A necessidade de observância da equação econômico-financeira e as formas de reajustamento dos contratos administrativos

Resumo: O presente artigo tem o objetivo de analisar as formas de reajustamento do contrato administrativo admitidas pela legislação, a necessidade de sua previsão no edital e no contrato administrativo, a periodicidade e a questão da preclusão do direito.

Palavras-Chave: Contratos Administrativos. Reajustamento. Revisão. Reajuste. Repactuação.

Sumário: Introdução. 1. Do Reequilíbrio Econômico – Financeiro. 2. As Formas De Expressão Do Reequilíbrio Econômico-Financeiro. 2.1. Revisão. 2.2 Reajuste. 2.3 Repactuação. Conclusão. Bibliografia.

INTRODUÇÃO

A Constituição Federal de 1988, em seu art. 37, XXI, estabeleceu o direito ao equilíbrio econômico-financeiro contratual, o qual se tornou um princípio para o ordenamento jurídico pátrio.

Há basicamente três modalidades de reajustamento: a) revisão; b) reajuste em sentido estrito; e c) repactuação.

Observa-se que não há unanimidade na doutrina acerca da denominação terminológica dos diversos institutos.

As situações que podem ensejar a necessidade de restabelecer a equação econômico-financeira podem ser as mais variáveis. Desde que seja desfeita a relação de proporcionalidade estabelecida em conformidade com a proposta apresentada pelo contratado, haverá, por via de consequência, desequilíbrio contratual. Conforme dito, a Carta Magna garante a manutenção das condições efetivas da proposta.

O trabalho vai analisar a definição e seu fundamento constitucional da “equação econômico-financeira”, bem como as modalidades de reajustamento.

Na elaboração do trabalho foram levadas em consideração as lições doutrinárias de renomados autores da área e os pareceres da AGU e da PGF acerca do assunto.

1. DO REEQUILIBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO

A equação econômico-financeira do contrato é a relação de adequação entre o encargo suportado pelo particular e a remuneração paga pela Administração que será determinada no momento da elaboração do ato convocatório e que será firmada no instante em que a proposta é apresentada e aceita pela Administração, devendo ser mantida durante toda a contratação.

Assim, quando ocorrer qualquer alteração no equilíbrio econômico-financeiro do contrato, quer seja através da variação de índices inflacionários, quer seja pela ocorrência de fatos supervenientes, o mesmo deverá ser “revisado”.

Vejamos a definição dada pelo autor José dos Santos Carvalho Filho[1]:

“Equação econômico-financeira do contrato é a relação de adequação entre o objeto e o preço, que deve estar presente ao momento em que se firma o ajuste. Quando é celebrado qualquer contrato, inclusive o administrativo, as partes se colocam diante de uma linha de equilíbrio que liga a atividade contratada ao encargo financeiro correspondente. Mesmo podendo haver certa variação nessa linha, o certo é que no contrato é necessária a referida relação de adequação. Sem ela, pode dizer-se, sequer haveria o interesse dos contratantes no que se refere ao objeto do ajuste”.

De acordo com Marçal Justen Filho[2]:

“O equilíbrio econômico-financeiro do contrato administrativo significa a relação (de fato) existente entre o conjunto dos encargos impostos ao particular e a remuneração correspondente. (…)

É possível (a semelhança de uma balança contábil) figurar os encargos como contrabalançados pela remuneração. Por isso se alude a ‘equilíbrio’. Os encargos equivalem à remuneração, na acepção de que se assegura que aquela plêiade de encargos corresponderá precisamente à remuneração prevista. Pode-se afirmar, em outra figuração, que os encargos são matematicamente iguais às vantagens. Daí a utilização da expressão ‘equação econômico-financeira”.

O postulado tem fundamento constitucional conforme se depara no art. 37, XXI, in verbis:

“CF, Art. 37

XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”.    

A proteção ao equilíbrio econômico-financeiro encontra, ainda, amparo nos princípios constitucionais, como o da isonomia, da tutela e da indisponibilidade dos interesses fundamentais. 

