Resumo: Os relacionamentos homoafetivos vêm se afirmando cada vez mais na sociedade, independentemente do preconceito social que ainda impera, haja vista o reconhecimento jurídico dessas uniões nas mais diversas demandas judiciais, desde o absurdo tratamento concedido aos casais homoafetivos, que como tais formavam apenas uma sociedade, regulada pelo Direito Obrigacional nas varas Cíveis , até o reconhecimento da entidade familiar constituída, inclusive, com a presença dos filhos, através da adoção. Mesmo assim, a sociedade questiona o melhor para a criança, considerando a adoção nessas condições, ou seja, se o fato de ser criada por dois pais ou duas mães repercute de maneira negativa no seu crescimento e na sua formação, ou se isso se dá simplesmente com a própria criação nos orfanatos ou casas similares, face à ausência de afeto, o qual tem sido o divisor de águas no reconhecimento dessas novas famílias que se formam, reconhecido como o verdadeiro vínculo familiar.[1]
Palavras-chave: família, afeto, homoafetividade, adoção.
Abstract: The homosexual relationships come increasingly asserting itself in the society, regardless of the social prejudice that still reigns, considering the legal recognition given to these unions, in several lawsuits, since the absurd treatment given to homosexual couples, which such as they are formed, are considered just a society, regulated by the obligatory law, in Civil judgments, until the recognition of the family entity formed even with the presence of children, through adoption. Even so, the society questions the best for the child, considering the adoption under these conditions, that is, if the fact of being created by two fathers or two mothers affects negatively their growth and in their formation, or if it occurs simply with the its creation in orphanages or other places like this one, considering the absence of affection, which has been the turning point in the recognition of these new families that are being formed, recognized as the true family link.
Key words: family, affection, homoaffectionateness, adoption.
Sumário:INTRODUÇÃO. 1. FAMÍLIA. 1.1. A instituição familiar ao longo dos tempos. 1.2. Estruturas familiares. 1.2.1 Matrimonial. 1.2.2 Informal. 1.2.3 União Estável. 1.2.4 Paralela. 1.2.5 Unipessoal. 1.2.6 Monoparental. 1.2.7 Parental ou Anaparental. 1.2.8 Pluriparental. 1.2.9 Eudemonista. 1.2.10 Homoafetiva. 1.3. Perspectiva atual das relações familiares. 1.4. Conceito de família. 2. Adoção. 2.1. Conceito, origem e disposições legais. 2.2. Características. 2.3. O direito de adotar. 2.4. O direito de ser adotado. 2.5. Abandono afetivo. 3. A nova família que se forma. 3.1. União homoafetivas. 3.2. Parentalidade. 3.3. Adoção homoafetivas. Considerações finais. Referências.
Introdução
O presente trabalho tem por objetivo aprofundar o estudo acerca da nova estrutura familiar que forma através da homoparentabilidade por meio da adoção, ratificando o direito à igualdade dos casais homoafetivos, no sentido de que todos têm o direito de constituir uma família. Quer-se, principalmente, desmistificar ideias equivocadas quanto à criação dos filhos por dois pais ou duas mães, indo de encontro ao preconceito que cerca o assunto, ainda nos dias de hoje, com esses relacionamentos ganhando cada vez mais reconhecimento jurídico.
Nesse diapasão, questiona-se a discriminação contra a adoção de crianças por casais homoafetivos, frente ao abandono e à institucionalização das mesmas, que acabam crescendo em orfanatos e abrigos, sem a convivência familiar, que além de um direito constitucionalmente protegido, é elemento fundamental para o seu desenvolvimento e sua formação. Nas famílias homoafetivas, a criança encontra muito mais amor e cuidado que, muitas vezes, na sua própria família, caindo por terra os pensamentos errôneos e preconceituosos acerca da má influência que pais homoafetivos trazem, no sentido de que os filhos tendem à mesma orientação sexual deles. Pior que isso, de maneira absurda, chega-se a cogitar-se o risco que essas crianças correm de sofrerem abuso e violência sexual.
Na realidade, reconhecer a formação de uma família formadas por pais e mães homossexuais ao adotarem uma criança é extremamente relevante para o crescimento da sociedade que, além de tirar suas crianças dos orfanatos, dando-lhes uma família afetuosa, que é o que realmente importa na formação de um cidadão de bem, acaba por se tornar menos preconceituosa, ratificando os direitos dos casais homoafetivos como pessoas humanas que são.
Dessa forma, por meio de pesquisa bibliográfica e jurisprudencial, num primeiro momento, estudar-se-á a instituição da família ao longo dos tempos, bem como a perspectiva atual das relações familiares. Além disso, serão analisadas as diversas estruturas familiares que existem nos dias atuais, desde os modelos de família “aceitos” até então, até a família homoafetiva, chegando-se ao conceito de família.
Depois, far-se-á um estudo acerca da adoção, seu conceito e características. Também serão abordados o direito de adotar e o direito de ser adotado, além de uma análise acerca do abandono afetivo. Por fim, será feita uma análise a respeito da nova família que se forma, a partir da adoção homoafetiva, estudando-se a homoafetividade e parentabilidade.
1 – Família
A família, desde os tempos antigos, é considerada a base de uma sociedade. De uma maneira geral, ela tem sido a instituição que mais sofreu alterações ao longo da história, passando de uma estrutura ampla a uma restrita, considerando o seu número de membros. Paulo Lôbo diz que hoje, a figura da grande família extensa foi substituída pelo núcleo familiar restrito e diversificado. (2011, p.15)
Interessante o que diz Amazonas e Braga a respeito dessas mudanças que vêm transformando a família.
“Ao falar da família, o mais adequado seria nos referir a uma transhistoricidade do laço familiar, ao invés de uma “eternidade” da família. Nunca existiu “a família” e, hoje, principalmente, o que há são “famílias”. As transições ocorridas nos âmbitos cultural, econômico, político e social têm afetado essa instituição de uma forma, talvez, jamais vista na História. Entre elas, elencamos: as mudanças demográficas, em especial a maior longevidade humana; a participação crescente da no mercado de trabalho; o divórcio e as organizações familiares distintas da família nuclear tradicional; o controle sobre a procriação a partir dos anticonceptivos; as transformações ocorridas nos papéis parentais e de gênero.[2]”
Nas civilizações primitivas, não havia relações individuais, sendo impossível identificar as relações de parentesco, tendo em vista a prática da endogamia, quer dizer, os relacionamentos sexuais ocorriam entre todos os integrantes da tribo. Apenas a mãe era conhecida. Posteriormente, os homens passaram a se relacionar com mulheres de outras tribos, evitando as do próprio grupo. Com o tempo, as relações individuais foram se solidificando, ressaltando-se o caráter de exclusividade, originando, então, a monogamia, apesar de a poligamia, permanecer em algumas civilizações. (SANTOS & SANTOS, 2008, p.3)
Nesse sentido, a família monogâmica, principal sinal da civilização nascente, foi fundamental para o desenvolvimento da sociedade, em razão do reconhecimento da paternidade. Isso porque os filhos foram beneficiados com esse reconhecimento, na medida em que os pais passaram a exercer a obrigação paternal de proteção e assistência aos filhos. (LÔBO, 2011, p.14)
Durante o Império Romano, a razão de ser da família era o culto aos antepassados. Consistia num agrupamento de pessoas que cultuavam os mesmos deuses. A poligamia era condenada exatamente em razão da importância do casamento religioso. Era dele que surgiriam os filhos, garantindo-se a preservação do culto familiar.
A família nessa época tinha um papel importante, pois nela estavam incorporados aspectos sociais, econômicos, religiosos, políticos e jurídicos. Segundo Sílvio Neves Baptista,
“Sempre se atribuiu à família, ao longo da história, funções variadas, de acordo com a evolução que sofreu, a saber, religiosa, política, econômica e procracional. Sua estrutura era patriarcal, legitimando o exercício dos poderes masculinos sobre a mulher — poder marital, e sobre os filhos — pátrio poder.[3]”
Conforme Jonabio Barbosa dos Santos e Morgana Sales da Costa Santos, a as famílias baseavam-se no paterfamilias (poder paternal) e seus membros ligavam-se pela religião doméstica e pelo culto aos antepassados, e não pelo vínculo do nascimento ou pela afeição natural que existe entre parentes. O pater era o membro mais importante na família romana. Ele administrava todo o patrimônio da família e era responsável pelo culto às divindades de seus antepassados. Fazia parte do Senado Romano e era sujeito de seu próprio direito. Exercia poder absoluto sobre a mulher, os filhos e os escravos, os quais, ao contrário do paterfamilias, não gozavam de direito próprio, estando sujeitos à autoridade do pater. (2008, p.4)
A materfamilias deixava de cultuar os antepassados de sua família e de seus pais. Com o casamento, passava a cultuar os deuses do marido. O filho poderia ser sujeito de seu próprio direito e constituir nova família quando o pai morria. A filha iria casar e fazer parte de outra família.
Na sociedade medieval, assim como na romana o objetivo do casamento era a manutenção do culto religioso, através do nascimento dos filhos. Esse casamento era religioso, o único conhecido até o século XVIII, quando surgiu o casamento civil, na França. A religião dominava as relações familiares. O casamento também servia para unir as famílias do casal. Isso os salvava da marginalização, pois era uma forma de fazer parte da sociedade tradicional. (VENOSA, 2002, p.19)
A família tinha o papel de orientar os filhos quanto à profissão que seguiriam. Também era responsável pela educação dos filhos e pelo ensinamento dos preceitos religiosos. A família era numerosa e seus membros serviam de mão de obra para a atividade econômica que ela desempenhava, a agricultura. As ordens eram dadas pelo pai, autoridade máxima da família.
A industrialização modificou a concepção familiar de até então. A família deixou de ser uma unidade de produção, bem como a autoridade de chefe do pai sobre os demais membros. Frente aos ideais de igualdade de direitos, surgidos com a Declaração Universal dos Direitos do Homem, grandes transformações na hierarquia familiar ocorreram. O homem passou a trabalhar nas fábricas e a mulher ingressou no mercado de trabalho para ajudar no sustento da família. Inclusive, as mulheres passam a ter os mesmos direitos dos maridos. (SANTOS & SANTOS, 2008, p.5)
As famílias deixam de ser numerosas, devido ao controle de natalidade e às condições de vida que eram péssimas. Os filhos não mais são gerados para ajudar na subsistência da família, trabalhando como mão de obra na agricultura. A nova família compõe-se do pai, da mãe e dos filhos, não contando mais com a presença de escravos, parentes afins, etc.
Segundo Paulo Lôbo, a família sofreu profundas mudanças de função, natureza, composição e, consequentemente, de concepção, sobretudo após o advento do Estado social, ao longo do século XX. A educação dos filhos deixa de ser responsabilidade plena da família, surgindo a participação das escolas. Nesse sentido, a religião também deixa de ser ensinada em casa. A instituição do casamento também se transforma. Não se trata mais de unir-se de duas famílias, mas da união afetiva entre duas pessoas. (2011, p.17)
Nesse contexto, deixa de ser a única forma de união legítima entre dois indivíduos. Surgem outros modelos de família, diversos do modelo tradicional, baseado no casamento. Quer dizer, uniões sem casamento passam a ser aceitas tanto pela sociedade, quanto pelo Direito.
A instituição familiar moderna é bem diferente daquela existente no século XIX, em que se constituía apenas pelo casamento, o qual era considerado pelo legislador a única forma admissível de formação de família. O Código Civil de 1916 trazia o perfil da família existente até então: matrimonializada, patriarcal, hierarquizada, patrimonializada e heterossexual, conforme aponta Maria Berenice Dias. (2011, p. 45)
Paulo Lôbo traz as diversas estruturas familiares existentes atualmente.
“São unidades de convivência encontradas na experiência brasileira atual, entre outras:
a) homem e mulher, com vínculo de casamento, com filhos biológicos;
b) homem e mulher, com vínculo de casamento, com filhos biológicos e filhos não biológicos, ou somente com filhos não biológicos;
c) homem e mulher, sem casamento, com filhos biológicos (união estável);
d) homem e mulher, sem casamento, com filhos biológicos e não biológicos ou apenas não biológicos (união estável);
e) pai ou mãe e filhos biológicos (entidade monoparental);
f) pai ou mãe e filhos biológicos e adotivos ou apenas adotivos (entidade monoparental);
g) união de parentes e pessoas que convivem em interdependência afetiva, sem pai ou mãe que a chefie, como no caso de grupo de irmãos, após falecimento ou abandono dos pais, ou de avós e netos, ou de tios e sobrinhos;
h) pessoas sem laços de parentesco que passam a conviver em caráter permanente, com laços de afetividade e de ajuda mútua, sem finalidade sexual ou econômica;
i) uniões homossexuais, de caráter afetivo e sexual;
j) uniões concubinárias, quando houver impedimento para casar de um ou de ambos companheiros, com ou sem filhos;
k) comunidade afetiva formada com “filhos de criação”, segundo generosa e solidária tradição brasileira, sem laços de filiação natural ou adotiva regular, incluindo, nas famílias recompostas, as relações constituídas entre padrastos e madrastas e respectivos enteados, quando se realizem os requisitos da posse de estado de filiação.[4]”
O Direito de Família vem reconhecendo novas espécies de família com o passar do tempo, rompendo-se com a ideia da família formada restritamente pelo casamento. As transformações sociais vêm trazendo à tona novas estruturas familiares, que se consubstanciam no afeto, na solidariedade, na lealdade, na confiança, no respeito e no amor. A consagração da igualdade entre homens e mulheres, o reconhecimento da existência de outras estruturas de convívio, a liberdade de reconhecer filhos havidos fora do casamento realizaram significativa transformação na família.
[…] “essas transformações contribuíram para o surgimento de novas formas de relacionamentos, conjugalidade e parentalidade. Assim, há uma reinvenção dos limites e características que compreendem a concepção clássica de família, baseada num modelo de união entre um homem e uma mulher para fins de procriação e transmissão dos bens.[5]”
Cabe ao Estado o dever de possibilitar a concretização e o desenvolvimento dessas famílias. Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988 veio proteger as outras entidades familiares, até então marginalizadas.
1.2.1 Matrimonial
Segundo Maria Berenice Dias, vínculos afetivos sempre existiram, independentemente de regras e bem antes da formação do Estado e do surgimento das religiões. (2011, p. 44) A família matrimonial surgiu no Concílio de Trento em 1563, através da contrarreforma da Igreja, que no intuito de preservar um estrito padrão de moralidade, adentrava na vida das pessoas com seus costumes. Acabou por consagrar a união entre o homem e a mulher, por meio de um sacramento indissolúvel, o casamento.
