Resumo: Este artigo discute a Nova Divisão Internacional do Trabalho na era da Intensificação Tecnológica, com estudos fundadores, de alguns teóricos, sobretudo nos meios acadêmicos, com diferentes enfoques nas transformações que vêm sendo operadas nas sociedades capitalistas ao longo dos últimos 30 anos. São assuntos abordados neste artigo: Globalização Financeira, Distritos Industriais na Itália, Grandes Avanços na Tecnologia e Esfera Financeira, Nova Qualidade do Trabalho, Acumulação Flexível, Mundialização da Economia, Internacionalização do Trabalho, Desindustrialização, Emprego, Tecnologia, Nova Divisão Internacional do Trabalho e a Intensificação Tecnológica. Objetiva-se aprofundar não apenas as questões levantadas, mas também possibilitar o surgimento de controvérsias que motivem o debate sobre Nova Divisão Internacional do Trabalho na Era da Intensificação Tecnológica, principalmente com enfoque em sua importância para o desenvolvimento de uma nova sociedade, em paralelo com o bem-estar social.[1]
Palavras-chave: Nova Divisão Internacional do Trabalho, Tecnologia, Inovação.
“Abrem-se as possibilidades de fundar um outro padrão de valores: não na mensuração do mundo, mas contra este mundo”. (Negri, 1988b:73 ).
Introdução
Pode-se falar em “fim do trabalho”? De “uma nova divisão internacional do trabalho”? Em “trabalho na era pós-moderna”? E o “domínio de marcas, patentes, conhecimento, inovação, pesquisas, design, tecnologias estratégicas de produto e de processo nas economias centrais”? Temos que desenvolver “pesquisa e inovação nas pequenas e médias empresas”, “Terceira Itália”, para um novo modelo regional de desenvolvimento no século XXI? Estas e outras questões exprimem uma grande inquietação intelectual e política com transformações que vêm sendo operadas nas sociedades capitalistas ao longo dos últimos 30 anos.
Desde meados da década de 1970, vem-se percebendo – sobretudo nos círculos acadêmicos – que o modo capitalista de produção está a passar por algum tipo de profunda transformação em sua natureza econômica e social, e daí, também política. Estudos fundadores apontando nessa direção foram, entre outros, os de Marshall[2] (1967), Offe[3] (1989), Harvey[4] (1996), Cocco (1996)[5], Becattinni[6] (1997), Corò (1999)[7],
Pochmann[8] (2001) e Jeammaud[9] (2002). Embora distintos quanto às metodologias, terminologias, motivações e objetivos, eles sustentam, com base em dados e análises sérias, estar o capitalismo evoluindo para um novo regime de produção, baseado numa “sociedade pós industrial” (nos serviços), ou uma nova divisão internacional do trabalho, ou novas formas de exclusão social, ou capitalismo baseado na ciência e tecnologia, ou a financeirização da economia, ou a organização em distritos industriais para um desenvolvimento regional (Terceira Itália), ou uma certa organização do processo produtivo nas características socioculturais de uma camada da população, ou nas redes de comunicação da informação.
Qualquer que fosse o foco central da análise, logo a rotulação preferencialmente adotada por estes e outros autores, começavam todos a entender que, nesta etapa, então, do capitalismo emerge mudanças fundamentais nas relações e práticas do trabalho e, também, uma nova ordem mundial com grande aplicação do conhecimento, de conteúdos tecnológicos e inovação.
Começa a se reexaminar as consequências dessas transformações nas relações econômicas e políticas entre os países centrais e os demais, periféricos e os semiperiféricos[10] (denominação de Pochmann).
Harvey (1996) denomina a acumulação flexível do capitalismo pós moderno, que é marcada por um confronto direto com a rigidez do fordismo. Pochmann chama atenção para que desde a década de 1970 há uma nova modificação na Divisão Internacional do Trabalho, associada ao processo de reestruturação empresarial, acompanhado de uma nova Revolução Tecnológica. Jeammaud (2002) advertiu sobre a nova internacionalização do trabalho e empresas, os desafios da integração econômica e as dificuldades do Direito do Trabalho com suas pluralidades formais em diferentes países.