A tutela do equilíbrio econômico-financeiro dos contratos administrativos beneficia tanto a Administração Pública como o contratado.

No período em que dura um contrato administrativo, existe a possibilidade de que se rompa o equilíbrio econômico-financeiro que existia na época em que o ajuste foi celebrado.

Se, por algum fato ou motivo superveniente, as obrigações para uma das partes se tornam extremamente onerosas, verifica-se uma quebra do Equilíbrio econômico-financeiro, nascendo para a parte o direito de modificação de suas cláusulas, de forma a que o equilíbrio perdido seja restaurado.

Será utilizado o termo reequilíbrio para indicar o gênero. Ou seja, o reequilíbrio econômico-financeiro do contrato compreende o estudo da teoria da imprevisão (ou revisão ou recomposição), do reajuste e da repactuação.

Importante destacar que não há unanimidade na doutrina acerca da denominação terminológica dos diversos institutos. Todos tem o mesmo fundamento – princípio da intangibilidade da equação econômico-financeira do contrato administrativo, mas não a mesma natureza jurídica.

2. AS FORMAS DE EXPRESSÃO DO REEQUILÍBRIO ECONÔMICO-FINANCEIRO

2.1 REVISÃO[3]

A REVISÃO também chamada de RECOMPOSIÇÃO[4] ocorrerá quando a ruptura do equilíbrio econômico-financeiro é devida à força maior, a caso fortuito, a fato do príncipe, a qualquer fato imprevisível ou a qualquer fato que, embora previsível, tenha efeitos incalculáveis (álea econômica extraordinária). Aplica-se aqui a teoria da imprevisão.

 A Lei nº 8.666/93 prevê, expressamente, a possibilidade de, por acordo das partes, ser promovida a recomposição do equilíbrio do contrato. Assim dispõe o  art. 65, II “d” da Lei nº 8.666/93, in verbis:

“Art. 65.  Os contratos regidos por esta Lei poderão ser alterados, com as devidas justificativas, nos seguintes casos: (…)

II – por acordo das partes:(…)

d) para restabelecer a relação que as partes pactuaram inicialmente entre os encargos do contratado e a retribuição da administração para a justa remuneração da obra, serviço ou fornecimento, objetivando a manutenção do equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato, na hipótese de sobrevirem fatos imprevisíveis, ou previsíveis porém de conseqüências incalculáveis, retardadores ou impeditivos da execução do ajustado, ou, ainda, em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe, configurando álea econômica extraordinária e extracontratual. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994)”

Da leitura do artigo observa-se que para que seja admitida a revisão é necessário que sobrevenha: a) fatos imprevisíveis, ou previsíveis, porém de consequências incalculáveis, caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe; b) estranhos à vontade das partes; c) inevitáveis e d) causadores de desequilíbrio no contrato.

Assim, não se pode admitir a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos administrativos fora das circunstâncias definidas em lei, sob pena, de desvirtuar o sistema e causar injustiças na licitação.

O administrador deve agir com grande cautela e sempre aduzir os fundamentos que justificam a aplicação da teoria da imprevisão e o porquê da fixação dos novos valores.

Nesse sentido são os ensinamentos de Marçal Justen Filho[5]:

“O reestabelecimento da equação econômico-financeira depende da concretização de um evento posterior à formulação da proposta, identificável como causa do agravamento da posição do particular. não basta a simples insuficiência da remuneração. Não se caracteriza rompimento do equilibrio econômico-financeiro quando a proposta do particular era inexequível. A tutela à equação econômico-financeira não visa a que o particular formule proposta exageradamente baixa e, após vitorioso, pleiteie elevação da remuneração.

Exige-se, ademais, que a elevação dos encargos não derive de conduta culposa imputável ao particular. Se os encargos tornaram-se mais elevados porque o particular atuou mal, não fará jus a alteração de sua remuneração”.

