Resumo: O presente trabalho orienta-se essencialmente na linha metodológica da nova lei dos crimes contra a liberdade sexual, buscando analisar de forma comparativa as mudanças ocasionadas no crime estupro, após a redação dada pela lei nº. 12.015 de 2009, trazendo as principais alterações que ocorreram nesse delito, bem como, os aspectos positivos e negativos que esta lei trouxe para o ordenamento jurídico brasileiro. Desse modo, foi reconstituído também, um breve histórico da violência sexual sofrida por homens e mulheres no decorrer dos tempos, com o intuito de retratar como foram se lapidando os conceitos sobre o abuso sexual na sociedade, além de examinar o caráter psicológico que a nova lei trouxe para o crime de estupro, quando revogou o art.224 e criou o estupro de vulnerável, mostrando dessa forma, a preocupação do legislador no que diz respeito a condutas voltadas contra a criança ou adolescente e pessoas com deficiência. Partindo dessas inquietações, esta pesquisa justifica-se pela importância do fenômeno social chamado violência sexual e suas consequências jurídicas para quem o pratica, mostrando que o presente estudo é de grave relevância não só para os operadores e estudiosos do direito, como para a sociedade no geral. Para tal, nos apoiamos numa pesquisa documental, utilizando-se o método dedutivo, baseada no art.213 do código penal e nos entendimentos doutrinários dominantes, partindo da consulta de artigos e material relacionado na internet, analisando a opinião dos operadores do direito a cerca do tema. Refere-se esta a uma pesquisa jurídico-interpretativa-compreensivo. Por fim, esta pesquisa fez uma análise mais aprofundada sobre o tema, que por sua atualidade, tornou-se alvo de várias discussões, possibilitando dessa forma, seu esclarecimento.
Palavra chave: Estupro. Lei nº. 12015/2009. Modificações
Sumário: Introdução; 1 Histórico da violência, 1.1 O comportamento sexual no mundo antigo, 1.2 O controle da moral pelo cristianismo, 1.3 A revolução sexual do século XX, 1.4 A sexualidade humana e o controle social pelo direito penal; 2 O crime de estupro e lei 2.848 de 07 de Dezembro de 1940, 2.1 Elementos Tipo, 2.1.1 Bem jurídico tutelado, 2.1.2 Ação nuclear , 2.1.3 Sujeitos, 2.1.3.1 Sujeito Ativo, 2.1.3.2. Sujeito Ativo: Marido?, 2.1.3.3 Sujeito Passivo, 2.1.4. Tipo objetivo, 2.1.4.1. Violência e Grave ameaça, 2.1.4.2. Análise da postura da vítima, 2.1.5. Elementos do Tipo Subjetivo, 2.1.6. Prova do Crime ,2.1.6.1. Conjunção Carnal e a sua prova pericial, 2.1.6.2 Violência e sua prova, 2.1.6.3. Autoria e sua prova, 2.1.7. Consumação e tentativa, 2.1.8. Classificação Doutrinária, 2.1.8.1 Formas, 2.1.8.1.1 Simples, 2.1.8.2 Qualificada pelo resultado, 2.1.9. Violência Ficta em casos de estupro, 2.1.10. Ação Penal; 3.0 O crime de estupro após o advento da Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009, 3.1 Elementos do tipo, 3.1.1 Bem Jurídico Tutelado, 3.1.2 Ação nuclear, 3.1.3 Sujeitos, 3.1.3.1 Sujeito ativo e Sujeito passivo, 3.1.3.2 Sujeito ativo: marido?, 3.1.4 Tipo Objetivo e Subjetivo, 3.1.4.1 Dissenso da vitima: nível de resistência da mulher, 3.1.5 Consumação e Tentativa, 3.1.6 Classificação doutrinaria, 3.1.7 Formas, 3.1.7.1 Forma simples, 3.1.7.2 Forma Qualificada, 3.1.8 Estupro de vulnerável, 3.1.9 Ação penal e segredo de justiça, 3.1.10 Pontos relevantes, 3.1.10.1 A perspectiva da aplicação do crime continuado, do concurso material, do concurso formal ou do crime único, 3.1.10.2 Aplicação retroativa da nova figura do estupro; 3.1.10.3 Gravidez resultante de ato libidinoso; 4.0 Aspectos positivos e negativos da lei 12.015/2009, 4.1 Aspectos positivos, 4.2 Negativos; Considerações Finais; Referências Bibliográficas; Anexos
Introdução
De acordo com o art. 213 do Código Penal Brasileiro, estupro, antes do advento da nova legislação, que trouxe uma visão modificada da realidade executória ao tipo penal em comento, era definido como “constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça”.
Tinha como conduta consumativa necessária para a configuração desse delito a conjunção carnal, ou seja, a penetração do pênis na vagina. Desta forma, as demais condutas para a realização de atos atrelados à libido, ou seja, aos desejos provenientes do sexo, imbuídos de violência, que não estivesse presente esta característica, eram classificadas tipificados em crime diverso – Atentado Violento ao Pudor (art. 214, CP) – inclusive as praticadas contra homens, apesar de algumas popularmente serem chamadas de estupro.
Neste contexto explicitava-se que somente a mulher podia ser a vítima desse crime – sujeito passivo – enquanto que o homem seria o autor delituoso – sujeito ativo – configurando o crime de estupro quando o homem usando da violência ou grave ameaça praticando a conjunção carnal sem o consentimento da vitima.
O advento da Lei 12.015/2009, de 07 de agosto de 2009, o estupro passou a ser definido como: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso”. (grifo nosso).
A nova redação possui maior abrangência, equiparando homens e mulheres no pólo passivo do delito, na medida em que substituiu a expressão “mulher” – durante muitos anos utilizada pela legislação penal pátria – pela determinação gramatical “alguém” – que corresponde a qualquer ser humano vivo, ou seja, qualquer pessoa pode ser vítima desse delito.
Mesmo não havendo grandes modificações acerca da estipulação da pena aplicada ao sujeito infrator desta norma, a nova legislação trouxe, no seu escopo, situações com penas majoradas, quais sejam: a) resultado lesão corporal grave – parágrafo único, com pena de 08 a 12 anos; b) se a vítima for menor de 18 anos e maior de 14 anos – parágrafo único, com pena de 08 a 12 anos; e, c) se da violência praticada resultar a morte – pena de 12 a 30 anos.
Essa lei, além de transformar todo o sentido e significado do art. 213 do Código Penal, trouxe como consequência, a revogação do artigo 214 deste, já que as antigas definições dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, com a nova lei, transformaram-se em uma única redação que é a atual definição do crime de estupro, não restando outra alternativa senão a revogação do art. 214, passando a vitima daquele extinto delito, a partir de então, a ser vitima do crime de estupro.
Sendo importante ressaltar, que a nova lei revogou também o art.224 do Código Penal, que tratava da presunção de violência e trouxe em seu art.227, o estupro de vulnerável, o qual tem como objetivo punir toda relação sexual ou qualquer outro ato considerado libidinoso praticado contra o menor de 14 anos ou qualquer pessoa que por enfermidade ou doença mental não possua o discernimento para a prática do ato.
Diante do exposto, pergunta-se: Quais os reflexos que às modificações que ocorreram no crime de estupro após a entrada em vigor da Lei 12.015 2009 no Ordenamento Brasileiro trouxeram?
Com base nessa premissa, objetivamos analisar o crime estupro, antes e após o advento da lei 12.015 de 2009, trazendo as principais alterações que ocorreram nesse delito, bem como, os aspectos positivos e negativos da nova lei para o nosso ordenamento jurídico.
No capítulo, retratamos um breve histórico da violência sexual sofrida por homens e mulheres no decorrer dos anos, com o intuito de tentar perceber como foram se lapidando os conceitos sobre o abuso sexual na sociedade.
No segundo e terceiro capítulo, buscamos analisar de forma comparativa as alterações que ocorreram no crime de estupro, depois da nova redação dada pela Lei 12.015 de 2009, que passou a prever os chamados crimes conta a liberdade sexual, além de examinar o revogado art.224, que tratava da presunção de violência, e o art.217-A, o qual trata do estupro de vulnerável.
No quarto e último capítulo, trataremos dos aspectos positivos e negativos que a nova lei trouxe para o crime de estupro após a sua inserção ao Código Penal Brasileiro, expondo a opinião dos Doutrinadores acerca do tema.
Para construirmos o presente estudo, ultilizamos uma pesquisa documental, baseada no art.213 do Código Penal nos entendimentos doutrinários dominante.Tendo como método de abordagem o dedutivo, o qual parte do geral para chegar ao particular, ou seja busca-se a aplicação da nova lei ao caso concreto.
A investigação é do tipo jurídico-interprtativo-compreensivo, partido da consulta de artigos e material relacionado na internet analisando a opinião dos doutrinadores acerca do tema, que por sua atualidade tornou-se alvo de várias criticas e debates no âmbito jurídico.
Este trabalho mostra-se de grande importância, por se tratar de um tema novo, alvo de várias criticas e debates, não existem ainda estudos mais detalhados que possibilitem o seu esclarecimento, contribuindo dessa forma como mais um meio de pesquisa.
O presente estudo pretende ainda, mostra-se de grande relevância, haja vista que a Lei 12015 de 2009 , não só modificou substancialmente o tratamento legal dos chamados crimes sexuais , na medida em que trouxe enumeras alterações, a começar pela modificação redacional do Titulo VI da Parte Especial do Código Penal, antes chamados “Dos Crimes Contra os Costumes”, hoje denominado “Dos Crimes Contra a Dignidade Sexual”, essa lei, alterou pontos significantes da matéria, obrigando desta forma, todos os estudiosos e operadores do Direito Penal a fazer uma revisão dos conceitos estudados, atualizando informações e propondo reflexões sobre o alcance e a extensão dos institutos modificados na “reforma” de 2009.
1 Histórico da violência sexual
1.1 O comportamento sexual no mundo antigo
O estupro e outras formas de violência sexuais são práticas antigas na humanidade, as quais nem sempre eram consideradas ilegais ou tidas como costumes reprováveis, estando presente em todas as sociedades, das mais variadas culturas e diferentes classes sócias.
Nos registros históricos mais antigos da humanidade, observa-se que a mulher era responsável pela sustentação do clã, assim como de varias outras representações humanas, devido aos chamados mitos de origem. Nessa época, a representação divina na terra era a fêmea, a qual estava diretamente ligada à fertilidade da terra e dos animais. Estas eram consideradas Deusas, pois acreditava-se que a vida emergia do seu corpo.
Esse período perdurou, até o momento em que o papel reprodutivo do homem ainda era obscuro, pois se tinha a idéia, de que a mulher gerava os filhos sozinhos, independentes da atividade sexual do homem, que não sabia até então, do seu papel reprodutivo.
Contribuindo com esse entendimento, afirma GRECO, RASSI apud CHAUI: “Desde que o mundo é mundo, seres humanos e animais são dotados de corpos sexuados e as práticas sexuais obedecem às regras, exigências naturais e cerimônias humanas”.
Avançando na história, destaca-se que os gregos, consideravam o amor e o sexo como algo natural, sendo a atividade sexual algo bastante considerável na visão dos pensadores. Neste sentido, pode-se afirmar que Platão exerceu um papel importante acerca da moral sexual, trazendo a visão de que o sexo ora era visto como algo positivo, exercendo uma força na psique da humanidade, ora como algo negativo, capaz de se tornar um traço perturbador e negativo para o homem.
Em suas obras A República e as Leis, Platão, afirma que as relações sexuais devem se limitar apenas à procriação e ao matrimônio, considerando a mulher um ser inferior ao homem, visão esta, que é sustentada por Aristóteles.
Os romanos acreditavam que as atividades sexuais eram pessoais e intimas, colocando a mulher a serviço do homem, relacionando-se com suas esposas apenas com o intuído de produzir herdeiros para as suas propriedades, de forma que, as relações políticas e de poder eram tratadas com mais importância do que satisfação emocional.
Desse modo, GRECO e RASSI dispõem: “Os paterfamiliae relacionavam-se com suas esposas com o fim de produzir herdeiros de suas propriedades, para prolongar a existência de suas famílias.”
Ao longo da história encontramos diversos casos de violência sexual, principalmente relacionada à mulher, que podem ser retratados em varias fases da história, podendo destacar, as histórias bíblicas, ás guerras do século 20, os mitos na mitologia greco-romana e na idade média.
