Resumo Já está sedimentada na jurisprudência nacional a possibilidade de se cumular a reparação por dano estético e dano moral. Esse trabalho buscará, a partir da análise da jurisprudência dos Tribunais Superiores, demonstrar que o julgador deverá ter muita cautela para que não estabeleça uma verdadeira indenização tarifada no caso da reparação por dano estético. Para se chegar a esse panorama far-se-á um estudo acerca do tema da responsabilidade civil por dano estético, com o intuito de esclarecer algumas polêmicas em torno da matéria, tais como conceito e reparação cabível. Por meio de pesquisa doutrinária e jurisprudencial, foi possível concluir acerca dos requisitos caracterizadores do dano, da espécie do prejuízo causado e dos critérios a serem levados em consideração pelo juiz no momento do arbitramento da indenização fundada em lesões estéticas. Finalmente, fez-se pesquisa jurisprudencial com a finalidade de demonstrar como são/estão sendo fixadas as indenizações por danos estéticos no Superior Tribunal de Justiça. Registre-se que o objetivo desse artigo não é, de forma alguma, esgotar as reflexões sobre tão palpitoso tema; busca-se, na verdade, contribuir para um saudável debate.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Dano estético. Indenização.
“Para saber se uma sociedade é justa, basta perguntar como ela distribui as coisas que valoriza – renda e riqueza, deveres e direitos, poderes e oportunidades, cargos e honrarias. Uma sociedade justa distribui esses bens da maneira correta; ela dá a cada indivíduo o que lhe é devido. As perguntas difíceis começam quando indagamos o que é devido às pessoas e por quê”. (SANDEL, Michael J. Justiça. 11. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2013, p. 28).
1 Conceito de dano estético
Quando foram iniciados os debates sobre o dano estético no Brasil, a discussão centrava-se quase que exclusivamente em casos de deformidades físicas que causavam aleijão e repugnância.
Essa visão, há muito ultrapassada, que trazia em si uma grande carga de discriminação em face da pessoa com deficiência, evoluiu para se admitir o dano estético nos casos de marcas e outros defeitos físicos que causem à vítima desgosto ou complexo de inferioridade sem que haja, necessariamente, uma deformidade física.
Hodiernamente pode-se afirmar que o dano estético consiste em qualquer modificação, duradoura ou permanente, na aparência externa de uma pessoa.
Para o Direito Civil, portanto, o dano estético não se restringe a grandes deformidades físicas e, como será demonstrado adiante, o Superior Tribunal de Justiça já agasalhou este entendimento.
Marcas, defeitos, cicatrizes, ainda que mínimos, podem significar um desgosto para a vítima, acarretando, segundo Wilson Melo da Silva (1999), em um “afeamento”, transformando-se em um permanente motivo de exposição ao ridículo ou de inferiorizantes complexos.
Por esta senda, e já buscando adiantar até mesmo algumas conclusões dessa pesquisa, a jurisprudência de nossos Tribunais Superiores, embora imbuída de um grande esforço intelectual para tentar parametrizar os valores de indenizações por danos morais e, eventualmente, até mesmo o estético, não poderá tolher a liberdade do julgador de primeiro grau nem deixar de levar em consideração diversas nuances subjetivas para estabelecer o valor da indenização.
2 A caracterização do dano estético
Segundo Teresa Ancona Lopes (LOPES, 1999), três são os elementos capazes de caracterizar o dano estético, a saber: transformação para pior, permanência ou efeito danoso prolongado e localização na aparência externa da pessoa.
A respeito do primeiro elemento, já foi suficientemente explanado que não se faz necessário constituir a modificação aleijão ou deformação teratológica para que seja considerado dano estético, bastando qualquer deterioração da aparência externa da vítima.
Imprescindível, entretanto, ser a lesão permanente ou ao menos de efeito prolongado, pois em não o sendo caracterizar-se-ia o enriquecimento ilícito por parte do beneficiário da indenização, posto que, além do ressarcimento teria, posteriormente, corrigida naturalmente a deformidade que lhe afligia.
Serpa Lopes (LOPES, 2000, p. 402) observava ser o dano estético
[…] um prejuízo que pode ser corrigido in natura, através dos milagres da cirurgia plástica, cuja operação inegavelmente se impõe como incluída na reparação do dano e na sua liquidação. Por conseguinte, o dano estético só pode ter lugar quando se patenteia impossível corrigir o defeito resultante do acidente através dos meios cirúrgicos especializados.
Em que pese a autoridade do renomado jurista, a doutrina mais moderna tem entendido que a correção, para afastar uma eventual indenização a título de dano estético, deve se dar de forma natural, conquanto ninguém pode ser obrigado a submeter-se a uma cirurgia, mesmo que seja para corrigir um dano.