Para Lucas Rocha Furtado[6]:

“Segundo a definição legal, fatos previsíveis, de consequências que possam razoavelmente estimar, não podem servir de fundamento à pretensão de recomposição de preços. A lei não visa suprir a imprevidência do particular ou sua imperícia em calcular o comportamento da curva inflacionária, por exemplo. Apenas o resguarda de situações extraordinárias, fora do risco normal da economia de seus negócios”.

Continua o autor:

“De fato, admitir a aplicação da teoria da imprevisão aos contratos administrativos fora das circunstancias definidas em lei, vale dizer, aceitar a recomposição de preços nos contratos a todo tempo e modo, na hipótese de o contratante apenas demonstrar alterações na relação econômico-financeira, seria negar qualquer sentido ao instituto da licitação e premiar o licitante que, por má-fé ou inépcia empresarial, apresentou proposta que, com o tempo, revelou-se antieconômica”.

Importante destacar que a revisão não necessariamente irá implicar aumento nos preços do contrato. Se os fatos imprevisíveis afetar o contrato de modo a reduzir os custos, deverá ser promovida a devida e proporcional redução nos valores do contrato.

O direito a revisão independe de previsão expressa no instrumento contratual.

A Revisão com fundamento na teoria da imprevisão deverá ser formalizada por meio de termo aditivo.

Outra manifestação de quebra da equação econômico-financeira relaciona-se com a alteração da carga tributária incidente diretamente sobre a execução da prestação objeto do contrato prevista no art. 65, § 5º da Lei nº 8.666/93, in verbis:

“§ 5o  Quaisquer tributos ou encargos legais criados, alterados ou extintos, bem como a superveniência de disposições legais, quando ocorridas após a data da apresentação da proposta, de comprovada repercussão nos preços contratados, implicarão a revisão destes para mais ou para menos, conforme o caso”.

2.2 REAJUSTE (ou reajuste em sentido estrito)

Quando a ruptura do equilíbrio econômico-financeiro do contrato é devida à flutuação de preços ou de custos que se observa no mercado corriqueiramente (álea econômica ordinária), devido aos efeitos das variações inflacionárias, o restabelecimento da equação econômico-financeira dá-se por meio do REAJUSTE.

O reajuste de preços está relacionado à variação dos custos de produção e é visto como um meio de reposição de perdas geradas pela inflação.

Parte da doutrina entende que o reajuste em sentido amplo é dividido em: a) reajuste em sentido estrito e b) repactuação.

Quando se tratar de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra a orientação é para que seja utilizada a forma de reajustamento pela repactuação.

Acentue-se que a adoção de uma forma de reajustamento em detrimento de outra, contudo, não é livre. De acordo com a redação da Orientação Normativa AGU nº 23/2009[7], a repactuação deverá ficar adstrita aos contratos de prestação de serviços contínuos que se utilizem de mão de obra em regime de dedicação exclusiva.

Será utilizado o termo “reajuste em sentido estrito” para denominar a forma de reajustamento em que há a fixação de índice geral ou específico que incide sobre o preço após determinado período quando o objeto do contrato não se referir a serviços continuo com exclusiva mão de obra.

O autor José dos Santos Carvalho Filho[8] define o instituto:

“A primeira forma é o reajuste, que se caracteriza por ser uma fórmula preventiva normalmente usada pelas partes já no momento do contrato, com vistas a preservar os contratados dos efeitos de regime inflacionário. Como esta reduz, pelo transcurso do tempo, o poder aquisitivo da moeda, as partes estabelecem no instrumento contratual um índice de atualização idôneo a tal objetivo. Assim, diminui, sem dúvida, a álea contratual que permitiria o desequilíbrio contratual”.

