Resumo: Nos últimos tempos, os principais atores da cena internacional se viram ocupados com o crescimento econômico e industrial, especialmente em tempos de lucro a qualquer custo. Em realidade, o pavor de ver o planeta destruído por causa antrópica, foi a razão elementar para alguma ação afirmativa de proteção ambiental. Portanto, inexistem convergências contundentes para se debelar a endemia da fome, que provoca, segundo estudos científicos, pelo menos 50.000 mortes por dia. Neste artigo, se busca levantar as preocupações emergentes que se situam no campo da reconvenção energética, das mudanças climáticas e das economias das nações. Ainda, se deseja demonstrar que a fome mundial é fruto da posição inercial ou omissiva das nações ricas ou em desenvolvimento que não adotam políticas públicas e nem estreitam relações para mitigar o cenário de desesperança dos povos famélicos.
Palavras-chaves: desenvolvimento, políticas públicas, desigualdade, fome mundial.
Abstract: Recently, the main actors on the international scene found themselves occupied with the economic and industrial growth, especially in times of profit at any cost. In reality, the fear of seeing the planet destroyed because of human activity was the basic reason for some affirmative action for environmental protection. Therefore, there are no striking similarities to tackle the endemic hunger, which causes, according to scientific studies, at least 50,000 deaths per day. In this article, it raises some concerns have emerged that fall within the scope of the counterclaim energy, climate change and economies of nations. Still, if you want to show that world hunger is the result of inertial position or omission of the rich or developing countries that do not adopt policies and close relations or to mitigate the scenario of hopelessness of people starving.
Keywords: development, public policy, inequality, world hunger.
Narra-nos a história mundial que no Século V da era cristã, com a decadência de Roma, o controle financeiro do mundo passou à gestão dos bárbaros germânicos, quando as Relações de convivência internacional eram mono-polarizadas. A contar de então, o homem medieval passou a conviver, por longos e austeros períodos, com monarquias absolutistas, predominantes até o Século XV. Especialmente no Século XIX, o eixo do poder terrestre e as decisões que comandavam os rumos da humanidade, se centraram no palácio de Buckingham, na época do chamado padrão ouro. Vindo o apogeu dos luminares e ideários liberalistas, o cenário imperial dominador, tornou-se insustentável e não obstaculizou a eclosão de duas grandes guerras mundiais, rumo à busca incessante do poder. Nos vinte anos do entremeio belicoso – entre 1919 e 1939 – tivemos outra modificação no pólo do poderio e os Estados Unidos da América passaram a ser, de modo hegemônico, o berço do comando bélico e financeiro planetário. A monopolização da força, as matanças, as conquistas, ademais, sob pseudo-vocações de liberdade, igualdade e justiça, sempre se revestiram com a roupagem do velho apetite pela concentração de riquezas, pelo avanço das conquistas pela força, seja manifestada pelos exércitos, pela indústria ou pelo consumismo. Porquanto, na existência humana, nada ressoa tão instigativo e avassalador para a espécie, quanto o viés capitalista e a vontade de especular, ajuntar fortuna e consumir. E esse paradigma se difundiu de modo fervoroso, a ponto de ser o slogan de vida da maioria das pessoas modernas.
Não são diferentes os ensinamentos da obra arendtiana, ou seja, o consumo é a face mais palpável da sociedade hodierna e passou a ser, a medida da auto-estima, de felicidade, de auto-realização e de sucesso. Segundo Arendt (2001, p. 45 e s.), uma resposta a esse modelo de conduta, demandaria uma mudança na psicologia dos seres humanos – os seus chamados padrões de comportamento -, não uma mudança do mundo em que eles habitam.