No tocante à necessidade de ser a lesão localizada na aparência externa da vítima, não se tem entendido, atualmente, que a lesão seja visível em situações corriqueiras do cotidiano. Mesmo deformidades em áreas íntimas da pessoa, que dificilmente se exponham à vista de terceiros em situações sociais, caracterizam o dano estético, vez que a presença de alterações físicas, ainda que diminutas, têm sua presença conscientizada pelo portador e sabe este que em situações de maior intimidade com outras pessoas as mesmas tornar-se-ão visíveis. Inegável o sofrimento interno, psicológico. Ademais, pode isso acontecer até em situações cotidianas, visto que em uma sociedade moderna de um país com o clima quente como o nosso o uso de pouca vestimenta é bastante frequente, havendo maior possibilidade de exposição destas alterações na aparência.
Desta feita, pode-se resumir dano estético como toda e qualquer modificação física, permanente ou duradoura, na aparência física externa de uma pessoa, implicando em redução ou eliminação dos padrões de beleza ou estética estabelecidos.
3 Fundamentos da reparação
A beleza é uma carta de recomendação que nos dispõe favoravelmente em favor de quem a traz, mesmo antes de lê-la (Schopenhauer, em A Metafísica do Belo)
Não se pode negar que a beleza impressiona a visão, abre portas. É a essência da arte, e o esforço para obtê-la acompanha a vida, desde o início da humanidade. A busca pelo ideal do belo é um sentimento atávico, que faz parte da natureza humana. São as flores mais bonitas justamente as que conseguem atrair mais insetos e, por consequência, são as que têm mais chances de se reproduzir. São os pássaros com plumagem mais vistosa que despertam parceiros com maior facilidade. São as pessoas com melhor aparência que têm mais possibilidades de obter uma colocação no mercado de trabalho, e que encontram menos dificuldade para conseguir pretendentes.
Essa realidade, flagrantemente cruel para quem não se enquadra no perfil esperado, é instintiva. Beleza está associada à noção de saúde. Inconscientemente, a pessoa bela, além de supostamente saudável, por cuidar mais de si, de sua aparência, transmite a impressão de que também é uma pessoa que tem maior capacidade, o que eleva suas chances em uma entrevista de emprego, por exemplo.
A situação é ainda agravada pelo fato de o ser humano ter o aspecto social como um dos pilares de sua vida. Como o homem vive em sociedade, necessita da aceitação no grupo. E uma das facetas dessa aceitação, em nossa sociedade, é a da beleza. Por vezes, a pessoa vítima de dano estético tem sua vida social abalada, quando não a perde totalmente, por receio de mostrar, por exemplo, sua deformidade. Com esse contexto que rodeia o homem moderno, nada mais natural que eventual dano estético possa vir a causar graves prejuízos na vida daquele que, por infelicidade, é vítima de lesão à sua aparência, o que justifica alguma forma de compensação.
Ademais, a Constituição da República assegura, como direito fundamental, a ampla reparação dos danos extrapatrimoniais, prevendo o art. 5°, inciso X, da Constituição Federal, a inviolabilidade da intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas[1], sendo assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação.
Acompanhando o entendimento adotado pela Carta Fundamental, o Código Civil de 2002 reconheceu a existência do dano extrapatrimonial e o dever de reparação, ao estipular a obrigação de indenizar àquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, conforme se depreende da leitura das cláusulas gerais da responsabilidade civil, quais sejam, o art. 927 conjugado com o art. 186.
4 A reparação integral e adequada: a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça
O efeito fundamental da responsabilidade civil é a reparação ou indenização do dano causado, imposta pelo ordenamento jurídico ao autor da lesão. A reparação de qualquer dano assume duas funções básicas: a de compensar a vítima pela lesão sofrida, dando-lhe alguma espécie de satisfação, e a de impor ao ofensor uma sanção.
O STJ, por meio da sua Súmula de nº 387, do ano de 2009, já firmou o entendimento de que é lícita a cumulação de dano estético e dano moral.
No tocante ao dano decorrente de lesão estética, uma reparação in natura é, de certa forma, improvável de ocorrer, uma vez que, por mais bem sucedida que seja uma eventual cirurgia plástica reparatória, o sofrimento e angústia que geralmente decorrem desse tipo de lesão dificilmente serão esquecidos.
Não sendo o dano auferível pecuniariamente, sua reparação trata-se, na realidade, de uma compensação satisfatória, não devendo, entretanto, ser causa de enriquecimento injustificável da vítima, cabendo assim ser razoável, condizente com a realidade das circunstâncias.
A avaliação da extensão da lesão estética é tormentosa, sendo difícil a sua estimativa.