Colaborando com esse entendimento afirma LINS: “Em toda a História encontramos casos de violência sexual: da bíblia as guerras do século 20, passando pela mitologia greco-romana, com a descrição dos 17 raptos praticados por Zeus, o deus dos deuses e pela a idade Média”.
Na antiguidade grega, o rapto era à base do casamento convencional, sendo ele um dos requisitos para que este ocorresse, passando a noiva a fazer parte da família do noivo depois de ser raptada. Do mesmo modo ocorria na antiga Roma, onde o cortejo nupcial tirava a noiva de sua mãe, demonstrando dessa forma, que o rapto de mulheres era um hábito freqüente praticado por estes povos. Nesse sentido afirma: “Os 17 raptos que a mitologia atribui a Zeus, ou Júpiter, deus dos deuses, não seria mais do que a transposição metafórica de raptos de mulheres por um povo”.
Na mitologia greco-romana, sumerianas e babilônicas eram comuns os relatos de estupros, raptos e outras formas de violência sexuais, ocasionadas pelos deuses, sendo conveniente destacar o livro The Love of lhe Gods in Athic Art Fifth Century B. C. de Kaemnf-Dimetriadou, o qual relata 395 estupros cometidos pelas divindades masculinas do Olimpo, a começar por Zeus, que era considerado um praticante compulsivo da violência sexual.
Assim como os deuses do Olimpo, as histórias que retratavam a vida dos heróis míticos gregos Teseu, Hércoles e Perseu, que nada mais eram do que representações dos homens que dominavam o mundo antigo tinham atitudes contrárias a moral e aos bons costumes, sendo estes, capazes de tudo para alcançar seus objetivos inclusive roubar, mentir e seduzir, além de estuprar e raptar mulheres.
Sendo pertinente destacar, a Ilíada, um poema épico grego atribuída a Homero que narra os acontecimentos ocorridos no período de pouco mais de 50 dias durante o décimo e último ano da guerra de Troia, a qual tras a disputa entre o rei Agamenon e Aquiles por uma jovem chamada Brisies, que para este, se tratava de seu “premio de guerra”. Onde a única questão a ser discutida por Homero era qual o merecedor de receber esse premio, sendo a escravidão sexual da mulher se quer mencionada, pouco importando se a jovem era peça de propriedade.
A história de Helena também merece relevância, principal heroína do ciclo troiano, ainda púbere foi raptada por Teseu e seu amigo Piritó, sendo a sua posse decidida por um sorteio, no qual o vencedor foi Teseu, que posteriormente gerou-lhe uma filha chamada Ifigênia.
Após ser libertada por seus irmãos Helena, casa-se com Menelau e em sua ausência, se envolve com Paris que a rapta por uma segunda vez dando inicio a guerra de Tróia. Posteriormente, após a morte de Paris, Helena casa-se com seu próprio irmão, entregando-o mais tarde aos gregos, sendo o mesmo mutilado para que ela obtivesse o perdão pela prática do adultério.
Mais tarde, Menelau recebe-a de volta e após sua morte ela se refugia em Rodes, onde durante um banho é afogada e pendurada morta em uma arvore por duas mulheres.
Outro mito de grande relevância, é a história de Hércules, herói Grego que casou-se com Dejanira, a qual foi raptada pelo centauro Nesso, suicidando-se logo em seguida.Após sua morte, Hércules se casa com Megara, jovem que Lico desejava se apoderar, mas Hércules o mata antes de alcançar seu objetivo.
Juno, indignada deixou Hércules com tamanha ira que a força de sua reação ocasionou a morte de Megara e os seus filhos, matando posteriormente, Loomedonte com o intuito de raptar sua filha Hesíone para presentear o seu amigo Telamon. Não satisfeito, Hércules ainda rapta a rainha das Amazonas e a obriga a casar-se com seu amigo Tesseu.
Sendo importante ressaltar, a obra de Heródoto, que traz as formas de violência causadoras da guerra permanente entre os Gregos e os Persas: os fenícios raptaram Io, a filha do rei Inácio, em Argos, na Grécia, e a levaram para o Egito. Creta raptou Europa, a filha do rei da Fenícia e mais tarde, raptaram Medeia filha do rei Colchida, como resposta a afronta dos Fenícios.
Posteriormente, Paris, filho do rei de Tróia raptou Helena, esposa do rei de Esparta, pensando que não seria punido, já que Helena tinha sido raptada anteriormente e se casara com Tesseu, herói que já havia arrebatado Ariane e Antirpe.
Outro marco na história romana foi o rapto e morte de Lucrecia, cidadã romana que foi raptada e assediada por Sexto Tarquínio, filho do rei Tarquínio, o qual durante a noite, na cama, mostrou-lhe um punhal e ordenou que ela se deixasse possuir. Mas Lucrecia não se intimidou e ele então ameaçou assassina-la, colocando-a junto de seu corpo um escravo nu, para que as pessoas pensassem que ela tinha sido morta pelo seu marido depois de ter praticado o adultério.
Lucrecia, após ter relatado o que havia ocorrido, suicidou-se logo em seguida com um golpe de faca no coração, sendo o seu corpo levado em comoção até o foro, rebelião que depôs a família real e ocasionou a proclamação da República Romana em 509.
Ainda mais trágica foi a história da rainha Boadicéia, na qual o rei dos Icenos nomeou suas filhas e o imperador Nero como herdeiros de seus bens, com o intuito de facilitar a sua sucessão. Mas quando foi vencido pelos centuriões, seu palácio foi destruído, sua esposa chicoteada e suas filhas estupradas.
Foi então que Boadicéia insuflou a rebelião dos betrões contra os romanos de Londres, rebelião esta, que ocasionou a morte de setenta mil romanos. Por fim Boadicéia e suas filhas se envenenaram, dizendo: “Bebei! O veneno é menos cruel que a tirania”.
Os casos de violência contra Lucrecia e Boadicéia, entraram para a história em razão do grande clamor social ocasionado na época, demonstrando dessa forma, que ate mesmo para os povos antigos o estupro já era considerado um crime.
Alguns povos antigos puniam o estupro com rigor, apenando com a morte o transgressor que violasse mulher desposada (prometida em núpcias), ou virgem, sendo neste caso, aplicada a punição pecuniária e de casamento, cumulativamente.
No Egito, o ofensor era mutilado, enquanto que na Grécia, inicialmente, a pena era de cunho financeiro, passando posteriormente, a pena capital, sendo esta aplicada também pelos romanos, já que o de estupro era considerado um crime vil. Da mesma forma, eram os julgamentos germânico, canônico, espanhol, e inglês (neste último, a punição foi substituída pela castração e vazamento dos olhos).
Na idade média, o estupro era considerado um crime de sangue, caso a vitima fosse nobre e virgem, punindo-se o agressor com a morte, mas posteriormente, houve a substituição desta pena pela de castração ou perda dos olhos.
1.2 O controle da moral pelo cristianismo:
Com a queda do Império Romano, houve a dissolução das cidades romanas e posterior formação dos Feudos na Europa, com a regência da igreja católica, que aos poucos foi construindo e enrijecendo a moral cristã, já que o tratamento dado ao casamento, à família e à sexualidade não foi sempre o mesmo dentro do cristianismo.
Neste sentido dispõe GRECO e RASSI: “A trajetória da formação da teologia cristã acerca do controle da sexualidade e do casamento é uma amálgama dos costumes germânicos, da tradição estóica grega e dos testamentos bíblicos, o novo e o antigo.”
O tratamento cristão sobre a sexualidade pode ser dividido em duas etapas: a primeira pregava à recusa concupiscência (desejo) e ao prazer, restringindo o sexo à reprodução; e a segunda etapa, que institui o casamento cristão, monogâmico e indissolúvel, a qual tinha como limite a atividade sexual legitima.
Nesse período, o único comportamento permitido era a virgindade e o ascetismo, sendo a castidade considerada um estado superior que possibilitava o conhecimento da fé e das vontades humanas, conferindo autoridade moral aos clérigos. Já o casamento, era considerado hierarquicamente inferior à castidade, um mal, pois tinha como pressuposto o “pecado” das relações sexuais.
Colaborando com o entendimento, GRECO e RASSI estabelecem: “… no inicio da teologia cristã o casamento era admissível, mas ainda assim um pecado. Porém, nem a força da religião foi capaz de camuflar um fenômeno social de tamanha relevância…”.
A partir do século IX, quando a igreja passa a ter maiores poderes sobre os reis e sobre a aristocracia, começa a regular a instituição do casamento de acordo com os seus dogmas, deixando de considerar a união entre homem e mulher como um pecado e passando a pregar o casamento como uma instituição divina.
Nos séculos XII e XIII, com o casamento instituído como categoria de sacramento, a igreja passou a interferir em todas as estruturas sócias, regulando o casamento e a própria vida conjugal, abolindo os casamentos entre membros da mesma família e do mesmo sexo, passando a regular a vida doméstica do casal.
De acordo com GRECO e RASSI: “O conflito se perdurou no tempo, mas as regras morais sobre a conduta sexual medieval converteram-se em um paradigma para o tratamento da sexualidade na moderna sociedade ocidental”.
No período das grandes navegações, preocupando-se em povoar suas colônias, Portugal incentivava os colonos a se casarem com as nativas, raptarem as prostitutas na cidade do porto, além de ordenarem que as jovens órfãs fossem enviadas para o Brasil, com o intuito de facilitar o povoamento. Sendo importante destacar, que o abuso sexual de índios e negros era uma prática comum, que representava a expressão de senhorio dos colonizadores.
Neste sentido, LINS afirma:
“Desde que o sistema patriarcal se instalou, há 5000 anos, e a sociedade de parceria entre homens e mulheres cedeu lugar à dominação masculina, a mulher passou a ser uma mercadoria valiosa. Rapto seguido de estupro foi o método mais usado de adquiri-la, ocorrendo na própria tribo ou na tribo vizinha”.
As relações sexuais no tempo da colônia, possuíam como base um tripé de sexo pluriétnico, escravidão e concubinato, sendo os transgressores punidos rigorosamente pela moralidade religiosa através da inquisição, desde que fossem do interesse da igreja.
1.3 A revolução sexual do século XX
No período compreendido entre o final do século XIX até a primeira metade do século XX, vários autores passaram à enxerga a sexualidade sob uma nova ótica, conceito este que só foi possível, devido a valoração da individualidade na idade moderna, a qual serviu de base para a organização da sociedade capitalista.
A partir da segunda metade do século XX, podem-se destacar dois eventos importantes que marcaram o estudo da sexualidade: o desenvolvimento de métodos contraceptivos, que rompe com associação, que ate então existia, entre a atividade sexual e a reprodução; e o surgimento de novas reflexões sobre o tema.
Nessa época, as mulheres encontravam-se totalmente desamparadas, não existindo nenhum tipo de lei que resguardasse os seus direitos, consideradas seres inferiores, eram vítimas de constantes assédios e estupros, ficando totalmente vulnerável a todos os tipos de violência, já que os seus agressores não sofriam nenhuma punição.
É neste contexto histórico, que surgem os movimentos feministas, com objetivo de combater as descriminações ocasionadas pelas desigualdades derivadas dos padrões estabelecidos pela moralidade sexual, lutando pelos direitos legais da mulher, dentre os quais pode destacar: direito a integridade física, a autonomia, direitos trabalhistas, reprodutivos, proteção contra a violência doméstica, assédio sexual e estupro.
Esses movimentos foram os principais responsáveis pelo crescimento sobre o estudo de gênero, dando novas perspectivas sobre as questões teóricas e de investigação sobre a sexualidade, as quais passaram a ser vistas sob uma nova ótica, ocasionando várias conseqüências como: a alteração do estereótipo masculinidade, feminilidade e seus respectivos papéis; novas atitudes liberais em relação ao corpo e as emoções; maior tolerância ao sexo antes do casamento; maior tolerância as diferenças sociais e a educação sexual.
1.4 A sexualidade humana e o controle social pelo direito penal.
O comportamento sexual do Brasileiro, assim como tem ocorrido com as civilizações ocidentais, vem se modificando ao longo dos tempos, a partir dos anos 60, com a valorização dos aspectos positivos da sexualidade e a sua privatização, surgiu então, a necessidade de criar novas leis que se adequassem à realidade social.