O Estado, por sua vez, sob influência desse costume conservador que agregava a sociedade, fez com que o legislador viesse a regularizar a união matrimonial, por meio da instituição do casamento. Na realidade, “o Estado sempre resistiu em admitir vínculos de convivência formados sem o selo da oficialidade”. (DIAS, 2011, p.45) Nas palavras de Sílvio Neves Baptista, o Estado e a Igreja, impunham um padrão na tentativa de conservar a moralidade, para atender aos interesses. (2010, p.27)
A família matrimonial decorre, então, do casamento como ato formal, litúrgico, o qual, até 1988, era o único vínculo familiar reconhecido no país. Conforme dito anteriormente, o casamento era o principal vínculo de família. Na realidade, trata-se de apenas uma das formas de família.
1.2.2 Informal
Conforme dito anteriormente, apenas a família constituída pelo casamento era tida como legítima, assim como os filhos havidos no matrimônio. Além de os relacionamentos extramatrimoniais não serem regulados, a lei não atribui consequências jurídicas aos vínculos afetivos que se formam fora do casamento, estando condenada a viver a margem da sociedade a família que surge de maneira ilegítima, muitas vezes com filhos envolvidos. Baptista destaca que até pouco tempo atrás, as formas de família que não fossem constituídas pelo casamento eram consideradas ilegais e os filhos havidos de uniões extraconjugais eram alvo de discriminação, sendo considerados ilegítimos. (2010, p.28)
O Código Civil traz a figura do concubinato, que consiste nas relações não eventuais existentes entre homem e mulher, sendo que um deles ou ambos estão impedidos legalmente de casar, conforme art.1727 “As relações não eventuais entre o homem e a mulher, impedidos de casar, constituem concubinato.” O concubinato pode ser adulterino, fundando-se no estado de cônjuge de um ou de ambos os concubinos, ou seja, o homem casado, não separado de fato, que mantém juntamente com a família matrimonial uma outra; e pode ser incestuoso, havendo parentesco próximo entre os amantes.
Ana Carla Harmatiuk Matos confirma:
“Tratando-se daqueles que conviviam no então chamado Concubinato Puro, no qual não havia impedimentos para o matrimônio, os filhos denominavam-se ilegítimos na categoria naturais e poderiam ser legitimados pelo casamento subsequente de seus pais. Os ilegítimos espúrios dividiam-se em adulterinos e incestuosos, e não poderiam ser reconhecidos pelos seus genitores. Os adulterinos poderiam ser a matre, a patre ou bilateral em consonância com quem descumpriu os deveres conjugais.[6]”
Nesse sentido, o art. 1521 do Código Civil traz o rol daqueles que estão impedidos de casar.
“Art. 1.521. Não podem casar:
I – os ascendentes com os descendentes, seja o parentesco natural ou civil;
II – os afins em linha reta;
III – o adotante com quem foi cônjuge do adotado e o adotado com quem o foi do adotante;
IV – os irmãos, unilaterais ou bilaterais, e demais colaterais, até o terceiro grau inclusive;
V – o adotado com o filho do adotante;
VI – as pessoas casadas;
VII – o cônjuge sobrevivente com o condenado por homicídio ou tentativa de homicídio contra o seu consorte.[7]”
O Código Civil ainda traz a garantia para o cônjuge de reivindicar os bens que eventualmente tenham sidos dados ao concubino.
“Art. 1.642. Qualquer que seja o regime de bens, tanto o marido quanto a mulher podem livremente: […]
V – reivindicar os bens comuns, móveis ou imóveis, doados ou transferidos pelo outro cônjuge ao concubino, desde que provado que os bens não foram adquiridos pelo esforço comum destes, se o casal estiver separado de fato por mais de cinco anos; [8]”
Já ao concubino não resta direito algum. Porém, mesmo consistindo-se em um relacionamento sem respaldo legal, alvo de toda essa rejeição social, nada disso impediu o surgimento de relações extramatrimoniais, conforme aponta Silvio Neves Baptista. (2010, p.28) E quando ocorriam os rompimentos e o Poder Judiciário era procurado pelas concubinas, para que a família informal não sofresse alguma injustiça, tentava-se contornar as proibições legais que as cercavam, chamando-as de companheiras, por exemplo.
Entretanto, rejeitava-se imensamente a ideia desses relacionamentos serem reconhecidos como família. Então, não havendo patrimônio a ser partilhado, eram identificadas como relações de trabalho, concedendo-se à mulher, por mais absurdo que pareça, indenização por serviços domésticos prestados. No máximo, eram considerados sociedades de fato, aplicando-lhes o Direito Comercial. (DIAS, 2011, p. 46)
Com o tempo, a sociedade passou a aceitar as famílias informais e a Constituição Federal trouxe a possibilidade de reconhecimento, ampliando o conceito de entidade familiar, com a proteção às uniões estáveis.
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento. [9]”
1.2.3 União Estável
Trata-se da relação entre homem e mulher que não estão impedidos de casar, mas convivem de forma não passageira, como se marido e esposa fossem. É caracterizada pela informalidade e pelo fato de não ter sido registrada, embora seja possível obter esse registro.
Abrigada pela Constituição Federal, a união estável foi regulada pelo Código Civil, que estabeleceu requisitos para o seu reconhecimento, praticamente copiando o modelo oficial do casamento, conforme destaca Dias. (2011, p. 47) A união estável garante alimentos e direitos sucessórios aos conviventes.
O Código Civil também considera união estável a relação existente entre os separados de fato, ou seja, entre aqueles que possuem casamento anterior não dissolvido formalmente.
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida com o objetivo de constituição de família.
§ 1º A união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521; não se aplicando a incidência do inciso VI no caso de a pessoa casada se achar separada de fato ou judicialmente.
§ 2º As causas suspensivas do art. 1.523 não impedirão a caracterização da união estável.[10]”
1.2.4 Paralela
A família paralela é aquela que vai de encontro à monogamia. Um dos integrantes participa como cônjuge de mais de uma família. Existe um casamento anterior que impede a formação de um novo núcleo familiar, configurando-se, então, a família paralela em duas situações: será uma união estável se o referido casamento foi faticamente desfeito; e/ou será concubinato, se o casamento anterior coexista com o novo relacionamento.
Ressalte-se o repúdio da sociedade para com esses relacionamentos, que além de receberem denominações pejorativas, são condenados à invisibilidade, no sentido de que a tendência é não reconhecer sequer sua existência. As relações afetivas adulterinas ainda são diferenciadas pela doutrina para que não sejam tidas como união estável, e não tenham nenhum tipo de reconhecimento jurídico.
No entanto, alegando-se desconhecimento da duplicidade das vidas do cônjuge que participa das duas famílias, a família paralela será tratada como sociedade de fato, no Direito Obrigacional. Na realidade, continua-se a punir a concubina que não tem os mesmos direitos assegurados à companheira.
Além disso, conforme bem salienta Maria Berenice Dias, essa invisibilidade a que estão sujeitos esses relacionamentos acabam por privilegiar o bígamo. (2011, p. 50) Essas uniões paralelas, na maioria das vezes, são conhecidas, embora não reconhecidas pela sociedade. Mais que isso, geram filhos, cujo pai, permanece isento de suas responsabilidades e obrigações, sendo ele o único a saber de tudo desde o início, quer dizer, sendo casado, manteve vínculos afetivos paralelos.
Contudo, a jurisprudência majoritária não a identifica como união estável e a família paralela permanece a margem da proteção jurisdicional concedida às entidades familiares.
“Ementa
COMPANHEIRA E CONCUBINA – DISTINÇÃO. Sendo o Direito uma verdadeira ciência, impossível é confundir institutos, expressões e vocábulos, sob pena de prevalecer a babel. UNIÃO ESTÁVEL – PROTEÇÃO DO ESTADO. A proteção do Estado à união estável alcança apenas as situações legítimas e nestas não está incluído o concubinato. PENSÃO – SERVIDOR PÚBLICO – MULHER – CONCUBINA – DIREITO. A titularidade da pensão decorrente do falecimento de servidor público pressupõe vínculo agasalhado pelo ordenamento jurídico, mostrando-se impróprio o implemento de divisão a beneficiar, em detrimento da família, a concubina. RE 590779 / ES – ESPÍRITO SANTO. RECURSO EXTRAORDINÁRIO. Relator(a): Min. MARCO AURÉLIO. Julgamento: 10/02/2009. Órgão Julgador: Primeira Turma. [11]”
1.2.5 Unipessoal
Estrutura apontada por Dias e Baptista, a família unipessoal é aquela composta por apenas uma pessoa. Este modelo de família vem se incorporando ao ordenamento jurídico, ainda que caracterizada pela ausência do requisito da pluralidade subjetiva. O Superior Tribunal de Justiça lhe conferiu à proteção do bem de família, por meio da Súmula 364: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas”.
1.2.6 Monoparental
A família monoparental é aquela constituída por qualquer dos pais e seus descendentes. É protegida constitucionalmente, no artigo 226, §4º: “Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes”.
No entanto, ainda que realidade de um terço das famílias brasileiras, o Código Civil não regulou os direitos dessa espécie de família. Por outro lado, essa entidade familiar vem disciplinada no artigo 69, §1º, do Projeto do Estatuto das Famílias: “Família monoparental é a entidade formada por um ascendente e seus descendentes, qualquer que seja a natureza da filiação ou do parentesco”. Trata-se do Projeto de Lei nº 2285/2007, conforme Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, que propõe um aperfeiçoamento do atual sistema civil.
1.2.7 Parental ou Anaparental
A Constituição Federal ampliou o conceito atual de família, que não se restringe mais ao casamento, mas ainda não conseguiu alcançar todas as formas presentes na sociedade. Assim como não é necessário que se identifique o casamento para que se configure uma entidade familiar, da mesma forma é dispensável a diferença de gerações. (DIAS, 2011, p. 48)
Na família parental ou anaparental, por exemplo, a relação entre os seus membros não é de ascendência e descendência, como se dá no caso de dois irmãos que vivem juntos. Pode existir o vínculo de parentesco, mas, conforme lembra a referida autora, não necessariamente essas pessoas devam ser parentes, bem como haja conotação de ordem sexual. Trata-se, muitas vezes, da convivência entre duas pessoas com uma identidade de propósito, uma comunhão de esforços, o que impõe o reconhecimento da existência de entidade familiar. (2011, p. 49)
Essa família também vem disciplinada no artigo 69, caput, do Projeto do Estatuto das Famílias: “As famílias parentais se constituem entre pessoas com relação de parentesco entre si e decorrem da comunhão de vida instituída com a finalidade de convivência familiar”.
1.2.8 Pluriparental
A família pluriparental é a entidade familiar que surge com o término dos vínculos familiares anteriores e com a criação de novos. Trata-se de pares egressos de casamentos ou uniões anteriores que objetivam reconstruir suas vidas, formando um novo núcleo familiar, cada um com seus filhos e, muitas vezes, com filhos em comum.
Caracteriza-se por possuir uma estrutura complexa que reside na multiplicidade de vínculos, na ambiguidade de compromissos e na interdependência entre os seus membros. Ainda assim, não foi especificamente amparada pela legislação, exceto pelo Projeto do Estatuto das Famílias, que vem definir a família pluriparental em seu artigo 69, §2º: “Família pluriparental é a constituída pela convivência entre irmãos, bem como as comunhões afetivas estáveis existentes entre parentes colaterais”.
1.2.9 Eudemonista
Sabe-se que o casamento vem deixando de ser a base de estrutura familiar bem sucedida. O comprometimento, o respeito, a lealdade, a solidariedade com o respectivo par estão muito mais nos vínculos afetivos que se formam entre as pessoas do que no fato de existir ou não uma relação oficializada.
Para Maria Berenice Dias, “é a afetividade, e não a vontade, o elemento constitutivo dos vínculos interpessoais: o afeto entre as pessoas organiza e orienta o seu desenvolvimento”. (2011, p. 55) Nesse sentido, há uma tendência que vem identificando a família pelo envolvimento afetivo que une seus membros.
Trata-se do eudemonismo, que é um sistema de moral que tem por fim a felicidade do homem. É uma teoria filosófico moral, segundo a qual o fim e o bem supremo da vida humana é a felicidade. Silvio Neves Baptista considera como uma “uma nova tendência que abarca todos os arranjos familiares atualmente concebidos, já que preza pela convivência de pessoas que têm afeição e respeito mútuo, necessário para a continuidade da relação familiar”. (2010, p.32)
A família eudemonista é aquele que decorre do afeto. É um conceito moderno de família, que se refere àquela que busca a realização plena de seus membros, caracterizando-se pela comunhão de afeto recíproco, a consideração e o respeito mútuos entre os membros que a compõe, independentemente do vínculo biológico que possa existir entre eles, como pode-se verificar na decisão abaixo.