Esse rápido caminhar do ser humano pode ser explicado por Rousseau, numa reflexão chamativa, intrigante e de vocação futurística, que atravessa séculos, intitulada Discurso sobre a origem e os fundamentos da desigualdade entre os homens. Portanto, para Rousseau (1999, págs. 191 a 203), nos tempos em que foi chamado de caraíba, era o estágio de avanço no qual o homem deveria ter parado, pois naquele momento, sua felicidade era mais perceptível, vivia-se em sociedade e eram poucas as necessidades. Havia amplas condições de se atendê-las e alcançar esse grau de felicidade. Mas a procura pela perfeição não permitiu. A pequena comunidade sentada à volta da fogueira cantando e dançando começa a se enxergar. Os homens passam a se comparar: o melhor caçador, o mais forte, o mais bonito, o mais hábil começa a se destacar, e o ser e o parecer tornam-se diferentes. Os seres agrupados ainda sem nenhuma lei ou líder têm como único juiz a sua própria consciência. E cada qual sendo juiz a sua maneira tem inicio o estado de guerra de todos contra todos. Paralelamente, surge a agricultura e a metalurgia, eventos aos quais Rousseau designa de “a grande Revolução”. Advém a divisão do trabalho, a noção de propriedade se enraíza e passa a existir ricos e pobres, que dependeriam doravante, uns dos outros. Dentro desta situação caótica, os homens resolveram estabelecer leis para se protegerem; uns para proteger propriedades e outros para se protegerem das arbitrariedades dos mais poderosos.
Numa versão mais moderna, a relevância desse avançar é confirmada por Bobbio[1], ao ensinar que o Estado de direito é o Estado dos cidadãos, no qual a propositura se faz no sentido de se conferir sempre, mais direitos aos povos. Isso proporcionou uma evolução nos direitos das gerações, tanto no que se refere à quantidade ou no aspecto da qualidade, compreendendo-se então novos sujeitos titulares de direitos, num tempo de Estado Social, o qual avançou para o chamado Estado Democrático de Direito. O citado cientista ainda reafirma (1992, p.24) que “o problema fundamental em relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los.”
Mas a história experimentou holocaustos ao longo dos milênios, durante a sucessão mortífera de alternância no poder. Isso se percebe mais nitidamente, através de um olhar nas relações multinacionais, para quais os homens e seus governos convergiram, aportando de modo decisivo para as reservas de capital e assim foram impulsionados de maneira tal, que relegaram tudo, todos e o ar que se respira, ao plano secundário. Neste sentido, muito se fala de valores positivos, mas existem vulnerabilidades pouco avaliadas, como as inquietações com as pessoas pobres do mundo, as quais, desde o início dos tempos, perecem por carência de alimentos, de saúde e de assistência social e que, jamais, foram objeto de políticas robustas, quando muito, alguns governantes se restringiram a ações temporárias de combate ao male, sem instituir ou proporcionar perspectivas razoáveis de desenvolvimento a esses seres; do mesmo modo, não se observaram, nesses muitos séculos, iniciativas efetivamente sustentáveis para a preservação do meio ambiente, pois só a partir da década de 1940, frente à força antrópica destruidora e ao ecocídio alardeado, meia dúzia de vozes emergiu, tentando dar ensejo a atuações de proteção ecológica, diante da hipótese de que a vida na esfera terrestre, está sim, suscetível a destruição.
Ademais, vai se confirmando que, por essa causa elementar evolutiva e não distributiva, as nações endinheiradas, na sua maioria, já não são donas de reservas florestais, cerrados e mananciais de água doce em abundância. Esse fato, nas academias, ratifica as ações de negligência de gerações passadas que deram primazia ao aporte da acumulação de riquezas, sem contemplar crises porvindouras que poderiam naufragar as gerações futuras. Agora, em tempos de estrago ambiental, aquelas potências desvendam os olhos para fronteiras como as brasileiras, que ainda são possuidoras de vastas reservas naturais – não se aclarando, se aquelas potências, verdadeiramente, passaram a enxergar o horizonte de proteção do globo terrestre, ou se pactuam cobiças infaustas ou a vontade de monopolizar mais riquezas potenciais de exploração ainda incipiente. Esses fatores, somados a outros que noticiam o aumento populacional e a ausência crescente de terras férteis para a produção de grãos e alimentos, nos levam a entender que na atualidade, poucos países se acham em condições agrícolas de produzir em larga escala, pois a maioria apenas cumpre as penas de ação e reação das leis da natureza, em face da inexistência de pressentimentos com a proteção do meio-ambiente.
