INTRODUÇÃO[1]
Fala-se que os oceanos são fundamentais para a vida na Terra não somente por serem importantes para o equilíbrio climático e produção de oxigênio, mas também como fonte de alimento (proteína) para a população mundial.
É notório que o maior ecossistema terrestre possui recursos finitos e que precisam ser bem gerenciado e corretamente explorado, por isso é que se irá estudar a ONU juntamente com um breve panorama da pesca mundial.
No âmbito da ONU – Organização das Nações Unidas – ver-se-á que há, dentro da oficina de assuntos jurídicos da ONU, uma divisão especializada em Direito do Mar, assim como há uma organização especial ligada a ONU, a FAO, que também atua para proteção desse importante ecossistema e de sua biodiversidade.
Existem atualmente, certas zonas pesqueiras mapeadas, onde se sabe que há grande concentração de alimento. Essa delimitação, esse mapeamento foi por anos fruto de muita disputa entre os diversos países para a efetiva normatização do mar territorial e, por conseguinte, a proteção da sua pesca e de seus recursos marinhos.
Ver-se-á que através do tempo a humanidade tem caminhado lentamente em rumo ao progresso ambiental e que as mudanças que ocorrem no globo, em termos de legislação e proteção ambiental são demoradas e por vezes tardias.
A ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS E UM PANORAMA DA PESCA MUNDIAL
A ONU – Organização das Nações Unidas
Para começar este trabalho vale indagar, por que estudar a ONU e a pesca mundial? É importante lembrar que dentro das Nações Unidas há um órgão responsável pelo monitoramento e avaliação dos progressos da pesca global, esse órgão é a FAO (Food and Agriculture Organization – Organização para a Agricultura e Alimentação, ou comida tradução literal). A FAO é uma organização especializada de criação anterior à ONU, mesmo assim a FAO – que foi criada em 1943 em um encontro governamental em Hot Springs, EUA, por 44 representantes governamentais – está ligada à ONU pois na Carta das Nações Unidas – 1945 – em seu arts. 57 e 63 autoriza a vinculação das várias entidades especializadas à ONU, desde que atuem sobre o campo econômico, social, cultural, educacional, sanitário e conexos, firmando acordo com as Nações Unidas os quais serão submetidos à aprovação da Assembléia Geral.
Foi o que ocorreu em 1945 na cidade de Quebeque, Canadá, quando se deu a primeira sessão da Conferência da FAO, na qual estabeleceu-á como agência especializada da ONU.
Com o passar dos anos e a aviltante degradação ambiental e, neste caso específico, o esgotamento dos recursos marinhos, sucedeu-se alguns acordos internacionais visando a proteção dos oceanos. É um marco para o Direito do Mar a Convenção das Nações Unidas para o Direito do Mar realizada em 1982, na cidade de Montego Bay – Jamaica – entrando em vigor apenas em 16 de novembro de 1994.
Após a entrada em vigor dessa convenção, foi criada dentro da oficina de assuntos jurídicos da ONU, uma divisão especializada em assuntos oceânicos e direito do mar, com o intuito de prestar aos Estados, aos órgãos intergovernamentais e à Assembléia Geral serviço jurídico e técnico.
Convenção das Nações Unidas sobre Direito do Mar – CONVEMAR
Efetivamente esse é o grande marco no Direito do Mar, pois apesar de ter havido duas Convenções em Genebra em 1958 e 1960, estas não trataram de assuntos tão importantes como aquela.
Primeiramente, quando se fala em convenção, acordos, tratados, enfim, todos atos jurídicos internacionais, pensa-se sobre sua efetividade sobre a ordem global e o seu poder coercitivo: erga omnes ou apenas inter alia. Para falar sobre o tema é importante transcrever o ensinamento de Celso D. Albuquerque Mello sob influencia de Jean-Paul Jacque:
“A forma convencional é muito utilizada a fim de evitar litígios no mundo internacional. As convenções normalmente permitem aos Estados contratantes exercerem poderes de polícia neste assunto não apenas nos seus navios, mas também nos dos demais contratantes. A sua desvantagem é que as convenções se restringem apenas aos Estados contratantes e, muitas vezes, a não participação de um Estado na convenção põe todo o sistema a perder.”[1]
E a CONVEMAR seria um ato jurídico de qual grandeza? Segundo a divisão elaborada por Jean-Paul Jacque, citado por Celso Mello, os atos jurídicos são formais e se classificam em: unilaterais, quando emanam de uma única manifestação de vontade, por um órgão coletivo. E por isso pode ser aplicado por e para todos sujeitos de direito, inclusive aqueles que não participaram da elaboração do ato; convencionais, já que aqui há comunhão de vontades, entretanto o prisma eficacial fica reduzido aos signatários; e por último os mistos, pois são atos convencionais, contudo criam obrigações a terceiros, e para estes são unilaterais, mas para os criadores são convencionais.