Distrito industrial de pequenas e médias empresas – Terceira Itália
Pode-se associar o conceito de distrito industrial à figura de Alfred Marshall, como aponta Whitaker (1985, publicadas por John K. Whitaker[11]), que demonstrava que as vantagens, ou pelo menos algumas delas, da produção em grande escala podem também ser obtidas por uma grande quantidade de empresas de pequeno porte, concentradas em território dado, especializadas nas suas fases de produção. Para que esse fenômeno do distrito industrial se realize é necessária uma interpretação dessa imensidão de pequenas e médias empresas como temos no Quadro 1 (milhares de empresas por regiões da Itália) com a população residente nesse mesmo território. Desse modo, os habitantes devem apresentar características socioculturais (valores e instituições) em simbiose com um processo de desenvolvimento próprio das pequenas e médias empresas.
Giancarlo Corò (1999) afirma que é cada vez mais forte a ideia que os sistemas produtivos localizados – distritos industriais (DIs, Clusters[12]) – podem representar umas das saídas para o impasse da produção em massa. A tese desenvolvida no ensaio de Giancarlo Corò é de que os distritos industriais (Clusters) constituem uma das formas mais adequadas, embora não única, de organização econômica e social da produção pós-fordista. Na Itália, a indústria perdeu na década de 1990 quase 600 mil postos de trabalho, cerca de 10% do que tinha no início dos anos 80. Todavia, essa perda concentrou-se quase toda nas grandes empresas, nas quais o emprego caiu pela metade em apenas dez anos, confirmando assim um declínio que começou já nos anos 70.
Segundo diversos experts italianos (economistas, sociólogos, antropólogos, geógrafos), são a consciência de que cada vez mais, por um forte potencial de descentralização: quanto mais o conhecimento se torna um fator estratégico da produção, mais a organização da produção caminhará em direção a processos de desverticalização.
Becattini, que descreve os distritos industriais na Itália no pós-guerra, (aproximadamente cerca de cem, em critérios determinação adotados) numa grande parte da Itália central e setentrional, com algumas ramificações em direção ao sul do país como mostra o Gráfico 1.
Os distritos italianos, segundo Becattini, deram grandes resultados positivos as nas exportações italianas, agregando valor às pequenas e médias empresas desses distritos, com tecnologia e inovação, como pode-se constatar no Gráfico 2 (exportações).
No Gráfico 3, as exportações por setor, sobretudo as de bens (tecidos, vestuário, calçado, móveis etc.), fabricados justamente nesses distritos industriais.
Conclui-se que a proliferação das pequenas e médias empresas e sua concentração em sistemas territoriais impulsionaram a industrialização do que denominamos a Terceira Itália.
Giuseppe Cocco atribui às grandes firmas transnacionais uma lógica de funcionamento e de valorização completamente desterritorializadas. As realidades industriais baseadas em redes de pequenas e médias empresas (tipo os distritos industriais da chamada “Terceira Itália”) indicam trajetórias de inserção competitiva (tecnologia e inovação) nos mercados globais que valorizam as dimensões locais.
Hoje, 2011, com duas crises seguidas no mundo capitalista, com a ameaça de calote em certos países da União Europeia (UE) e o impasse político sobre a dívida pública dos Estados Unidos nos leva a pensar as dificuldades para saídas neste momento da era pós-fordista.
De um lado, há o modelo europeu baseado no intervencionismo governamental e no Estado de Bem-Estar Social (Marshall, 1967), ou seja, nas garantias da saúde e do ensino público e de uma legislação protetora dos assalariados. De outro lado, o modelo americano, fundado na iniciativa privada, na livre empresa e na flexibilidade do mercado de trabalho.
Contudo, atualmente, os dois modelos enfrentam os mesmos entraves. Os Estados Unidos e alguns países da União Europeia têm suas finanças públicas fora de controle e possuem sistemas políticos que não conseguem resolver o problema. Este endividamento público precede a crise financeira de 2008-2009.
Frente à crise econômica das democracias ocidentais, o crescimento da China e os chamados diferentes países emergentes e a consolidação do grupo dos Brics[13] (no cenário mundial), o Brasil é o único país que se apresenta como uma plena democracia, ao contrário da Rússia e da China, e que não tem graves clivagens étnicas ou ameaça de conflito atômico com seus vizinhos, caso da Índia.