Nesse contexto, é visível o fato de algumas regiões ainda possuírem privilegiadas dimensões agroecológicas – caso do Brasil –, embora, de forma paradoxal, seus nacionais, no decorrer das últimas décadas, despojados de estratégias produtivas sustentáveis e familiarizados, quiçá estimulados financeiramente, com técnicas de mono-cultivo, têm se revelado com incúria. Basta se observar que a cada ano, o desmatamento, a ação de madeireiras e a exploração de agriculturas, avançam implacavelmente contra o chamado pulmão do mundo; extirpam-se outras florestas tropicais e se devastam cerrados, deixando-nos a convicta impressão de que o mundo sempre foi e continua sendo um espaço de predadores vorazes e inexoráveis dotados de desígnios incompreensíveis. Isso ratifica a ideia de omissão, perigo da generalização de conflitos e descompasso com a real necessidade de mudanças nas políticas de segurança alimentar, fatos esses, de lembrar-se, muito similares àqueles que no início no ano 410 d.C. levaram os visigodos sob o comando de Alarico I[2] a saquear com sucesso, o vasto Império Romano. Aliás, no dizer de José Flávio Sombra Saraiva (2009, p. 71), “guerras de escassez batem às portas do novo século a demonstrar seu efeito catastrófico sobre a humanidade.”
As Relações Internacionais do Brasil, ao seu turno, nas últimas décadas, contribuíram sobremaneira com a questão alimentar mundial acima referida, desenhando quadros de avanços significativos em muitas negociações encenadas na arena multipolarizada, notoriamente ao afinar seu discurso com uma política pública de forte alento no plano doméstico para essa temática. As conquistas em outras arenas que desencadearam ou irradiaram efeitos para a área objeto de apreço, foram alcançadas em tempos conflituosos em que nações poderosas demonstraram que no conceito anárquico das normas internacionais, o valor do poder e das riquezas, se sobrepõe a interesses de Estados em vias de desenvolvimento e mais ainda, medeiam entre a inércia e a omissão dolosa, num ambiente de verdadeiro véu da ignorância para além das próprias fronteiras e atenção nenhuma para a pobreza latente e recorrente de nações subdesenvolvidas. Isso revela que não há muito que se esperar em favor de milhões de vidas em processo continuado de perecimento.
Talvez por isso, se possa reafirmar que a pobreza e a fome fomentam a riqueza de outros, o que é retratado por Boaventura de Sousa Santos[3] no artigo “A fome infame”, onde ressalta que “o escândalo do enriquecimento de alguns à custa da fome e subnutrição de milhões já não pode ser disfarçado com as «generosas» ajudas alimentares” e cita o exemplo dos EUA que efetua doações do gênero em boas quantidades, mas na ONU, votou e levou a maioria dos países a votarem contra o direito de alimentação.
Desse modo, enquanto os olhares dos seres inseridos num ponto de partida mais privilegiado se furtam para a disputa de poderes, no qual, repita-se, prevalece a importância do viés econômico, noutros cantos, as questões humanitárias, as notícias de crise de fome ou o significativo decréscimo na produção mundial de alimentos, permanecem naquele lugar intangível da visão humana.
Pio Penna Filho, no trabalho Estratégias de desenvolvimento social e combate à pobreza no Brasil (2005, p. 355), conduz suas pesquisas, acenando para respostas positivas do país, pois segundo afirma, quando Lula assumiu o governo, reestruturou as escolhas de FHC e passou a priorizar a área social, tendo como programa de destaque o “Fome Zero” que o projetou internacionalmente. Inclusive, em conferências e foros internacionais, assegurou o estudioso (p. 356), Lula passou a conclamar a comunidade internacional a adotar um novo conceito de desenvolvimento tendo sob apreço a distribuição de renda e “um compromisso de vida com os silenciados pela desigualdade e pela fome” (p.357).
Mas é inquestionável a preferência mundial por alardeios econômicos e por discussões no campo da energia, dos quais desponta a tecnologia, as fábricas de sonhos americanos, europeus e agora, chineses, que operam de maneira irrefreável, dando vazão à corrida pelo consumo e às ambições por mais acúmulo de riquezas. E se contempla do degrau de cima, o paradoxo, a sórdida visão da desesperança, quando a maioria dos cientistas busca se utilizar da grandeza da mente humana em favor da glória, melhor representada pelo capital e pelas posses materiais.