“Ementa: INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE. INVESTIGANTE QUE JÁ POSSUI PATERNIDADE CONSTANTE EM SEU ASSENTO DE NASCIMENTO. INTERPRETAÇÃO DO ART. 362, DO CÓDIGO CIVIL DE 1916. MUDANÇA DE ENTENDIMENTO DO AUTOR DO VOTO VENCEDOR. Os dispositivos legais continuam vigorando em sua literalidade, mas a interpretação deles não pode continuar sendo indefinidamente a mesma. A regra que se extrai da mesma norma não necessariamente deve permanecer igual ao longo do tempo. Embora a norma continue a mesma, a sua fundamentação ética, arejada pelos valores dos tempos atuais, passa a ser outra, e, por isso, a regra que se extrai dessa norma é também outra. Ocorre que a família nos dias que correm é informada pelo valor do AFETO. É a família eudemonista, em que a realização plena de seus integrantes passa a ser a razão e a justificação de existência desse núcleo. Daí o prestígio do aspecto afetivo da paternidade, que prepondera sobre o vínculo biológico, o que explica que a filiação seja vista muito mais como um fenômeno social do que genético. E é justamente essa nova perspectiva dos vínculos familiares que confere outra fundamentação ética à norma do art. 362 do Código Civil de 1916 (1614 do novo Código), transformando-a em regra diversa, que objetiva agora proteger a preservação da posse do estado de filho, expressão da paternidade socioafetiva. Posicionamento revisto para entender que esse prazo se aplica também à impugnação motivada da paternidade, de tal modo que, decorridos quatro anos desde a maioridade, não é mais possível desconstituir o vínculo constante no registro, e, por consequência, inviável se torna investigar a paternidade com relação a terceiro. DERAM PROVIMENTO, POR MAIORIA, VENCIDO O RELATOR. (Apelação Cível Nº 70005246897, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 12/03/2003) (grifo da autora)[12]”
Esse princípio eudemonista foi absorvido pela ordem jurídica, alterando-se o sentido da proteção jurisdicional da entidade familiar, focalizando o sujeito e não mais a instituição da família, como se pode verificar no §8º do art. 226 da Constituição Federal: “O Estado assegurará a assistência à família na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações”. (DIAS, 2011, p. 55)
1.2.10 Homoafetiva
A família homoafetiva é aquela decorrente da união de pessoas do mesmo sexo, as quais se unem para a constituição de um vínculo familiar. O Projeto do Estatuto das Famílias traz a definição da família homoafetiva:
“Art. 68. É reconhecida como entidade familiar a união entre duas pessoas de mesmo sexo, que mantenham convivência pública, contínua, duradoura, com objetivo de constituição de família, aplicando-se, no que couber, as regras concernentes à união estável.[13]”
O fato é que muitas vezes, o reconhecimento da família homoafetiva como entidade familiar não acontece, sendo apenas concedidos ao parceiro reclamante os reflexos patrimoniais. Entretanto, destaca-se que ao legislador não cabe fazer um juízo de valor acerca dessas relações, tendo em vista o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana. A lei deve regular tais relações de afeto, no sentido de que possam ser conhecidas suas consequências no mundo jurídico, facilitando o reconhecimento dessas famílias. Pode-se dizer que o Poder Legislativo não vem cumprindo sua função, qual seja legislar. Isso porque não se está levando em conta o fato de que esses relacionamentos, como quaisquer outros, geram efeitos jurídicos, necessitando, portanto, serem disciplinados por lei.
Nesse sentido, o Poder Judiciário, por sua Suprema Corte, fez o que o Legislativo brasileiro tem deixado de fazer até aqui, ou seja, regulamentar a realidade social, as mudanças de conduta e de exame do que sejam famílias na atualidade – e que não podem restringir-se ao conceito clássico de casais entre sexo diverso e para fins de reprodução da espécie. Deve-se igualar não somente os direitos, mas a autoestima de pessoas que não podem, não devem ser tratadas de modo inferior porque um dia escolheram ser diversas da maioria em sua opção, em sua orientação sexual, como se ela pudesse impedir sua busca pela felicidade, que é o fim último da vida humana. Dessa forma, as uniões estáveis, para fins de proteção do Estado, abrangem tanto as uniões entre homem e mulher como as chamadas uniões homoafetivas. (LEVADA, 2011, p.1)
Mesmo diante dessa omissão legislativa, as demandas chegam ao Poder Judiciário, que precisa julgá-las. A opção é equiparar a união homoafetiva à união estável, ainda que esta tenha sido criada para oficializar as uniões heteroafetivas. O problema é que esta equiparação não se dá de forma homogênea nos Tribunais.
“Ementa: PREVIDENCIÁRIO. PENSÃO POR MORTE. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. EXISTÊNCIA DE PROVA SUFICIENTE À CARACTERIZAÇÃO DE EFETIVA UNIÃO ESTÁVEL. CABIMENTO DO PENSIONAMENTO. Presente demonstração segura da existência de efetiva união estável entre pessoas do mesmo sexo, fica autorizado raciocínio em termos de direito do autor à pensão por morte, não se podendo invocar omissão legislativa. (Apelação e Reexame Necessário Nº 70044184307, Vigésima Primeira Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Armínio José Abreu Lima da Rosa, Julgado em 24/08/2011).” [14]
Ementa: FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. RECONHECIMENTO E DISSOLUÇÃO COM PARTILHA DE BENS. SITUAÇÃO RETRATADA QUE, EMBORA PÚBLICA, NÃO SE CARACTERIZA COMO DE UNIÃO ESTÁVEL, RECONHECIDA COMO ENTIDADE FAMILIAR, NOS TERMOS DO QUE DISPÕE A LEI Nº 9.278/1996 (ART. 1º), REPRODUZIDA NO ART. 1.723 DO CCB/02. CONTEXTO PROBATÓRIO FRÁGIL PARA DETERMINAR UM JUÍZO DE CONVENCIMENTO DE QUE EFETIVAMENTE HOUVE UMA UNIÃO ESTÁVEL ENTRE OS CONVIVENTES, COM OS REQUISITOS DO AFFECTIO MARITALIS. RELACIONAMENTO HOMOAFETIVO. CIRCUNSTÂNCIA A TAMBÉM OBSTAR O RECONHECIMENTO DO DIREITO PERSEGUIDO. UNIÃO ESTÁVEL ENTRE PESSOAS DO MESMO SEXO. IMPOSSIBILIDADE JURÍDICA, AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL. EXEGESE DO ART. 226, § 3º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL, E DO ART. 1.723 DO CC/02. AÇÃO IMPROCEDENTE, SENTENÇA CONFIRMADA. APELAÇÃO DESPROVIDA. (Apelação Cível Nº 70036578706, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, Julgado em 22/07/2010). [15]
Segundo Paulo Lôbo, ainda é forte na jurisprudência dos tribunais o entendimento de o Direito não tutela a união homossexual como entidade familiar. Na verdade, os tribunais têm demonstrado maior receptividade para atribuição de efeitos às uniões homossexuais, no plano do Direito das Obrigações, como sociedade de fato, no que tange às matérias patrimoniais, e não da Vara de Família. (2011, p.93)
A família homoafetiva é uma dentre as várias formas de família, baseadas no afeto, só que entre pessoas de mesmo sexo. Não tem previsão legal, mas também não tem vedação. Nesse sentido, a advogada Rosangela da Silveira Toledo Novaes acrescenta:
“O Direito não regula sentimentos, mas define as relações com base neles geradas. Demonstrada a convivência entre duas pessoas do mesmo sexo, pública, contínua e duradoura, estabelecida com o objetivo de constituição de família, haverá, por consequência, o reconhecimento de União Homoafetiva como entidade familiar, com a respectiva atribuição dos efeitos jurídicos dela advindos. As uniões entre pessoas do mesmo sexo representam um fato social cada vez mais constante em todo o mundo.” [16]
Segundo Rosangela da Silveira Toledo Novaes, tramita no Congresso Nacional o Estatuto da Diversidade Sexual, bem como duas Propostas de Emenda Constitucional. Elas propõem que se acrescente ao art. 3º, a proibição da discriminação por orientação sexual e identidade de gênero e, ao art. 7º, a concessão de licença-natalidade de 180 (cento e oitenta) dias a qualquer dos pais. O referido projeto de lei ainda prevê dentre os princípios fundamentais, o direito à livre orientação sexual, não discriminação, convivência familiar, direito e dever à filiação, guarda e adoção, entre outros.
1.3Perspectiva atual da instituição familiar
O modelo convencional de família, constituída por um homem e uma mulher unidos pelo casamento e cercados de filhos já não é mais a imagem que nos vem à cabeça quando pensamos nessa instituição milenar. O fato é que estamos rodeados de formações familiares que cada vez mais se distanciam desse perfil tradicional.
Mudanças na esfera política, econômica e social refletiram nas relações jurídico-familiares. Pode-se dizer que as famílias se modificaram ao longo dos tempos, devido a vários fatos relacionados ao desenvolvimento da sociedade moderna, não seguindo mais aos padrões patriarcais. Quer dizer, ideais de democracia, igualdade, liberdade foram ao encontro da proteção da pessoa humana, no seu direito ter a família que quiser.
Segundo Maria Berenice Dias, a Constituição Brasileira resgatou o ser humano como sujeito de direito, como cidadão, destacando-se a supremacia da dignidade da pessoa humana. E essa dignidade está baseada nos princípios da igualdade e da liberdade, pilares do Estado Democrático de Direito. (2011, p. 41)
Nesse sentido, pode-se dizer que a família tornou-se um meio para a realização dos interesses afetivos e existenciais dos seres humanos, sujeitos de direito que a compõe. Novas formas de convívio surgiram, considerando esses interesses, deixando a família de ter aquele significado singular, tradicional, seja no que diz respeito à conjugalidade, ao casamento, seja no que se refere à parentabilidade, ao ser pai e mãe. (DIAS, 2011, p. 40)
As novas relações familiares mudaram a sociedade e os costumes, transformando o conceito de família com o reconhecimento dessas relações, que não são constituídas apenas através do casamento e dos filhos nascidos do pai e da mãe. São exemplos dessas novas constituições familiares a união estável e a família monoparental, instituições protegidas pela Constituição Federal.
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes.”[17]
Nesse viés, uma família também se configura na universalidade dos filhos, que não contam com a presença dos pais. A entidade familiar pode ser composta apenas pelos irmãos, em razão da morte dos pais, por exemplo.
E ainda, uma família pode advir das uniões homoafetivas. O fato é que o que identifica uma entidade familiar não é mais a simples presença da celebração do casamento ou os pares serem do sexo oposto. Aliás, a família atual não está mais condicionada ao casamento, ao sexo e à procriação, não desempenha mais as funções procriativas, econômicas, religiosas e políticas.
O elemento que diferencia a família dos dias de hoje daquela tradicional, patriarcal é o vinculo afetivo que une seus membros. Trata-se de um grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade. Inclusive, a presença de afeto dá à família proteção jurisdicional na busca de seu reconhecimento.
Nesse sentido, sabe-se que são cada vez mais frequentes decisões judiciais que atribuem consequências jurídicas a relações homoafetivas, tendo por base os vínculos afetivos formados. Considerando a imperiosidade do preconceito na sociedade e, certamente, nos tribunais também, quando se trata do reconhecimento de uniões homoafetivas, é possível verificar uma tendência jurisprudencial que considerava os vínculos mantidos nessas convivências mera sociedade de fato.
Os parceiros eram muitas vezes tratados como sócios e a união que eles mantinham era considerada uma simples sociedade civil, mas jamais uma entidade familiar, uma família. Acabava sendo-lhes assegurada a divisão dos bens adquiridos durante o período de convivência, na medida da efetiva participação na época da aquisição dos mesmos, mas tudo isso dentro do Direito Obrigacional, longe do ramo do Direito de Família.
“Ementa: RELAÇÃO HOMOSSEXUAL. INDENIZAÇÃO. PEDIDO ALTERADO NA APELAÇÃO. UNIÃO ESTÁVEL. DESCABIMENTO. SOCIEDADE DE FATO. PROVA. É defeso ao autor, instigado por motivação sentencial, alterar o pedido posto na inicial, ferindo o princípio da eventualidade e a teoria da substanciação. Embora presente uma relação homossexual, não se identificando pressupostos de entidade familiar, a solução desemboca no âmbito do direito obrigacional, solvendo-se como sociedade de fato, caso exista prova eficiente da contribuição da parceira. Finalmente, não restando demonstrada a aplicação do numerário dito como usado na reforma do imóvel, torna-se impertinente o pagamento de qualquer indenização. Apelação desprovida. (Apelação Cível Nº 70007792294, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Carlos Teixeira Giorgis, Julgado em 12/05/2004) (grifo da autora)[18]”
Com o tempo, as uniões homoafetivas passaram a ser reconhecidas como entidades familiares. As ações passaram a tramitar nas Varas de Família, devendo ser aplicada ao caso concreto a legislação cabível à união estável. Dessa forma, a partilha de bens, os direitos sucessórios, o direito real de habitação está assegurado.
“Ementa: EMBARGOS INFRINGENTES. UNIÃO HOMOSSEXUAL. RECONHECIMENTO DE UNIÃO ESTÁVEL. PARTILHA DE BENS. A união homossexual no caso concreto. Uma vez presentes os pressupostos constitutivos da união estável (art. 1.723 do CC), é de rigor o reconhecimento da união estável homossexual, em face dos princípios constitucionais vigentes, centrados na valorização do ser humano. Via de consequência, as repercussões jurídicas, verificadas na união homossexual, tal como a partilha dos bens, em face do princípio da isonomia, são as mesmas que decorrem da união heterossexual. União homossexual: lacuna do Direito. O ordenamento jurídico brasileiro não disciplina expressamente a respeito da relação afetiva estável entre pessoas do mesmo sexo. Da mesma forma, a lei brasileira não proíbe a relação entre duas pessoas do mesmo sexo. Logo, está-se diante de lacuna do direito. Na colmatação da lacuna, cumpre recorrer à analogia, aos costumes e aos princípios gerais de direito, em cumprimento ao art. 126 do CPC e art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil. Na busca da melhor analogia, o instituto jurídico, não é a sociedade de fato. A melhor analogia, no caso, é a com a união estável. O par homossexual não se une por razões econômicas. Tanto nos companheiros heterossexuais como no par homossexual se encontra, como dado fundamental da união, uma relação que se funda no amor, sendo ambas relações de índole emotiva, sentimental e afetiva. Na aplicação dos princípios gerais do direito a uniões homossexuais se vê protegida, pelo primado da dignidade da pessoa humana e do direito de cada um exercer com plenitude aquilo que é próprio de sua condição. Somente dessa forma se cumprirá à risca, o comando constitucional da não discriminação por sexo. A análise dos costumes não pode discrepar do projeto de uma sociedade que se pretende democrática, pluralista e que repudia a intolerância e o preconceito. Pouco importa se a relação é hetero ou homossexual. Importa que a troca ou o compartilhamento de afeto, de sentimento, de carinho e de ternura entre duas pessoas humanas são valores sociais positivos e merecem proteção jurídica. Reconhecimento de que a união de pessoas do mesmo sexo gera as mesmas conseqüências previstas na união estável. Negar esse direito às pessoas por causa da condição e orientação homossexual é limitar em dignidade as pessoas que são. EMBARGOS INFRINGENTES ACOLHIDOS, POR MAIORIA. (Embargos Infringentes Nº 70039338587, Quarto Grupo de Câmaras Cíveis, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Rui Portanova, Julgado em 12/11/2010). (grifo da autora)[19]”
A afetividade da origem aos mais diversos arranjos familiares e é o elemento que fundamenta o conceito de família. Conforme Maria Berenice Dias, o afeto é o toque identificador das estruturas interpessoais que autoriza nominá-las como família. (2011, p. 42)
Nunca houve uma preocupação legal em determinar uma definição para a família, visto que ela sempre foi confundida com o casamento. Isso acarretava na desconsideração dos laços afetivos do âmbito jurídico.