Neste cenário, o Brasil precisa analisar sua estratégia de integração à economia mundial, sob pena de perda de sua tradicional dinâmica de alto crescimento econômico sustentado na ampla geração de empregos e para fortalecimento da política de inovação e de tecnologia, com investimentos em pesquisa e desenvolvimento, para termos ganhos reais de produtividade e competitividade.
Grandes avanços na tecnologia e a esfera financeira
Os grandes avanços na tecnologia engendraram um sistema financeiro internacional altamente eficiente e cada vez mais sofisticados. Este tem a capacidade de transmitir rapidamente as consequências de erros de julgamento em investimentos privados e em políticas públicas a todos os cantos do mundo numa velocidade sem precedentes na história (Cocco, 1996).
“O capital financeiro contemporâneo não é o resultado da fusão entre o capital industrial e capital bancário, mas das funções do dinheiro (moeda, patrimônio, crédito) de maneira a poder dominar sem obstáculos os mercados globais”, como aponta Antonio Negri (1998). Ele indica que a lógica financeira condiciona as escolhas de investimento e de reestruturação produtiva, tornando “financeira” a própria produção.
O capital financeiro não se desloca mais entre os setores produtivos em função da composição orgânica do capital. As bases materiais da “cartelização” não se encontram mais na grande indústria taylorista do período fordista. O que esse novo poder do dinheiro (do capital na forma de dinheiro) está visando não são nem as técnicas nem as políticas financeiro-monetárias em si, mas a qualidade nova do trabalho. Em outras palavras, a força dos mercados está no fato de eles conseguirem medir e, portanto, controlar um trabalho de tipo novo. Um trabalho que se qualifica ao mesmo tempo por suas dimensões imateriais, comunicativas e por sua imediata socialização.
Um enigma que não podemos solucionar sem entender o modo de ser financeiro da riqueza a partir do novo processo de valorização e, portanto, da qualidade completamente nova do trabalho na era da informação, do conhecimento, globalização e da intensificação tecnológica.
Nova Qualidade do Trabalho
Com efeito, a globalização constitui, ao mesmo tempo, um potente fator de desenvolvimento das chamadas novas tecnologias da informação e da comunicação (TICs) e o produto das bases materiais que essas redes proporcionam. Trata-se das redes integradas de computadores que proporcionam as atividades produtivas e reprodutivas mais variadas: desde os diferentes sistemas de transporte até as máquinas de livre acesso dos bancos, desde as redes de integração virtual das concessionárias das grandes firmas automotivas até as redes de gestão de informações sobre fluxos dos insumos nos ateliês das grandes indústrias (Cocco, 1996).
Em face da globalização e da difusão das tecnologias da informação e de comunicação, as análises das transformações do trabalho são marcadas pelas imagens de um ciclo de inovação tecnológica que chegaria a eliminar o trabalho vivo da produção.
Hoje podemos encontrar uma quase unanimidade é da identificação do processo de globalização com o da financeirização da economia. As turbulências que caracterizam a era pós-fordista constituem uma confirmação do papel cada vez mais importante da esfera financeira que depende da esfera “real”. Desde o começo da década de 1990, o mundo econômico vem assistindo a repetidos surtos de instabilidade financeira em intervalos de aproximadamente dois anos.
Quando, a partir da década de 1980, a União Soviética ruiu e, também, todo o sistema político e militar à sua volta, paralelamente, começou uma hegemonia “neoliberal” nos principais países capitalistas centrais, com todas as suas consequências, especialmente nos campos trabalhista e social. A expressão “globalização”, através dos meios de comunicação cartelizados, impõe o “pensamento único”, para só então o pensamento social crítico começar a perceber que havia algo mais fundo para se buscar a entender. Offe (1989) chegou a acreditar que estava assistindo ao fim da “sociedade trabalho”, pois o trabalho – ele se referia àquele trabalho “penoso”, “operário”… – estaria deixando de ser um “valor” central, ético, na sociedade capitalista. Harvey (1996) apontou para a questão conceitualmente central: o capitalismo transitara para um outro novo regime de acumulação, que ele, Harvey, denomina “acumulação flexível”.
Acumulação Flexível
O regime de “acumulação flexível”, que estaria sucedendo ao “fordismo”, conforme proposto por Harvey (1996) (Figura 1).