Num trabalho fantástico, Amartya Sen, um dos maiores pesquisadores do assunto no mundo, acena para alguma esperança, resgatando o dualismo psicológico Smithiano, ao afirmar que o homem é egoísta, ao desejar a riqueza para si e é por isso que trabalha, mas também é altruísta, pois deseja o bem dos outros.
Ele supera com o senso geral da ‘Igualdade para todos’ e nos desafia com a inquietante pergunta: “Igualdade de quê?” (2001, p. 43). E mais, nos induz a refletir sobre o porquê da busca incessante, que às vezes leva à frustração, expondo questões que deveriam fazer parte da análise ética da igualdade.
O que mais inquieta SEN (p. 45 a 51) e a todos que lêem a obra, é o fato de várias teorias de ordenamento social sempre exigirem a igualdade de algo. Um dos exemplos citados por ele é a importante obra de John Rawls, Uma Teoria da Justiça, que indica a igualdade de liberdade e de distribuição de bens primários a todos os indivíduos, sugerindo certo caráter igualitário e único, tal como a igualdade de oportunidades. Para SEN, boa parte dos trabalhos teóricos que exigem a igualdade, não levam em consideração um fato incontestável: a incrível diversidade humana.
As realidades que nos fazem diferentes, e que explicitam essa diversidade, são inúmeras: nascemos e vivemos em ambientes distintos, as sociedades e comunidades das quais fazemos parte nos fornecem possibilidades diferentes – limitando mais ou menos nossas ações -, temos diferentes aptidões físicas e mentais, etc. O que podemos (e devemos) então concluir dessa realidade? Que certamente ser igualitário não é como já dizia SEN, uma característica unificadora, ou seja, tratar a todos como iguais objetivando, em um âmbito maior, a justiça, não passa de uma tarefa decepcionante, infértil, e por que não dizer, injusta.
Portanto, a visão de SEN passa muito além dos conceitos econômicos de igualdade, pois ele nos lembra que não basta que se forneçam bens e renda para que a verdadeira liberdade humana exista e muito menos para a promoção do desenvolvimento, é preciso que a igualdade tenha uma característica unificadora (p. 53 e 54).
Amartya Sen apresenta uma proposta para reflexão do conceito de igualdade que nos remete à busca do reconhecimento do ser humano como ele é, ou seja: diferente e único. A partir da assimilação dessa verdade, todas as buscas podem saltar em direção ao respeito pela autonomia dos cidadãos e a legitimação das individualidades, o que necessariamente deveria resultar em políticas equânimes e não igualitárias. Afirma ainda que políticas igualitárias não são unificadoras e muito provavelmente não marcharão em direção à justiça social à justiça distributiva, como visto em RAWLS. SEN, talvez por isso, instiga o pesquisador a uma mudança de foco da análise sobre as desigualdades econômicas e sociais, especialmente no aspecto do presente trabalho.
Dessa maneira, o aumento de renda não é sinônimo de expansão de capacidades. Há outras condições para que isso ocorra. Devemos levar em conta a criação de condições nas quais as pessoas tenham oportunidade de julgar o tipo de vida que gostariam de levar. Ou seja, sociedades pobres têm problemas que não são solucionáveis via mercado. Há, na visão do doutrinador uma nova proposta, ou seja, a necessidade de se dar existência social aos excluídos e não esmola.
José Murilo de Carvalho, produziu um trabalho com o título de Cidadania no Brasil o longo caminho (2005, págs. 45 e segs.), que a propósito, é bastante pertinente ao ideal deste trabalho, a partir do qual busca explicar a exclusão da pobreza do foco de proteção das discussões internacionais. Na sua visão, o conceito de cidadania vincula-se, ao longo de mais de dois mil e quinhentos anos de história, às mudanças nas estruturas sociais. Portanto, até hoje é difícil reconhecer a cidadania plena na sociedade. Temos, quando muito, cidadãos incompletos, usufruindo parcialmente de seus direitos. Por isso, a cidadania, que abrange os direitos civis, políticos e sociais, possui várias dimensões que resultam na complexa construção democrática.
