Resumo: As empresas signatárias do Novo Mercado possuem, necessariamente, por obrigação pactual a cláusula compromissória da Arbitragem em seu Contrato Social, obrigando-se a dirimir eventuais conflitos perante a CAM da BOVESPA, a qual adota em seu regulamento interno o sigilo do processo arbitral. Em aparente conflito, entretanto quanto ao dever da informação clara e necessária ao Mercado de Capitais. O presente artigo pretende analisar o conflito entre a confidencialidade arbitral e o dever de informação o qual se aplica às empresas de capital aberto, em especial ao Novo Mercado.
Palavras-chave: Novo Mercado. Dever de Informação. Arbitragem. Sigilo.
Abstract: The companies that sign in the “New Market” necessarily by contract obligation the arbitration clause inside its social contract, becoming obligated to solve any disputes that income on the CAM of BOVESPA, wich adopts in its internal regulation the confidentiality clause of arbitral procedures. That confidenciality inflicts apparent conflict with the information requirements that is indispensable to the capital market operation. The present paper intends to analyse this conflict anong arbitration confidenciality and the information requirement of corporation law, specially applied to the “New Market”.
Key Words: New Market. Information Requirement. Arbitrage. Confidentiality.
Sumário: Introdução. 1. Arbitragem: Conceito e Origem. 2. A Confidencialidade no Procedimento Arbitral. 3. O Novo Mercado 4. A Cláusula de Confidencialidade e o Dever de Informação. 5. Conclusão.
Introdução.
O dever das empresas de Capital aberto em informar sobre atividades relevantes que podem influenciar o mercado mobiliário é um fato determinado por Lei, bem como a faculdade de fiscalização da mesma por parte dos acionistas, como forma de proteção de seu investimento e clareza ao público em geral quanto à flutuação acionária que tal empresa pode vir a sofrer, inclusive com possíveis projeções futuras que garantam não só a estabilidade dos investimentos, mas também a diminuição dos riscos dos mesmos e a estabilidade do mercado financeiro, haja visto que ninguém consegue se sentir seguro ao investir às cegas.
Ocorre entretanto que às empresas de capital aberto, a Legislação faculta a inclusão em seu contrato social de cláusulas compromissórias que determinem o julgamento de possíveis lides dele decorrentes por meio de Árbitros ou de Tribunais Arbitrais .
A Arbitragem, por sua vez, se reveste, regra geral, de uma peculiaridade sigilosa, onde seus atos não são acessíveis ao público em geral, bem com as peças apresentadas e seus fundamentos, provas, dentre outras fases processuais incursas no trâmite arbitral.
Dentro desse contexto, temos ainda os Novos Mercados criados pela BOVESPA, com aplicação obrigatória de cláusula compromissória e cujos conflitos devem ser dirimidos pela CAM da própria BOVESPA, que, por sua vez adota a confidencialidade como base de seu procedimento arbitral.
O presente trabalho visa a analisar todos os intitutos supra mencionados, inclinando-se a uma resposta acerta dessa aparente incomunicabilidade de dever de informação das empresas de Capital Aberto (especificamente as signatárias do Novo Mercado) e cláusula de confidencialidade aplicada pelo Juízo Arbitral que dirime suas lides.
1. A arbitragem: Conceito e Origem:
A origem da Arbitragem remonta a tempos antigos e históricos onde, desde antes da existência do judiciário, havia a necessidade de se haver julgamentos que dirimissem conflitos e restabelecessem a ordem. É encontrada, dentre outras, na Grécia e Roma antigas, civilizações históricas, cuja aplicação e procedimento mudou tanto de tais tempos até os atuais que não guarda mais qualquer vínculo com os de sua origem, chegando a afirmar alguns estudiosos que tal busca de conhecimento seria inútil.
No Brasil, a mesma existe desde o tempo do Império, em que nosso país era Colônia de Portugal. Ganhou nosso ordenamento pela primeira vez na Constituição de 1924, em seu artigo 160, porém de forma tímida e pouco utilizada.
Após reviravoltas constitucionais, a Carta Magna de 1988 volta a contemplá-la em diferentes partes de seu corpo, seja no artigo 4º, § 9º, VII, no artigo 114, §1º ou mesmo em seu preâmbulo, ao pregar que os conflitos devam ser dirimidos de forma pacífica, quer na ordem interna, quer na ordem internacional.
Há quem diga que o mais famoso árbitro de todos os tempos, foi Salomão que, em julgamento conhecido quanto à maternidade de um bebê mandou dividí-lo ao meio entre as duas mães, somente para dá-lo a sua mãe biológica quando a mesma pediu para que o menino vivesse, ainda que fosse entregue à outra mulher.
O importante a ressaltar é que a Arbitragem é isso: um procedimento complexo de conhecimento de uma matéria conferida a um árbitro ou um colegiado arbitral escolhido pelas partes, de confiança das mesmas para dirimir conflitos, amparado pela equidade ou pelos preceitos legais, de acordo com o conveniado entre as partes.