O reajuste, mediante aplicação de índices específicos ou setoriais de preços ao valor do contrato administrativo, é admitido pelo artigo 40, inciso XI, in fine, da Lei nº 8.666/1993:

“Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: (…)

XI – critério de reajuste, que deverá retratar a variação efetiva do custo de produção, admitida a desde a data prevista para apresentação da proposta, ou do orçamento a que adoção de índices específicos ou setoriais, essa proposta se referir, até a data do adimplemento de cada parcela;”

Art. 55. São cláusulas necessárias em todo contrato as que estabeleçam:

III- o preço e as condições de pagamento, os critérios, data-base e periodicidade do reajustamento de preços, os critérios da atualização monetária entre a data do adimplemento das obrigações e a do efetivo pagamento”;(negritou-se)

A Lei nº 10.192/2001, que dispõe sobre medidas complementares ao Plano Real e dá outras providências, em seu artigo 2º, prevê a adoção de índices gerais, específicos ou setoriais de preços como critério de reajuste do valor dos contratos administrativos, desde que observada a periodicidade mínima de um ano.

“Art. 2º É admitida estipulação de correção monetária ou de reajuste por índices de preços gerais, setoriais ou que reflitam a variação dos custos de produção ou dos insumos utilizados nos contratos de prazo de duração igual ou superior a um ano.

§1º É nula de pleno direito qualquer estipulação de reajuste ou correção monetária de periodicidade inferior a um ano.

§2º Em caso de revisão contratual, o termo inicial do período de correção monetária ou reajuste, ou de nova revisão, será a data em que a anterior revisão tiver ocorrido.

§3º Ressalvado o disposto no §7º do art. 28 da Lei nº 9.069, de 29 de junho de 1995, e no parágrafo seguinte, são nulos de pleno direito quaisquer expedientes que, na apuração do índice de reajuste, produzam efeitos financeiros equivalentes aos de reajuste de periodicidade inferior à anual.

§4º Nos contratos de prazo de duração igual ou superior a três anos, cujo objeto seja a produção de bens para entrega futura ou a aquisição de bens ou direitos a eles relativos, as partes poderão pactuar a atualização das obrigações, a cada período de um ano, contado a partir da contratação, e no seu vencimento final, considerada a periodicidade de pagamento das prestações, e abatidos os pagamentos, atualizados da mesma forma, efetuados no período.

§5º O disposto no parágrafo anterior aplica-se aos contratos celebrados a partir de 28 de outubro de 1995 até 11 de outubro de 1997.

§ 6º O prazo a que alude o parágrafo anterior poderá ser prorrogado mediante ato do Poder Executivo.

Art. 3º Os contratos em que seja parte órgão ou entidade da Administração Pública direta ou indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, serão reajustados ou corrigidos monetariamente de acordo com as disposições desta Lei, e, no que com ela não conflitarem, da Lei nº 8.666, de 21 de junho de 1993.

§1º A periodicidade anual nos contratos de que trata o caput deste artigo será contada a partir da data limite para apresentação da proposta ou do orçamento a que essa se referir.

§2º O Poder Executivo regulamentará o disposto neste artigo”.

Questão interessante é saber qual o índice a escolher. Nesse ponto, no âmbito da PGF foi elaborado o PARECER Nº 04/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU aprovado pelo Procurador Geral Federal que abordou o assunto:

“23. Questão importante, nesse sentido, é saber qual índice escolher. A priori, deve ser aquele que melhor reflita os preços do objeto contratual. Não há dúvida, portanto, de que índices setoriais ou específicos são preferíveis aos índices gerais, pois enquanto estes procuram mensurar a variação de preços da economia em geral, aqueles aferem a variação de preços em um determinado setor econômico ou refletem, de maneira detalhada, a composição dos custos envolvidos na contratação.

24. Há, ainda, uma razão jurídica para a preferência por índices setoriais ou específicos. O art. 40, XI, da Lei n° 8.666/93 exige a priorização de índices capazes de retratar a variação efetiva do custo do objeto contratual(…).

25. Para tanto, nada melhor que admitir a adoção de índices setoriais ou específicos, pois são concebidos para, necessariamente, refletirem os custos de determinado setor da economia ou de determinado objeto, e não os preços praticados no mercado em geral.

26. Para vários objetos contratuais, contudo, não existem índices específicos ou setoriais.

Nesses casos, a adoção de índice geral é, obviamente, mandatória, por absoluta impossibilidade de adoção de índice específico ou setorial e por força da Orientação Normativa AGU n° 23/2009.