Da forma como exposto pelo autor, “Os direitos sociais permitem às sociedades politicamente organizadas reduzir os excessos de desigualdade produzidos pelo capitalismo e garantir um mínimo bem-estar social para todos.” Isso se faz pelo capitalismo liberal que altera o direito do cidadão para o direito do consumo, levando a uma incapacidade do sistema representativo de produzir resultados que impliquem na redução da desigualdade e o fim da divisão dos brasileiros em renda, educação, cor e outros atributos.
Demais, a persistência da desigualdade é vista como um dos maiores problemas para a consolidação da essência cidadã no Brasil ou como um princípio que se baseia no sentido de que todos devem ser realmente iguais, sob pena de os direitos desiguais remontarem a privilégios para uns e latente desfavorecimento para outros.
Vê-se, pois, que o maior objetivo do cidadão atual é construir uma unidade popular ativa, onde os movimentos representativos ainda são muito direcionados por correntes ideológicas. Desse modo, a democracia e a cidadania deveriam ser independentes de correntes ideológicas, ou de outros modelos em vigor. Inclusive, na forma como colocado, o modelo neoliberal não é o mais adequado em muitas situações mas as experiências socialistas também estiveram muito aquém do que se idealizava.
Ao final, o referido autor (2005, p. 228 e 229) explicita que ”a cultura do consumo dificulta o desatamento do nó que torna tão lenta a marcha da cidadania entre nós…”. E assevera ainda: “a desigualdade é a escravidão de hoje, o novo câncer que impede a constituição de uma sociedade democrática.”
Nesse particular, não se poderia deixar de lembrar que as ideias de Arendt (2001, p. 64), quanto a alguns motivos que “intensificam o consumo das coisas do mundo e de todas as formas de intercâmbio…”. Aliás, Hanna Arendt, numa releitura de Adam Smith, lembrava que “Se o mundo deve conter um espaço público, não pode ser construído apenas para uma geração e planejado somente para os que estão vivos: deve transcender a duração da vida dos homens mortais.”
De outro lado, na Conferência de Copenhague, se ratificou a premonição das academias sobre a validez nenhuma do pós-Quioto e nada se comemorou quanto a novos mecanismos de contenção nas políticas do meio-ambiente, quando muito, os embates foram travados em favor de se apagar o Mecanismo de Desenvolvimento Limpo da realidade internacional, porque as nações enriquecidas demonstraram não desejar abrir mão de suas conquistas desenvolvimentistas seculares, pois a bandeira da proteção ambiental e a sustentabilidade pós Rio-92, visa mitigar a produção crescente de gases de efeito poluentes ao estilo fordista que, embora nocauteado – a partir das ideias propagadas com a Convenção de Estocolmo-72 – não está varrido por completo do mapa mundial. Porquanto, ressoa um tanto quanto ilusório crer no consenso, na factibilidade de boa aceitação entre as nações mais ricas, pouco afetas à noção de dividendos de recursos, seja no aspecto das divisas financeiras, da diminuição de consumo ou do decréscimo da industrialização e de seu aliado CO².
Esse aspecto ambiental é importante, porque deixa entrever a negligência das nações quanto à ausência de ações positivas rumo à chamada justiça distributiva, inclusive nesse prisma da segurança alimentar. E de algum modo, uma coisa se entrelaça à outra, pois terra saudável e fértil resulta em boa produção de grãos, em carta de sobrevivência para as gerações futuras. Dessa maneira, os embates internacionais estão na berlinda, pois ninguém abre mão do desenvolvimento, e o mundo – incluindo-se o Brasil, firmemente, no campo de suas políticas externas – permanece se inter-relacionando apenas no campo das intenções ou do discurso, deixando de adotar políticas e ações práticas correspondentes.
Aliás, não é de todo impensável a noção de utopia prevalecente, pois se o planeta é alvo de tantos ataques e a causa antrópica, além de provocar, em tese, uma destruição – plausível, academicamente – prefere a inércia, não despertando para os perigos que rondam a própria espécie. Então, resta a ilação de que os governos e povos tidos como desenvolvidos e em desenvolvimento, realmente, parecem não nutrir grau de preocupação com a catastrófica crise de fome.