O “grupo central” se compõe de empregados em “tempo integral, condição permanente e posição essencial para o futuro de longo prazo da organização”, gozando ainda de várias outras vantagens econômicas e culturais. A “periferia” se constitui de círculos concêntricos progressivos, formados, em parte, por “empregados em tempo integral com habilidades facilmente disponíveis no mercado de trabalho”; em parte por “empregados parciais, empregados casuais” e outros temporários ou subcontratados, círculo este que vem crescendo significativamente nos últimos anos (Harvey, 1996).
O trabalho principal que permite ao capital-informação acumular e crescer é aquele realizado pelo “grupo central”. Seu valor expresso em informações científico-tecnológicas, estratégicas, financeiras, mercadológicas, gerenciais, socioculturais etc., será fixado em documentos de patentes e copyright, ou mantido sob estrito segredo industrial, sendo comunicado ao restante da rede produtiva através de registros redundantes, como maquetes, moldes, pranchas de desenho (Dantas, 2004).
A partir daí começa uma espécie de corrida contra o tempo. A informação gerada e registrada pelo “grupo central” será transferida para os círculos de trabalho redundante, espacialmente situados em qualquer lugar do mundo onde seus custos sejam mais “competitivos”, ou onde estejam, no caso das vendas, o mais próximo possível dos consumidores finais.
A descrição geral da corporação-rede, como um exemplo típico, é a corporação italiana Benetton. Entretanto, esta corporação, durante muito tempo, não fabricava nada do que vendia e, hoje, fabrica apenas um segmento de seus produtos e segue vendendo, muito pouco de tudo o que leva sua marca, conforme aponta Marcos Dantas.
Com base em Chesnais[14] (1996), podemos dizer que o processo da Benetton divide-se em três fases distintas:
1) Duas ou três centenas de pessoas são por ela diretamente empregadas ou assalariadas em atividades de pesquisa de mercado. Quase todo esse pessoal se encontra nos escritórios centrais da firma, na Itália. Percebe-se que o produto do trabalho aí realizado é informação posta nas mais diversas formas simbólicas. Em suma, executivos, analistas de mercado, estilistas, desenhistas, fotógrafos, engenheiros de computação, economistas, muitos outros técnicos, isto é, o conjunto muito bem pago de trabalhadores da Benetton, trabalha obtendo informação, processando informação, registrando informação e comunicando informação.
2) A segunda fase do processo se desenrola em uma fábrica localizada na Califórnia, Estados Unidos, onde estão empregadas cerca de 800 pessoas. A fábrica pertence à Benetton. Como em qualquer outra fábrica têxtil, a função principal e quase exclusiva de engenheiros, técnicos e operários é observar, controlar, ajustar, coordenar o processo de transformação material realizado pelas máquinas. Através de relógios, medidores, lâmpadas sinalizadoras, monitores de vídeos, visores etc. Portanto, tanto quanto o trabalho realizado na matriz italiana, o trabalho humano principal na fábrica também é de obter, processar, registrar, comunicar informação.
3) A terceira fase do processo se realiza em cerca de 450 oficinas de confecção espalhadas em países do Sudeste Asiático e em outras regiões, que empregam, ao todo, umas 25 mil pessoas. Ao contrário da fábrica na Califórnia, essas oficinas não pertencem à Benetton, logo os seus trabalhadores não são por elas empregados, embora, graças a ela, tenham emprego. Essas confecções recebem os tecidos já cortados, e todo o trabalho aí realizado é o de costura final das peças e partes que compõem um objeto qualquer do vestuário. As peças cortadas constituem, elas mesmas, moldes que, para Benetton, já informaram como deverá ser o objeto de vestuário e toda a coleção. O modelo desenhado em um computador na Itália estará afinal objetivado em um suporte de pano, num país qualquer da Ásia. A informação original do modelo está sendo agora replicada aos milhões, cada peça igual à outra. Aqui não há mais informação nova a acrescentar e, mesmo, a transformação material será desprezível – a transformação determinante já foi feita na fábrica da Califórnia. Essa fase do processo produtivo é muito mal remunerada e realizada sob as piores condições sociais e ambientais.