Em outras palavras, a Arbitragem é a forma livre pactuada entre as partes para que uma lide seja resolvida no menor espaço de tempo possível, de forma sigilosa, por pessoa equidistante e de amplos conhecimentos no assunto, apta a dar a melhor solução para o referido conflito.
2. A Confidencialidade no Procedimento Arbitral:
O Procedimento Arbitral é presumidamente confidencial, apesar de não ser este um princípio do referido processo, sendo, regra geral, uma exigência estipulada pelas próprias partes ou existentes no Regimento Interno de algumas Câmaras de Arbitragem, como é o caso da CMA da CIESP e da CAM da BOVESPA.
Trata-se de uma confidencialidade mitigada, onde os atos processuais interessam apenas às partes, não se revestindo da mesma natureza pública do Judiciário e portanto, não permitindo o acesso generalizado a todas as peças processuais ou mesmo a consulta pública de processos, possuindo natureza mais restrita.
Da mesma forma, apesar da mencionada cláusula de sigilo não ser princípio arbitral, presente se faz em inúmeros procedimentos instaurados perante as Câmaras Arbitrais, isso ante a maleabilidade procedimental admitida em tal Tribunal, ganhando este natureza mais discreta.
Sabidamente, há casos em que a própria publicidade de contexto processual traduz-se em perda maior para as partes do que o descumprimento das relações contratuais, ou mesmo o próprio objeto da ação em si, motivo pelo qual, ao se verem acuadas pela publicidade exigida no judiciário, corria-se o risco das mesmas inclusive desistirem de seu direito, o que não pode subsistir.
Não se trata de nublar a ética e o dever de informação com procedimentos escusos, mas apenas de proteger a personalidade dos envolvidos, quando assim disposto contratualmente, exigindo o sigilo das informações e provas apresentadas nos autos, bem como das pessoas envolvidas em sua solução, buscando conter publicidade desnecessária ao acontecimento arbitral.
3 – O Novo Mercado
O Novo Mercado, assim como os Mercados de Níveis diferenciados (nível 1 e nível 2), foram implantados pela BOVESPA em meados dos anos 2.000, visando com sua instituição, a maior confiabilidade e ampla informação por parte de tais empresas que se destinaria à possibilidade de um investimento mais seguro no Mercado de Capitais, movimentando maior aporte de capital nas empresas a eles inscritas.
O chamado “Novo Mercado”, ponto que interessa aos nossos estudos presentes, é formado principalmente por empresas que venham a abrir seu capital, ao passo que os Mercados de Níveis são compostos em sua maioria por empresas que já possuem capital aberto. Na presente obra, nos ateremos ao primeiro conceito, o Novo Mercado.
Infere-se, em princípio, que o artigo 109 § 3º da Lei das Sociedades Anônimas permite a aplicação da Cláusula Compromissória no próprio Contrato Social da empresa em questão, sujeitando as partes à aplicação da Arbitragem para dirimir eventuais conflitos inerentes ao mesmo.
Ocorre que, o BM&FBOVESPA, especialmente no que tange ao Novo Mercado, obriga as empresas aderentes ao regime especial de abertura de mercado e comercialização de ações a instituir cláusula de arbitragem em seus Contratos Sociais, sendo que eventuais conflitos serão, a partir desta, dirimidos através da CAM da BOVESPA.
4 – A Cláusula de Confidencialidade e o Dever de Informação
Como dito alhures, a Confidencialidade, ou dever de sigilo não é uma característica intrínseca ao procedimento arbitral, porém pode ser livremente pactuada entre as partes ou constar do Regimento Interno das diversas Câmaras Arbitrais.
Este segundo é o caso da CAM da BOVESPA, sobre a qual pesam nossos estudos.
As empresas de capital aberto por si tem o dever social e legal de informar não somente a seus acionistas, mas também ao público em geral, vez que qualquer pessoa pode comprar suas ações e investir seu capital na sociedade aberta, informações relevantes sobre o mercado ao qual participa, inclusive nos termos da Instrução CVM nº 358.
Sabe-se, outrossim, como já mencionado, que o Novo Mercado tem por finalidade a diminuição do risco do investimento no mercado mobiliário, através da maior transparência e informação administrativa da empresa, bem como da origem de seu capital votante, o que consolida um investimento sólido e de valor mais elevado, visto que de retorno mais estável, o que auxilia o aporte de capital e o financiamento do capital de giro da empresa a ele cadastrada, o que intensifica ainda mais a transparência da empresa em relação a seus acionistas e ao público em geral.
Ocorre que, face à instituição compulsória da Arbitragem pela CAM BOVESPA e a aplicabilidade da confidencialidade, restaram diversas dúvidas acerca da incompatibilidade de tal sigilo com o dever de informação e clareza que as empresas do Novo Mercado tinham para com seus acionistas.