Uma vez feita essa breve digressão sobre ato jurídico já que a CONVEMAR tem características de ato convencional, acredita-se que é importante a ampliação dos efeitos jurídicos dela e das outras das convenções que tratem sobre ambiente e a correta exploração de seus recursos, haja vista versar sobre direitos fundamentais coletivos de suma importância à sobrevivência da espécie humana. Portanto, tais convenções ambientais deveriam ser atos jurídicos de efeito global, atos jurídicos emanados pela ONU através de sua Assembléia Geral e que pudessem gerar efeitos erga omnes.
Ao concretizar essa eficácia global a humanidade estaria perante outro novo problema: que coercitividade um instrumento jurídico internacional unilateral pode ter sobre Estados que não queiram sua implementação? Estar-se-ia diante de uma situação litigiosa na qual seria complicada de prosperar a paz mundial.
Com relação aos implementos da CONVEMAR, talvez a maior disputa entre os países fosse com relação a fixação de um limite para definição do mar territorial. A disputa pelo mar territorial tem, segundo Celso Mello[2], fatores estratégicos, de navegação e pesca. Neste estudo é importante focalizar a atenção com relação à pesca. Com a delimitação de um mar territorial e de uma zona econômica exclusiva, os Estados costeiros adquiriram maior soberania para explorar sua costa direta ou indiretamente.
É de conhecimento científico que a maior parte produtiva dos oceanos encontra-se sobre a plataforma continental (Paulo Moreira, citado por Celso D. Mello[3]) e esta parcela do mar, situa-se, normalmente dentro do mar territorial[4], e em razão dessa limitação, os países puderam nacionalizar a pesca.
A pesca mundial
Em razão da importância que o ambiente tem, e da suma importância dos oceanos, por serem um grande estoque de alimentos, peixes, a FAO foi encarregada de cuidar dessa importante questão estratégica mundial. Existem inúmeros acordos internacionais versando sobre cuidar e corretamente explorar os ambientes naturais, bem como os ambientes marinhos. Por haver uma preocupação mundial sobre os recursos marinhos, estudar-se-á o comportamento da ONU frente à pesca mundial.
Pode-se visualizar o papel da ONU/FAO em alguns acordos, como:
– “A Conferência de Cancun Sobre Pesca Responsável, em 1992, promovida pelo governo do México, que forneceu subsídios para a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (UNCED), ou “Cúpula da Terra”, de 1992.
– A conclusão do Acordo de Conformidade da FAO, de 1993. Esse acordo procura garantir que todas as embarcações que operam em alto-mar tenham autorização apropriada e que haja um controle dos registros nacionais e internacionais dessas embarcações. Esse acordo deve entrar em vigor em meados de 2003. Ele é um componente integrante do Código de Conduta da FAO para Pesca Responsável, de 1995.
– A elaboração do Código de Conduta. Esse código voluntário adota uma abordagem holística para a promoção da prática responsável nas áreas de pesca, pedindo mudanças estruturais no setor pesqueiro. Ele fornece uma estrutura para o programa de trabalho de pesca da FAO e um ponto de referência para o trabalho das administrações nacionais de pesca. De fato, alguns países adotaram códigos nacionais de práticas com base no Código da FAO.
– A conclusão de quatro planos internacionais de ação (IPOAs – international plans os actions) destinados a tratar de questões específicas abordadas pelo Código de Conduta. Esses IPOAs referem-se ao manejo da capacidade de pesca, manejo de tubarões, interação entre aves marinhas e espinhéis, além da pesca ilegal, clandestina e não regulamentada. Os membros da FAO são encorajados a implementar esses IPOAs por meio de planos nacionais de ação. Os progressos dos países na sua implementação têm variado.