Nesses casos, deve-se procurar verificar qual seria o índice geral de preços que melhor estaria correlacionado com os custos do objeto contratual ou, ainda, em caráter subsidiário, verificar se existe, no mercado, algum índice geral de adoção consagrada para o objeto contratado.

27. Apenas se tecnicamente inviável a identificação do índice geral mais adequado ou consagrado pelo mercado, deverá ser adotado o IPCA/IBGE, pois, com supedâneo no art. 3o do Decreto n° 3.088, de 21 de junho de 1999,5 é o índice geral de preços oficialmente escolhido pelo Conselho Monetário Nacional para monitorar a inflação do país desde a Resolução CMN n°2.615, de 30 de junho de 1999.

28. Ademais, o IPCA/IBGE tem caráter nacional e sua população-objetivo é abrangente. De fato, o cálculo desse índice leva em consideração "o movimento geral dos preços do mercado varejista" e sua população-objetivo são "famílias residentes nas áreas urbanas das regiões de abrangência do SNIPC com rendimentos de 1 a 40 salários mínimos, qualquer que seja a fonte dos rendimentos", Esses aspectos tornam o índice robusto, pois refletem o impacto da inflação na maior parte do mercado de consumo, excluindo da população-objetivo indivíduos de renda muito baixa ou muito alta.

29. Por fim, de acordo com estudo do Banco Central, o IPCA é menos sensível às variações cambiais, ao menos quando comparado com outro índice geral de grande importância, o ÍGP-DI/FGV:

Na prática, a adoção do regime de metas para a inflação obrigou o BCB, na condução da política monetária, a buscar o máximo possível de informações sobre a inflação corrente e sua tendência, e sobre as expectativas para as várias medidas de inflação. Por seu turno, tendências de depreciação cambial ou de apreciação cambial, que podem ocorrer em um regime de câmbio flutuante em diferentes períodos de tempo, podem produzir descasamento temporário dos diversos índices de preços, em particular entre os IGPs e o IPCA, conforme verificado no Gráfico 1 Isso decorre da maior participação relativa dos bens comercializáveis ou tradables nos IGPs, comparativamente aos índices de preços ao consumidor.

30. Certamente, esse aspecto torna a adoção do índice mais recomendável, dado que a mensuração da inflação se torna menos errática e, de alguma forma, mais resistente às flutuações circunstanciais de preços. No longo prazo, contudo, o IPCA e o IGP-DI tendem a convergir”.

Tendo em conta as considerações acima, deve-se concluir que é possível a adoção de índices setoriais, específicos ou mesmo gerais para o reajustamento de contratos de prestação de serviços continuados sem dedicação exclusiva de mão de obra, desde que sejam observados os critérios estabelecidos ao longo da fundamentação.

A previsão de reajuste, com definição de índice deverá estar prevista no contrato. Se não houver cláusula contratual definindo os critérios de reajuste, ele não há que ser admitido. Em havendo omissão, a doutrina entende que não estando previstos os critérios de reajuste de forma expressa, o preço ajustado é fixo e irreajustável, presumindo-se que as partes renunciaram a essa faculdade pelo fato de haverem embutido no valor do contrato a inflação do período.

Devido ao reajuste já estar previsto no contrato, a sua aplicação não deve ser feita por meio de aditivo devendo se formalizar por meio de simples apostila (art. 65, § 8º da Lei nº 8.666/93).

2.3. REPACTUAÇÃO[9]

A repactuação de preços, assim como o reajuste em sentido estrito, é uma forma de reajustamento que se destina a recuperar os valores contratados da defasagem provocada pela inflação, ocorre que diferentemente do reajuste em sentido estrito não se vincula a um índice especifico e sim a variação dos custos do contrato pela demonstração analítica  da variação dos preços dos insumos ou da mão-de-obra utilizada no contrato decorrente de Convenções Coletivas de Trabalho, Acordo ou Dissídios.