A Constituição Brasileira de 1988 apresenta um conceito limitado de família, que não leva em consideração o vínculo afetivo.
“Art. 226. A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado. […]
§ 3º – Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento.
§ 4º – Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. [20]”
Nesse sentido, Maria Berenice Dias cita a Lei Maria da Penha, Lei 11.340, de 07 de agosto de 2006, que embora tenha sido criada para estabelecer mecanismos para coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, seu texto identifica como família qualquer relação de afeto entre o agressor e o agredido. (2011, p. 42) Sílvio Neves Baptista fala do esboço de reconhecimento dessas uniões que essa lei trouxe, referindo-se a violência domestica e familiar contra a mulher, de maneira que as relações pessoais enunciadas independem de orientação sexual, reconhecendo-se, então, a união formada por duas mulheres. (2010, p.201)
“Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:[…]
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.[21]”
Assim como o Direito Civil como um todo, o Direito de Família se apresenta, atualmente, levando em consideração o ser humano e não mais o patrimônio constituído com o casamento. A nova família se configura a partir da dignidade de cada pessoa, conforme aponta a referida autora, ao dizer que a família tornou-se um dos instrumentos na realização dos interesses afetivos e existenciais dos indivíduos. (2011, p. 41)
Quer dizer, as pessoas têm o direito de ser família da maneira que quiserem, fazendo-se necessário identificar como relações familiares também aquelas que se constituem não por meio do casamento. É fato que não há diferença entre uma união homossexual e uma heterossexual, estando ambas baseadas no vínculo afetivo.
Portanto, uma união homossexual deve ser considerada como família e deve receber a merecida proteção do Estado, em razão o respeito à dignidade da pessoa humana, cláusula pétrea consagrada pela Constituição Federal: “Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: […] III – a dignidade da pessoa humana”.
O não reconhecimento dos direitos daqueles envolvidos em uniões homoafetivas, fundamentado na ausência de lei, torna-se incabível a partir da Lei Maria da Penha. A referida lei ressalva a orientação sexual de quem está sujeito à violência doméstica. Além disso, ao proteger a mulher vítima da violência doméstica e familiar, acabou por definir família como relação íntima de afeto, conforme dito anteriormente, abrigando expressamente as uniões homoafetivas.
“Art. 2o Toda mulher, independentemente de classe, raça, etnia, orientação sexual, renda, cultura, nível educacional, idade e religião, goza dos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sendo-lhe asseguradas as oportunidades e facilidades para viver sem violência, preservar sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual e social.[…]
Art. 5o Para os efeitos desta Lei, configura violência doméstica e familiar contra a mulher qualquer ação ou omissão baseada no gênero que lhe cause morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial:[…]
III – em qualquer relação íntima de afeto, na qual o agressor conviva ou tenha convivido com a ofendida, independentemente de coabitação.[…]
Parágrafo único. As relações pessoais enunciadas neste artigo independem de orientação sexual.[22] (grifo da autora)”
O afeto entre as pessoas é fundamental para o desenvolvimento do ser humano, pois é em meio aos laços afetivos que se estrutura a personalidade do indivíduo. O reconhecimento do afeto é a base de uma definição completa do que é uma família, a medida em que não deixa marginalizados aqueles que não seguem os padrões impostos pela sociedade.
2 – Adoçao
A relação entre pais e filhos é muito mais profunda do que o vínculo de sangue ou as características genéticas. E não se trata de menosprezar a paternidade ou a maternidade biológica. Por mais clichê que pareça, ser pai ou mãe não é simplesmente gerar, mas, sim, criar, cuidar, dar amor.
Conforme argumenta Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho, pode-se dizer que a filiação adotiva consiste não somente num imperativo constitucional, qual seja “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”, conforme art. 227, § 6. Levando-se em conta um ditame moral e afetivo, essa filiação é equiparada à biológica, de direito e de fato, não havendo qualquer espaço discriminação. (2012, p. 580)
Nesse sentido, Rodrigo da Cunha Pereira destaca que o papel renovado da adoção na sociedade atual, fundado na família socioafetiva, está no elemento definidor e determinante da paternidade, o qual, certamente, não é o biológico, pois não é raro o genitor não assumir o filho. Trata-se do afeto que une um pai e um filho. Por isso é que se diz que todo pai deve adotar o filho, pois só o será se assim o desejar, ou seja, se de fato o adotar. O ambiente familiar, a educação e o universo cultural são os elementos que se entrelaçam com os dados hereditários, influenciando no desenvolvimento da criança. (apud LÔBO, 2011, p.275)
Na realidade, a finalidade de uma adoção é oferecer um ambiente familiar favorável a esse desenvolvimento. Por algum motivo, essa criança acabou privada de sua família biológica, devendo os pais adotivos atender suas reais necessidades, dando-lhe uma família em que se sinta segura e amada. (GRANATO apud CUNHA, 2010)
2.1 Conceito, origem e disposições legais
Segundo Anna Mayara Oliveira Cunha[23], a conceituação do instituto da adoção varia conforme a época e as tradições de cada povo, com os conceitos e finalidades diferentes nas diversas épocas. Na antiguidade, em que prevaleciam os laços religiosos, a adoção era a última forma de se assegurar a perpetuidade da família, por meio do culto religioso. Cabia aos filhos o compromisso de cultuar as memórias de seus antepassados, correndo-se o risco, caso não houvesse a possibilidade de se ter um filho, da família ser extinta, exatamente, por não ter como adorar seus ascendentes. Na Grécia, a adoção exercia uma finalidade social e política, na medida em que somente os cidadãos podiam adotar e serem adotados.
No antigo Direito Romano, conforme Paulo Lôbo, a adoção era utilizada também para prover a falta de filhos e para perpetuar o culto dos deuses familiares. Havia dois tipos de adoção: a ad rogatio, em que o adotante era consultado para saber se ele queria que o adotando fosse seu filho legítimo, e o adotando, por sua vez, era interrogado para ver se ele consentia; e a adoptio ou adoção propriamente dita, exatamente a que chegou até nós, em que o filho era dado em adoção a um ascendente ou a um estranho, perante um magistrado. Esta última subdividia-se entre a adoção plena, em que o então pátrio poder era transferido ao adotante ascendente, e a adoção menos plena, feita com um estranho, sem a dissolução dos vínculos com a família de origem (2011, p.277).
Nesse sentido, trata-se de um instituto do Direito Romano que, no ordenamento jurídico brasileiro, data da pré-codificação, quando da vigência das Ordenações Portuguesas. (BAPTISTA, 2010, p.290). Na realidade, no Brasil, durante os primeiros quatro séculos de sua história, a adoção não era reconhecida, graças à influência do direito canônico, determinante nas relações familiares. A Igreja considerava o instituto da adoção um meio de suprir o casamento e à constituição da família legítima, bem como uma possibilidade de fraudar as normas que proibiam o reconhecimento dos filhos adulterinos e incestuosos. (LÔBO, 2011, p.277).
“A legislação brasileira sobre adoção começou a se estruturar no início do século XX com o Estado Moderno, neste mesmo período, a psicologia argumentava que a infância era a fase decisiva para a formação da personalidade adulta, e o poder público passou a entender que a inserção em uma família seria primordial para tornar o adulto mais produtivo.
Com as guerras mundiais, aumentou o número de órfãos e também os estudos sobre crianças institucionalizadas e o desenvolvimento biopsicossocial […]. Assim a adoção passou a ser vista como uma forma de suprir a ausência da mãe e a família era necessária para que fosse evitado o surgimento de psicopatologias.[24]”
Antes do Código Civil de 1916, a adoção era regulada esparsamente e de forma não sistematizada, sendo que somente com o advento do mesmo é que o ordenamento jurídico brasileiro veio disciplinar o instituto da adoção. Interessante ressaltar, conforme Venosa (apud CUNHA, 2010), que o único objetivo nessa época era dar possibilidade àqueles que não tinham condições de ter um filho, finalidade essa que veio transformando-se ao longo do tempo, tendo em vista o melhor interesse do menor.
Com o surgimento do Código de Menores, Lei n.° 6.697/1979, conforme Sílvio Neves Baptista, foram criadas duas espécies de adoção. Havia a adoção civil, simples, para maiores de dezoito anos, mediante escritura pública, e a adoção estatutária, plena ou integral, para a criança ou adolescente, dependente de decisão judicial. (2010, p.290)
Carlos Roberto Gonçalves (2011, p. 127) e Sílvio Neves Baptista (2010, p. 296) trazem ainda a adoção simulada ou à brasileira, que é uma criação jurisprudencial empregada pelo Supremo Tribunal Federal, referindo-se a casais que, em acordo com a mãe da criança, registravam-na assim que nascia, com a intenção de dar-lhe um lar. Embora tal situação configurasse uma das modalidades do crime de falsidade ideológica, dado seu caráter altruísta, esses casais eram absolvidos, em razão da ausência de dolo específico, dispondo o Código Penal que em casos assim, o juiz deixará de aplicar a pena.
Depois, a adoção era regulada pelo Código Civil juntamente com o Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, instituído pela Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990. A Lei 12.010/2009, Lei Nacional da Adoção, traz o instituto da adoção compreendendo a de crianças, adolescentes e a de maiores de idade, exigindo-se procedimento judicial para todos os tipos.
A partir dessa última lei, o sistema de adoção no Brasil para crianças e adolescentes passou a ser regido inteiramente pelo ECA, inclusive, subsidiariamente, no caso da adoção de maiores. Já o Código Civil de 2002 instituiu o sistema de adoção plena. Não há mais essa distinção resultante da convivência entre o ECA e o Código Civil de 1916. Tanto para os menores quanto para os maiores, a adoção reveste-se das mesmas características, sujeitas à decisão judicial.
“Art. 1.619. A adoção de maiores de 18 (dezoito) anos dependerá da assistência efetiva do poder público e de sentença constitutiva, aplicando-se, no que couber, as regras gerais da Lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990 — Estatuto da Criança e do Adolescente.[25]”
2.2 Características
Como não havia de ser diferente, mais uma vez, com a Constituição Federal de 1988, quer-se terminar com mais um tipo de discriminação, qual seja a da figura do filho adotivo: “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação, conforme art. 227, § 6º. Até então, havia distinção entre filho legítimo e filho adotivo, sendo que este nunca se integrava totalmente à família adotante. Hoje, há a adoção, que se constitui num meio para a filiação, que é única. (LÔBO, 2011, p. 273)
Para Paulo Lôbo, essa igualdade de direitos entre os filhos biológicos e os adotados demonstra a estrutura familiar escolhida pela ordem jurídica brasileira: a família socioafetiva. A filiação é uma construção cultural, fortificada na convivência, no entrelaçamento dos afetos, em nada importando a origem. (2011, p. 274)
Nesse sentido, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho dizem, conforme art. 41 do ECA, que a adoção atribui ao adotado a condição de filho, para todos os efeitos de direito, pessoais e patrimoniais, inclusive sucessórios, em regime de absoluta isonomia em face dos filhos biológicos. Deve haver o desligamento dos filhos adotivos de seus pais naturais, sendo mantidas, apenas, as restrições decorrentes dos impedimentos matrimoniais. (2012, p. 584)
“Em nossa sociedade ocidental a família tem um caráter biológico e de consanguinidade, e abandonar essa noção biológica torna-se fundamental para que a adoção e as relações afetivas sejam construídas de uma maneira “natural”, sem preconceitos e sofrimento. Devido a essa concepção, a adoção e a história de vida das crianças são, em alguns casos, silenciados.[26]”
Assim, as normas infraconstitucionais, o Código Civil de 2002 e o Estatuto da Criança e do Adolescente, devem ser interpretadas com base na igualdade entre os filhos de qualquer origem, a qual se extingue no momento da adoção. A condição de filho é definitiva, sendo impossível sua impugnação tanto por parte dos pais, quanto por parte do filho, inclusive quando este filho for maior de idade. (LÔBO, 2011, p. 274)
Quer dizer, como se trata do estado de filiação, a adoção é indisponível, não pode ser revogada. Dessa forma, Paulo Lôbo considera não caber a aplicação do art. 1.614 do Código Civil, “O filho maior não pode ser reconhecido sem o seu consentimento, e o menor pode impugnar o reconhecimento, nos 4 (quatro) anos que se seguirem à maioridade, ou à emancipação”, tampouco a promoção da investigação de paternidade ou maternidade biológicos. (2011, p. 273)
Nesse sentido, o referido autor argumenta que a Lei nº 12.010/2009, passou a admitir que o adotado tenha o direito de conhecer sua origem biológica, sendo-lhe garantido o acesso ao processo judicial de sua adoção, o qual deve ser preservado, quando completar 18 anos ou, se ainda menor, com assistência jurídica e psicológica. Trata-se de um dos direitos da personalidade, inerentes e indispensáveis à pessoa humana. (2011, p. 274)
2.3 O direito de adotar
Conforme Carlos Roberto Gonçalves, a Lei Nacional da Adoção criou um cadastro nacional para facilitar o encontro de crianças em condição de serem adotadas pelas pessoas habilitadas. (2011. p. 128) Conforme o art. 50 do Estatuto da Criança e do Adolescente, “a autoridade judiciária manterá, em cada comarca ou foro regional, um registro de crianças e adolescentes em condições de serem adotados e outro de pessoas interessadas na adoção”.
O objetivo dos cadastros é garantir que seja observada a ordem de inscrição dos postulantes, sem que haja quaisquer tipos de favorecimentos, sendo que a ordem cronológica das habilitações somente poderá ser dispensada quando o cônjuge ou companheiro for adotar o filho biológico ou adotado do outro; quando houver um parente com que a criança tenha laços de afeto; ou quando o adotante já tenha a tutela ou a guarda legais da criança. Em virtude da primazia legal à afetividade existente entre o adotante e o adotando, o parentesco pode ser de qualquer origem, não apenas biológico. (LÔBO, 2011, p. 288)
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho ratificam essa prevalência do princípio da afetividade, ainda que existam esses cadastros. Da mesma forma, cabe ressaltar que esse princípio se sobressai, inclusive, no reconhecimento do direito de adotar de um padrasto, frente ao seu pedido de destituição do poder familiar do pai biológico de uma criança e sua adoção, em recente julgado do STJ, citado pelos referidos autores. (2012, p.582)
“Direito civil. Família. Criança e adolescente. Adoção. Pedido preparatório de destituição do poder familiar formulado pelo padrasto em face do pai biológico.