Desse modo, pode-se afirmar que com as mudanças sócias e culturais vivenciadas no século XX, houve um afastamento da moralidade religiosa herdada na época medieval, ganhando a sexualidade uma autonomia individual e subjetiva, nascendo desde então, a preocupação do Estado em regular todos os tipos de condutas lesivas a liberdade sexual do individuou.
Neste sentido GRECO e RASSI dispõem: “Essa repressão sexual, ocorre porque o comportamento sexual é uma conduta tão relevantes na vida em sociedade que o seu exercício apresenta reflexos diretos nas instituições sociais do próprio estado.”
Dentre as formas de controle social exercidas contra a sexualidade, uma das mais importantes, é aquela exercida pelo direito, a qual ao longo dos anos, tratou da sexualidade como uma manifestação maior ou de menor importância, variando o seu tratamento de acordo com os interesses sociais de cada época.
Contribuindo com o nosso entendimento, GRECO e RASSI estabelecem: “Ocorre que a moral social sobre o comportamento sexual de cada época sempre influenciou o direito penal na tutela das condutas sexuais”.
Os direitos sexuais ganharam grande importância ao longo dos tempos, chegando aos dias atuais com uma preocupação acentuada em relação às condutas voltadas contra o menor e aquele que está em situação de vulnerabilidade, sendo as reformas legislativas nesse campo bastante complexas, devido às novas concepções sociais acerca da sexualidade, demonstrando dessa forma que o direito e a moral caminham juntos.
Portanto, pode-se afirmar que a intervenção do direito penal no comportamento sexual da sociedade, sempre foi uma questão bastante polemica que esbarra na distinção entre o direito e a moral, ou seja, até que ponto o comportamento sexual reflete nos interesses morais de um povo, ou apresenta danosidade suficiente capaz de merecer a tutela jurisdicional, questão esta que estar longe de ser resolvida.
2 O crime de estupro e lei 2.848 de0 7 de Dezembro de 1940.
O estupro antes do advento da nova legislação estava disposto no titulo VI dos crimes contra os costumes, no capítulo I Dos crimes contra a liberdade sexual, sendo este definido como:
“Art. 213: Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça:
Pena: – reclusão de seis a dez anos. (redação dada pela lei 8.072 de 1990)”
Parágrafo único: (revogado pela lei 9.281 de 1996)”
Em uma primeira análise, pode-se observar, que o nome do titulo “Dos crimes contra os costumes” trazia a idéia de bons costumes, tutelando a moral sob o ponto de vista sexual sem interferir nas relações normais do individuo, reprimindo as condutas consideradas graves perante a moral média da sociedade, deixando muito a critério da vitima ou do meio social ao qual pertencia classificar o que seria contra os costumes.
Neste crime tutelava-se a liberdade sexual da mulher, ou seja, a faculdade que a mulher tem de escolher livremente o seu parceiro, resguardando o direito dispor do seu próprio corpo, sem que esta seja forçada violentamente a manter conjunção carnal com outrem sem o seu consentimento.
Desse modo, o núcleo do referido tipo penal consubstanciava-se no verbo constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça, ou seja, era necessário que a mulher fosse coagida a manter conjunção carnal com o agente pra configurar o crime de estupro.
Tinha como conduta consumativa necessária para a configuração desse delito a conjunção carnal, ou seja, a penetração do pênis na vagina. Desta forma, as demais condutas para a realização de atos atrelados à libido, ou seja, aos desejos provenientes do sexo, imbuídos de violência, que não estivesse presente esta característica, eram classificadas tipificados em crime diverso – Atentado Violento ao Pudor (art. 214, CP) – inclusive as praticadas contra homens, apesar de algumas popularmente serem chamadas de estupro.
Neste contexto explicitava-se que somente a mulher podia ser a vítima desse crime – sujeito passivo – enquanto que o homem seria o autor delituoso – sujeito ativo – configurando o crime de estupro quando o homem usando da violência ou grave ameaça praticando a conjunção carnal sem o consentimento da vitima.
Neste sentido afirma Fernando Capez:
“Conjunção carnal nos termos do artigo, é somente a cópula ou seja, a introdução do pênis na cavidade vaginal da mulher.Não se compreendem nesse conceito outras formas de realização do ato sexual, considerados coitos anormais, por exemplo a cópula oral ou anal.Tais atos sexuais poderão constituir o crime de atentado violento ao pudor. Desse modo, aquele que constrange outrem, do mesmo sexo ou não, a praticar com ele ato libidinoso diverso da conjunção carnal pratica o crime do artigo 214.”
Portanto, as principais alterações ocasionadas no crime de estupro após a nova redação dada pela lei 12.015/09, é a substituição da palavra mulher pela expressão alguém, bem como a inclusão das elementares que eram previstas no crime de atentado violento ao pudor, já que este teve sua redação incorporada no art.213 do código penal, revogando em decorrência desta unificação o art. 214 do referido diploma legal.
2.1 Elementos Tipo
2.1.1 Bem jurídico tutelado
O bem jurídico protegido é a liberdade sexual da mulher, ou seja o direito que ela tem de dispor sobre o seu próprio corpo, escolhendo livremente o seu parceiro sem que haja a necessidade do emprego da violência ou grave ameaça para a pratica do ato sexual, podendo inclusive recusar o próprio marido, quando assim desejar.
Sendo importante destacar, o conceito de liberdade sexual, a qual pode ser entendida como a capacidade do sujeito dispor livremente de seu corpo na pratica do ato sexual, ou seja, liberdade de se comportar no plano sexual de acordo com os seus preceitos, tanto no que se refere à relação em si, quanto à escolha de seu parceiro e até mesmo no que diz respeito à capacidade de se negar a executar ou tolerar atos de natureza sexual.
A liberdade sexual tem se materializado como sendo o objeto de proteção que justifica a intervenção penal na prática sexual dos cidadãos, pretendendo com a sua tutela, mais do que o exercício da capacidade de autodeterminação sexual, objetiva-se que o comportamento sexual seja exercido na sociedade com a liberdade de seus participantes, assegurando dessa forma, a plena liberdade do exercício da atividade sexual das pessoas.
2.1.2 Ação nuclear
A ação nuclear do tipo penal consubstancia-se no verbo “constranger” mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça. Sendo conveniente trazer o significado do verbo constranger, que nada mais é do que forçar, compelir, coagir a mulher a praticar com o agente conjunção carnal.
Desta forma, para configurar o referido delito, o agente deve necessariamente constranger mulher a pratica de conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça, tratando-se portanto, dos meios executivos do crime de estupro.
A conjunção carnal, nos termos do artigo, é a cópula vagínica, ou seja a penetração do pênis na vagina da mulher, portanto, todas as demais condutas atreladas a libido, praticadas com violência a pessoa, que não estivesse presente essa características, eram tipificadas com atentado violento ao pudor.
O mal que se pretende cometer deve ser direto(voltado contra a própria vitima) ou indireto(voltados contra terceiros ligados a vitima; justo(delatar crimes cometidos pela vítima) ou injusto( ameaçar de morte a própria vitima); devendo ser analisado sob o ponto de vista da vitima, ou seja, levando em consideração as suas condições físicas e psíquicas.
Sendo importante ressaltar, que a permissão para a prática do ato sexual, livre de qualquer coação, exclui o crime de estupro, sendo necessário o dissenso da vitima, ou seja, que ela se oponha ao ato sexual, cedendo apenas em face da violência empregada ou do mal anunciado, exceto no caso de crime praticado contra o menor de 14 anos.
2.1.3 Sujeitos
2.1.3.1 Sujeito Ativo
O sujeito ativo do crime somente pode ser o homem, haja vista que apenas este poderá executar a ação típica, já que a lei fala em “conjunção carnal”, excluindo, portanto, a prática dos atos sexuais entre pessoas do mesmo sexo.
Nesse sentido o professor Damásio de Jesus traz, “ somente o homem pode ser sujeito ativo do crime de estupro, porque só ele pode manter com a mulher conjunção carnal que é coito normal.”
Também, Celso Delmanto: “Sujeito ativo: Somente o homem”. Esse era o entendimento majoritário e mais aceitável da doutrina e jurisprudência pátria.
Assim se uma mulher mediante violência ou grave ameaça, obriga outra mulher a praticar com ele um ato sexual, o crime tipificado será o de atentado violento ao pudor, pois neste caso, não teve a conjunção carnal, mas sim a pratica de atos libidinosos, não estando presente uma característica essencial para a configuração desse delito.
Nada impede, porém, em se tratando de autoria mediata, que a mulher seja sujeito ativo do referido delito, tendo em vista que nesse caso, ela não executa pessoalmente a conjunção carnal.
Sendo conveniente mencionar o conceito de autoria mediata de Fernando Capez: “Autor mediato é aquele que se serve de pessoa sem condições de discernimento para realizar por ele a conduta típica. Ele é usado como mero instrumento de atuação, como se fosse uma arma ou um animal irracional.”
Na autoria mediata o executor age sem vontade e sem consciência, pois a conduta típica é realizada pelo autor mediato do crime, e por esta razão a mulher poderá ser sujeito ativo deste, respondendo pelo crime na condição de agente mediato.
Apesar do crime de estupro ser classificado como um crime próprio, ou seja, que pressupõe uma condição ou qualidade do agente, a mulher poderá ser participe, quando sem realizar o núcleo penal concorreu de alguma forma para a produção do resultado e co-autora, quando constrange a vitima á prática de conjunção carnal com seu comparsa, embora não mantenha conjunção carnal com esta.
2.1.3.2. Sujeito Ativo: Marido?
Os doutrinadores mais antigos como Hungria e Noronha, entendem que inexiste o crime de estupro quando o sujeito ativo do crime se tratar do próprio marido da vitima, pois para se configurar o referido delito é necessário que a cópula seja ilícita, ou seja, fora do casamento.
Desta forma, a cópula decorrente do casamento é tida como exercício regular do direito, considerada dever recíproco dos cônjuges, podendo haver a recusa da mulher somente nos casos em que o marido tenha contraído moléstia venérea.
“EMENTA: PENAL. CRIME CONTRA OS COSTUMES. ESTUPRO. EXTINÇÃO DA PUNIBILIDADE. O restabelecimento da sociedade conjugal pré-existente entre ofendida e o agente do delito constituiu-se, a partir da interpretação analógica in bonan partem do artigo 107, inciso VII, do Código Penal, causa extintiva da punibilidade. Decretaram extinta a punibilidade. Unânime.” (Apelação Crime Nº 70009464470, Quinta Câmara Criminal, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luís Gonzaga da Silva Moura, Julgado em 06/10/2004)
Tal posicionamento, com o passar dos anos não teve mais sentido, mesmo antes do advento da lei 12015/09, pois a mulher adquiriu o direito à inviolabilidade de seu corpo, de forma que os meios ilícitos, como violência ou grave ameaça, empregados para constrangê-la à prática de qualquer ato sexual, mesmo sendo praticados pelo marido, jamais poderão ser aceitos.
De acordo com esse entendimento, a relação sexual embora constitua dever recíproco dos cônjuges, o constrangimento ilegal resultante da prática forçada da conjunção carnal, não constitui exercício regular de direito, e sim abuso de direito, haja vista que a lei civil não aceita o uso de violência física ou coação moral nas relações sexuais entre os cônjuges.
Contribuindo com esse entendimento, Bitencourt afirma:
“O chamado debito conjugal, não assegura ao marido o direito de estuprar sua mulher; garantindo-lhe, tão somente, o direito de postular o termino da sociedade conjugal.Os direitos e as obrigações de homens e mulheres são, constitucionalmente, iguais.”
No entanto, se a esposa recusa-se continuamente a realizar o ato sexual, o esposo poderá, poderá utilizar o instituto civil da separação judicial, em virtude de grave violação dos deveres do casamento que torne insuportável a vida em comum, jamais poderá obrigá-la à pratica do ato sexual.
Sendo importante ressaltar, que nos casos em que o marido mediante o emprego de violência ou grave ameaça praticou ou tentou o estupro contra sua esposa, a mulher poderá pedir a separação judicial devido à impossibilidade de comunhão de vida.
2.1.3.3 Sujeito Passivo
Somente poderá ser a mulher, pois apenas esta pode ser obrigada a pratica da conjunção carnal, não importando para a configuração do delito se ela é virgem e recatada, já que a proteção legal não estipula nenhuma característica especifica para a vitima, exceto que esta seja do sexo feminino. Portanto, não se exclui da proteção legal a prostituta, que embora comercialize o seu corpo, tem o direito dele dispor da forma que quiser.