A repactuação de preços é prevista pelo artigo 5º do Decreto nº 2.271/1997 — o qual dispõe, in verbis:

“Art. 5º Os contratos de que trata este Decreto, que tenham por objeto a prestação de serviços executados de forma contínua poderão, desde que previsto no edital, admitir repactuação visando a adequação aos novos preços de mercado, observados o interregno mínimo de um ano e a demonstração analítica da variação dos componentes dos custos do contrato, devidamente justificada.

Parágrafo Único. Efetuada a repactuação, o órgão ou entidade divulgará, imediatamente, por intermédio do Sistema Integrado de Administração de Serviços Gerais – SIASG, os novos valores e a variação ocorrida”.

Consoante o artigo 5º do Decreto nº 2.271/1997, a repactuação de preços possui aplicação limitada a contratos de prestação de serviços contínuos.

A definição de “serviços contínuos” consta do anexo I da IN SLTI/MPOG nº 02, de 30 de abril de 2008.

A IN SLTI/MPOG nº 02, de 30 de abril de 2008 (após as modificações feitas pela Instrução Normativa nº 03/2009) limita ainda mais a aplicação da repactuação de preços, uma vez que o artigo 37 a restringe a contratos de prestação de serviços contínuos com dedicação exclusiva de mão de obra, ao passo que o artigo 19, inciso XXII, admite a adoção de índices específicos ou setoriais apenas para contratos de serviços contínuos sem dedicação exclusiva de mão de obra.

De forma mais pormenorizada, a repactuação de preços é disciplinada pelos artigos 37 a 41-B da IN SLTI/MPOG nº 02, de 30 de abril de 2008.

O Anexo I da IN SLTI/MPOG nº 02/2008 define a repactuação como sendo: “XVIII – REPACTUAÇÃO: forma de manutenção do equilíbrio econômico-financeiro do contrato que deve ser utilizada para serviços continuados com dedicação exclusiva da mão de obra, por meio da análise da variação dos custos contratuais, devendo estar prevista no instrumento convocatório com data vinculada à apresentação das propostas, para os custos decorrentes do mercado, e com data vinculada ao acordo ou à convenção coletiva ao qual o orçamento esteja vinculado, para os custos decorrentes da mão de obra”.

A repactuação foi examinada no Parecer da AGU JT-02, de 26 de fevereiro de 2009, o qual foi aprovado pelo Advogado-Geral da União e pelo Presidente da República, razão pelo qual passou a ter força normativa perante toda a Administração Pública federal, nos termos do art. 40, § 1º e 41 da LC nº 73/93. O parecer consignou as conclusões abaixo transcritas:

“Assim, por tudo o que se expôs, pode-se concluir que:

a) a repactuação constitui-se em espécie de reajustamento de preços, não se confundindo com as hipóteses de reequilíbrio econômico-financeiro do contrato;

b) no caso da primeira repactuação do contrato de prestação de serviços contínuos, o prazo de um ano para se requerer a repactuação conta-se da data da proposta da empresa ou da data do orçamento a que a proposta se referir, sendo certo que, considera-se como data do orçamento a data do acordo, convenção, dissídio coletivo de trabalho ou equivalente que estipular o salário vigente à época da apresentação da proposta;

c) no caso das repactuações subseqüentes à primeira, o prazo de um ano deve ser contado a partir da data da última repactuação;

d) quanto aos efeitos financeiros da repactuação nos casos de convenções coletivas de trabalho, tem-se que estes devem incidir a partir da data em que passou a viger efetivamente a majoração salarial da categoria profissional; e

e) quanto ao termo final para o contratado requerer a repactuação, tem-se que a repactuação deverá ser pleiteada até a data da prorrogação contratual subseqüente, sendo certo que, se não o for de forma tempestiva, haverá a preclusão do direito do contratado de repactuar”.