– Mais recentemente, em 2002, a Cúpula Mundial sobre Desenvolvimento Sustentável adotou o Plano de Implementação de Johannesburgo. O plano estabelece prazos para a finalização de determinadas ações, inclusive a restauração dos estoques exauridos até 2015. Além de fornecer metas para a realização de determinados resultados, o plano pressiona a comunidade internacional a avançar em direção a maior responsabilidade e sustentabilidade nas áreas de pesca. A FAO desempenhará um papel central nesse processo.”[5]
Observa-se que todos falam em recursos pesqueiros.
Mas, o que é pesca? O que são estes recursos? “Pesca é a extração de organismos aquáticos do meio onde se desenvolveram para diversos fins, tais como a alimentação, a recreação (pesca recreativa ou pesca desportiva), a ornamentação (captura de espécies ornamentais), ou para fins industriais, incluindo o fabrico de rações para o alimento de animais em criação e a produção de substâncias com interesse para a saúde – como o “famoso” óleo de fígado de peixe (especialmente o óleo de fígado de bacalhau)”[6]. A pesca é de fundamental importância para a alimentação, como também para a economia mundial. Vê-se:
PAÍS | AQUICULTURA | PESCA |
1.China | 32.444.211 | 17.191.615 |
2.Peru | 6.812 | 10.659.932 |
3.Japão | 1.291.705 | 5.110.194 |
4.Índia | 2.095.072 | 3.694.446 |
5.Estados Unidos | 428.262 | 4.787.683 |
6.Indonésia | 993.727 | 4.159.161 |
7.Chile | 425.058 | 4.547.536 |
8.Rússia | 77.132 | 4.027.370 |
9.Tailândia | 706.999 | 2.923.579 |
10. Noruega | 487.920 | 2.895.841 |
11. Filipinas | 1.044.311 | 1.895.626 |
12. Coréia do Sul | 697.866 | 1.836.205 |
13. Islândia | 3.623 | 2.000.023 |
14. Vietnã | 525.555 | 1.441.590 |
15. Bangladesh | 657.121 | 1.004.264 |
16. Dinamarca | 43.609 | 1.534.089 |
17. Malásia | 167.898 | 1.293.325 |
18. Mexico | 53.802 | 1.348.238 |
19. Taiwan | 256.385 | 1.094.036 |
20. Espanha | 312.171 | 991.132 |
21. Myamar | 98.912 | 1.069.726 |
22. Canadá | 123.297 | 1.008.395 |
23. França | 267.767 | 667.269 |
24. Argentina | 1.784 | 917.728 |
25. Marrocos | 1.847 | 902.704 |
26. Reino Unido | 152.485 | 746.291 |
27. BRASIL | 153.558 | 693.710 |
28. Egito | 340.093 | 384.315 |
29. Coréia do Norte | 467.700 | 200.850 |
30. Equador | 62.111 | 592.547 |
Fonte: Fishstat Plus, FAO 2001
Outros dados da FAO em 2002 a produção de pescado foi superior a 93 milhões de toneladas pela atividade extractiva e mais de 50 milhões de toneladas pela aqüicultura. Em 2003 houve pequena queda na quantidade de pescado capturado para pouco mais de 90 milhões de toneladas, mas sempre gira em torno desse número. Nesse mesmo ano o número de peixes capturados em águas marinhas foi mais de 76 mil toneladas[7]. Já as exportações de pescado giram ao redor dos U$ 55 bilhões anuais[8].
Por apresentar contundente relevância ao globo é que a FAO estuda meios para disciplinar, regular e controlar a pesca sustentável. É visível que a pesca de subsistência, aquela realizada por comunidades pobres, é a única alternativa para alimentar de forma fácil, barata e rápida uma família. É claro que esse tipo de pesca contribui para um efetivo prejuízo ambiental, contudo, não é o maior causador de desastres e/ou perdas ambientais, estas são causadas pela pesca industrial de larga escala. Segundo David J. Doulman[9],
“a pobreza e a insegurança com relação ao trabalho, características de muitas comunidades pesqueiras nos países em desenvolvimento, dificultarão, portanto, a implementação de práticas responsáveis na pesca e na aqüicultura”[10]
Não é concebível que os pobres serão responsáveis pelo insucesso de políticas disciplinadoras da pesca. É claro que as grandes empresas pesqueiras, o grande capital, a indústria pesqueira não foi citada no relatório desse funcionário estadunidense. É extremamente fácil transferir a responsabilidade da inviabilidade de políticas responsáveis de pesca aos pobres. O que essas pessoas que não têm como se alimentar deve proceder? Devem deixar de pescar? A resposta é não. Se existe miséria parte dela é responsabilidade dos grandes impérios expropriativos-exploradores mundiais, estes sim devem agir para diminuir o impacto da pesca industrial e ajudar a alimentar aqueles que não têm de comer.