Mundialização da economia e a nova internacionalização do trabalho
A nova internacionalização do trabalho corresponde a um impacto da mundialização da economia e, em particular, da globalização da estratégia de empresas sobre o trabalho subordinado, que se manifesta através do aparecimento de várias figuras jurídicas de vários tipos de trabalhadores diferentes que estão ligados a essa transformação. Há, portanto, o trabalhador migrante, o trabalhador internacional e o trabalhador nacional, que pertence ao mercado local de trabalho do país onde nasceu e que ali trabalha para um empregador, mas que se encontra inserido em uma empresa transnacional, cuja sociedade-mãe encontra-se incorporada em um determinado país com sucursais em outros diferentes países; ou que pode ser ainda uma megaempresa que possui sua sede em um determinado país, no qual constituíram-se originariamente, encontrando-se implantada em vários outros países de forma não personalizada.
Em verdade, quando uma empresa decide implantar-se em um determinado país, suprimindo-se fábricas preexistentes em outros países, ela o faz para aproximar-se dos mercados consumidores ou para reduzir seus custos, em países onde a mão de obra é mais barata e a proteção dos trabalhadores menos rígida. E, em ambas hipóteses, o processo de desterritorialização corresponde à ideia de esfacelamento jurídico da coletividade do trabalho, conforme aponta Jeammuad (2002).
Para Jeammuad (2002), na França, estes acontecimentos nutrem um discurso um pouco catastrófico a respeito dos diferenciais do trabalho e dos direitos sociais, encorajando a concorrência pelo direito e o dumping social[15] em detrimento do emprego nos países que têm os direitos trabalhistas mais protecionistas e com melhores padrões sociais. Na opinião dele é um discurso equivocado, porque, se é obvio que a deslocalização produz manifestações espetaculares quando ela faz da França para o estrangeiro, ela se torna menos espetacular quando o país de implantação é a própria França. Assim, é verdade que a França é o país que recebe o maior número de turistas da Europa, quanto é o que recebe a maior quantidade de investimento estrangeiro, os quais encontram-se, naturalmente, relacionados ao sistema de deslocalização. A França, aliás, em virtude da deslocalização de empresas beneficia-se de um saldo positivo, pois gerou mais postos de trabalho do que perdas, afirma Jeammuad.
Situação do Brasil: desindustrialização, emprego e a tecnologia.
O texto do Dieese[16] examina o conceito de industrialização e contextualiza a trajetória do setor industrial no Brasil atual. Nesta nota técnica, o Dieese discute a respeito de um eventual processo de desindustrialização brasileira que já está presente na academia, nas entidades que representam a indústria, nos sindicatos e em setores do governo.
O texto refere-se à conjuntura enfrentada pela indústria de transformação. As indústrias extrativas, de energia e o agronegócio possuem um dos maiores níveis de produtividade do mundo, com elevada capacidade de competir e, por isso, não são consideradas nesta Nota do Dieese.
Conforme o texto do Dieese, a industrialização representa o processo pelo qual a indústria aparece como o setor dinâmico de uma economia, aquele que agrega mais valores ao produto total e/ou cria maior número de empregos. Historicamente, a indústria surge na Europa e passa a ser atividade mais importante de algumas economias daquele continente, superando a acumulação de capital na agricultura e no comércio e tornando-se o setor com maior produtividade e o maior gerador de empregos. Desde a primeira Revolução Industrial (Inglaterra, final do século XVIII) até o último quartel do século XX, o setor industrial, a despeito de todos os avanços tecnológicos, sempre concentrou grande contingente de mão de obra e influenciou o crescimento do emprego.
A introdução da microeletrônica, da robótica, da telemática etc., que implicou nova organização do trabalho e do processo produtivo, não impulsionou a expansão do emprego na produção industrial, embora o setor ainda tenha preservado a enorme capacidade de adicionar valores ao produto da economia, principalmente nos países que elaboram produtos intensivos em tecnologia. Assim, não é possível, em termos restritos, caracterizar como desindustrialização um processo no qual o setor industrial apenas reduz a capacidade de criar postos de trabalho. Se a participação da indústria na produção de bens e na agregação de valores se mantém inalterada ou cresce, não se caracteriza como desindustrialização (Dieese, 2011).