Da leitura do artigo 5º do Decreto nº 2.271/1997 e da Instrução Normativa nº 02/2008, a repactuação não pressupõe apenas a existência de um contrato de prestação de serviço contínuo com dedicação exclusiva de mão de obra, mas depende do cumprimento de outros requisitos — a saber:

“a) a possibilidade de repactuação deverá ter sido prevista pelo instrumento convocatório;

b) a repactuação deverá ser precedida de solicitação do contratado;

c) deverá ser feita uma demonstração analítica da variação dos custos dos componentes do contrato, por meio de apresentação da planilha de custos e formação de preços e do novo acordo ou convenção coletiva que fundamenta a repactuação;

d) a repactuação não poderá contemplar custos que não constavam da planilha anexa à proposta inicial, a menos que se trate de benefícios que deverão ser oferecidos aos empregados da contratada por força de lei, sentença normativa, acordo ou convenção coletiva de trabalho;

e) não deverá ter operado a “preclusão”, por não ter sido a repactuação solicitada antes da prorrogação ou do encerramento do contrato;

f) deverá ser observada a periodicidade mínima de um ano;”

No tocante a periodicidade de um ano, recomenda-se a leitura dos arts. 38 e 39 da

“Art. 38. O interregno mínimo de 1 (um) ano para a primeira repactuação será contado a partir:

 I – da data limite para apresentação das propostas constante do instrumento convocatório, em relação aos custos com a execução do serviço decorrentes do mercado, tais como o custo dos materiais e equipamentos necessários à execução do serviço; ou (Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)

 II – da data do acordo, convenção ou dissídio coletivo de trabalho ou equivalente, vigente à época da apresentação da proposta, quando a variação dos custos for decorrente da mão-de-obra e estiver vinculada às datas-base destes instrumentos. (Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)

 Parágrafo único. (Revogado pela Instrução Normativa nº 18 de dezembro de 2009)

 Art. 39. Nas repactuações subseqüentes à primeira, a anualidade será contada a partir da data do fato gerador que deu ensejo à última repactuação. (Redação dada pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)”

Vale o registro das seguintes Orientações Normativas da AGU que tratam do assunto:

“Orientação Normativa nº 25, de 1º de Abril de 2009: No contrato de serviço continuado com dedicação exclusiva de mão de obra, o interregno de um ano para que se autorize a repactuação deverá ser contado da data do orçamento a que a proposta se referir, assim entendido o Acordo, Convenção ou Dissídio Coletivo de Trabalho, para os custos decorrentes de mão de obra, e da data limite para a apresentação da proposta em relação ao demais insumos”.

“Orientação Normativa nº 26, de 1º de Abril de 2009: No caso das repactuações subsequentes à primeira, o interregno de um ano deve ser contado da última repactuação correspondente à mesma parcela objeto da nova solicitação. Entende-se como última repactuação a data em que iniciados seus efeitos financeiros, independentemente daquela em que celebrada ou apostilada”.

No tocante a preclusão é importante destacar o disposto no art. 40, § 7º: “As repactuações a que o contratado fizer jus e não forem solicitadas durante a vigência do contrato, serão objeto de preclusão com a assinatura da prorrogação contratual ou com o encerramento do contrato. (Incluído pela Instrução Normativa nº 3, de 16 de outubro de 2009)”.

As repactuações devem ser formuladas por apostilamento (art. 40, § 4º IN 02/2008)

Alguns contratos administrativos de prestação de serviços podem possuir parte do objeto prestado com dedicação exclusiva de mão de obra e parte sem dedicação exclusiva de mão de obra. Nesses contratos gerava divergência quando se desejava aferir que critério de reajustamento se deveria adotar.

A divergência foi superada nos termos do PARECER Nº 04/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU, segundo o qual entendeu pela impossibilidade de utilização concomitante de reajuste e de repactuação. Assim, para esses contratos com objeto hibrido (mão de obra e insumos) o contrato administrativo pode, inclusive, prever que o reajustamento dos insumos diversos em repactuações se dê por meio da adoção de índice.

Assim, nos contratos administrativos de prestação de serviços continuados que tenham parte do objeto prestado com dedicação exclusiva de mão de obra e parte sem dedicação exclusiva, deve ser adotada a repactuação como forma de reajustamento.