Nesse sentido, afirma Bitencourt: “A liberdade sexual é um direito assegurado a toda mulher, independentemente de idade, virgindade, aspecto moral ou qualquer outra qualificação/adjetivação que se possa imaginar.”
Portanto, no crime de estupro não se procura saber sobre a conduta ou vida pregressa da vitima, podendo dele ser sujeito passivo qualquer pessoa do sexo feminino seja ela honesta, prostituta, virgem, idosa, menor ou ate mesmo cônjuge ou companheira.
No entanto, se o sujeito ativo do crime realizar conjunção carnal com uma vitima que não seja maior de 14 anos, ainda que haja o consentimento desta para a prática do ato, o estupro será considerado presumido, tendo em vista que o seu consentimento não é considerado valido.
2.1.4. Tipo objetivo
A conduta típica no crime de estupro é constranger (forçar, compelir, obrigar) mulher (deve necessariamente ser do sexo feminino), virgem ou não, maior ou menor, honesta ou prostituta, mediante violência ou grave ameaça, à conjunção carnal (cópula vagínica). Sendo qualquer outra forma de coito, considerada anormal, tipificada como atentado violento ao pudor.
Neste sentido, Mirabete apud Martins define a conjunção carnal como a cópula vaginal: “em que há introdução do membro viril em ereção, na cavidade vaginal, com ou sem ejaculação”.
Sendo necessário, portanto para a configuração do estupro a penetração do pênis na vagina, não se exigindo a ejaculação nem o rompimento do hímen, estando excluído da tipificação desse delito a cópula vestibular ou vulvar.
É indispensável também que tenha ocorrido o constrangimento ilegal da mulher mediante violência ou grave ameaça para a prática da conjunção carnal, exigindo-se que a esta se oponha ao ato sexual, pois a violência aliada ao dissenso da vitima deve ser demonstrada para a tipificação do referido delito.
Colaborando com o entendimento afirma Mirabete: “Deve-se configurar, portanto, uma oposição que só a violência física ou moral consiga vencer, que a mulher seja obrigada, forçada, coagida, compelida à prática da conjunção carnal”.
A ameaça deve ser grave, ou seja, uma promessa de mal considerável, não importando se houve justiça do mal ameaçado, tendo sempre que levar em conta a capacidade de resistência da vítima.
2.1.4.1. Violência e Grave ameaça
O termo violência empregado no tipo penal refere-se a violência física, a vis corporalis, tendo como finalidade vencer a resistência da vítima, podendo esta ser produzida pela própria energia corporal do agente como por outros meios, como fogo, água, energia elétrica (choque), gases, etc.
Essa violência poderá ser imediata, quando for empregada diretamente contra o próprio ofendido, ou mediata, quando utilizada contra um terceiro ou coisa a que a vítima esteja diretamente relacionada.
Não sendo necessário que a força empregada seja irresistível, ou seja, basta que esta seja idônea para coagir a vítima à prática do ato sexual, permitindo que o sujeito ativo realize a sua vontade.
Já a grave ameaça empregada no tipo penal refere-se a ameaça de u m mal sério e grave, capaz de causar um grande temor à vítima, a ponto desta, com receio de sofrer o mal prometido pelo autor, sujeitar-se à conjunção carnal.
O mal prometido no crime de estupro além de futuro e imediato, deve ser determinado, pois sendo indefinido e vago este não terá grandes efeitos coativos. Não sendo necessário que o mal prometido seja injusto, pois basta que a pretensão ou a forma de obtê-la seja injusta para que haja a configuração do referido delito.
Dessa forma, o mal prometido pode até ser justo, mas o fundamento que leva o agente a prometê-lo ou o método utilizado podem não sê-lo.
Portanto, é irrelevante que a ameaça seja justa ou legal para obter à prática do ato sexual. Pois é a sua finalidade especial – constranger mulher à conjunção carnal – que determina a natureza ilícita da conduta, transformando-a em ilegal e penalmente típica.
Sendo importante ressaltar, que as lesões corporais leves constituem elementares do crime, enquanto que as de natureza grave podem qualificá-lo.
2.1.4.2. Análise da postura da vítima
O artigo 213 do código penal tipifica a conjunção carnal praticada mediante violência ou grave ameaça, sendo irrelevante para a configuração desse delito a virgindade da vitima, ou ate mesmo se esta é mulher casada ou solteira, viúva ou prostituta, embasando-se na supressão do poder da mulher de se defender ou de se opor à prática do ato sexual.
Os princípios da proporcionalidade e da razoabilidade tem efetiva aplicação no crime de estupro, haja vista que no referido delito deve-se analisar a relação de forças, especialmente a superioridade de forças do agente, ou seja, não é necessário que se esgote toda a capacidade de resistência da vítima, para reconhecer a violência ou grave ameaça.
2.1.5. Elementos do Tipo Subjetivo
O elemento subjetivo geral é o dolo, consubstanciado na vontade de constranger a mulher à pratica do ato sexual, mediante violência ou grave ameaça.
No entanto, além do elemento subjetivo genérico, o crime ainda comporta o elemento específico, o qual é representado pelo fim de constranger a vitima a pratica da conjunção carnal, sendo este o elemento que descrimina a tentativa de estupro do atentado violento ao pudor.
Colaborando com esse entendimento afirma Mirabete: “A vontade de constranger, obrigar, forçar, a mulher é o dolo do delito de estupro. Exige-se, porém, o elemento subjetivo do injusto (dolo específico), que é o intuito de manter conjunção carnal”.
Portanto não basta o dolo, elemento subjetivo geral, é necessário que o agente tenha o fim de constranger a vitima para a prática da conjunção carnal, elemento subjetivo específico, também chamado de dolo específico.
Sendo importante ressaltar, que quando não houver qualquer contato físico com a vítima, mas tiver ocorrido grave ameaça, o agente responderá pelo crime de constrangimento ilegal, já que pela regra da desistência voluntaria o autor só responde pelos atos ate então praticados.
2.1.6. Prova do Crime
O estupro é um crime que nem sempre deixa vestígios, como na hipótese de tentativa, onde o agente não pratica a conjunção carnal com a vitima por circunstancias alheias a sua vontade, e mesmo havendo consumação esses resquícios podem ter desaparecido durante o tempo ou nem se quer ter ocorrido, dificultando a prova pericial junto a vitima.
Porém, nos casos em que o crime deixa vestígios será indispensável a prova pericial, procedendo –se através do exame de corpo de delito, direto ou indireto, não podendo ser suprida pela confissão, de acordo com o art.158 do CPP.
Trata-se, pois, da adoção ao sistema da reserva legal, no qual o juiz não pode buscar a verdade em nenhum outro meio de prova, pois a lei se apega ao formalismo de exigir a prova pericial como o único meio capaz de comprovar a materialidade delitiva do fato. Desse modo, nos casos em que for possível a realização da pericia, a sua falta implicará na nulidade de todas as provas produzidas em sua substituição.
Contudo a jurisprudência dos tribunais superiores vem se posicionando de maneira contraria a essa regra, sob o argumento de que todas as provas podem ser valoradas pelo juiz como admissíveis, desde que estas não sejam ilícitas.
Sendo pertinente destacar o posicionamento do STF:
“A nulidade decorrente da falta de realização do exame de corpo de delito não tem sustentação frente à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, que não considera imprescindível a perícia, desde que existentes outros elementos de prova”.
No mesmo sentido dispõe o STJ:
“Penal. Processual. Estupro e atentado violento ao pudor. Ausência de exame de corpo de delito. Habeas Corpus. A falta do exame de corpo de delito por si só, não serve para anular o processo, quando a condenação tem amparo em outros elementos de prova, especialmente a testemunhal”.
2.1.6.1. Conjunção Carnal e a sua prova pericial
A prova da conjunção carnal pode-se dar por meio dos vestígios como: presença de esperma, pêlos, ruptura do hímen, contágio de moléstia venérea, gravidez.
No entanto o STF posicionou-se no sentido que:
“O fato de os laudos de conjunção carnal e de espermatozóides resultarem negativos não invalida a prova do estupro, dado que é irrelevante se a cópula vagínica foi completa ou não, e se houve ejaculação. Existência de outras provas. Precedentes do STF”.
É importante destacar, que não basta a comprovação da conjunção carnal para configurar o crime de estupro, pois ela não é capaz de demonstrar o nível de resistência da vitima à prática do ato sexual, sendo necessário portanto, a comprovação de que o ato sexual se deu mediante constrangimento físico ou moral.
2.1.6.2 Violência e sua prova
A violência que o artigo se refere é aquela causada pelo emprego efetivo da força física, ocasionando mordidas, tentativa de esganadura, equimoses, escoriações, lesões, na vítima com o objetivo de obrigá-la a pratica do ato sexual.
Entretanto existem casos em que a vitima não produz nenhuma forma de resistência ao ato sexual, devendo o juiz levar em consideração outras provas, dentre as quais a palavra da vítima e a prova testemunhal (exame de corpo de delito indireto).
Sendo importante ressaltar que, via de regra, a palavra da vitima tem valor probatório relativo, devendo o juiz aceitar com reservas, analisando de acordo com o caso concreto.
Nas hipóteses de violência moral a prova do crime de estupro é de difícil constatação, podendo ser utilizado o exame de corpo de delito indireto caso exista prova testemunhal.
Sendo conveniente destacar o entendimento do relator Ministro Gilson Fernandes, do tribunal de justiça do maranhão, no julgamento de recurso especial n 401028, D.J.E 23.02.10:
“EMENTA:RECURSO ESPECIAL. PENAL E PROCESSUAL PENAL. ESTUPRO. DENÚNCIA. REJEIÇÃO. EXAME DE CORPO DE DELITO. AUSÊNCIA. APLICAÇÃO DO ARTIGO 167 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL. 1. “A ausência de laudo pericial não tem o condão de afastar os delitos de estupro e atentado violento ao pudor, nos quais a palavra da vítima tem grande validade como prova, especialmente porque, na maior parte dos casos, esses delitos, por sua própria natureza, não contam com testemunhas e sequer deixam vestígios” (HC-47.212/MT, Relator Ministro Gilson Dipp, DJ de 13.3.06). 2. Conforme a jurisprudência desta Corte, uma vez inexistente o exame de corpo de delito, tal fato não tem o condão de descaracterizar a tipicidade da conduta narrada na exordial acusatória, haja vista a possibilidade de ser suprido por depoimentos testemunhais, conforme previsão do art. 167 do Estatuto Repressivo. 3. A rejeição da denúncia somente tem cabimento em casos em que se verifique de plano a atipicidade da conduta, sem a necessidade de o magistrado, na simples decisão de recebimento, efetuar um exame aprofundado da prova, cuja apreciação deve aguardar momento oportuno, qual seja a instrução criminal. 4. O Tribunal a quo, em sede de ação penal originária, ao concluir pela ausência de prova material do estupro, incursionou em profunda análise da prova e assim antecipou-se, indevidamente, ao julgamento de mérito da lide, em momento sabidamente inoportuno, no qual é vedada a análise exauriente da prova. 5. Recurso ao qual se dá provimento.”
2.1.6.3. Autoria e sua prova
A prova da autoria pode-se dar através da colheita do material genético do suposto agressor, comparando-o com o material genético encontrado nos vestígios do crime, tais como esperma, pêlos presentes no corpo da vítima.
No entanto, o réu não esta obrigado a ceder o seu material genético para a realização de exame de DNA, já que no Direito Penal ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo, devendo nesse caso, o juiz analisar a recusa do réu junto com as demais provas para formar sua convicção.
Colaborando com esse entendimento o art. 157 do CPP traz: “O juiz formará a sua convicção pela livre apreciação das provas”.
2.1.7. Consumação e tentativa
Consuma-se o crime de estupro quando há a introdução completa ou incompleta do pênis na vagina da vitima, sendo desnecessária a ejaculação ou o orgasmo, caracterizando o referido delito independentemente do rompimento da membrana himenal.
A tentativa é admissível neste delito, caracterizando o crime de estupro na forma tentada quando o agente tendo iniciado a execução, é interrompido por circunstancias alheias a sua vontade.