Legítimo interesse. Famílias recompostas. Melhor interesse da criança.
— O procedimento para a perda do poder familiar terá início por provocação do
Ministério Público ou de pessoa dotada de legítimo interesse, que se caracteriza por uma estreita relação entre o interesse pessoal do sujeito ativo e o bem-estar da criança.
— O pedido de adoção, formulado neste processo, funda-se no art. 41, § 1.º, do ECA (correspondente ao art. 1.626, parágrafo único, do CC/02), em que um dos cônjuges pretende adotar o filho do outro, o que permite ao padrasto invocar o legítimo interesse para a destituição do poder familiar do pai biológico, arvorado na convivência familiar, ligada, essencialmente, à paternidade social, ou seja, à socioafetividade, que representa, conforme ensina Tânia da Silva Pereira, um convívio de carinho e participação no desenvolvimento e formação da criança, sem a concorrência do vínculo biológico
(Direito da criança e do adolescente – uma proposta interdisciplinar, 2. ed., Rio de
Janeiro: Renovar, 2008. p. 735).
— O alicerce, portanto, do pedido de adoção reside no estabelecimento de relação afetiva mantida entre o padrasto e a criança, em decorrência de ter formado verdadeira entidade familiar com a mulher e a adotanda, atualmente composta também por filha comum do casal. […] (REsp 1106637/SP, rel. Min. Nancy Andrighi, julgado em 1.º-6-2010, DJe 1.º-7-2010, 3.ª Turma).[27]”
Os referidos autores destacam a legitimidade para adotar concedida ao padrasto. Segundo o ECA, são legitimados a adotar os maiores de 18 anos, independentemente do estado civil, vedada quando o requerente for ascendente ou irmão do adotando, conforme art. 42, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
“Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 1º Não podem adotar os ascendentes e os irmãos do adotando.
§ 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 3º O adotante há de ser, pelo menos, dezesseis anos mais velho do que o adotando.
§ 4o Os divorciados, os judicialmente separados e os ex-companheiros podem adotar conjuntamente, contanto que acordem sobre a guarda e o regime de visitas e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na constância do período de convivência e que seja comprovada a existência de vínculos de afinidade e afetividade com aquele não detentor da guarda, que justifiquem a excepcionalidade da concessão. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 5o Nos casos do § 4o deste artigo, desde que demonstrado efetivo benefício ao adotando, será assegurada a guarda compartilhada, conforme previsto no art. 1.584 da Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 6o A adoção poderá ser deferida ao adotante que, após inequívoca manifestação de vontade, vier a falecer no curso do procedimento, antes de prolatada a sentença.(Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência[28]”
Quer dizer, em razão do grau de proximidade parental existente, ao ascendente ou parente colateral de uma criança pode ser dada sua tutela ou guarda, mas não a adoção. Isso porque, a adoção consiste na substituição do vínculo biológico pelo vínculo adotivo. No entanto, existindo o afeto, irrelevante se torna o fato de adotante e adotado possuírem laços sanguíneos ou não.
Paulo Lôbo também faz referência a esse artigo, considerando uma total incompatibilidade com o instituto da adoção não poderem adotar os ascendentes, os descendentes e os irmãos do adotando. Cita o exemplo do avô, que pode ser detentor da guarda do neto, pode ser seu tutor, mas não pode adotá-lo como filho, não havendo impedimento para adoção de parentes colaterais de terceiro grau, como sobrinhos. (2011, p.278)
Podem adotar, então, todas as pessoas civilmente capazes, isto é, as que tenham idade superior a 18 anos, de qualquer estado civil. Interessante o que salienta o referido autor quanto a essa idade mínima para adotar ser ainda é maior que a exigida para o casamento, de 16 anos. Ele lembra o impulso à união conjugal na juventude, que é uma realidade social que não pode ser ignorada pelo ordenamento jurídico, mas a adoção deve respeitar o princípio constitucional da paternidade responsável, considerando tudo que está envolvido. Dessa forma, se o adotante tiver menos de 18 anos, a adoção será nula, por violação de requisito legal essencial, não podendo ser sanada, quando completar a idade. (2011, p.278)
Cabe ressaltar, segundo Sílvio Neves Baptista, que no Código Civil de 1916, exigia-se um período de 5 anos de convivência do casal adotante, quando um deles tinha menos de 18 anos. Porém, o Estatuto da Criança e do Adolescente exige apenas prova da estabilidade da família para que o cônjuge ou companheiro menor possa adotar. (2010, p.292)
“Art. 42. Podem adotar os maiores de 18 (dezoito) anos, independentemente do estado civil. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência[…]
§ 2o Para adoção conjunta, é indispensável que os adotantes sejam casados civilmente ou mantenham união estável, comprovada a estabilidade da família. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência[29]”
Nesse sentido, não havendo mais essa restrição, concernente ao impedimento temporário, Paulo Lôbo diz:
“Além dos requisitos de idade mínima, exige-se a comprovação, que se fará em juízo, de “estabilidade da família”. Essa exigência não diz respeito apenas à união estável. A estabilidade é uma situação de fato, assegurada na convivência familiar autônoma dos que desejam adotar. Não basta o casamento ou a prova da união estável; mister se faz que o casal pretendente da adoção demonstre ter um lar constituído e administrado razoavelmente, de modo a que não constitua risco às elevadas responsabilidades decorrentes da filiação. Tal exigência não existe para a filiação biológica, que não resulta de ato de vontade e não pode ser controlável.[30]”
O Estatuto da Criança e do Adolescente ainda estabelece uma diferença de idade entre o adotante e o adotando de pelo menos 16 anos. Essa limitação é considerada adequada, mas o mais importante, mais uma vez, é que seja preservado o melhor para a criança que será adotada.
“A regra procura estabelecer um distanciamento mínimo e razoável entre as idades do adotante e do adotado. A adoção imita a vida, sendo recomendável que entre um e outro se reproduzam as condições temporais mínimas que ocorrem, normalmente, entre pais e filhos. É verdade que ocorrem nascimentos de crianças geradas por mães com idade inferior a 16 anos, mas essas situações prejudicam o desenvolvimento regular dos filhos, não sendo consideradas pelo legislador como parâmetro.
[…] exemplificando, que “uma mulher com trinta anos de idade tem um filho, não reconhecido por seu pai biológico, com dez anos e se une a um homem de vinte e três anos. Esse cônjuge ou concubino, pretendendo adotar este menor na forma do § 1º do art. 41 do Estatuto, terá indeferida a pretensão por não preencher o requisito da diferença mínima de idade exigido, embora se reconheça apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. Esta realidade, bastante frequente, não tem resposta adequada na lei. A omissão legislativa deve ser colmatada pelo juiz no caso concreto, por aquela que considere compatível com uma relação de paternidade ou maternidade e que permita exercer a parentalidade com maturidade afetiva e humana”.[31]”
Maria Berenice Dias também considera que essa distância de tempo se dá no intuito de que mais se pareça com a vida real, configurando-se tal lapso temporal, basicamente, nos anos necessários para a procriação. Porém, a autora admite certa flexibilização, tendo em vista ter havido antes do pedido de adoção um período de convívio, permitindo a constituição da filiação afetiva, independentemente dessa diferença de idade. (2007, p. 499)
Interessante consideração feita por Paulo Lôbo, quanto à adoção, tida pela Lei nº 12.010/2009 como medida excepcional, no sentido de que ela valoriza, excessivamente, o que chama de família natural, biológica e nuclear. É uma lei restritiva e limitante, conforme demonstra o art. 39 do Estatuto da Criança e do Adolescente, com a redação introduzida pela referida lei. (2011, p.278)
“Art. 39. A adoção de criança e de adolescente reger-se-á segundo o disposto nesta Lei.
Parágrafo único. É vedada a adoção por procuração.
§ 1o A adoção é medida excepcional e irrevogável, à qual se deve recorrer apenas quando esgotados os recursos de manutenção da criança ou adolescente na família natural ou extensa, na forma do parágrafo único do art. 25 desta Lei. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 2o É vedada a adoção por procuração.[32]”
A família extensa mencionada no ECA abrange os parentes próximos, que deverão manifestar interesse em cuidar da criança. Caso contrário, se recorrerá à adoção. O referido autor argumenta que condicionar a adoção ao interesse prévio de parentes pode impedir ou limitar a inserção de uma criança em um ambiente familiar completo, pois, ao invés de contar com pais adotivos, sendo acolhida pelo desejo e pelo amor, será apenas um parente acolhido por outro, sem constituir relação filial. (LÔBO, 2011, p.278)
Mais uma vez, chega-se a conclusão de que o vínculo afetivo entre a criança e a pessoa que a adotará é o que realmente importa. Parente ou completamente distante, no que tange à consanguinidade, se unidos pelo amor e pelo afeto dispensados mutuamente, tem-se uma família formada.
Para que haja o deferimento da adoção de uma criança é imprescindível que o adotante atenda a todos os requisitos exigidos pela lei. No entanto, muito além de requisitos formais, é necessário para que a adoção se configure os motivos legítimos do adotante. Eles se traduzem no seu real desejo de filiação, ou seja, na vontade de ter o adotado em desenvolvimento como filho. (CUNHA, 2010)
Conforme aponta Venosa, a adoção é uma modalidade artificial de filiação que busca imitar a filiação natural. Essa filiação não resulta de uma relação biológica, mas de uma manifestação de vontade sustentada em uma relação afetiva entre o adotante e adotado (2003, p. 315).
2.4 O direito de ser adotado
A Constituição Federal e o Estatuto da Criança e do Adolescente, segundo Paulo Lôbo, passaram a tutelar a pessoa que compõe a família e não mais a instituição familiar. A pessoa não se dissolve na família, mas é protagonista indispensável de sua contínua construção. A criança, como pessoa em desenvolvimento que é, cujos interesses a todos obrigam, não pode ficar subordinada aos interesses dos adotantes, por mais relevantes que sejam. O desejo de ter um filho, especialmente para aqueles que não podem ter, é acolhido pelo Ordenamento, e até estimulado, porém, fica subordinado ao direito da pessoa que se quer adotar. (2011, p.289)
Nesse sentido, a adoção não visa mais o bem estar do adotante, as suas necessidades de ter e criar um filho, a busca de uma criança para uma família, mas sim o melhor interesse do adotado. Para que uma adoção seja deferida pelo juiz, é necessário que seja feita uma demonstração das reais vantagens para o adotado, apresentando-se como finalidade principal o bem estar da criança. (DIAS, 2007, p. 498)
Quando se trata de um adotando menor de idade, principalmente, Lôbo aconselha, para que realmente se possa ter um efetivo benefício com a adoção, que sejam observados os procedimentos acautelatórios dos artigos 167 e 168 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
“Art. 167. A autoridade judiciária, de ofício ou a requerimento das partes ou do Ministério Público, determinará a realização de estudo social ou, se possível, perícia por equipe interprofissional, decidindo sobre a concessão de guarda provisória, bem como, no caso de adoção, sobre o estágio de convivência.
Parágrafo único. Deferida a concessão da guarda provisória ou do estágio de convivência, a criança ou o adolescente será entregue ao interessado, mediante termo de responsabilidade. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
Art. 168. Apresentado o relatório social ou o laudo pericial, e ouvida, sempre que possível, a criança ou o adolescente, dar-se-á vista dos autos ao Ministério Público, pelo prazo de cinco dias, decidindo a autoridade judiciária em igual prazo.[33]”
Dessa forma, será realizado um estudo social ou, se possível, uma perícia por equipe interprofissional, integrada, principalmente, por assistentes sociais, psicólogos e psicanalistas, para a fixação do estágio de convivência, estabelecido pelo art. 46 do ECA.
“Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.
§ 1º O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 2º A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência. (Redação dada pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 3º Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 4º O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida. (Incluído pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência[34]”
O estágio de convivência precede a adoção, com o objetivo de permitir que a autoridade judiciária, com auxílio de equipe interprofissional, possa avaliar a conveniência da adoção. É determinante para concessão da guarda, em benefício da criança, pois se torna possível contemplar os laços de afetividade que se estabelece entre os pais e o filho adotando.
Nesse sentido, Paulo Lôbo lamenta o fato de a Lei nº 12.010/2009 ter desconsiderado, como preferência para adoção, o estágio de convivência de fato ou a guarda de fato, apenas admitindo quando decorrente de guarda ou de tutela legais. Essa desconsideração é contraditória, a medida em que contraria a primazia que a própria lei atribui aos laços de afeto constituídos, em desfavor da criança ou adolescente. (2011, p.281)
Em nome do bem estar do menor, o ECA também traz a possibilidade da criança ser ouvida quanto a sua adoção, ainda que a sua opinião não seja determinante. Isso porque, em decorrência do princípio da proteção integral, as crianças são sujeitos de direitos e não objeto de proteção. (CUNHA, 2010)
“Art. 45. A adoção depende do consentimento dos pais ou do representante legal do adotando.
§ 1º. O consentimento será dispensado em relação à criança ou adolescente cujos pais sejam desconhecidos ou tenham sido destituídos do pátrio poder poder familiar. (Expressão substituída pela Lei nº 12.010, de 2009) Vigência
§ 2º. Em se tratando de adotando maior de doze anos de idade, será também necessário o seu consentimento.”
Por outro lado, o referido artigo peca ao falar em consentimento, pois a concordância ou discordância não representa o deferimento ou indeferimento da adoção, tendo em vista que o menor não tem discernimento para consentir. Na verdade, a vontade o adotando deve ser levada em consideração quanto a sua integração na nova família ou não, mas não é decisiva para deferir ou indeferir a adoção. (GRANATO apud CUNHA, 2010).
Quanto ao consentimento por parte dos pais biológicos, Lôbo afirma:
“A adoção não pode ser imposta, desconsiderando a relação de filiação existente. A necessidade do consentimento dos representantes legais do adotando, especialmente os pais, envolve a autonomia dos sujeitos, considerando-se o corte definitivo que haverá na relação de parentesco, entre eles, e na transferência permanente de família. Sem o consentimento não poderá haver adoção. O direito de consentir é personalíssimo e exclusivo, não podendo ser suprido por decisão judicial.[35]”
Interessante o que expõem Antônio Chaves (apud LÔBO, 2011, p275) e Maria Berenice Dias (apud BAPTISTA, 2010, p.293) quanto à adoção de nascituros, considerando que seria um verdadeiro contrassenso, tanto do ponto de vista humano, tendo em vista o fato de que a criança ainda não nasceu, não se sabe se vai ou não nascer com vida, sua saúde, quanto do ponto de vista legal, porque há uma dependência em torno desta relação de adoção, que acaba por contrariar o princípio da segurança e estabilidade, que norteia o mundo do Direito. O Código Civil de 1916, em seu art. 372 dispunha a esse respeito, expressamente: “Não se pode adotar sem o consentimento do adotado ou de seu representante legal se fôr incapaz ou nascituro”. Já o Código Civil de 2002 não reproduziu a regra.