Nesse sentido são as conclusões do PARECER Nº 04/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU:

“40. Se, porventura, a separação desse objeto em contratos distintos não for técnica ou economicamente viável, deve-se adotar a repactuação como forma de reajustamento, pois esse expediente permitirá que, para os custos com insumos diversos (ex.: material de limpeza, equipamentos, vestuário), a Administração Pública possa valer-se de múltiplas fontes de referência para mensurar a variação dos preços, inclusive índices para diferentes custos, a teor da Orientação Normativa AGU n° 23/2009 e do art. 40, §2°, V, da Instrução Normativa SLTI/MPOG n° 02/2008, transcrito abaixo: (…)

42. Pelo exposto, a repactuação, por ser mais flexível sob o ponto de vista da análise de custos, implicará o cálculo dos custos de mão de obra por meio da consulta a convenções coletivas, acordos coletivos ou sentenças normativas e também poderá valer-se da incidência de índices setoriais, específicos ou gerais para o reajustamento dos insumos diversos por força da orientação do Acórdão TCU n° 1.214/2013 – Plenário e dos permissivos do art. 40, §2°, V, da Instrução Normativa SLTI/MPOG n° 02/2008 e da Orientação Normativa AGU n° 23/2009”.

CONCLUSÃO

A análise das disposições legais aplicáveis à matéria permite concluir que existem basicamente três modalidades de reajustamento: a) revisão; b) reajuste em sentido estrito; e c) repactuação.

Os institutos apesar de ter suas regras próprias todas tem a mesma finalidade que é a manutenção da equação econômico- financeira do contrato.

Assim, desde que preenchidos os requisitos surge para a Administração o poder-dever de conceder o benefício.

 

Referências
ADVOCACIA-GERAL DA UNIÃO. Parecer nº AGU/JTB 01/2008. Adotado pelo Advogado-Geral da União para os efeitos do art. 40, §1º, da Lei Complementar nº 73, de 1993. Brasília, 2009.
PROCURADORIA GERAL FEDERAL. PARECER Nº 04/2013/CPLC/DEPCONSU/PGF/AGU.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2014.
FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 16. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 30ª edição. São Paulo: Malheiros, 2013.
TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO: Licitações e contratos: orientações e jurisprudência do TCU/Tribunal de Contas da União. – 4. ed. rev. e ampl. – Brasília: TCU, Secretária-Geral da Presidência: Senado Federal, Secretária Especial de Editoração e Publicações, 2010.
 
Notas:
[1] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2014. pág. 199

[2] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 16. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. pág. 1012.

[3] Tem sido comum, no âmbito do TCU, a utilização da expressão “realinhamento” de preços como sinônimo da revisão.

[4] O ilustre Lucas Rocha Furtado denomina o instituto decorrente da Teoria da Imprevisão de Recomposição.

[5] JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos, 16. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014. pág. 1014.

[6] FURTADO, Lucas Rocha. Curso de licitações e contratos administrativos. Belo Horizonte: Fórum, 2007. pág. 610.

[7] ORIENTAÇÃO NORMATIVA Nº 23, DE 1º DE ABRIL DE 2009: "O EDITAL OU O CONTRATO DE SERVIÇO CONTINUADO DEVERÁ INDICAR O CRITÉRIO DE REAJUSTAMENTO DE PREÇOS, SOB A FORMA DE REAJUSTE EM SENTIDO ESTRITO, ADMITIDA A ADOÇÃO DE ÍNDICES GERAIS, ESPECÍFICOS OU SETORIAIS, OU POR REPACTUAÇÃO, PARA OS CONTRATOS COM DEDICAÇÃO EXCLUSIVA DE MÃO DE OBRA, PELA DEMONSTRAÇÃO ANALÍTICA DA VARIAÇÃO DOS COMPONENTES DOS CUSTOS."

[8] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Atlas, 2014. pág. 200.

[9] Lucas Furtado denomina o instituto da Repactuação como sinônimo de Revisão.


Informações Sobre o Autor

Katiane da Silva Oliveira

Procuradora Federal


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