Tais conflitos, entretanto, restringiam-se apenas à aparente discrepância de ambos os institutos, sendo dirimidos de forma a interpretar o sigilo arbitral de forma mitigada, sendo, obviamente, obrigatória a correta e transparente informação que aproveite ao mercado, aos investidores da companhia e ao público em geral, os quais, conforme mencionado acima são propensos compradores das ações que compõe as empresas de capital aberto, cabendo a estes também a informação clara e precisa que possa influenciar no montante do capital investido, na flutuação das ações adquiridas ou, que futura e incertamente se venham a adquirir, bem como as informações relacionadas à economia da empresa, sua solidez e eventuais dificuldades pelas quais esteja passando que possam vir a afetar o investimento feito.
Desta forma, analisemos a Instrução CVM nº 358, em especial ao seu artigo 2º que define “fato relevante”, sobre o qual pesa o dever de informação:
“Art. 2º – Considera-se relevante, para os efeitos desta Instrução, qualquer decisão de acionista controlador, deliberação da assembléia geral ou dos órgãos de administração da companhia aberta, ou qualquer outro ato ou fato de caráter político-administrativo, técnico, negocial ou econômico-financeiro ocorrido ou relacionado aos seus negócios que possa influir de modo ponderável:
I. na cotação dos valores mobiliários de emissão da companhia aberta ou a eles referenciados;
II. na decisão dos investidores de comprar, vender ou manter aqueles valores mobiliários;
III. na decisão dos investidores de exercer quaisquer direitos inerentes à condição de titular de valores mobiliários emitidos pela companhia ou a eles referenciados.
Parágrafo único. Observada a definição do "caput", são exemplos de ato ou fato potencialmente relevante, dentre outros, os seguintes:
I. assinatura de acordo ou contrato de transferência do controle acionário da companhia, ainda que sob condição suspensiva ou resolutiva;
II. mudança no controle da companhia, inclusive através de celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas;
III. celebração, alteração ou rescisão de acordo de acionistas em que a companhia seja parte ou interveniente, ou que tenha sido averbado no livro próprio da companhia;
IV. ingresso ou saída de sócio que mantenha, com a companhia, contrato ou colaboração operacional, financeira, tecnológica ou administrativa;
V. autorização para negociação dos valores mobiliários de emissão da companhia em qualquer mercado, nacional ou estrangeiro;
VI. decisão de promover o cancelamento de registro da companhia aberta;
VII. incorporação, fusão ou cisão envolvendo a companhia ou empresas ligadas;
VIII. transformação ou dissolução da companhia;
IX. mudança na composição do patrimônio da companhia;
X. mudança de critérios contábeis;
XI. renegociação de dívidas;
XII. aprovação de plano de outorga de opção de compra de ações;
XIII. alteração nos direitos e vantagens dos valores mobiliários emitidos pela companhia;
XIV. desdobramento ou grupamento de ações ou atribuição de bonificação;
XV. aquisição de ações da companhia para permanência em tesouraria ou cancelamento, e alienação de ações assim adquiridas;
XVI. lucro ou prejuízo da companhia e a atribuição de proventos em dinheiro;
XVII. celebração ou extinção de contrato, ou o insucesso na sua realização, quando a expectativa de concretização for de conhecimento público;
XVIII. aprovação, alteração ou desistência de projeto ou atraso em sua implantação;
XIX. início, retomada ou paralisação da fabricação ou comercialização de produto ou da prestação de serviço;
XX. descoberta, mudança ou desenvolvimento de tecnologia ou de recursos da companhia;
XXI. modificação de projeções divulgadas pela companhia;
XXII. impetração de concordata, requerimento ou confissão de falência ou propositura de ação judicial que possa vir a afetar a situação econômico-financeira da companhia.”
Desta sorte, como vemos, apesar do dever de informação e transparência das empresas do Novo Mercado serem aumentadas, não há razão para a divulgação de peças processuais, ou mesmo sobre a divulgação do objeto da lide submetida ao procedimento arbitral, não existindo, desta forma, conflito senão a aparência do mesmo entre o sigilo arbitral e o dever de prestação de relevantes informações acerca do mercado mobiliário estipulado no artigo 109, III da Lei das SA, bem como ante o regulamento da BM&FBOVESPA, incluindo no que tange ao Novo Mercado, especificado neste artigo.
5 – Conclusão.
Entendo que não poderia falar-se em incompatibilidade entre o instituto legal do dever de informação relevante e de direito da fiscalização dos acionistas de uma empresa de capital aberto, até porque tratar-se-ia de um conflito entre uma norma legal e uma pactuada de acordo com a livre vontade das partes, sendo que, caso assim fosse, esta última certamente restaria vencida ante sua precariedade frente à legislação vigente em nosso ordenamento, motivo pelo qual, apesar de existir uma aparente ambiguidade jurídica, não existe instituto excludente no caso em tela, vez que a informação não invade os meandros da lide arbitral e seus pormenores, também não invadindo o sigilo do procedimento arbitral o dever à comunicação de fato relevante ao mercado mobiliário.
Informações Sobre o Autor
Aline Vivian Jokuska Camero
Advogada especialista em Direito do Consumidor, pós graduada em Direito Civil e Processo Civil, sócia do escritório J&P Assessoria Jurídica, árbitra inscrita na CONIMA