Maria Berenice Dias (apud BAPTISTA, 2010, p.293), ressalta a posição majoritária da doutrina de rechaçar a possibilidade da adoção de nascituro, invocando Convenção de Haia, que exige o sentimento da mãe após o nascimento da criança, relativamente à adoção internacional, para sustentar essa impossibilidade.
Paulo Lôbo, no entanto, defende a adoção de nascituro.
“Entendemos, todavia, que não há impedimento legal para tanto, pois todos os direitos da futura pessoa já estão reservados, caso o nascituro nasça com vida, inclusive o de ser adotado. Assim, a adoção pode ser deferida pelo juiz, ficando suspensa até que se confirme o nascimento com vida, quando produzirá todos os seus efeitos. Essa solução contempla melhor os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade, assegurando uma família para a futura criança quando a gestante não deseje assumir a maternidade.[36]”
2.5 Abandono afetivo
Segundo Carlos Roberto Gonçalves, a Lei Nacional da Adoção, Lei 12.010/2009, limitou em prorrogáveis 2 anos o prazo para que as crianças permaneçam em abrigos. (2011, p. 128) No entanto, essa regra ficou apenas no papel, não representando a realidade encontrada em orfanatos e casas similares por todo país. A televisão noticia, frequentemente, inúmeros casos de crianças abandonadas pelos pais.
“Será que há alguma razão/justificativa para um pai deixar de dar assistência moral e afetiva a um filho? A ausência de prestação de uma assistência material seria até compreensível, se se tratasse de um pai totalmente desprovido de recursos. Mas deixar de dar amor e afeto a um filho… não há razão nenhuma capaz de explicar tal falta.[37]”
Conforme Mota e Matos, a institucionalização em casas de abrigo ou orfanatos, por falta de condições materiais, negligência nos cuidados por parte dos pais, o abandono, representa uma transição difícil e nem sempre aceita pelos jovens. Trata-se ou deveria ser um último recurso, visto ser considerado quase como que um aprisionamento, tendo em vista estarem as crianças em um local onde não escolheram estar. Sem contar o sentimento trazido com eles mesmos de perda ou rejeição do seio familiar. (2008)
Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho consideram o abandono afetivo na relação filial um tema bastante polêmico. Questiona-se se o afeto constituir-se-ia em um dever jurídico, de maneira que sua negativa injustificada e desarrozada caracterizaria um ato ilícito. (2012, p.647)
Luciane Dias de Oliveira considera que sim, o abandono afetivo constitui-se num ato ilícito.
“Assim, aquele pai que descumpre esta obrigação jurídica deixando o filho em abandono deve responder perante o estado nas sanções previstas em lei, isto para que a criança seja protegida em suas necessidades material, mental, moral, psicológica, social, religiosa, educacional e afetiva.
Quando dessa conduta omissiva for constatado dano moral a integridade da criança, o assunto passa a permear o ramo da responsabilidade civil e não mais do direito familiar.
Nas ações judiciais apreciadas muito se discutiu a monetarização do amor e impossibilidade que tem o judiciário de obrigar um pai a amar o filho, mas a relevância do pedido deve ser no conceito de ato ilícito, onde a ninguém é dado o direito de causar dano a outrem e se assim o fizer deve repará-lo para que possa minimizar os prejuízos sofridos.[38]”
Por um lado, há a ideia de uma paternidade responsável, em que a negativa de afeto, gera sim diversas sequelas psicológicas, caracterizando, então, um ato contrário ao ordenamento jurídico e, por isso, sancionável no campo da responsabilidade civil. Em contrapartida, ter-se-ia uma monetarização do afeto, com um desvirtuamento da sua essência, como algo natural e espontâneo, e não uma obrigação jurídica, sob controle do Estado. (GAGLIANO e PAMPLONA FILHO, 2012, p.647)
Impossível o abandono pelos próprios pais não causar sequelas psicológicas em uma criança, um ser em formação, em pleno desenvolvimento de sua personalidade, de seu caráter. No mínimo, influencia, diretamente, na pessoa de bem ou não que se tornará na vida adulta.
Nesse sentido, Mota e Matos explicam que a natureza dos laços emocionais construídos desde os primeiros tempos de vida assume especial relevância ao longo do desenvolvimento psicológico da criança. Na verdade, têm papel fundamental no processo de significação de sua relação com o mundo, sendo que, quando esta é insegura, verifica-se uma maior dificuldade no convívio com o exterior. (2008)
Dessa forma, Gagliano e Pamplona Filho defendem essa reparação civil, inclusive, de maneira a ensinar esse tipo de pais, evitando potenciais abandonos.
“Logicamente, dinheiro nenhum efetivamente compensará a ausência, a frieza, o desprezo de um pai ou de uma mãe por seu filho, ao longo da vida.
Mas é preciso se compreender que a fixação dessa indenização tem um acentuado e necessário caráter punitivo e pedagógico, na perspectiva da função social da responsabilidade civil, para que não se consagre o paradoxo de se impor ao pai ou a mãe responsável por esse grave comportamento danoso (jurídico e espiritual), simplesmente, a “perda do poder familiar”, pois, se assim o for, para o genitor que o realiza, essa suposta sanção repercutiria como um verdadeiro favor. [39]”
Como em diversos casos em que há reparação civil, o dinheiro não recupera o amor, o carinho, o afeto perdidos. Entretanto, conforme salienta Luciane Dias de Oliveira, “o valor apurado não é para substituir os laços afetivos, mas, como qualquer ação de reparação moral, é para financiar os meios que possam diminuir a dor, a angústia, a solidão e o desamparo experimentado pela ausência de quem tinha o dever de cuidar”. (2011)
Por outro lado, não se trata simplesmente de se deixar como exemplo para outros pais que é seu dever amar os filhos. Questiona-se a eficácia de um afeto dado obrigatoriamente, já que, caso o pai ou a mãe não derem amor a seus filhos, gastarão dinheiro na reparação civil.
O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul não trata o abandono afetivo como ato ilícito para que se conceda dano moral, como pode se verificar em recente julgado desse Tribunal.
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ALIMENTOS CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL. ABANDONO AFETIVO. AUSÊNCIA DE ATO ILÍCITO. MAJORAÇÃO DO PENSIONAMENTO. CABIMENTO. A necessidade alimentar dos filhos menores é presumida, incumbindo, aos genitores, o dever de sustento. Em ação que envolve pedido de alimentos, pertence ao alimentante o ônus da prova acerca de sua impossibilidade de prestar o valor pleiteado, consoante dispõe o art. 333, inciso I, CPC. A pretensão de indenização pelos danos sofridos em razão da ausência do pai não procede, haja vista que para a configuração do dano moral faz-se necessário prática de ato ilícito. Apelação parcialmente provida, de plano. (Apelação Cível Nº 70055097422, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Jorge Luís Dall'Agnol, Julgado em 27/09/2013)[40] (grifo da autora)”
3 – A nova família que se forma
3.1 União homoafetiva como entidade familiar
Sabe-se que o Poder Judiciário brasileiro vem aos poucos reconhecendo a união de pessoas do mesmo sexo como união estável. Porém, a homoafetividade existe desde as civilizações mais antigas, como a grega, na qual esse tipo de relacionamento era considerado mais nobre que as relações heterossexuais. Inclusive, tal prática, considerando os adjetivos que lhe eram atribuídos, como a intelectualidade, a estética corporal e a ética comportamental, era até recomendada. Relacionava-se, frequentemente com a religião e a carreira militar, como na Idade Média, por exemplo, sabendo-se de seu surgimento em mosteiros e acampamentos militares. (GIORGIS, 2010, p.289)
Sílvio Neves Baptista ratifica que, de fato, a homossexualidade sempre existiu na história da humanidade, entre os povos selvagens, assim como nas antigas civilizações, como os romanos, egípcios, gregos e assírios. Aliás, não apenas existia, mas era, também, cultivada, sendo que na Grécia Antiga era associada ao militarismo e fazia parte da cultura das classes nobres. (2010, p.197)
Da mesma forma que as relações homoafetivas não são uma novidade, o preconceito para com elas impera há bastante tempo. Segundo José Carlos Teixeira Giorgis (2010, p.290) e Sílvio Neves Baptista (2010, p.197), essa pratica passou a ser amplamente combatida com o advento do Cristianismo, passando a homossexualidade a ser tida como uma perversão, uma anomalia psicológica.
Além da questão religiosa, em que a procriação, é mais que um princípio bíblico, um elemento fundamental no conceito de família, a homossexualidade encontrou resistência, também, por opor-se ao modelo hegemônico de sociedade, cuja base era a família. Tratava-se, há bem pouco tempo atrás, de um núcleo hierarquizado, rural e patriarcal, em que a reprodução estava intimamente ligada à capacidade de produção, pois era garantia de mão de obra. (BAPTISTA, 2010, p.198)
Do ponto de vista psicológico e médico, a homoafetividade configurava-se numa perversão sexual, consistindo em atos libidinosos praticados com indivíduos do mesmo sexo. Houve, também, teorias psicanalíticas, sociais e biológicas que buscavam explicar a patologia da homossexualidade, constante inclusive do CID – Código Internacional de Doenças, considerada como um distúrbio mental. (GIORGIS, 2010, p.290)
“Desde o século 19 até o início da década de 1970, os gays eram vistos como pervertidos, portadores de uma anomalia mental transmitida geneticamente. Foi só em 1973 que a Associação de Psiquiatria Americana retirou a homossexualidade da lista de doenças mentais. É pouquíssimo tempo para a história.[41]”
Por mais que se tenha evoluído na luta contra o preconceito, já que hoje a homossexualidade não mais é considerada uma doença, ela permanece fonte de muita discriminação. Em nossa sociedade, os homossexuais ainda sofrem com o preconceito, o que se verifica facilmente, na prática, com o número de homossexuais que são assassinados no Brasil, tendo superado mais de 250 casos em 2010, ultrapassando o México (35 casos por ano) e os Estados Unidos (25 casos por ano). Esses números refletem uma escalada gradual de violência em crimes de ódio por haver uma impunidade muito grande no país. Nesse sentido, só no primeiro semestre de 2012, 165 homossexuais foram assassinados, sendo São Paulo, Paraíba e Bahia os estados mais perigosos e homofóbicos. (FEDRIGO, 2013, p.1)
O Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a igualdade de situação jurídica da união estável entre casais homossexuais, expôs-se contra o preconceito e a favor das minorias, especialmente, no que tange à orientação sexual como componente da individualidade de cada ser humano, sem que por essa orientação possa qualquer pessoa ser humilhada ou diferenciada como um cidadão de segunda categoria. Além disso, estabeleceu que posicionamentos morais, filosóficos ou religiosos não podem sobrepor-se a direitos fundamentais, como a dignidade humana, a igualdade e a não discriminação em razão do direito de escolha. (LEVADA, 2011, p.1)
Na verdade, conforme dizem Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho,
[…] “no sistema aberto, inclusivo e não discriminatório inaugurado a partir da Constituição de 1988, espaço não há para uma interpretação fechada e restritiva que pretenda concluir pela literalidade da norma constitucional (art. 226, § 3.º, CF) ou até mesmo da legislação ordinária (art. 1.723, CC) com o propósito de somente admitir a união estável heterossexual.
Tal linha de raciocínio — a par de injusta — seria até mesmo pretensiosa, pois partiria da falsa premissa de que o legislador deteria o místico poder de prever todas as multifárias formas de família que pululam em uma sociedade, a fim de consagrar determinadas entidades e proibir outras, também merecedoras de tutela, pela simples ausência de menção expressa.[42]”
E ainda, como lembra Sílvio Neves Baptista (2010, p.201), na Constituição Federal, apesar de a união homossexual não estar disciplinada de forma expressa, encontram-se diversos princípios que norteiam a concretude dos direitos desses pares, como o da dignidade da pessoa humana e o da isonomia. Giorgis (2010, p.305) menciona também o princípio da inviolabilidade da intimidade e da vida privada.
“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:[…]
III – a dignidade da pessoa humana;[…]
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…]
X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;[43]”
Além disso, a Carta Magna, em seu art. 3º, incisos I e IV, estabeleceu dentre seus objetivos fundamentais, “construir uma sociedade livre, justa e solidária”, bem como “promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”.
Cabe destacar o que coloca Paulo Lôbo quanto a esses princípios constitucionais,
“Tais normas assegurariam “a base jurídica para a construção do direito à orientação sexual como direito personalíssimo, atributo inerente à pessoa humana”, dissolvendo-se a “névoa de hipocrisia” que encobre a negação desses efeitos jurídicos. A doutrina tem registrado a mudança de valores culturais, que o direito não pode desconsiderar: “Nossa sociedade assiste, presentemente, ao fenômeno da convivência, sob o mesmo teto, ou não, de pessoas do mesmo sexo, por tempo duradouro”. O Judiciário brasileiro aos poucos avança no reconhecimento da união de pessoas do mesmo sexo como união afetiva, no âmbito do direito de família, valendo-se analogicamente da união estável, ou simplesmente como entidade familiar autônoma.[44]”
Interessante o que argumenta José Carlos Teixeira Giorgis, no sentido de que “não é negando direitos à união homossexual que se fará desaparecer o homossexualismo, pois os fundamentos dessas uniões se assemelham ao casamento e à união estável, sendo o afeto que une os parceiros”. (2010, p.290) Até porque é inadmissível pensar em fazer um ser humano desaparecer. Nesse sentido, conforme Gagliano e Pamplona Filho, a união entre pessoas homossexuais poderá estar acobertada pelas mesmas características de uma entidade heterossexual, fundada, basicamente, no afeto e na solidariedade. Isso porque não é a diversidade de sexos que garantirá a caracterização de um modelo familiar, pois a afetividade está presente mesmo nas relações homoafetivas. (2012,p.376)
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO HOMOAFETIVA. RECONHECIMENTO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E DA IGUALDADE. É de ser reconhecida judicialmente a união homoafetiva mantida entre duas mulheres de forma pública e ininterrupta pelo período de 16 anos. A homossexualidade é um fato social que se perpetua através dos séculos, não mais podendo o Judiciário se olvidar de emprestar a tutela jurisdicional a uniões que, enlaçadas pelo afeto, assumem feição de família. A união pelo amor é que caracteriza a entidade familiar e não apenas a diversidade de sexos. É o afeto a mais pura exteriorização do ser e do viver, de forma que a marginalização das relações homoafetivas constitui afronta aos direitos humanos por ser forma de privação do direito à vida, violando os princípios da dignidade da pessoa humana e da igualdade. Negado provimento ao apelo. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70012836755, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Maria Berenice Dias, Julgado em 21/12/2005)[45]”
Segundo Lôbo, as uniões homossexuais são entidades familiares constitucionalmente protegidas ao preencherem os requisitos de afetividade e estabilidade e ao terem como finalidade a constituição de uma família. A Constituição Federal não veda o relacionamento entre pessoas do mesmo sexo e a ausência de lei que regulamente essas uniões não é impedimento para sua existência. Como a legislação ainda não disciplinou seus efeitos jurídicos, como fez com a união estável, as regras desta podem ser aplicáveis àquelas, por analogia, conforme art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. (2011, p.91)
Cabem aqui as palavras dos autores Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho.