A desindustrialização não significa, necessariamente, algo danoso e que eventualmente vá empobrecer determinada sociedade. É preciso saber em que circunstâncias ela ocorre. Os países industrializados assistiram, nas três últimas décadas, uma enorme expansão do setor de serviços, que exigiu uso intensivo de mão de obra e alto grau de especialização (empregos de qualidade). Neste contexto, os serviços passaram a gerar mais emprego e renda, apesar da manutenção e até crescimento da indústria. Houve um claro processo de desindustrialização, uma vez que o setor industrial perdeu, para os serviços, a condição de atividade dinâmica da economia.
O setor de serviços vem garantindo a expansão do emprego nos últimos dez anos e aumentando progressivamente a participação no Produto Interno Bruto (PIB), segundo os dados da Pesquisa Mensal de Emprego (PME) de junho de 2011, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O setor de serviços representa atualmente 69% do PIB e participa com 70% da mão de obra empregada no país.
O aumento da participação do setor de serviços na geração de emprego e em sua relação direta com o PIB é uma tendência mundial. Esta tendência já pode ser verificada nos grandes países como os Estados Unidos, onde o setor de serviços chega a representar 77% do PIB, demonstrado no Gráfico 4.
Entretanto, os países que passaram por esse processo de crescimento dos serviços têm um setor industrial diversificado e articulado, são produtores de tecnologia, sedes de grandes empresas industriais e multinacionais, possuem população escolarizada e profissionalmente qualificada e ostentam altos níveis de renda. O fato de os serviços terem se tornado o segmento mais dinâmico da economia foi consequência natural da sofisticação dessas sociedades.
A desindustrialização em nenhum momento as empobreceu. A desindustrialização torna-se problema quando países em processo de industrialização, em que a indústria de transformação ainda não atingiu estágios de produtividade e competitividade compatíveis com os níveis encontrados internacionalmente e a renda per capita baixa, são aqueles que ressentirão da redução do valor agregado e no número de empregos gerados.
Mesma análise em determinados países centrais quanto à deslocalização ou desterritorização de empresas, principalmente as corporações-rede e as megaempresas, não só produz efeitos negativos como aponta Jeammuad (2002). “A França, aliás, em virtude da deslocalização de empresas beneficia-se de um saldo positivo, pois gerou mais postos de trabalho do que perdas” (Jeammuad).
Entretanto, países como o Brasil, além de deixar de gerar empregos, a diminuição do peso da indústria cria uma dependência, uma vez que todos consomem produtos industriais com mais qualidade e em quantidades maiores. A produção de commodities agrícolas e minerais, por mais importante a dinâmica que seja, não afasta o problema. Enquanto simples exportador de produtos primários, o Brasil enfrentou crises cambiais, fruto de conjunturas internacionais adversas.
O Gráfico 5 mostra a participação da Indústria de Transformação na formação do PIB do Brasil no período compreendido entre 1947 e 2009, com projeção para 2010. De uma participação média de cerca de 11% entre 1947 e 1949, atinge um máximo de 27,2% em meados de 1980. A partir daí, a participação se reduz para um patamar compreendido entre 15,0% e 16%, de 1997 a 2010.
O Gráfico 6, de 1985 até setembro de 2010, mostra a situação de emprego nas três áreas produtivas. Enquanto no setor de serviços o emprego cresceu 11%, na indústria de transformação houve redução de 28%. A agropecuária registrou leve variação negativa no número de postos de trabalho, menor do que da indústria geral. O emprego aumentou 11%.
A indústria brasileira deve aumentar a participação no PIB e na geração de empregos. Para isso necessita aumentar a presença na composição do produto nacional, adensando as cadeias produtivas, utilizando mais tecnologia, inovação e competindo no mercado internacional.
No Brasil a discussão a respeito de um eventual processo precoce de desindustrialização já está presente em vários setores da sociedade. Se as suspeitas têm fundamento, o país corre risco de um retrocesso no caminho do desenvolvimento, para permitir um caminho de crescimento mais consistente com geração de postos de trabalho com mais qualidade.
Nova Divisão Internacional do Trabalho e a Intensificação Tecnológica
A partir do final dos anos 60, a desorganização das bases institucionais do desenvolvimento capitalista, construídas no imediato pós-guerra, impulsionou o maior acirramento da competição entre os capitais. Com o desmonte do bloco soviético, a retomada norte-americana no final dos anos 80 proporcionou a posição de império quase absoluto, fundada no poder econômico, militar e tecnológico.