Tradicionalmente, dentre os fatores levados em conta para a quantificação indenizatória, devem constar a gravidade e intensidade da ofensa, o sofrimento da vítima, as suas condições pessoais, o grau de culpabilidade do agente, a repercussão do fato danoso, a extensão e a localização do dano e a condição sócio-econômica do ofensor e ofendido, como forma de se alcançar a reparação mais justa possível.
Os aspectos acima delinados, por si só, já são suficientes para elidir qualquer espécie de indenização tarifada no que tange à reparação do dano estético.
Será que o prejuízo estético terá sempre o mesmo valor?
Imagine-se que, em uma dada situação, um agente de elite especial, que tinha o dever de fazer a segurança de um importante chefe de Estado, por imperícia disparou a sua arma que, por sua vez, veio a decepar a orelha da pessoa que ele tinha o dever de zelar pela segurança.
Ao mesmo tempo, o leitor deverá imaginar uma outra situação.
Visualize-se a hipótese em que o porteiro de um prédio, que não teve o treinamento adequado, resolveu fazer um pequeno reparo na eletricidade do prédio a pedido do síndico. Ao tentar fazer o conserto, em virtude de um choque elétrico, perdeu a orelha.
Em ambas as hipóteses, apenas com base nesses dados, a indenização deverá ser a mesma? Cada um perdeu uma orelha e pessoa sem orelha recebe X de indenização por dano estético?
Ou devem ser levadas em consideração diversas outras nuances?
Em 13 de setembro de 2009, na página eletrônica do Superior Tribunal de Justiça foi publicada uma “tabela” indicando valores que já foram quantificados naquela corte por danos morais. Veja-se:
Frise-se, por lealdade, que foi esclarecido, em seguida, que a referida tabela “se trata de material exclusivamente jornalístico, desenvolvido com o objetivo de facilitar o acesso aos leitores a um número maior de precedentes do STJ, além daqueles citados no corpo da notícia. A tabela publicada é meramente ilustrativa e os dados referem-se exclusivamente aos processos listados, ressaltando que os valores são referentes exclusivamente aos respectivos processos, uma vez que cada caso é um caso.”
Independentemente da tabela contida na notícia e na página eletrônica, com o passar dos anos é nítido que a jurisprudência do STJ – com razão – vem tentando estabelecer algum critério para as indenizações extrapatrimoniais.
A seguir será feito um estudo de caso para demonstrar que, malgrado haja um esforço doutrinário e jurisprudencial com o intuito de parametrizar as indenizações extrapatrimoniais, no que toca ao dano estético, o STJ vem respeitando alguns aspectos subjetivos que, embora alegadamente “desproporcionais”, muitas vezes redundam em uma Justiça distributiva para situações que detêm peculiaridades completamente distintas.
5 Estudo de caso: a amputação de um braço
Fazendo-se uma pesquisa jurisprudencial na página eletrônica do c. STJ constatou-se uma série de decisões atinentes à amputação de um dos membros superiores com parâmetros completamente distintos. Confira-se:
“ADMINISTRATIVO. RESPONSABILIDADE CIVIL. INDENIZAÇÃO. DANO MORAL E ESTÉTICO. AMPUTAÇÃO DE MEMBRO SUPERIOR. QUANTUM NÃO DESPROPORCIONAL. SÚMULA 7/STJ.
1. Trata-se, na origem, de ação de indenização por responsabilidade civil com pedido de danos morais e estéticos decorrentes de omissão da prestação de serviço público de assistência à saúde, que resultou na amputação do membro superior esquerdo da autora.
2. A revisão dos valores fixados na instância ordinária a título de danos morais (R$ 50.000,00) e estéticos (R$ 100.000,00) só é admitida quando irrisórios ou exorbitantes (precedentes do STJ), o que não se afigura no caso dos autos. Incidência da Súmula 7/STJ.
3. Agravo Regimental não provido”. (AgRg no A Resp197285/SE AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 2012/0135646-7, T2, Segunda Turma, DJE 24/9/2012)
“ADMINISTRATIVO – RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO – DANOS MORAIS E ESTÉTICOS – PERDA DE MEMBRO SUPERIOR – INDENIZAÇÃO – VALOR IRRISÓRIO – MAJORAÇÃO.
1. O valor do dano moral deve ser arbitrado segundo os critérios da razoabilidade e da proporcionalidade, não podendo ser irrisório, tampouco fonte de enriquecimento sem causa, exercendo função reparadora do prejuízo e de prevenção da reincidência da conduta lesiva.
2. Nesses termos, o valor (R$ 50.000,00) revela-se, de fato, irrisório, se levados em consideração os aspectos conjunturais e a extensão do dano perpetrado, que culminou em lesão irreversível com perda de membro superior direito e dano estético – reconhecido pelo acórdão hostilizado.