Por outro lado, num quadro emblemático, em Copenhague, o governo apresentou proposta no sentido de reduzir em mais de quarenta por cento as emissões brasileiras de gases de efeito poluente na atmosfera. Todavia, a imprensa brasileira tem divulgado que no plano interno, se aceita desmatamentos desordenados na Amazônia, especialmente nos Estados do Pará e Mato Grosso, o que torna o país um problema ambiental de grande porte. Enquanto isso, o governo acena pelo aumento na produção do chamado biocombustível[4], com metas de inserir vinte e cinco por cento de biodiesel em cada litro do diesel consumido no país.
Essas ações paradoxais foram examinadas por Ana Flávia Barros-Platiau, no trabalho A política externa ambiental – do desenvolvimentismo ao desenvolvimento sustentável. Segundo tal pesquisa (2006, p. 252 e 254), por um lado, o Brasil adota discursos internacionais e domésticos calcados no desenvolvimento sustentável, mas lhe falta um política nacional coerente com essa defesa, imergindo em fragilidade institucional de agências ambientais, bem como na política agrícola e industrial. Tanto assim que entre 1990 e 2004, a Política Externa Brasileira se amparou no desenvolvimento sustentável e na defesa de grandes princípios internacionais, como a soberania e as responsabilidades comuns, porém diferenciadas e em Joanesburgo, passou a priorizar a proteção da pobreza.
Mas o Brasil adota um discurso exacerbado nas relações internacionais, porém, não é afinado com as ações adotadas internamente, situação esta que encena bem a teatral política doméstica brasileira que possui o hábito de se imergir em promessas dantescas nos períodos pré-eleitorais e decorrendo-se a posse nos cargos de eleição, tem apresentado pouco ou nenhum resultado equivalente, que revele um cumprimento de metas. Mas isto não parece ser uma técnica originariamente brasileira no tabuleiro internacional, pois os EUA, ao tempo da Convenção Quadro – como bem lembrado LAMBERT[5], em tirada acadêmica – aderiu ao Tratado e bateu palmas para a preocupação mundial, mas internamente, era o maior poluidor planetário. Tempos depois, com a Conferência de Quioto, ocasião em que se fixaram metas de redução e o MDL, o governo norte-americano, quiçá visualizando perdas econômicas se atingisse patamares mínimos de redução a se contabilizar entre 2008 e 2012, deixou de assinar o referido Protocolo de intenções.
Trabalhos de estudiosos como Arendt e outros apontados acima, deixam entrever que perspectivas, saídas, caminhos, seguramente existem, pois o homem não ultrapassou gratuitamente, dezenas de milhares, talvez milhões de anos, em evolução, enfrentando intempéries de todo gênero, mas brincar de consumista a esta altura, é algo deveras periclitante. Aliás, por hora, as perspectivas tendem a demonstrar a segurança na fé de que as ações e a vontade dos poucos clamores que resistem heroicamente contra o aniquilamento do planeta, são sempre inferiores à sanha humana de almejar continuamente mais. Exemplifica-se, indagando: O homem precisa consumir o melhor e lançar fora toneladas de sobras não utilizadas, enquanto míseras 50.000 pessoas morrem de fome, todos os dias, no planeta? O dinheiro e as reservas energéticas são mais importantes do que a própria vida? Ora, atualmente, segundo investigações científicas realizadas pelo alemão Thomas W. Pogge, se houvesse justiça na repartição mundial, cada ser humano, consumiria dois quilos de alimentos por dia e teríamos uma planeta de “gordinhos”.
Procurando incessantemente por caminhos em prol dos pobres, no interessante estudo, intitulado Para erradicar a pobreza endêmica: em defesa de um dividendo dos recursos globais, o filósofo em menção, ressalva que as classes mais desavantajadas economicamente, possuem uma participação inalienável em todos os recursos naturais limitados e tal cientista nos legou ainda, um panorama estatístico assustador, ao descobrir que mais de um bilhão de pessoas no mundo não possuem acesso à água potável; 2 bilhões não têm acesso a medicamentos essenciais e vivem sem eletricidade; duas em cada cinco crianças do mundo em desenvolvimento têm crescimento atrofiado; uma em cada três está abaixo do peso; uma em cada dez está fadada à morte; e quase 200 milhões de crianças e adolescentes estão envolvidos em atividades penosas e arriscadas, como a construção, a escravidão, o tráfico, o conflito armado, a prostituição, a pornografia e noutros afazeres ilícitos.