Por se tratar de um crime complexo, a violência ou grave ameaça constitui inicio da execução, já que está dentro do próprio tipo, como sua elementar, ocorrendo a tentativa quando o agente ameaça gravemente a vitima, com o objetivo de constrange-la à prática do ato sexual.
2.1.8. Classificação Doutrinária
O estupro trata-se de um crime comum, pois o fato de apenas o homem ser o sujeito ativo do crime não o classifica como crime próprio; material, já que o referido delito causa transformação no mundo exterior; instantâneo, devido a consumação não se perdura no tempo; unissubjetivo, pois este delito só pode ser cometido por uma única pessoa; plurissubsistente, pelo fato da conduta se desdobrar em vários atos.
2.1.8.1 Formas
2.1.8.1.1 Simples
Esta prevista no caput do art. 213 do Código Penal: “Constranger mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça: Pena-reclusão, de seis a dez anos”.
Dessa forma, para que haja a configuração deste delito em sua forma simplificada, era necessário que o Homem, sujeito ativo, constrangesse uma mulher, sujeito passivo, a conjunção carnal mediante violência ou grave ameaça.
Sendo importante destacar, que com essa redação, o crime de estupro e atentado violento ao pudor por se tratarem de crimes autônomos, haverá a possibilidade de concurso material entre estes delitos, de modo que se o agente do referido crime, constranger a vitima à prática da conjunção carnal e a cópula anal, responderá pelos crimes do art.213 e 214do Código Penal, resultando na aplicação das duas penas.
2.1.8.2 Qualificada pelo resultado
Esta prevista no art. 223 do mesmo diploma legal. O caput do artigo estabelece: “Se da violência resulta lesão corporal de natureza grave: Pena-reclusão, de oito a doze anos”. O parágrafo único também estabelece: “Se do fato resulta a morte: Pena-reclusão, de doze a vinte e cinco anos”.
Qualifica-se o crime quando do estupro resultar lesão corporal de natureza grave ou a morte da vitima.
Sendo pertinente ressaltar, que o mencionado artigo, traz uma redação defeituosa, haja vista que o seu caput, traz o resultado qualificador ocasionado pelas lesões de natureza grave, menciona: “se da violência resultar…”. Enquanto o seu parágrafo único, o qual trata do resultado qualificador causado pela morte da vítima, dispõe: ”se do fato resultar…”.
Gerando dessa forma, uma série de debates doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema, haja vista que o referido artigo ocasionava duvidas na sua aplicação, se o delito só era qualificado se resultasse lesão grave da violência e não da grave ameaça ou se quando o artigo mencionava o fato, podia se abranger a violência e a grave ameaça ou somente a violência.
2.1.9. Violência Ficta em casos de estupro
O referido delito esta previsto no art.224 do CP, o qual traz: “Presume-se violência, se a vitima: a) não é maior de catorze anos; b) é alienada ou débil mental, e o agente conhecia essa circunstância; c) não pode, por qualquer outra causa, oferecer resistência”.
A violência é presumida quando o agente pratica o crime de estupro contra a vítima menor de catorze anos, alienada ou débil mental, sendo este caracterizado, mesmo que tenha o consentimento da vítima.
A aplicação do estupro com violência presumida tomando como critério à idade da vítima não era pacífica tanto nos Tribunais, como na Doutrina. Sendo essa discussão voltada para a questão da presunção ter caráter absoluto ou relativo, em relação à idade da vítima.
Os que defendiam a presunção absoluta argumentavam que o consentimento de uma menor de 14 anos era sempre invalido, mesmo que esta possuísse um desenvolvimento físico e psíquico superior a sua idade, em razão da idade da vítima ser elementar do tipo penal, posição esta, sustentada por Bento de Faria, em seu Código Penal Brasileiro.
No entanto, a maioria dos doutrinadores defende a presunção relativa de violência, podendo destacar o professor Damásio de Jesus e professor Mirabete que sustentam que presunção de violência, no caso de a vítima não ser maior de catorze anos, é relativa, já que o agente pode incidir em erro quanto à idade desta ou a menor de 14 anos pode se mostra experiente em matéria sexual, devendo cada caso ser analizado de forma especifica levando sempre em consideração as características físicas e psíquicas da vitima.
Os Tribunais acompanhavam o entendimento da maioria dos doutrinadores, decididos pela relatividade da presunção de violência do art. 224, alínea “a” do CP.
Neste sentido, o STF, no julgado, que tinha como relator o Ministro Marco Aurélio, do Habeas Corpus n.º 73.662 – MG, D.J.U. 20.09.96, traz:
“EMENTA: ESTUPRO – CONFIGURAÇÃO- VIOLÊNCIA PRESUMIDA – IDADE DA VÍTIMA – NATUREZA. O estupro pressupõe o constrangimento de mulher à conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça – artigo 213 do Código Penal. A presunção desta última, por ser a vítima menor de 14 anos, é relativa. Confessada ou demonstrada a aquiescência da mulher e exsurgindo da prova dos autos a aparência, física e mental, de tratar-se de pessoa com idade superior aos 14 anos, impõe-se a conclusão sobre a ausência de configuração do tipo penal. Alcance dos artigos 213 e 224, alínea “a”, do Código Penal.” (grifos ora assinalados)
Sendo conveniente destacar o entendimento do Relator Desembargador Adalto Dias Tristão do Tribunal de Justiça do Espírito Santo, no julgamento da Apelação Criminal n.º 008920004580, em data de 23.11.94, que se mostra totalmente a favor da relatividade da presunção de violência:
“EMENTA: APELAÇÃO CRIMINAL – ESTUPRO – VIOLÊNCIA FICTA OU PRESUMIDA. Vítima que possui compleição robusta, aparentando ser mulher formada. Restou provado que o apelado foi por várias vezes procurado pela vítima, para com ele manter relações sexuais. O apelante é pessoa humilde que laborou em erro quanto a idade da moça que o procurava insistentemente para com ele manter congresso carnal. E da jurisprudência não configurar estupro, por violência presumida, quando a vitima, apesar da tenra idade, além de tomar a iniciativa para o ato sexual, apresentava ser mulher formada. Apelo improvido, a unanimidade.” (grifos nossos)
Sendo pertinente ressaltar, a decisão do Relator Desembargador Carmo Antônio do Tribunal de Justiça do Amapá, no julgamento dos Embargos Infringentes na ACr n.º 128.93, o qual estabelece:
“EMENTA: PENAL – ESTUPRO – VIOLÊNCIA PRESUMIDA – RELEVÂNCIA DO COMPORTAMENTO MORAL DA VÍTIMA – INEXISTÊNCIA DE DÚVIDA QUANTO À SUA IDADE. – 1) Nos crimes de estupro, presume-se a violência, quando a vítima não tem experiência em matéria sexual e nem é despudorada e sem moral. – 2) Sendo do conhecimento do agente que a vítima, ao tempo do delito, tinha somente 13 anos, não lhe socorre o argumento de que ela apresentava desenvolvimento corporal incompatível com sua idade. – 3) Embargos improvidos.” (Grifos propositais)
No entanto, há decisões em contrário, podendo destacar o entendimento do Tribunal de Justiça de Goiás, no julgamento da Apelação Criminal n.º 14194.0.213, D.J.E. 11.04.95, cuja relatoria do Desembargador Juarez Távora de Azeredo Coutinho, o qual optou pela presunção absoluta:
“EMENTA:Recurso de apelação. Estupro. Violência presumida. Se a pessoa ofendida, nos crimes sexuais, não for maior de catorze anos, presume-se por avaliação feita pelo legislador, que o autor do crime atuou com violência, ainda que na realidade tal não tenha ocorrido.
A presunção legal absoluta da violência deve prevalecer, afastada qualquer dúvida sobre a maturidade da ofendida em se tratando de menor sem auto determinação no campo sexual, incapaz de decidir, com liberdade dada sua pouca idade e sem condições pessoais para repelir propostas feitas pelo namorado. Recurso improvido”.
2.1.10. Ação Penal
A ação penal no crime de estupro é, via de regra, de iniciativa privada, procedendo-se mediante queixa do ofendido. No entanto, se da violência resultar lesão corporal de natureza grave ou morte, a ação penal será pública.
3 O crime de estupro após o advento da Lei 12.015 de 7 de agosto de 2009
A preocupação com a exploração sexual de crianças e adolescentes, bem como o desrespeito a pessoa humana, levou o Congresso Nacional a criar uma CPMI, cujo resultado foi o PL 253/04, a qual durante o processo legislativo sofreu algumas alterações culminando com a promulgação e publicação da Lei 12.015/09.
Com o advento dessa lei, o estupro passou a ser disposto no titulo VI dos crimes contra a dignidade sexual, no capítulo I dos crimes contra a liberdade sexual, passando a vigorar com as seguintes alterações:
“Titulo IV
Dos crimes contra a dignidade sexual
Capítulo I
Dos crimes contra a liberdade sexual
Estupro
Art. 213. Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
Pena – reclusão, de 6 (seis) a 10 (dez) anos.
§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos.
§ 2o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”
A lei 12.015/2009 ao disciplinar o crime de estupro no titulo “Dos crimes contra a dignidade sexual”, trouxe uma idéia de dignidade, demonstrando uma maior preocupação com a pessoa humana, pois o foco da proteção, não era mais a forma como a pessoa devia se comportar sexualmente perante a sociedade, mas sim a proteção de sua dignidade sexual, já que a expressão “crimes contra os costumes” não trazia mais a realidade dos bens juridicamente protegidos pelo tipo penal em comento.
Percebe-se que as modificações ocorridas na sociedade trouxeram novas preocupações, ao invés de proteger a virgindade das mulheres, como acontecia no passado, o Estado encontra-se diante de outros desafios, o que contribuiu para a elaboração de uma nova lei que tem como finalidade a proteção da liberdade sexual do individuo e, num sentido mais amplo, a sua dignidade sexual.
Colaborando com esse entendimento, Rogério Greco traz:
“O nome dado a um Título ou mesmo a um Capítulo do Código Penal tem o condão de influenciar na análise de cada figura típica nele contida, pois, através de uma interpretação sistêmica ou mesmo de uma interpretação teleológica, onde se busca a finalidade da proteção legal, pode-se concluir a respeito do bem que se quer proteger, conduzindo, assim, o intérprete, que não poderá fugir às orientações nele contidas.”
A nova redação dada pela lei 12.015 de 2009 teve duas finalidades: fundir num mesmo dispositivo o crime o crime de estupro e atentado violento ao pudor e admitir a violência sexual contra qualquer pessoa, mesmo que não seja do sexo feminino, sujeito passivo exclusivo do anterior crime de estupro.
Essa lei, além de alterar substancialmente o titulo VI da parte especial do código penal, transformou todo o sentido e significado do art. 213 do Código Penal, trazendo como consequência, a revogação do artigo 214 deste, já que as antigas definições dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor, com a nova lei, transformaram-se em uma única redação que é a atual definição do crime de estupro, não restando outra alternativa senão a revogação do art. 214, passando a vitima daquele extinto delito, a partir de então, a ser vitima do crime de estupro.
Sendo importante ressaltar, que a nova lei revogou também o art.224 do Código Penal, que tratava da presunção de violência e trouxe em seu art.227, o estupro de vulnerável, o qual tem como objetivo punir toda relação sexual ou qualquer outro ato considerado libidinoso praticado contra o menor de 14 anos ou qualquer pessoa que por enfermidade ou doença mental não possua o discernimento para a prática do ato. Acabando com as antigas discussões que havia nos nossos tribunais acerca da presunção de violência, quando a vitima fosse menor de 14 anos.
3.1 Elementos do tipo
3.1.1 Bem Jurídico Tutelado
O bem jurídico protegido é tanto a liberdade quanto a dignidade sexual da pessoa humana, ou seja, da pessoa que sofreu o constrangimento, podendo esta ser homem ou mulher, haja vista, que para a configuração do atual crime de estupro não é obrigatória a figura da mulher como sujeito passivo, diferentemente do que ocorria no delito anterior. Desse modo, o crime de estupro além de atingir a liberdade sexual da vítima atinge também a sua dignidade, tendo em vista que esta se sente humilhada com a prática do ato sexual contrário a sua vontade.
Sendo importante trazer o conceito de liberdade sexual que nada mais é do que a capacidade do sujeito dispor livremente de seu próprio corpo na prática do ato sexual, ou seja, a faculdade que todas as pessoas têm de se comportar sexualmente segundo seus próprios anseios.