De outro lado, com o desmoronamento do Sistema Financeiro Internacional, fundado no acordo de Bretton Woods, desapareceram as condições necessárias para a repressão financeira que forçava a maior valorização produtiva no capital e o compromisso com o pleno emprego, por meio das políticas keinesianas.
Em função disso assiste-se, desde a década de 1970, a uma modificação substancial na Divisão Internacional do Trabalho. Embora o comando da Nova Divisão Internacional do Trabalho pertença à dimensão financeira, há dois vetores estruturais que influenciam a partir do centro do capitalismo mundial. O primeiro vetor está associado ao processo de reestruturação empresarial, acompanhado da maturação de uma nova Revolução Tecnológica.
Com o aprofundamento da concorrência intercapitalista tem havido maior concentração e centralização do capital, seja nos setores produtivos, seja no setor bancário e financeiro, o que concede maior importância ao papel das grandes corporações transnacionais. Formam-se oligopólios mundiais, responsáveis pela dominação dos principais mercados, como é o caso no setor de computadores com apenas dez empresas controlando 70% da produção, ou de dez empresas que correspondem por 82% da produção de automóveis, ou de oito empresas que dominam 90% do processamento de dados, ou de oito empresas que dominam 71% do setor petroquímico ou ainda de sete empresas que respondem por 92% do setor de material de saúde (Pochmann, 2001).
Por meio da fusão e aquisição de uma ou mais empresas por outras, há ganhos na escala de produção sem efeitos sistêmicos na ocupação, geralmente pressionada pela maior racionalização do trabalho. O aumento do poder da grande empresa parece inquestionável, mesmo diante da produção em rede, que potencializa a lógica de menor custo de produção possível, inclusive com formas de degradação do trabalho.
Assim os países periféricos e semiperiféricos, no intuito de oferecer condições mais satisfatórias à atração das corporações transnacionais, aceitam o programa de agências multilaterais como FMI e BIRD, o que determina por provocar o rebaixamento ainda maior do custo do trabalho e a desregulamentação dos mercados de trabalho.
A constituição de cadeias produtivas mundiais encontra-se dividida em dois níveis distintos. No primeiro nível assumem maior importância as atividades produtivas vinculadas aos processos de concepção do produto, definição do design, marketing, comercialização, administração, inovação, pesquisa e tecnologia e aplicação das finanças empresariais. Por serem atividades de comando e elaboração, são partes do processo produtivo vinculadas aos serviços de apoio à produção, com tecnologias mais avançadas, demandando crescentemente mão de obra mais qualificada, que recebe maior salário e com condições mais favoráveis de trabalho. Não causa espanto, no entanto, saber que a parte majoritária dos investimentos em ciência e tecnologia é de responsabilidade dos países do centro capitalista.
O eixo da diferenciação da competição intercapitalista não mais se sustenta na geração de valor agregado à produção de manufatura, mas na concentração das atividades de mais alto conteúdo tecnológico e de confecção de valor intangível.
Nas décadas de 1980 e 1990, o centro capitalista passou a concentrar maior participação relativa no total do emprego qualificado devido à difusão da Nova Divisão Internacional do Trabalho. Em 1997, quase 72% do total dos postos de trabalho qualificados eram de responsabilidade dos países de maior renda, ao mesmo tempo em que continuavam a perder participação relativa nas ocupações não qualificadas. (Pochmann).
No Brasil, o país teve uma baixa geração de postos de trabalho qualificados. Entre 1990 e 1998, os postos de trabalho qualificados foram reduzidos em 12,3%, enquanto as ocupações não-qualificadas cresceram 14,2%, segundo informações do Ministério do Trabalho.
Com base no estudo da Organização Internacional do Trabalho (OIT), que comparou os postos de trabalho de profissionais e técnicos vinculados ao setor de pesquisa e tecnologia com a ocupação total, o Brasil registrou uma leve elevação. Entre 1980 e 1996, por exemplo, a taxa de variação média anual destes postos de trabalho foi de 0,66%, bem abaixo da taxa de países como Cingapura, (6,8%), Hong Kong (7,2%) Coreia (8,3%) e Venezuela (1,4%) (OIT, 1999)[17] (Gráfico 6: Evolução da participação do emprego de profissionais e técnicos em pesquisa e tecnologia na ocupação total 1980-1999).