“Todo o moderno Direito de Família gira em torno do princípio da afetividade.
Mas o fato é que a afetividade tem muitas faces e aspectos e, nessa multifária complexidade, temos apenas a certeza inafastável de que se trata de uma força elementar, propulsora de todas as nossas relações de vida.
Nesse contexto, fica fácil concluir que a sua presença, mais do que em qualquer outro ramo do Direito, se faz especialmente forte nas relações de família.
E, como decorrência da aplicação desse princípio, uma inafastável conclusão, […] no sentido de o Direito Constitucional de Família brasileiro, para além da tríade casamento — união estável — núcleo monoparental, reconhecer também outras formas de arranjos familiares, a exemplo da união entre pessoas do mesmo sexo.[46]”
Interessante o que ressalta Paulo Lõbo quanto à legislação estrangeira ocidental, que avança na admissão do casamento de homossexuais, com os mesmos efeitos do casamento de heterossexuais, tendo, inclusive, a Suprema Corte canadense, entendido estar o casamento limitado a sexos opostos violação da garantia constitucional da igualdade. (2011, p. 91) No mesmo sentido Giorgis, destaca que a referida Corte foi mais longe ainda, ao defender o uso da palavra ”cônjuge”, a qual deveria ser estendida a casais do mesmo sexo, não apenas restringindo-se aos formalmente casados. (2010, p. 296)
3.2 Parentalidade
A gestação de um bebê é um período cheio de expectativas, no qual a família se prepara para a chegada do novo membro. Cada criança que chega ao mundo não se incorpora a um contexto vazio, muito pelo contrário, nasce em uma estrutura familiar repleta de expectativas, crenças, valores e metas, cenário este que forma um conjunto de influências que contribuirão na formação dos indivíduos, constituindo-se numa peça essencial para entender seu desenvolvimento, sendo a família o primeiro e mais importante contexto de socialização. (BEM e WAGNER, 2006)
Nesse sentido, conforme argumenta Paulo Lôbo, “a paternidade e a maternidade lidam com seres em desenvolvimento, que se tornarão pessoas humanas em plenitude, exigentes de formação até quando atinjam autonomia e possam assumir responsabilidades próprias, em constante devir”. A Constituição Federal de 1988, em seu art. 229, estabelece que os pais têm o dever de assistir, criar e educar os filhos menores, deveres fundamentais, pela simples existência da criança, seu nascer com vida, sem necessidade de ser exigível por elas. (2011, p.51)
Esses deveres fundamentais para com a criança resultam de seu reconhecimento como sujeito de direitos. A responsabilidade com sua formação integral, considerando sua condição de pessoa em desenvolvimento é recente na história da humanidade. Na verdade, a concepção até então existente do antigo pátrio poder era de submissão do filho aos desígnios do pai, configurando-se esse num simples objeto de cuidado e correção. (LÔBO, 2011, p.52)
O problema acontece quando não há uma família para receber essa criança, que acaba sendo rejeitada por seus pais, responsáveis por ela, ainda que involuntariamente, quando, por exemplo, estão sob o efeito de drogas. Pior que isso, acaba sendo rejeitada também pelos parentes e, muitas vezes, institucionalizada, a espera de adoção.
“Ementa: APELAÇÕES CÍVEIS. AGRAVO RETIDO. ECA. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. GENITORA QUE ADMITIU FAZER USO ABUSIVO DE CRACK, INCLUSIVE DURANTE A GRAVIDEZ. PAIS CONDENADOS PELO CRIME DE TRÁFICO DE DROGAS, ESTANDO ATUALMENTE RECOLHIDOS JUNTO A PENITENCIÁRIAS ESTADUAIS. CONDUTAS QUE DENOTAM A INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DA PARENTALIDADE DE FORMA RESPONSÁVEL. PEDIDOS DE GUARDA POR PARENTES. AUSÊNCIA DE VÍNCULOS AFETIVOS POR PARTE DA FAMÍLIA EXTENSA COM O MENOR. ENCAMINHAMENTO PARA ADOÇÃO. 1. Sopesando todos os elementos de prova carreados aos autos, fica clara a incapacidade dos genitores de exercer uma parentalidade responsável, ao submeter o então nascituro à situação de risco inclusive para sua vida. Isso porque a genitora admitiu ter feito uso de entorpecentes durante a gestação e apenas se submeteu ao acompanhamento médico pré-natal porque foi presa em flagrante de delito (tráfico de drogas) aos 5 meses de gravidez, juntamente com o requerido, denotando conduta negligente com a saúde do bebê ainda em formação. O genitor, por sua vez, admitiu também fazer uso de entorpecentes e se mostrou conivente com a conduta da requerida. Vale ressaltar que este lamentável comportamento dos demandados já culminou na destituição do poder familiar em relação a outro filho. Assim, imperiosa a manutenção da sentença quanto ao decreto da perda do poder familiar. 2. Embora se deva buscar a inserção da criança na família extensa, na espécie, diante da absoluta falta de vínculos afetivos dos pretendentes à guarda com o infante, é de manter a sentença de improcedência dos pedidos de guarda, haja vista que as postulações muito mais demonstram o atendimento dos interesses dos genitores – que pretendem manter contato com o infante e continuar exercendo o poder familiar sobre ele, embora fossem formalmente destituídos -, do que a real intenção de proporcionar ao menor uma infância protegida em um ambiente familiar saudável. 3. Diante da manutenção do julgamento de improcedência dos pedidos de guarda, resta prejudicada a análise do agravo retido interposto contra decisão que indeferiu o pedido de visitação ao menor, pela perda de objeto. NEGARAM PROVIMENTO ÀS APELAÇÕES E JULGARAM PREJUDICADO O AGRAVO RETIDO. UNÂNIME. (Apelação Cível Nº 70055128185, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 15/08/2013)[47]”
Independentemente da configuração familiar, o fundamental é que as crianças sejam cuidadas e desejadas. E, nesse sentido, segundo Fontaine e Gato, as famílias homoparentais desejam mais intensamente ter um filho, passando mais tempo a refletir nas razões para o fazer, ou não, do que as famílias heteroparentais. (2011)
Existe a convicção de que a presença simultânea de uma mãe e de um pai são essenciais para o bom exercício da parentalidade, configurando-se na concepção de que a maternidade e a paternidade implicam capacidades mutuamente exclusivas em termos de gênero. Essa convicção generalizada de que as crianças precisam de uma mãe e de um pai resulta de uma interpretação pouco rigorosa porque atribui ao gênero dos pais benefícios que se podem correlacionar com o número de progenitores ou estatuto conjugal dos mesmos.
“Argumenta-se que a filiação adotiva deve imitar o padrão natural de família nuclear, com as figuras bem claras de pai e mãe, que seriam imprescindíveis para a formação da criança. Não há fundamentação científica para esse argumento, pois pesquisas e estudos nos campos da psicologia infantil e da psicanálise demonstraram que as crianças que foram criadas na convivência familiar de casais homossexuais apresentaram o mesmo desenvolvimento psicológico, mental e afetivo das que foram adotadas por homem e mulher casados.[…]
Diversos estudos de especialistas […] têm mostrado o fato de que uma criança criada por pais de mesmo sexo não tem impacto negativo em relação a outra criada por pais heterossexuais. Ao contrário, considera-se ser do melhor interesse da criança sua adoção regular.[48]”
Estudos comparativos acerca da homoparentalidade e a heteroparentalidade, permitiram constatar que duas mulheres exercem a parentalidade de forma mais satisfatória, em algumas dimensões, do que um homem e uma mulher. Um dos motivos está no fato de as mulheres investirem mais do que os homens no papel parental, independentemente da sua orientação sexual. Isso mostra que não é o fato de uma estrutura familiar contar com a presença de duas mães que tornará essa família mais ou menos saudável à criança. (FONTAINE e GATO, 2011)
3.3. Adoção homoafetiva
Desde os primórdios da humanidade, percebe-se a necessidade de cuidados e proteção que uma criança requer. Seu abandono ou orfandade a coloca numa situação de risco e a adoção representa um dos recursos para garantir sua proteção e o seu desenvolvimento.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, ao proibir a adoção de uma criança por duas pessoas que não sejam marido e mulher ou companheiros de união estável, cria uma barreira legal a situações existenciais difundidas na sociedade brasileira, que acabam por não corresponderem a esse modelo. A proibição é categórica e vem da regra equivalente do Código Civil anterior, que tinha como paradigma a família constituída pelo casamento. (LÔBO, 2011, p.285)
No entanto, alguns homossexuais, diante dessa limitação, além da incerteza jurisprudencial que ainda há nos dias atuais, optam por um membro do casal adotar a criança, individualmente, criando-a, de fato, em conjunto com o outro, o que pode vir a acarretar prejuízo ao próprio adotado, cujos direitos sucessórios, previdenciários, etc. acabam limitados àquele que, efetivamente, a adotou. (BAPTISTA, 2010, p.209)
Mesmo sem uma lei que regulamente o assunto, já houve decisões no sentido de favorecer casais do mesmo sexo adotar em conjunto uma criança, mediante o uso de mecanismos jurídicos de interpretação, somados ao contexto social, estabelecendo uma pluralidade das formas de organização familiar. A decisão nesses casos se fundamenta, especialmente, nos princípios fundamentais da dignidade da pessoa humana, igualdade e o melhor interesse da criança. Trata-se do direito dos homoafetivos de adotar e do direito das crianças de serem adotadas. (CUNHA, 2010)
Para Paulo Lôbo, não há impedimento constitucional para que duas pessoas do mesmo sexo, que vivam em relação afetiva, possam adotar a mesma criança. Ele bem cita o fundamento de um acórdão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Ap. 70013801592,2006), referente à decisão pela adoção de criança por casal homossexual, “é hora de abandonar de vez preconceitos e atitudes hipócritas desprovidas de base científica, adotando-se uma postura de firme defesa da absoluta prioridade que constitucionalmente é assegurada aos direitos das crianças e dos adolescentes”. (2011, p.92)
Pesquisas científicas têm concluído que a orientação sexual dos pais não importa para o desenvolvimento da criança. Um estudo realizado com oitenta e oito adolescentes nos Estados Unidos, de diversas raças, sexos, rendas familiares, sendo que metade vivia com casais de homoafetivos e a outra metade com casais heterossexuais, mediu a autoestima, a integração, o rendimento escolar e o tipo de relações,e não encontrou diferenças entre ambos os grupos. Da mesma forma, outra pesquisa realizada na Holanda resultou concluiu que a paternidade e adoção gay não causam problemas às crianças. (LÔBO, 2011, p.93)
Nesse sentido, é interessante ressaltar o que diz a jornalista Carol Castro, em reportagem da Revista Superintessante:
“As pesquisas mostram que a orientação sexual dos pais parece ter muito pouco a ver com o desenvolvimento da criança ou com as habilidades de ser pai. Filhos de mães lésbicas ou pais gays se desenvolvem da mesma maneira que crianças de pais heterossexuais. […]
O desenvolvimento da criança não depende do tipo de família, mas do vínculo que esses pais e mães vão estabelecer entre eles e a criança. Afeto, carinho, regras: essas coisas são mais importantes para uma criança crescer saudável do que a orientação sexual dos pais. [49]“
Os argumentos mais frequentes sobre a adoção homoafetiva é que o casal influenciaria a orientação sexual da criança, existindo uma tendência dos menores optarem pela homossexualidade. Além disso, os mesmos seriam vistos pela sociedade com a figura de dois pais ou de duas mães, havendo possibilidade da criança sofrer severas discriminações. (CUNHA, 2010)
Nesse sentido, destaca-se a interessante discussão que a referida jornalista promoveu acerca de alguns mitos que cercam a questão da adoção de crianças por casais homoafetivos. Os filhos de pais e mães homoafetivos só poderiam ser gays, pois eles cresceriam em um ambiente, cujo padrão de relacionamento é o homossexual. Na verdade, o que ocorre é que as famílias homoparentais vivem em um ambiente muito mais aberto à diversidade e, portanto, muito mais tolerante, caso algum filho opte por essa orientação sexual.
Não se trata de a criança ser influenciada, ela vai crescer tendo dois pais do mesmo sexo, vendo amor e carinho entre eles, sem achar nada de estranho nisso, aliás, muito melhor do que um ambiente de brigas constantes e violência. E ainda, uma pesquisa realizada com 84 famílias revelou que 5,6% dos adolescentes criados por casais homoafetivos já tiveram experiências sexuais com parceiros do mesmo sexo, enquanto que 6,6% cresceram em famílias heterossexuais. Como se pode verificar, a orientação sexual dos pais não tem o poder de determinar a dos filhos, pois não haveria filhos homoafetivos nascidos de famílias hetero.
Outra questão polêmica apontada por Carol Castro é essa necessidade da figura do pai e da mãe para o desenvolvimento de uma criança, sendo importante que ela tenha contato com os dois sexos. No entanto, os filhos de um lar homoafetivo não são os únicos que crescem sem um dos pais.
Existem as famílias monoparentais, por exemplo, constituídas por um dos pais e seus descendentes, situação que se configura quando ocorre o falecimento de um dos pais ou no caso das mães solteiras. Inclusive, segundo a referida reportagem, no Brasil, 17,4% das famílias são formadas por mulheres solteiras com filhos. Na verdade, não necessariamente os papéis masculino e feminino têm de ser dos pais, considerando que uma avó, uma tia, no caso de uma família com dois pais, presentes no convívio familiar, podem ser a referência feminina na vida da criança.