Neste sentido dispõe GRECO apud JIMÉNEZ o qual traz o conceito de liberdade sexual:
“autodeterminação no marco das relações sexuais de uma pessoa, como uma faceta a mais da capacidade de atuar. Liberdade sexual significa que o titular da mesma determina seu comportamento sexual conforme motivos que lhe são próprios no sentido de que é ele quem decide sobre sua sexualidade, sobre como, quando ou com quem mantém relações sexuais”.
Desse modo, a liberdade sexual tutelada pelo direito penal, esta relacionada com a percepção do que representa a sexualidade na vida humana, preocupando-se em garantir que a atividade sexual das pessoas seja exercida em condições de plena liberdade.
3.1.2 Ação nuclear
A ação nuclear consubstancia no verbo “constranger” alguém, mediante o emprego de violência ou grave ameaça, à conjunção carnal ou a prática(forma comissiva) de outro ato libidinoso(qualquer ato destinado ao prazer sexual), bem como permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso(forma passiva).
Com a Lei 12.015 de 2009 os artigos 213 e 214 se transformaram em uma única figura (art.213), tornado-se um tipo misto, haja vista que o referido delito, com a nova redação, comporta as condutas descritivas dos antigos crimes de estupro e atentado violento ao pudor. Portanto, se o agente do crime de estupro constranger a mesma vitima à pratica da conjunção carnal e/ou outro ato libidinoso qualquer, comete um crime único.
3.1.3 Sujeitos
3.1.3.1 Sujeito ativo e Sujeito passivo
Tanto o sujeito ativo como o sujeito passivo poderá ser qualquer pessoa, haja vista que com a nova legislação, o crime estupro pode ser cometido por agente homem contra vítima mulher, por agente homem contra vitima homem, bem como por agente mulher contra vítima mulher, acabando de vez com as antigas discussões entre os antigos crimes dos artigos 213 e 214 do CP.
Desse modo, pode-se afirmar que o homem poderá ser sujeito ativo do crime de estupro quando sua conduta estiver relacionada com o coito vagínico, já que o artigo 213 da atual legislação refere-se ao verbo conjunção carnal, entendida como relação sexual normal, entre homem e mulher. No entanto no que diz respeito à prática de ato libidinoso, qualquer pessoa poderá ser sujeito ativo bem como sujeito passivo deste delito, pois nesse caso trata-se de um crime comum.
A mulher também poderá praticar o referido delito com a ajuda de terceiros, já que a situação desta constranger um homem a ter conjunção carnal com ela, dificilmente aconteceria, mesmo que ela estivesse com uma arma apontada para a vitima.Todavia ela poderá cometer o crime de estupro em concurso, usando da grave ameaça para forçar o homem a ter conjunção carnal com outra mulher.
Hipótese esta, que não poderia ocorrer antes da Lei 12.015 de 2009, pois esta conduta não se enquadrava nem no artigo 213 nem 214 do CP. Haja vista que não seria estupro porque o homem não podia ser sujeito passivo do delito, nem seria atentado violento ao pudor porque o constrangimento não era para a prática de atos libidinosos, ocorrendo portanto, uma lacuna jurídica.
Sendo importante ressaltar, que a hipótese de uma mulher forçar um homem a ter conjunção carnal com ela ou com outra mulher será menos provável de ocorrer, do que a hipótese deste ser vitima de estupro pelo fato de ter sido obrigado a praticar outro ato libidinoso com outro homem. No entanto a nova legislação preocupou-se em abarcar todas as situações relacionadas com a liberdade sexual do individuou, equiparando homens e mulheres no pólo ativo do delito.
3.1.3.2 Sujeito ativo: marido?
Questão controvertida que dividiu a doutrina e a jurisprudência durante muitos anos, mas que com o advento da Lei 12.015 de 2009 vem perdendo muitos adeptos, pois com a nova lei o estupro passou a ter uma nova redação, equiparando homens e mulheres no pólo passivo do delito, não especificando qualquer situação em que a pessoa sofrendo tal constrangimento não possa estar inclusa como vitima do crime.
Existiam varias correntes que tentavam solucionar tal conflito, a primeira destas, hoje já superada, entendia que, devido o chamado debito conjugal, o marido que obrigava sua esposa ao ato sexual agia acobertado pelo exercício regular de direito, posição esta nitidamente machista.
Nesse sentido afirma GRECO apud HUNGRIA:
“Questiona-se sobre se o marido pode ser, ou não, considerado réu de estupro, quando, mediante violência, constrange a esposa à prestação sexual. A solução justa é no sentido negativo. O estupro pressupõe cópula ilícita (fora do casamento). A cópula intra matrimonium é recíproco dever dos cônjuges. O próprio Codex Juris Canonici reconhece-o explicitamente […]. O marido violentador, salvo excesso inescusável, ficará isento até mesmo da pena correspondente à violência física em si mesma (excluído o crime de exercício arbitrário das próprias razões, porque a prestação corpórea não é exigível judicialmente), pois é lícita a violência necessária para o exercício regular de um direito.”
Posição esta que não faz mais sentido, pois o marido só poderá se relacionar com sua esposa desde que haja o seu o consentimento, podendo apenas dar causa a separação judicial devido a quebra dos deveres conjugais, mas nunca poderá ser admitido práticas violentas ou ameaçadoras a liberdade sexual da mulher com o intuito de se praticar o ato sexual, se homens e mulheres são iguais perante a lei, portanto a constituição não permite o Código civil legislar de maneira contraria, tornando a mulher submissa nas relações conjugais.
Dessa forma, se a constituição estabelece que homens e mulheres são iguais perante a lei, não cabe o Código civil legislar de maneira contraria, tornando a mulher submissa nas relações conjugais, portanto não resta duvidas que existe o crime de estupro quando o agente deste delito for o marido da vitima.
A redação dada ao artigo 226, inciso II, do Código Penal, prevê as causas de aumento de pena para o crime de estupro e demais crimes contra a dignidade sexual, acabando com as antigas discussões quanto a possibilidade do marido praticar o crime de estupro:
“Art. 226 A pena é aumentada:
II – de metade, se o agente é ascendente, padrasto ou madrasta, tio, irmão, cônjuge, companheiro, tutor, curador, preceptor ou empregador da vítima ou por qualquer outro título tem autoridade sobre ela.”
Sendo importante destacar que a nova lei, tutela tanto a conduta praticada pelo homem contra a mulher, quanto a conduta praticada pela mulher contra o homem, portanto a esposa que cometer o referido delito contra o seu marido também responderá pelo estupro com aumento de pena.
3.1.4 Tipo Objetivo e Subjetivo
A conduta típica consubstancia-se no verbo constranger, o qual significa forçar, compelir. Devendo esse constrangimento se dar mediante violência( coação física) ou grave ameaça(violência moral), para que a vitima seja forçada à pratica da conjunção carnal, ou seja, a cópula vagínica, ou a praticar ou permitir que com ela se pratique outro ato libidinoso.
Sendo necessário para a configuração desse delito o emprego da violência sexual com o intuito de satisfazer o libido, característica esta que o difere do constrangimento ilegal tipificado no artigo 146, deste Código.
A expressão conjunção carnal matem o mesmo significado, introdução do pênis na vagina, no entanto o novo tipo penal preferiu especificá-la e associar a prática de qualquer ato libidinoso. Nesse sentido , pode-se afirmar que o ato libidinoso é gênero, do qual envolve a conjunção carnal, devendo ser respeitada tal separação para a tipificação do referido delito.
O ato libidinoso descrito no artigo é aquele destinado ao prazer, conceito este muito abrangente, exigindo uma valoração por parte do magistrado, já que não há um conceito preciso, como ocorre no caso da conjunção carnal, gerando uma serie de discussões tanto na doutrina quanto na jurisprudência.
Nesse sentido, afirma DELGADO apud PRADO:
“Assim, se é correta a classificação do beijo lascivo ou com fim erótico como ato libidinoso, não é menos correto afirmar que a aplicação ao agente da pena mínima de seis anos, nesses casos, ofende substancialmente o princípio da proporcionalidade das penas.”
Entretanto muitos casos podem ser resolvidos com uma simples análise do elemento subjetivo, como no caso do beijo, que mesmo contra a vontade da vitima, se o intuito não era a satisfação da lascívia e sim a manifestação de um sentimento, não constitui um ato libidinoso, devendo ser analisado cada caso, devido a amplitude dos atos libidinosos, que podem ir desde um beijo lascivo ate um coito anal.
O elemento subjetivo do tipo é continua o mesmo do delito anterior, ou seja, é dolo, consistente na vontade livre de praticar a conduta descrita no tipo penal, não admitindo a forma a forma culposa. Há entendimentos que além do elemento subjetivo é necessário o dolo específico, ou seja, a vontade de obter a conjunção carnal ou outro ato libidinoso, com o intuito de satisfazer a própria lascívia.
3.1.4.1 Dissenso da vitima: nível de resistência da mulher
Como já foi dito no crime de estupro anterior a lei 12.015 de 2009, para que haja a configuração do referido delito é necessário que a vitima tenha sido constrangida mediante o emprego de violência ou grave ameaça à prática da conjunção carnal ou praticar ou permitir que se pratique, de forma não consentida outro ato libidinoso. Sendo necessário, portanto, que não tenha havido o consentimento da vitima para a prática do ato sexual, sob pena do ato ser considerado atípico, se a vitima não estiver inserido nas situações do art. 217-A do CP.
De acordo com DELGADO apud NUCCI o dissenso da vitima deveria resistir durante todo o ato: “Seria evidentemente paradoxal ouvir o depoimento da vítima, afirmando ao magistrado, por exemplo, que a relação sexual foi uma das melhores que já experimentou, embora se tenha iniciado a contragosto”.
Com o advento da Lei 12.015 de 2009 essa posição ficou enfraquecida, haja vista que de acordo com esta era necessário que o dissenso da vitima durante todo o ato sexual, o que seria insensato exigir quando a vitima fosse homem. Pois, em regra, o homem chega muito mais fácil a ejaculação, inclusive, em situações em que não há qualquer romantismo.
Sendo importante ressaltar que a vitima pode modificar a sua vontade a qualquer tempo, antes da penetração, mesmo que em momentos anteriores tenha demonstrado a sua vontade de praticar o ato sexual, pois somente o consentimento que precede imediatamente ao ato deve ser considerado.
Porém os fatos antecedentes também devem ser analisados para efeitos de prova, uma vez que na maioria das vezes o estupro não é cometido na presença de testemunhas, dificultando a prova nos casos em que a vitima mantinha relações de intimidade com o agente, a exemplo do que ocorre com os namorados, noivos e ate entre pessoas casadas.
Dessa forma, entende-se que não deve exigir da vitima uma conduta de quem em defesa de sua hora deve arriscar a sua vida, só consentido o ato após o esgotamento de suas forças, avaliando-se cada caso concreto a superioridade de forças do agente pra a prática do ato. Pois com o advento da Lei 12.015 de 2009, a qual unificou o crime de estupro e atentado violento ao pudor, deve-se o grau de resistência de qualquer pessoa (homem ou mulher), guardadas a peculiaridade de cada um.
3.1.5 Consumação e Tentativa
A consumação vai depender da conduta praticada pelo agente. Quando se tratar da conjunção carnal, a consumação ocorrerá com a introdução completa ou incompleta do pênis na vagina da vitima, já no caso em que ocorre o ato libidinoso, segunda parte do art. 213 do Código Penal, a consumação é ampla, bastando um toque físico com o intuito de satisfazer a lascívia ou o constrangimento efetivo da vitima para que ocorra a consumação desse crime.
Colaborando com esse entendimento, NUCCI afirma:
“Basta a introdução ainda que incompleta do pênis na vagina, independentemente da ejaculação ou satisfação efetiva do prazer sexual, sob um aspecto. Com a prática de qualquer ato libidinoso, independentemente de ejaculação ou satisfação do prazer sexual, em outro prisma”.
Por se tratar de um crime plurissubsistente a tentativa é plenamente possível, apesar de difícil comprovação, ocorrendo nos casos em que o agente iniciando a execução não consegue alcançar o resultado pretendido por circunstancias alheias a sua vontade.
3.1.6 Classificação doutrinaria
O crime de estupro continuou a ser comum, mas agora ele pode ser cometido por qualquer pessoa (homem ou mulher) e de forma livre (porque pode ser cometido tanto pela conjunção carnal, quanto por qualquer ato libidinoso).