Vamos pensar com Ricardo Lobo Tavares (2009, págs.19 a 35 e 57 a 63), o qual, buscando se amparar em SEN, RAWLS, ALEXY, HABERMAS e outros importantes teóricos, afirma que o direito ao mínimo existencial, é o núcleo essencial dos direitos fundamentais ancorado nos princípios da dignidade humana e do Estado Democrático de Direito e na busca da felicidade. Após a reserva do mínimo existencial, que garante a igualdade de chances, é que se inicia a cidadania reivindicatória e o exercício da democracia deliberativa, aptos a assegurar os direitos sociais prestacionais em sua extensão máxima, sob a concessão do legislador e sem o controle do judiciário.
A partir de depoimentos que ilustram as recentes constatações da Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação (FAO, pela sigla em inglês), em relatório próprio[6], se conclui pela situação da insegurança alimentar no mundo. Ou seja, a crise financeira global do ano passado, mergulhou os países pobres numa crise sem precedentes. Ademais, no fim do ano passado, os preços dos alimentos básicos ficaram 17% mais altos do que em 2006. Segundo o documento, “Nenhuma nação está imune e, como de costume, são os países mais pobres e as pessoas mais miseráveis que estão sofrendo mais”.
No trabalho também se revela que o ano de 2009 foi devastador, graças à recessão, pois se em 2008, as vítimas da fome no mundo haviam sido reduzidas para menos de 1 bilhão, em junho de 2009, a marca foi ultrapassada, com um acréscimo de 150 milhões de famintos nos números. Ainda, a FAO conclui que: “o problema não é tanto a falta de alimentos, mas a falta de vontade política”; e “se temos 1 bilhão de pessoas que passam fome por não ter dinheiro para comprar comida e outro bilhão de clinicamente obesos, alguma coisa está obviamente errada”. Do mesmo modo, alerta Janice Jiggings[7], do Instituto Internacional para Meio Ambiente e Desenvolvimento em Londres: “O sistema agrário saiu do controle e, no futuro, não estaremos mais em condições de nos alimentar de forma pacífica e civilizada. Precisamos mudar todo o sistema. O consumidor já nota isso e, aos poucos, os políticos também.”
Nesse contexto, é imperativo um despertar. Sinceramente e longe do sectarismo malthusiano, se desenha um quadro de ceticismo, pois parece restar a espera de que o temor reverencial seja um grito sem voz ou ainda, acreditar que o homem, um dia, venha a mudar de comportamento e se comprometa consigo mesmo, e também com aqueles que virão para a luz num futuro próximo.
Enfim, Simon Schwartzman, no livro Pobreza, Exclusão Social e Modernidade: uma introdução ao mundo contemporâneo (2004, p. 128), aborda aspectos assemelhados e aponta que “os problemas da globalização hoje estão associados, sobretudo, à mercantilização extrema do dinheiro…” e uma solução para os problemas causados pelo desenvolvimento econômico mundial, advertindo, ser este um dos assuntos mais caros à social-democracia: a reforma social do mundo. Isso poderia ser realizado, segundo o autor, se as razões da persistência da pobreza e da desigualdade fossem realmente contextualizadas e aferidas em paralelo com a tecnologia, a integração econômica mundial e a prosperidade da parcela rica do globo.
professor no curso de Direito da FACER-Rubiataba e Unievangélica-Ceres, é mestrando em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela PUCGOIÁS e Policial Rodoviário Federal
O Benefício de Prestação Continuada (BPC), mais conhecido como LOAS (Lei Orgânica da Assistência Social),…
O benefício por incapacidade é uma das principais proteções oferecidas pelo INSS aos trabalhadores que,…
O auxílio-reclusão é um benefício previdenciário concedido aos dependentes de segurados do INSS que se…
A simulação da aposentadoria é uma etapa fundamental para planejar o futuro financeiro de qualquer…
A paridade é um princípio fundamental na legislação previdenciária brasileira, especialmente para servidores públicos. Ela…
A aposentadoria por idade rural é um benefício previdenciário que reconhece as condições diferenciadas enfrentadas…