A matéria também fala do mito da possibilidade de as crianças terem problemas psicológicos por causa do preconceito que sofrerão. Mais uma vez, ainda que não justifique plenamente, já que o próprio preconceito é injustificável, elas não serão as únicas. Especialmente no ambiente infantil, qualquer diferença, seja relativa ao peso, à altura, à cor da pele, pode virar alvo de discriminação. Entre as ações de bullying, a maioria atinge alunos negros e pobres, seguidos pelo preconceito contra homossexuais. A mesma pesquisa comparou filhos de homoafetivos com filhos de heteroafetivos, mostrando que os dois grupos registram níveis semelhantes de autoestima, de relações com a vida e com as perspectivas para o futuro. Da mesma forma, os índices de depressão não são diferentes. Ou seja, o problema não está na homoafetividade em si, mas no preconceito, seja do jeito que for, do jeito que se apresente.
Falou-se ainda do risco que essas crianças correm de sofrer abusos sexuais. Pode-se dizer que tal senso, extremamente preconceituoso, é resquício da época em que a homossexualidade era considerada um distúrbio, uma perversão. Segundo a autora da reportagem, esse estigma, sustentado também por líderes religiosos, mantém a absurda crença sobre o perigo que as crianças correm quando criadas por gays. No entanto, até hoje, nenhuma pesquisa encontrou relação alguma entre a homossexualidade e os abusos sexuais. Nesse sentido, conforme a jornalista Carol Castro, a Associação de Psiquiatria Americana esclarece que “homens homossexuais não tendem a abusar mais sexualmente de crianças do que homens heterossexuais".
Enquanto a sociedade se mobiliza numa acirrada discussão acerca de questões absurdas, como as abordadas pela reportagem analisada, há crianças, no Brasil, vivendo em abrigos por até 10 anos, à espera de adoção, ansiosas por uma família que as ame, simplesmente. Segundo Paulo Lôbo, um levantamento feito em 2004 pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada — IPEA mostrou que 87% das crianças que viviam em 589 abrigos tinham família. A carência de recursos da família para manter os filhos foi o principal motivo para acolhimento institucional em 24% dos casos, seguida de abandono (19%) e violência doméstica (12%). Segundo os especialistas, quanto mais cedo é feita a adoção, menor o risco de a criança ter passado por experiências de abandono e sofrimento. (2011, p.274)
Nesse momento, retomando-se a questão do princípio da afetividade, conforme Lôbo, caminha-se para a crescente aceitação da natureza familiar das uniões homossexuais, bem como para a adoção, sem discriminação, como meio de integração familiar das crianças e adolescentes órfãos ou abandonados em abrigos. (2011, p. 19 e 92) Os autores Gagliano e Pamplona Filho ratificam essa afirmação, destacando algumas normas importantes de proteção à criança, que, em inúmeras passagens, baseiam-se no afeto como vetor de orientação comportamental dos pais ou representantes. (2012)
[…] “Estatuto da Criança e do Adolescente
Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei.
§ 1.º Sempre que possível, a criança ou adolescente deverá ser previamente ouvido e a sua opinião devidamente considerada.
§ 2.º Na apreciação do pedido levar-se-á em conta o grau de parentesco e a relação de afinidade ou de afetividade, a fim de evitar ou minorar as consequências decorrentes da medida.
[…] Código Civil
Art. 1.584. Decretada a separação judicial ou o divórcio, sem que haja entre as partes acordo quanto à guarda dos filhos, será ela atribuída a quem revelar melhores condições para exercê-la.
Parágrafo único. Verificando que os filhos não devem permanecer sob a guarda do pai ou da mãe, o juiz deferirá a sua guarda à pessoa que revele compatibilidade com a natureza da medida, de preferência levando em conta o grau de parentesco e relação de afinidade e afetividade, de acordo com o disposto na lei específica.[50]”
Apesar de todas as transformações que vêm acontecendo no interior da instituição familiar, conforme apontam Maria Cristina Lopes de Almeida Amazonas e Maria da Graça Reis Braga, pode-se dizer que ela ainda se mantém idealizada e desejada por todos. A família, independentemente da configuração que assuma, continuará a existir, pois é o que assegura às crianças, novos sujeitos que se apresentarão à sociedade, o direito ao amor, ao acolhimento no mundo humano e à palavra. (2006, p.180)
Atualmente, tem-se observado uma demanda por uma forma nova de parentalidade, qual seja, os casais homossexuais buscando, incessantemente, o direito à normatização e normalização da família que querem constituir. Entre essas demandas de normatização e normalização, empreendidas pelos homossexuais, está a busca pela autorização legal para o direito à adoção de crianças. E a adoção vai ao encontro de ambos interessados na sua concretização: os pais e os filhos.
“Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. PEDIDO DE HABILITAÇÃO À ADOÇÃO CONJUNTA POR PESSOAS DO MESMO SEXO. ADOÇÃO HOMOPARENTAL. POSSIBILIDADE DE PEDIDO DE HABILITAÇÃO. Embora a controvérsia na jurisprudência, havendo possibilidade de reconhecimento da união formada por duas pessoas do mesmo sexo como entidade familiar, consoante precedentes desta Corte, igualmente é de se admitir a adoção homoparental, inexistindo vedação legal expressa à hipótese. A adoção é um mecanismo de proteção aos direitos dos infantes, devendo prevalecer sobre o preconceito e a discriminação, sentimentos combatidos pela Constituição Federal, possibilitando, desse modo, que mais crianças encontrem uma família que lhes conceda afeto, abrigo e segurança. Estudo social que revela a existência de relacionamento estável entre as habilitandas, bem como capacidade emocional e financeira, sendo favorável ao deferimento da habilitação para adoção conjunta, nos termos do § 2º do art. 42 do ECA, com a redação dada pela Lei 12.010/2009. DERAM PROVIMENTO À APELAÇÃO. (SEGREDO DE JUSTIÇA) (Apelação Cível Nº 70031574833, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: André Luiz Planella Villarinho, Julgado em 14/10/2009)[51]”
Por fim, a adaptação a essa nova estruturas parental está apenas em curso, devendo-se encontrar reações, freios, desigualdades de ritmo, dentro de um processo, provavelmente, irreversível. A sociedade como um todo pode se posicionar a favor ou de modo discriminatório, porém, das posições adotadas dependerá o futuro das nossas crianças. (AMAZONAS e BRAGA, 2006, p.1
Considerações finais
Os relacionamentos homoafetivos vêm se afirmando cada vez mais na sociedade, embora existam nela, ainda que não oficialmente, há bastante tempo, desde os primórdios da humanidade, bem como na Antiguidade. Sabe-se que na Grécia Antiga e no Império Romano, essas relações não somente existiam como também eram consideradas corretas, pois os relacionamentos heterossexuais tinham como finalidade apenas a procriação. Com a expansão do Cristianismo pelo mundo, a homoafetividade foi aos poucos sendo extirpada da sociedade, permanecendo nela apenas as relações ditas politicamente corretas. Os homoafetivos acabaram na clandestinidade, mas não deixaram de existir.
Muita polêmica cerca esse assunto, na tentativa de se encontrar um porque, uma razão, um sentido para a homoafetividade, o que por si só configura-se em preconceito, na medida em que ela foi tida como uma doença, um desvio de comportamento, problemas genéticos. Sabiamente, hoje em dia, fala-se simplesmente em orientação sexual, uma escolha feita pelo indivíduo de se relacionar com uma pessoa do mesmo sexo.
E na realidade, trata-se apenas disso, uma escolha de vida como qualquer outra, não havendo motivos justificáveis para que os relacionamentos homoafetivos não tenham seus direitos reconhecidos como os são aqueles oriundos das relações heteroafetivas. Tem-se a impressão de que sempre há uma súplica para que esses cidadãos, sujeitos de direitos, pagadores de impostos, possam exercer seus direitos dignamente, como pessoas humanas que são, de forma especial, o direito de terem filhos, principalmente se considerarmos o tanto de amor essas pessoas têm pra dar e o tanto de crianças estão carentes desse amor, na imensa fila do Cadastro Nacional da Adoção, nos inúmeros orfanatos do país.
Em contrapartida, toda criança tem garantido constitucional e infraconstitucionalmente, por meio do Estatuto da Criança e do Adolescente todos os direitos inerentes à pessoa humana, especificamente, o direito de ter uma família. O abandono de crianças também não é algo novo e acontece, entre tantos outros fatores, pela falta de condições econômicas dos pais, aliás, das mães, pois, geralmente, ao fim da gravidez, já não contam com o parceiro e, infelizmente, muitas vezes também, se veem sem o apoio da família.
Nesse sentido, o fato de se tornar mãe solteira e sozinha, abandonada pelo pai da criança e por seus pais, também é uma causa para o abandono de crianças. Isso desde antigamente, em que se vivia sob o manto de uma sociedade extremamente conservadora, que, em nome de valores éticos e morais duvidosos, não aceitava que essas mulheres convivessem junto com pessoas de bem. Esse preconceito e discriminação são conhecidos de todos nós e, ainda que de forma velada, prevalece nos dias de hoje.
Há ainda, fatores como o uso de drogas, que, quase que diariamente, é noticiado nos meios de comunicação, como uma das razões do abandono. Também aqui em nossa cidade, sabe-se que, quase que todos os dias, crianças que nascem com algum tipo de anomalia, em razão do uso de craque durante a gravidez, são abandonadas no Hospital Universitário.
Seja em função do uso de entorpecentes, que acaba por deixar o usuário completamente fora de si, a ponto de roubar, matar, abandonar os filhos, seja pela situação em que o Conselho Tutelar encontra crianças: sozinhas, com fome, frio, sujas, em suas casas, lugar em que deveriam estar cercadas de cuidado e proteção, meninos e meninas indefesos, no auge de sua formação, acabam indo parar em orfanatos e casas similares, perdendo os pais o poder familiar. E isso é extremamente preocupante, pois há mais crianças que estão em abrigos porque seus pais perderam o poder familiar, do que em razão de tornarem-se órfãos pelo falecimento de seus pais.
Enquanto isso, sob o preconceito que permanece vigendo na sociedade atual, ainda que venha acontecendo, aos poucos, o reconhecimento jurídico de uniões homoafetivas nas mais diversas demandas judiciais, esses casais esperam ansiosamente pelo reconhecimento da entidade familiar que constituíram. Na realidade, quando há a presença de patrimônio compartilhado, essas relações são equiparadas a uma simples sociedade de fato, regulada pelo Direito Obrigacional nas Varas Cíveis. O problema está na dificuldade de se reconhecer que existe uma família nessas estruturas que se formam e que, como qualquer família, em certo momento, passa a ansiar por filhos.
Sabe-se que essas famílias também vêm se afirmando lentamente, com o Poder Judiciário concedendo adoções a casais homoafetivos, mas, mesmo assim, a sociedade ainda questiona o melhor para a criança, considerando a adoção nessas condições. Ou seja, muito se especula a respeito do fato de uma criança criada por dois pais ou duas mães repercutir de maneira negativa no seu crescimento e na sua formação.
As dúvidas e os medos quanto à constituição de uma família composta por esses dois pais ou duas mães e uma criança configura-se num absurdo preconceito. Questiona-se, por exemplo, se os filhos terão a mesma orientação sexual dos pais, desconsiderando-se que muitos são os casos de filhos homoafetivos crescidos com um pai e uma mãe.
Nesse sentido, outro questionamento é feito com frequência: quanto à necessidade da figura paterna e da figura materna na criação de uma criança. Não se justifica, no entanto, pelo fato de inúmeras famílias que se formam sem a presença de um dos pais, como no caso das mães solteiras que não abandonam seus filhos, ou na viuvez. Claro que é importante o contato com ambas as figuras, masculina e feminina, mas existem os avós, os tios, que acabam fazendo parte da família e da convivência com a criança.
O preconceito que os filhos de pais homoafetivos sofrerão também vai de encontro ao reconhecimento dessas estruturas familiares. Porém, infelizmente, trata-se apenas de mais um tipo de preconceito, dentre os tantos que permeiam nossa sociedade, como o racial, tão grave quanto ou até mais.
Nesse sentido, pode-se dizer que preconceito maior do que achar que as crianças adotadas por homoafetivos são vítimas potenciais de abusos sexuais e pedofilia não há. Infelizmente, esta ainda é a voz corrente em nosso meio social. No entanto, nunca se ouviu tanto falar em pais biológicos e heterossexuais que abusaram ou estupraram seus filhos como nos dias de hoje. Quase todos os dias a televisão mostra casos assim, com pais, na maioria das vezes, os biológicos, chefes de uma família, oriunda de um casamento com a própria mãe da criança, que muitas vezes tem conhecimento da violência sofrida pelo filho, quando também não é vítima.
Isso mostra que o casamento não á garantia para o sucesso de uma família, para o crescimento saudável de uma criança, para uma formação bem sucedida, que tão somente a presença de um pai e de uma mãe pode não fazer uma criança tornar-se um cidadão de bem. Tampouco quando essa criança acaba sendo criada em um orfanato.
Na verdade, o que faz de uma criança um adulto feliz e realizado é o afeto que lhe conferido durante a sua criação, são os vínculos afetivos formados entre ela e os adultos responsáveis por seu crescimento. O afeto, o carinho, o amor, o respeito, a solidariedade que cercam essa criança é que fará toda diferença na entrega de um cidadão de bem à sociedade.
Dessa forma, considerando o afeto como o verdadeiro vínculo familiar, o mais eficiente de todos, não há porque não se reconhecer as novas famílias que se formam a partir do próprio reconhecimento das uniões homoafetivas. A adoção, nesses casos, é fator determinante, pois possibilita que as crianças sejam retiradas de abrigos para integrar o seio de uma família. De uma maneira geral, esses lugares configuram-se em ambientes tristes, cercados de histórias trágicas, frios e sem amor para com as crianças, ou porque são muitas, ou porque neles acabam trabalhando pessoas despreparadas. As crianças são colocadas em um verdadeiro lar, transbordando de afeto, ansioso por sua presença, sendo completamente indiferente se a criança encontrará a sua espera dois pais ou duas mães. Trata-se do direito ter uma família, tanto por parte do casal homoafetivo, como e, principalmente, por parte da criança.
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