Continua material, haja vista que demanda resultado naturalístico, consubstanciado no tolhimento da liberdade sexual da vitima; comissivos, pois os verbos do tipo indicam uma ação; instantâneos, devido o resultado se dar definida no tempo; de dano, pois a consumação se dar através de uma lesão praticada contra o bem tutelado; unissubsistente, porque pode ser cometido apenas por um agente e plurisubsistente, pois esse delito é praticado em vários atos.
3.1.7 Formas
3.1.7.1 Forma simples
Esta prevista no caput do art. 213 do Código Penal: “Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: Pena-reclusão, de 6 (seis) a 10(dez) anos”.
3.1.7.2 Forma Qualificada
A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, criou duas modalidades qualificadas no crime de estupro, os § 1º e § 2º do art. 213 do mesmo diploma legal, os quais estabelecem:
“§ 1o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave ou se a vítima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14 (catorze) anos: Pena – reclusão, de 8 (oito) a 12 (doze) anos. § 2o Se da conduta resulta morte: Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.
Sendo importante ressaltar que os resultados qualificadores tratam-se de crimes qualificados pelo resultado ou crimes preterdolosos (dolo na conduta antecedente e culpa na conseqüente), onde a lesão grave ou a morte deve ser decorrência de culpa ou dolo, ou pelo menos eventual, caso contrário, haverá concurso de crimes.
3.1.8 Estupro de vulnerável
A lei 12.015/2009 revogou o art. 224 do Código Penal, que tratava da presunção de violência e trouxe o art. 217-A, o estupro de vulnerável, o qual tem como objetivo punir toda relação sexual ou qual quer ato libidinoso praticado contra o menor de 14 anos ou qualquer pessoa que por enfermidade ou doença mental não possua o discernimento necessário para a prática do ato. Demonstrando dessa forma, a preocupação do legislador no que diz respeito às condutas voltadas contra a criança ou adolescente ou e pessoas com deficiência.
Buscando solucionar o problema da presunção de violência o legislador, criou o tipo penal autônomo do art.217-A, o qual se encontra inserido no capítulo II do título VI, “Dos crimes contra o vulnerável”:
“Art. 217-A. Ter conjunção carnal ou praticar outro ato libidinoso com menor de 14 (catorze) anos:
Pena – reclusão, de 8 (oito) a 15 (quinze) anos.
§1o Incorre na mesma pena quem pratica as ações descritas no caput com alguém que, por enfermidade ou deficiência mental, não tem o necessário discernimento para a prática do ato, ou que, por qualquer outra causa, não pode oferecer resistência.
§2o (VETADO)
§3o Se da conduta resulta lesão corporal de natureza grave:
Pena – reclusão, de 10 (dez) a 20 (vinte) anos.
§4o Se da conduta resulta morte:
Pena – reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos.”
Nota-se que o novo tipo penal, não traz mais a elementar violência ou grave ameaça, tendo em vista que o legislador compreendeu que o consentimento das pessoas com vulnerabilidade, ou seja, os menores de 14 anos ou as pessoas que por enfermidade ou deficiência não possuam o discernimento para a prática do ato sexual, não é valido, diferentemente do que ocorria antes da nova legislação, onde se exigia a elementar embora se presumisse a sua existência (art.224, “a”, do CP).
Embora o STF tenha se posicionado a respeito da presunção absoluta do antigo art. 224 do CP, inúmeros julgados e inclusive a doutrina sustentavam a relatividade desta presunção, causando uma enorme discussão acerca do tema, fato este que foi solucionado com o novo tipo penal.
No entanto afirma NUCCI:
“Entretanto, não se vai apagar a própria etimologia do vocábulo, estupro, que significa coito forçado, violação sexual com emprego de violência física ou moral. Ademais, a rubrica do tipo penal traz o termo estupro de vulnerável, representando uma violação forçada no campo sexual.”
Apesar da supressão da elementar da violência ou grave ameaça do tipo penal em comento, ter solucionado a questão acerca da relatividade da presunção da violência, várias foram às críticas a essa alteração legislativa, que tirou a possibilidade do magistrado afastar a violência nos casos em que a vítima demonstrar pleno esclarecimento sobre a sexualidade e suas conseqüências.
Sendo importante ressaltar o entendimento de DELGADO, o qual traz:
“De fato, o nosso entendimento é de que o legislador deveria ter seguido outro caminho, qual seja, ou deixando claro que a presunção de violência seria relativa, ou se preferisse torná-la absoluta, deveria reduzir essa idade para menor de doze anos, de modo que, o ato libidinoso com criança (de acordo com a definição do ECA), seria crime. No entanto, com adolescente, só constituiria fato típico se houvesse o constrangimento ilegal mediante violência ou grave ameaça, ou na hipótese de vulnerabilidade por tratar-se de pessoa explorada sexualmente” (art. 218, B, §2º, I, do CP).
Para Zaffaroni, o juiz poderá deixar de aplicar o art.217-A com base no fundamento constitucional no caso concreto, como a violação ao principio da proporcionalidade, ou seja, fundamentando no principio da proporcionalidade mínima da pena com a magnitude da lesão.
O novo art.217-A, abrangeu tanto a conjunção carnal, quanto o ato libidinoso, nos mesmo moldes do crime de estupro (art.213), elevando a pena para reclusão, de oito a quinze anos, resolvendo mais um problema, consistente na incidência do aumento determinado pelo art.9 da lei dos crimes hediondos, o qual gerava a discussão do bis in idem.
Esse crime pode ser cometido por qualquer pessoa, sendo necessário apenas que o sujeito passivo seja uma pessoa com vulnerabilidade, ou seja, menor de 14 anos ou enfermo ou deficiente mental, sem discernimento pára a prática do ato sexual.
O elemento subjetivo é o dolo, consubstanciado na vontade livre e consciente de praticar a conjunção carnal ou outro ato libidinoso com o vulnerável, sendo necessário também o elemento subjetivo específico, o qual consiste na busca da satisfação da lascívia.
O objeto material desse delito é sempre o vulnerável, enquanto que a o objeto jurídico é a liberdade sexual da vítima. A tentativa é perfeitamente possível, embora seja de difícil comprovação.
Sendo importante ressaltar que com a revogação do art.223, do CP, foram inseridas também no art.217-A as figuras qualificadas, as quais tem previsão nos parágrafos 3 e 4 do mesmo diploma legal, possuindo penas mais severas que o estupro comum.
3.1.9 Ação penal e segredo de justiça
A Lei nº 12.015, de 7 de agosto de 2009, trouxe uma nova redação para o art.225 do código, a qual estabelece que a ação penal para os crimes definidos nos Capítulos I (Dos crimes contra a liberdade sexual) e II (Dos crimes sexuais contra vulnerável), do Título VI (Dos crimes contra a dignidade sexual) do Código Penal, será de iniciativa pública condicionada à representação. No entanto, o parágrafo único do referido artigo dispõe que a ação será publica incondicionada nos casos em que a vitima for menor de 18 anos ou vulnerável.
Esse artigo sofreu uma importante alteração, haja vista que, qualquer que seja o crime contra a dignidade sexual a ação será publica, quer de forma condicionada, quer incondicionada à representação, em alguns casos, diferentemente do que ocorria no caso do estupro anterior a nova lei, o qual se procedia mediante ação penal privada propriamente dita.
De fato, já estava ultrapassada a ideía de se poder preservar a imagem da vítima dos crimes sexuais, deixando ao seu livre arbítrio processar ou não o autor do delito, haja vista que a gravidade desses delitos, impõe uma resposta severa, sendo de interesse público a apuração dos fatos, buscando aplicação do jus puniendi estatal.
A súmula 608 do Supremo Tribunal Federal, diz que: “No crime de estupro, praticado mediante violência real, a ação penal é pública incondicionada”.
Dessa forma, toda vez que o delito de estupro for cometido com o emprego de violência real, a ação penal será pública incondicionada, contrariando parte do dispositivo contido no art.225 do Código Penal, exigindo-se a representação do ofendido apenas nas hipóteses em que o crime for cometido com emprego de grave ameaça.
O art. 234-B do mesmo diploma legal, estabelece que os processos referentes a crimes previstos pelo Título VI, os crimes contra a dignidade sexual, correrão em segredo de justiça.
3.1.10 Pontos relevantes
3.1.10.1 A perspectiva da aplicação do crime continuado, do concurso material, do concurso formal ou do crime único
Os atos sexuais violentos cometidos contra a mesma pessoa no mesmo contexto caracterizam crime único, haja vista que nesse caso, só um bem jurídico é lesado, a liberdade sexual da vítima. Surgindo o delito continuado nos casos em que se detecta a sucessividade das ações no tempo, podendo-se, também, detectar mais de uma lesão ao bem jurídico tutelado.
Sendo importante destacar, que o crime continuado, é um instituto criado em favor do réu, o qual busca uma justa aplicação da pena, quando for observada a prática de várias ações, separada no tempo, mas que possuem proximidade suficiente para ser continuação uma das outras. Desse modo, poderá ser aplicado o crime continuado, quando o agente praticar novamente o crime de estupro, em outro cenário, ainda que com a mesma vítima.
Já o crime único, demanda apenas um constrangimento, cujo seu objetivo pode ser tanto a prática da conjunção carnal quanto outro ato libidinoso ou ambos.
O concurso de crimes sofre uma alteração significativa, não existindo mais a possibilidade de existir concurso material entre o crime de estupro e atentado violento ao pudor, pois com a nova redação dada ao art.213 do Código Penal, se o agente constranger a vitima á pratica da conjunção carnal e da cópula anal, comete um único delito de estupro, já que o referido delito passou a ser um crime único de condutas alternativas.
No entanto, o concurso material poderá ser aplicado nos casos em que o delito de estupro tenha sido praticado reiteradamente e não estiverem presentes os requisitos do art. 71 do código penal, só fazendo sentido o concurso formal quando o agente constranger duas pessoas, ao mesmo tempo, para lhe satisfazer o libido.
3.1.10.2 Aplicação retroativa da nova figura do estupro
Com o advento da lei 12.015 de 2009 e a nova redação dada ao crime de estupro, surgiram inúmeras discussões nas cortes brasileiras a cerca da análise do disposto no art.213 do código Penal, haja vista, que o legislador ao unir numa só figura típica (estupro e atentado violento ao pudor), revogou o art.214 do mesmo diploma legal, acabando com o concurso material entre os referidos delitos.
Dessa forma, com a nova legislação, o núcleo do tipo penal passou a ser constranger alguém, voltando-se a apenas um objeto, fornecendo várias possibilidades de consumação, já que o agente pode mediante violência ou grave ameaça praticar a conjunção carnal, outro ato libidinoso, ou permitir que seja praticado outro ato libidinoso, não havendo nenhuma possibilidade de se romper a unicidade do tipo, pretendendo-se visualizar dois delitos, quando ocorrer no mesmo cenário contra a mesma vítima.
Embora O legislador ao criar a lei 12.015/2009 tenha buscado punir com mais rigor os crimes praticados contra a liberdade sexual, aplicando penalidades mais severas, ao unificar a redação do art.213 e 214 do Código penal, criando o atual crime de estupro, a nova redação acabou sendo mais favorável para o réu. Devendo retroagir atingindo todos os agentes que foram condenados em concurso material de infrações antes de sua vigência.
3.1.10.3 Gravidez resultante de ato libidinoso
Com a nova redação dada ao crime de estupro, a gravidez resultante de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, enquadrou-se na causa especial de exclusão do delito de aborto previsto no art. 128, inciso II, do Código Penal, não se falando mais em analogia, pois o crime de atentado violento ao pudor e o crime de estupro passaram a integrar um único tipo penal, o atual crime de estupro. Desse modo, se a gravidez for ocasionada por um ato libidinoso , esta foi resultado de um estupro já que não existe mais distinção entre esses delitos.
4 Aspectos positivos e negativos da lei 12.015/2009
4.1 Aspectos positivos
Com o advento da lei 12.015 de 2009, não resta duvidas que o marido da vítima pode ser agente ativo do crime de estupro, haja vista que não se admite mais a tese de que a conduta violenta praticada por este, constitui exercício regular do direito. Sendo importante destacar, que a constituição federal assegura igualdade de direitos e obrigações entre homens e mulheres, reforçando o entendimento do legislador, o qual equiparou homens e mulheres no pólo ativo do referido delito, sustentando a tese de que tanto a esposa como o marido da vitima pode ser sujeito ativo do referido delito.