Neste cenário de difusão de uma Nova Divisão Internacional do Trabalho nas últimas décadas, o Brasil precisa rever sua estratégia de integração à economia mundial, sob pena de perda de sua tradicional dinâmica de alto crescimento econômico sustentado na ampla geração de empregos.
Conclusões
Queremos que as conclusões neste artigo apontem, embora muito sucintamente, tanto para algumas questões teóricas, quanto para as questões políticas sociais a respeito das quais julgamos necessário provocar algum debate e as possibilidades investigativas abertas, sobre a Nova Divisão Internacional do Trabalho na era da intensificação da tecnologia. Estas apontarão para os desafios e até ameaças capitalistas “globalizadas”, “financeirizadas”, “desindustrializadas” e em “crise das finanças públicas”.
Hoje, com a crise global, estabeleceu-se o aparecimento forçado de um segundo elemento reestruturador do funcionamento do sistema centro-periferia capitalista. Além dos sinais crescentes de decadência relativa dos EUA, constatam-se também indícios do deslocamento do antigo centro dinâmico capitalista unipolar para a multipolarização geoeconômica mundial (Estados Unidos, União Europeia, Rússia, Índia, China e Brasil).
Tudo ainda em fase embrionária, mas já favorecendo a gradual constituição de um novo policentrismo na dinâmica global capitalista em novas bases. Se considerado ainda o curso do processamento de uma revolução tecnológica, têm-se os elementos fundadores de mais uma transformação profunda no modo de produção capitalista.
Destaca-se, também, o intenso processo de hipermonopolização do capital, expresso pelo poder inequívoco de não mais de 500 grandes corporações transnacionais a dominar qualquer setor de atividade econômica e responder por cerca da metade do PIB global. O comércio internacional deixa de ocorrer entre nações para assumir cada vez mais a centralidade entre as grandes corporações transnacionais.
Nesses termos, não são mais os países que detêm as empresas, mas as grandes corporações transnacionais é que detêm os países, tendo em vista que o valor agregado gerado nelas tende a ser superior ao PIB da maior parte das nações. Essas corporações não podem mais sequer quebrar, sob o risco de colocar em colapso o sistema capitalista, o que exige, por sua vez, a subordinação crescente dos Estados nacionais às suas vontades e necessidades.
Atualmente, os Estados Unidos e alguns países da União Europeia têm suas finanças públicas fora de controle e possuem sistemas que não conseguem resolver o problema. As democracias ocidentais deste começo do século XXI estão todas endividadas, e este endividamento público precede a crise financeira de 2008-2009.
Neste cenário de aprofundamento da globalização e da crise neste início do século XXI, dificulta ainda mais a situação de empregos. Diante da Nova Divisão Internacional do Trabalho na era da intensificação da tecnologia, o mundo, especialmente o Brasil, precisa rever urgentemente sua estratégia de integração passiva e subordinada à economia mundial.
Em uma sociedade do controle pós-fordista, marcada pela socialização de um processo integrado de produção e consumo, o tempo da vida como um todo é subsumido no capital. Mas este processo apenas pode determinar-se aos custos de uma drástica limitação das virtualidades produtivas que o espaço público constitui e representa. O comando do capital perdeu sua dimensão “progressiva” e sua reprodução “suga”, de maneira parasitária, o suco vital de novas potências produtivas. Mas, ao mesmo tempo, a riqueza virtualmente separa-se dos ricos. Abrem-se as possibilidades de fundar um outro padrão de valores: não na mensuração do mundo, mas contra este mundo (Negri, 1998). “No inferno da produção, nossa solidão não é mais a das criaturas, mas a dos criadores” (Negri, 1988b:90).
Informações Sobre o Autor
Rose Menchise
Economista e Advogada – UERJ, Mestranda – UFF – Sociologia e Direito, Pós-Graduação completo – UFF e Universidade de Milão – Desenvolvimento Regional Tecnologia e Propriedade Intelectual. Pós-graduação Direito do Trabalho – Veiga de Almeida