Sempre se soube que a ONU defendia políticas inclusivas e defensoras dos mais fracos, após a leitura desse relatório percebe-se que a ONU serve aos pobres, mas aquelas outras organizações dentro da ONU, tal como a FAO, estão servindo aos interesses do capital. É vexatório tal posicionamento.
Sabe-se, com base em dados revelados na Agenda 21, que em 1992 50% da população mundial vivia numa faixa de até 50 quilômetros da costa e que tal percentual aumentaria para 75% em 2020. Pode-se inferir que tal crescimento pode causar prejuízos aos recursos marinhos devido a poluição e ao aumento da pesca em regiões pobres.
Todavia, não existem saídas mágicas ou mirabolantes para resolver os problemas mundiais, em especial aqueles concernentes à pesca. Em primeiro lugar a ONU, através da FAO, deve ser mais incisiva para exigir mudanças primeiramente dos países desenvolvidos, posteriormente, fazer com que haja a transferência de recursos para aqueles países mais necessitados e conjuntamente a isso estabelecer grupos de trabalhos conjuntos com países em desenvolvimento para que estes elaborem planos para proteção do ambiente marinho, através da conscientização da população miserável e simultaneamente criar fundos nacionais (espécie de seguro desemprego) para incentivar a interrupção da pesca nos períodos de defeso.
Na esfera dos países ricos, a FAO, deveria trabalhar em parceria com organizações não-governamentais, assim saberia de que forma atacar problemas que são muitas vezes mascarados pelos interesses econômicos.
Diminuir as disparidades socioeconômicas é o passo fundamental para encarar os problemas relativos à pesca. Somente com inserção, educação, investimento e certa abdicação é que se conseguirá atingir a sustentabilidade tanto almejada.
CONCLUSÃO
Viu-se com este breve trabalho que a ONU tem um papel importante no âmbito da pesca mundial, pois quando se fala em pesca surge a idéia de alimentação, trabalho e renda, elementos fundamentais para a dignidade da pessoa humana (escopo da ONU, dignificar a vida). Em se falando de trabalho e renda, a pesca é hoje, o empreendimento mais lucrativo do agronegócio. É um mercado que ainda tem muito espaço e que pode fazer com que muitas pessoas que não têm renda disputem ou consigam subsistir com dignidade através da comercialização do pescado.
Contudo, essa tríade (alimentação, trabalho e renda) deve estar de acordo com certas regras para respeitar o não esgotamento dos recursos marinhos e a subsistência deles para as futuras gerações. A proteção do meio natural é tema que deve ser encarado com seriedade e vanguarda. Deve-se antever o que está por vir, pois não é suficiente reparar o dano, e sim evitar que ele aconteça, visto que quando se toma ações para desfazer os danos, muitas vezes elas são inócuas e ineficazes.
Portanto é decisivo para conseguir uma melhora na pesca mundial que a FAO e a ONU ajam atacando efetivamente o problema e elaborem programas para inclusão dos menos abastados nos programas de proteção ambiental.
O que se quer é uma ONU livre de conceitos econômicos, uma ONU democrática e digna para respeitar e para defender o ser humano.
Quiçá uma ONU que consiga o total cumprimento de convenções, acordos e tratados internacionais por todos os Estados Membros. Que busque a conscientização dos governos e suas populações da necessidade de certas mudanças estruturais e gerenciais. Que aflore entre as Nações que estas ações são fundamentais para a manutenção da vida no planeta Terra: o diálogo, o estudo, e a ação consciente . Dessa forma, conquista-se o progresso, dirimi-se problemas de fome, de seca, de saúde, de educação e de guerras, mantendo-se a paz, preceito supremo e indissociável dos direitos do homem.
Informações Sobre o Autor
Ignácio Mendez Kersten
Advogado.