também não se pode falar que a perda do prazo do writ seja perempção da ação.
No mais, a afirmativa de que referido prazo é extintivo, nos dizeres de ARENHART, não passa de uma “mera tentativa de esquivar-se do problema, sem contudo enfrentá-lo”.[22] Que se trata de prazo extintivo ninguém nega; A problemática envolve a natureza jurídica deste prazo extintivo.
Assim, certo é que a maior discussão doutrinária e jurisprudencial acerca da natureza do prazo da ação mandamental gira em torno de sê-la prescrição ou decadência. Façamos uma dialética entre as características expostas de cada instituto no afã de descobrir qual deles se aplica ao decurso do prazo em análise.
Preliminarmente, devemos dizer que nunca foi característica do legislador brasileiro a precisão técnica literal e gramatical. Assim, não merece respaldo, inicialmente, a posição daqueles que defendem tratar-se tal prazo de decadência pelo simples fato do legislador pátrio ter utilizado o verbo “extinguir”. Por este fundamento, o mesmo se diz em relação aqueles que afirmam que os prazos prescricionais são exaustivos e os dispersos pelo Código Civil são decadenciais. Não se poderia exigir tamanha precisão do legislador brasileiro.
Como primeira diferença entre prescrição e decadência, restou fortemente demonstrado que enquanto a prescrição extingue tão somente o direito de ação, a decadência extingue o próprio direito material. Ora, a ação de mandado de segurança é tão somente uma ação especifica, o que significa que ultrapassado o prazo de cento e vinte dias, aquele que teve seu direito violado por ato de autoridade pode muito bem tentar saná-lo pelas vias ordinárias, como por exemplo uma ação declaratória de inexistência de relação jurídica.
Logo, fica evidente que, em se tratando de uma garantia constitucional, a intenção do legislador foi oferecer uma forma mais ágil e eficaz a fim de cessar a violação de direito liquido e certo. Assim, da data em que o interessado toma conhecimento do fato a ser impugnado até cento e vinte dias, fica a opção entre o writ of mandamus e a ação ordinária; Decorrido este prazo haverá somente a segunda opção ao interessado, não excluindo, contudo, o direito material liquido e certo em questão.
Em segundo, como vimos, a prescrição pressupõe o exercício de um direito que se perde via reflexa pelo fato do não exercício da ação que o assegura num lapso temporal previsto. Por sua vez, na decadência o direito material nasce juntamente com a ação que o assegura. O mandado de segurança é típico caso em que preexiste o direito à ação, tanto é verdade que a violação do direito pressupõe o seu exercício. Ora, não se fala em violação de direito sem seu exercício. Nesta peculiar diferença, CÂMARA LEAL leciona com maestria:
“Logo, são prescritíveis todas as ações que têm por fim defender o direito do titular contra as modificações por ele sofridas em virtude de um fato posterior ao seu nascimento, atribuído a um ato ou omissão por parte de outrem. E esse fato, de que nasce a ação do titular, é o ponto de partida da inércia deste, do qual começa a correr a prescrição”.[23]
Retirado do próprio texto legal, esta característica sui-generis da prescrição de preexistência de um direito violado aplica-se perfeitamente ao decurso do prazo mandamental. Isto porque o mandado de segurança é a típica ação proposta para cessar a violação de um direito.
Estando o interessado no uso de seu direito não se pode falar em decadência. Como explanado acima, a decadência pressupõe um direito e uma ação com mesma origem. Ora, no mandamus tanto preexiste o direito que ele está sendo violado. Só se pode violar aquilo que está sendo utilizado.
Neste contexto, pondera GELSON AMARO:
“Logo, quando as leis falam em violação ou justo receio de violação, estão a afirmar que o direito está sendo exercido por seu titular. Sem o exercício do direito pelo titular não seria possível falar-se em violação ou receio de violação do direito”.[24]
LOPES MEIRELLES, discorrendo sobre o momento da contagem do prazo para impetração do mandado de segurança, observa que “se o ato é irrecorrível ou apenas passível de recurso sem efeito suspensivo, contar-se-á o prazo da publicação ou da intimação pessoal do interessado; se admite recurso com efeito suspensivo contar-se-á o término do prazo para o recurso (se não for interposto) ou da intimação do julgamento final do recurso (se interposto regularmente). Observamos, porém, que o pedido de reconsideração, na via administrativa, não interrompe o prazo para a impetração da segurança…”.[25]
Vimos que o prazo de decadência não se interrompe, nem se suspense; A contrario sensu, o prazo prescricional é suscetível de interrupção e suspensão. Ora, se é admitida uma hipótese de interrupção do prazo, a qual seja em razão de recurso na esfera administrativa, a perda do prazo para impetração da segurança pende-se a ser prescricional e não decadencial como pensa a maioria.