Essa lei, ao unificar os crimes de estupro e atentado violento ao pudor em uma única redação, a atual definição do crime de estupro, fez desaparecer qualquer referência a honestidade ou recato sexual da vitima, pois o foco da referida lei não é mais a forma como as pessoas agem perante a sociedade, e sim a proteção da liberdade sexual do individuo.
A nova lei, alterou também o art. 1, V, da lei 8.072 de 90, ao incluir em seu rol o estupro na forma simples, acabando com a antiga discussão que existia sobre a hediondez desse delito, passando desde então, todas as suas modalidades a ser crime hediondo.
Revogou o art.223 do CP, que apresentava uma redação defeituosa, acabando com uma série de debates doutrinários e jurisprudenciais acerca do tema, já que o caput do referido artigo trazia uma nítida diferença ao tratar do resultado qualificador decorrente de lesões corporais, o qual mencionava: ”se da violência resulta…” e o seu parágrafo único, que tratava do resultado qualificador em caso de morte da vitima trazia: ”se do fato resultar…”.
Resolvendo a polêmica na medida em que substituiu os termos violência e fato pela terminologia conduta, bastando a pratica desta (constrangimento exercido com violência ou grave ameaça) resultar em lesão corporal de natureza grave ou morte, para qualificar o resultado.
Sendo importante ressaltar, que a nova lei, revogou também o art. 224 do código penal, que tratava da presunção de violência e trouxe um artigo especifico destinado a proteção do vulnerável (art.217-A), mostrando dessa forma, a preocupação do legislador com as condutas voltadas contra a criança ou adolescente e pessoas com deficiência. Acabando com a antiga discussão acerca da presunção de violência, quando a vitima era menor de 14 anos.
Outro ponto de grande importância é o fato de a tutela penal vir a ser aplicada com maior zelo, em relação às pessoas com vulnerabilidade, tendo em vista que estas são incapazes de externar seu consentimento de forma plena, podendo relacionar-se sexualmente sem qualquer coação física, diante do seu estado natural de impossibilidade de compreensão da seriedade desta pratica, motivo pelo qual não se aplica a tipificação no modelo comum de estupro.
Sendo importante ressaltar, que o art.217-A, abrangeu tanto a conjunção carnal quanto o ato libidinoso, nos mesmos moldes do crime de estupro, recebendo pena autônoma e superior a deste. Resolvendo o problema da incidência do aumento de pena determinado pelo art.9 da lei dos crimes hediondos, quando era aplicado o art.224 do Código Penal, superando dessa forma, as discussões que existiam acerca do bis in idem.
Destacando-se que com a nova legislação e atual definição do crime de estupro, a gravidez resultante de ato libidinoso diverso da conjunção carnal, passou a ser causa especial de exclusão de ilicitude do crime de aborto quando esta resultar de estupro, fato este que não podia ocorrer antes do advento da lei 12.015 de 2009, resolvendo dessa forma, mais um tema controvertido da legislação penal brasileira.
4.2 Negativos
Dentre os aspectos negativos, dessa lei, pode-se destacar o fato de que as pessoas que cometeram crimes penais mais graves podem ter sua pena diminuída enquanto aqueles que cometeram crimes de menor potencial ofensivo tenham uma punição mais severa, havendo uma desproporção entre o delito praticado e sua respectiva sanção, contrariando o principio da proporcionalidade aplicado no direito penal.
A lei 12.015 de 2009, além de revogar o crime de atentado violento ao pudor, ampliou a antiga redação do delito de estupro, de modo que as figuras típicas do estupro e do atentado violento ao pudor foram fundidas em um único tipo penal, passando a integrar a nova redação do atual crime de estupro. Com isso, os crimes de estupro e atentado violento ao pudor, que eram crimes autônomos com penas somadas, devem resultar na aplicação de uma única pena não havendo mais a possibilidade de concurso material entre estes.
Colaborando com esse entendimento, afirma Nucci: “O concurso de crimes altera-se substancialmente. Não há mais a possibilidade de existir concurso material entre estupro e atentado violento ao pudor. Alias, conforme o caso nem mesmo crime continuado”.
Também, Luiza Nagib Eluf:
“Realmente corremos o risco de as penas serem menores. Antigamente aplicávamos concurso material de delitos. Quem praticou [de forma forçada] sexo vaginal [que era estupro] e depois oral [que era atentado violento ao pudor] podia receber seis anos por causa de cada delito. Sempre pedi condenação pelos dois delitos com penas somadas. Agora eles passaram a ser a mesma coisa.”
A unificação dos tipos penais na figura típica do art.213, não pós fim ao problema da apuração e punição do referido delito, a formação de provas robustas necessarias para gerar o convencimento do juiz, haja vista que este crime na maioria das vezes é praticado sem a presença de testemunhas, dificultando a sua comprovação.
Desse modo afirma Nucci:
“Torna-se, então, um dilema a ser enfrentado: a palavra do acusado(negando) contra a palavra da vitima(afirmando). O juiz haverá de analisar o passado comportamental de ambos, buscando conferir maior credibilidade a quem lhe passar confiança e retidão”.
Sendo pertinente destacar, o conceito de novatio legis in mellius, que nada mais é, do que uma terminologia empregada quando há a publicação de uma nova lei que revoga outra anteriormente em vigência, beneficiando de alguma forma o condenado.
Portanto, com a revogação do crime de estupro e a notio legis in millius, o legislador concedeu a vários apenados o direito a revisão criminal bem como a diminuição de suas sentenças, haja vista, que quando o agente do crime de estupro o praticava em concurso ou em continuidade delitiva com o atentado violento ao pudor, tinha sua pena aumentada substancialmente, o que não é mais possível com o advento da nova lei.
Outro ponto relevante, é que a nova lei, além transformar os antigos crimes de estupro e atentado violento ao pudor em um único delito, não corrigiu a amplitude do atentado violento ao pudor, o qual pode ser qualquer ato atrelado à libido, aplicando a mesma pena para ambos os crimes, causando uma verdadeira desproporção entre a conduta do agente e a sanção imposta, haja vista que o ato libidinoso não é tão grave ao ponto de aplicar a mesma pena imposta ao agente que praticou a conjunção carnal.
Desse modo afirma Luiza Nagib Eluf:
“[A lei] tinha que ter detalhado melhor o que são esses atos libidinosos. Quando fala em outro ato libidinoso pode ser qualquer ato. O direito penal tem que ser muito preciso e claro. Relação oral ou anal forçada é sim comparável ao estupro, mas outros atos já não são.”
A nova legislação revogou o art. 224 do Código Penal, que tratava da presunção de violência e trouxe em seu art. 217-A, o estupro de vulnerável, o qual tem como objetivo punir toda relação sexual ou qualquer ato libidinoso praticado contra o menor de 14 anos ou qualquer pessoa que por enfermidade ou doença mental não possua discernimento necessário para a prática do ato.
No entanto, a proteção conferida ao menor de 14 anos continua a despertar debates, haja vista que muitas meninas de 13 anos matem relações sexuais regulares e consentidas, mostrando que possuem discernimento necessário para a pratica do ato, ficando o juiz nesses casos, vinculado a idade de 14 anos devendo aplicar o estupro de vulnerável, sendo mais razoável aplicar esse dispositivo quando a vitima tiver até 12 anos, período que define a infância para o ECA.
Sendo importante destacar, que a nova lei, trouxe que toda relação sexual praticada com pessoa deficiência são consideradas violência, atribuindo-lhes a condição de vulnerável, declarando-as impedidas para a pratica do ato por não possuírem discernimento necessário, partindo de um pressuposto errôneo, haja vista que nos dias atuais muitos deficientes possuem uma vida normal, possuindo uma certa limitação, mas não ao ponto de impedir que se relacione com outras pessoas e constituam uma família.
Considerações Finais
A lei 12.015 de 7 de agosto de 2009, alterou substancialmente alguns artigos do código penal brasileiro, especificamente no capitulo dos chamados crimes contra os costumes, destacando-se o crime de estupro, o qual teve uma alteração significativa no seu dispositivo, com o objetivo de tornar as sanções penais mais severas, punindo com um maior rigor os agentes de crimes sexuais, mostrado dessa forma a preocupação do legislador com as condutas que restringem a liberdade sexual do individuo.
Sendo importante destacar, que essa lei, alterou o titulo dos crimes contra os costumes, passando a prever os chamados crimes contra a dignidade sexual, haja vista, que a antiga redação que previa os crimes contra os costumes, não traziam mais a realidade social dos bens juridicamente protegidos pelos tipos penais.
Dispunha o Código Penal Brasileiro:
“Estupro
Art.213. Constranger mulher a conjunção carnal, mediante violência ou grave ameaça.
Atentado Violênto ao pudor
Art.214. Constranger, alguém, mediante violência ou grave ameaça, a praticar ou permitir que com ele se pratiqueato libidinoso diverso da conjunção carnal.”
Com o advento da lei 12.015 de 2009, estupro passou a ser definido como:
“Estupro
Art.213 Constranger alguém mediante violência ou grave ameaça, a ter conjunção carnal ou praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso.
§1º Se da conduta resultar lesão corporal de natureza grave ou se a vitima é menor de 18 (dezoito) ou maior de 14(catorze) anos
§2º Se da conduta resultar morte: Pena –reclusão, de 12 (doze) a 30 (trinta) anos”.
Ao unificar as antigas redações dos crimes de estupro e atentado violento ao pudor em um único tipo penal, incorporando-o no titulo Dos crimes contra a dignidade sexual, qualquer referência a honestidade ou recato social da vitima desapareceu, pouco importando como esta se comporta perante a sociedade, ficando em foco apenas a proteção da liberdade sexual do ofendido.
Com a entrada dessa lei no ordenamento brasileiro, o antigo crime de estupro ganha nova roupagem, anteriormente, conhecido como um crime praticado por homens contra mulheres, já que trazia como elementar a conjunção carnal, ato esse que só era possível coma cópula vaginal, apenas a mulher poderia figurar no pólo passivo desse delito, com a nova redação dada por esta lei, qualquer pessoa poderá ser vitima desse crime.
A lei 12.015 de 2009 além de revogar o crime de atentado violento ao pudor ampliou a antiga redação do delito de estupro, de modo que as figuras típicas do estupro e do atentado violento ao pudor foram fundidas em um único tipo penal, passando a integrar a nova redação do atual crime de estupro. Com isso, o crime de estupro e de atentado violento ao pudor que eram dois crimes autônomos com penas somadas deve resultar na aplicação de uma única pena.
A nova lei trouxe também, para o nosso ordenamento, o delito de estupro de vulnerável (art.217-A), encerrando desse modo as antigas discussões que existiam em nossos tribunais, no que diz respeito à presunção de violência, quando o delito era praticado contra o menor de 14 anos.
Sendo importante destacar, que essa lei além alterar substancialmente o crime de estupro, trata-se de uma Novatio legis in mellius, ou seja, uma lei nova que revoga outra anteriormente em vigência, beneficiando de alguma forma todos aqueles que cometeram o crime de estupro e atentado violento ao pudor em concurso material, concedendo-os o direito a revisão criminal bem como a diminuição de suas sentenças.
Neste sentido, afirma Luiza Nagib Eluf: “A lei é taxativa, mas a interpretação terá que se razoável, seguir o bom-senso na sua aplicação”.
Por fim, a nova legislação, fez uma importante alteração no artigo, o qual versava sobre a ação penal aplicada aos crimes contra a dignidade sexual, estabelecendo a partir de então, a aplicação da ação penal pública a qualquer que seja o crime, quer de forma condicionada, quer incondicionada à representação, em alguns casos, diferentemente do que ocorria no caso do estupro anterior a nova lei, o qual se procedia mediante ação penal privada propriamente dita, preservando a intimidade da vitima perante a sociedade.
Graduada em Direito. Especialista pela Universidade Estadual da Paraíba – UEPB. Professora universitária do curso de direito, exercendo suas atividades acadêmicas na Universidade Estadual da Paraíba – UEPB (professora substituta) e na União de Ensino Superior de Campina Grande – UNESC. Doutoranda pela Universidade Del Museo Social Argentino – UMSA. Advogada
Bacharela em Direito pela União de Ensino Superior de Campina Grande – UNESC
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