Por fim, analisemos o excelente e respeitado trabalho do profº AGNELO AMORIM FILHO, denominado “Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações imprescritíveis”. [26]
O ilustre jurista, com base na classificação dos direitos subjetivos dado por CHIOVENDA, chega a conclusão de que as ações condenatórias, e somente elas, estão sujeitas à prescrição. Estas dizem respeito aos direitos obrigacionais. Por sua vez, as ações constitutivas (em sentido amplo) com prazo especial de exercício fixado, bem como as anulatórias estão sujeitas à decadência. Relaciona-se aqui aos direitos potestativos.[27]
Pois bem, a natureza do M.S quanto a sua classificação também é objeto de fervorosos debates doutrinários, entendendo alguns que se trata de ação mandamental, outros de ação constitutiva especial, enfim. Diante de tal controvérsia, podemos buscar nos ensinamentos de AMORIM a idéia de que os direitos potestativos, insuscetíveis de violação, estão sujeitos a decadência. O objeto do writ, ao contrário, é justamente cessar a violação ao direito assegurado.
6- CONCLUSÃO
Não será tão cedo que se pacificará, doutrinária e jurisprudencialmente, um conceito homogêneo e correto do que vem a ser prescrição e do que vem a ser decadência. Assim, restou-nos, neste singelo trabalho, expor mais um pensamento acerca de tais.
De fato, concluímos que as controvérsias acerca da natureza jurídica do prazo do mandamus decorrem desta tão árdua tarefa de diferenciar este dois institutos tão comentados e discutidos pela doutrina.
Destarte, pelas definições terminológicas e pelos caracteres de referidos institutos aqui demonstrados, parece-nos certo que o melhor a se aplicar aos casos de decurso do lapso temporal do art. 18 da Lei do Mandado de Segurança é a prescrição. Com a devida vênia, não nos parece de melhor sorte aqueles que, tendo como certa as diferenciações dos institutos aqui analisadas, chegue a outro entendimento.
De fato, a dúvida maior gira em torno do prazo em tela sê-lo prescricional ou decadencial, uma vez que a tese de preclusão e perempção da ação parece mais que evidente que está afastada, justamente pelo simples, mas preponderante, fator de que são institutos endo-processuais, ou seja, só se verificam depois de proposta uma ação e iniciado um regular processo.
Sendo o mandado de segurança justamente uma ação, a fim de se instaurar o devido processo para cessar ato ilegal e abusivo de autoridade, parece-nos claro que não se aplica ao decurso do prazo para sua impetração os dois institutos logo acima referidos, as quais sejam a preclusão e a perempção da ação.
No mais, na dialética prescrição/decadência, apresentamos três evidências primordiais que demonstre ser o referido prazo prescricional:
Na ação de mandado de segurança, o direito preexiste à ação, tanto é verdade que a própria lei fala em “direito violado”. Assim, se necessário é a violação de direito para nascer a ação, supõe-se um direito que antecede o nascimento da ação. Esta característica é típica da prescrição, ao contrario da decadência, no qual o direito e a ação têm origem comum;
Em se considerando que a prescrição extingue tão somente a ação, subsistindo o direito material, que pode ser pleiteado por outras vias, e que a decadência extingue o próprio direito material e, por conseqüência, o direito de ação, vemos mais um fundamento do prazo ser prescricional, já que o decurso do lapso temporal previsto pelo art. 18 da Lei 1.533/51 extingue apenas o direito de impetrar o mandado de segurança, podendo, porém, ser o direito defendido por uma ação ordinária;
Por fim, outra circunstância que nos levou a conclusão demonstrada é a possibilidade do mandamus ser interrompido, conforme explanado acima. Sem óbice, por previsão legal, podemos afirmar que, em regra, somente a prescrição está sujeita à interrupção.
Correta também é a conclusão a que chegou o mestre ARENHART, ao tratar da natureza do prazo mandamental:
“… resta evidente que não se trata de decadência (ao menos nos termos da definição utilizada neste trabalho), já que o direito material permanece intocável. O prazo do art. 18 da Lei nº 1.533/51 é, certamente, prescricional. È apenas a ação de mandado de segurança que se extinguiu”.[28]
Por derradeiro, cabe-nos refletir que a decisão do STF, pacificado na Súmula supra-citada, bem como a posição da doutrina majoritária que entende tratar o prazo de decadência, não condiz com a real essência do mandamus, que é um remédio constitucional, a ser utilizado para cessar violação a direito liquido e certo por ato de autoridade.
No mais, pensamos ser a decisão do Egrégio Tribunal eminentemente política, no sentido de não permitir a interrupção e suspensão do prazo aqui tratado. Sendo estas características típicas da decadência, assim fez o Supremo seguido pela ampla maioria jurisprudencial. A intenção é barrar a propositura de ações via mandamental que objetivem indenizações por ato de autoridade praticado num passado distante. Fosse prescrição, perfeitamente possível seria, a título de exemplo, um incapaz pleitear via M.S reparação de danos causados séculos atrás por ato de uma autoridade, já que o prazo estaria interrompido.
Informações Sobre o Autor
Daniel Gustavo de Oliveira Colnago Rodrigues
Professor Titular de Direito Processual Civil da Faculdade de Direito de Presidente Prudente (Toledo). Professor convidado nos Cursos de Pós-Graduação em Direito da Faculdade de Direito Damásio de Jesus, Faculdade de Direito de Dracena, dentre outras instituições. Mestrando em Direito. Pós-Graduado em Direito Civil e Processo Civil pela Faculdade de Direito de Presidente Prudente. Advogado. Membro do Grupo de Estudos “Processo Civil Moderno e Acesso à Justiça”, coordenado pelo prof. Dr. Gelson Amaro de Souza. Colaborador da American University College of Law (Washington, EUA).