3. In casu, revela-se mais condizente com a situação o valor indenizatório equivalente a R$ 80.000,00 (oitenta mil reais), sendo R$50.000,00 (cinquenta mil reais) a título de danos morais e R$30.000,00 (trinta mil reais) a título de danos estéticos, tudo atualizado desde o presente julgado e acrescido de juros de mora desde o evento danoso, nos termos da Súmula 54 do STJ.
Agravo regimental improvido.” (AgRg no Ag 1259457 / RJ AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 2009/0234442-4, Relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, Dje 27/4/2010)
“RESPONSABILIDADE CIVIL. DESCARGA ELÉTRICA POR ROMPIMENTO DE CABO CONDUTOR. AMPUTAÇÃO DE BRAÇO DIREITO E DIVERSAS CICATRIZES NO CORPO. VÍTIMA QUE CONTAVA COM DEZESSETE ANOS DE IDADE. DANO MORAL E ESTÉTICO. CUMULAÇÃO DEVIDA. VALOR DAS INDENIZAÇÕES REDIMENSIONADO.
1. O recorrente, que contava com 17 (dezessete) anos de idade quando do infortúnio, foi vítima de descarga elétrica, cujas consequências foram a amputação de seu braço direito na altura do ombro e cicatrizes por todo o corpo, estas decorrentes das queimaduras sofridas.
2. Notadamente em relação ao dano estético, a idade da vítima ressai de suma relevância para a fixação da indenização, tendo em vista que a aparência pessoal em idades juvenis, cujos laços afetivos e sociais ainda estão sendo formados, mostra-se mais determinante à elaboração da personalidade, se comparada à importância dada à estética por pessoas de idade mais avançada, cujos vínculos familiar, sentimental e social já se encontram estabilizados.
3. Por outro lado, mostra-se imprópria qualquer comparação no que concerne ao valor de indenização fixado por esta Corte em caso de morte. No presente caso, está-se a indenizar a própria vítima por um sofrimento que irá experimentar por toda a vida, ao passo que a indenização por morte é concedida aos familiares da vítima, em decorrência da dor experimentada pela perda do querido ente.
4. Indenização elevada ao valor global de R$ 250.000,00, já considerados os danos morais e estéticos. Quanto ao valor da indenização, ressalva pessoal do relator, que dava provimento ao recurso em maior extensão.
5. Recurso especial parcialmente conhecido e, na extensão, provido.” (REsp 689088 / MA RECURSO ESPECIAL 2004/0130203-3, Relator: Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, DJE 2/2/2010.)
No primeiro dos julgados acima transcritos, pela ementa pode-se constatar que se trata de um caso de uma mulher que teve um dos braços amputados e que, em virtude da má prestação estatal do serviço de saúde houve uma condenação de R$ 100.000,00 (cem mil reais) por indenização do dano estético.
No segundo julgado, por outro lado, condenou-se o Estado em R$ 300.000,00 (trezentos mil reais) por danos estéticos e considerou-se o valor de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) irrisório em virtude, mais uma vez, da amputação de um dos membros superiores.
No terceiro e último julgado verifica-se que foi concedida uma indenização de R$ 250.000,00 (duzentos e cinquenta mil reais) para um adolescente de 17 anos que sofreu danos, e também a amputação de um dos membros superiores, em decorrência de uma descarga elétrica.
Impende-se consignar, pela mera leitura das ementas dos julgados, que o c. STJ vem analisando diversos aspectos subjetivos para a concessão de valores diferentes de indenizações por danos estéticos.
No terceiro julgado, por exemplo, foi sopesado que se tratava de uma pessoa muito jovem que sofreu as lesões e teve um braço amputado.
Isso não quer dizer, obviamente, que um braço de uma criança tenha um valor econômico maior do que uma pessoa de 100 (cem) anos de idade.
O que se busca, na verdade, com supedâneo no artigo 5º, V, da Constituição da República, é a garantia do princípio da justa e integral reparação do dano sofrido. As sequelas que uma pessoa no começo da vida sofre em decorrência da perda de um dos membros superiores, respeitando-se, claro, as opiniões em sentido contrário, é muito maior do que o de uma pessoa no final de sua vida.
Com efeito, a pessoa física em tênue idade terá enormes dificuldades na afirmação de sua identidade social, como no exercício do estudo e/ou trabalho, em virtude da falta de acessibilidade dos meios, por exemplo; essa pessoa terá dificuldade até mesmo em tarefas domésticas básicas como a criação de um possível filho, coisa que a pessoa no final da vida não terá mais.
Deve sim, com todo respeito aos que pensam em sentido contrário, essas situações ser tratadas com a desigualdade que merecem.
Todavia, embora se reconheça – assim como faz a jurisprudência do c. STJ – que deva existir e ser respeitado o subjetivismo nas decisões judiciais sobre dano estético, entendo que os julgadores devem se preocupar com categorias de responsabilidade para, dentro desse subjetivismo, tentar objetivar a valoração do dano.
No caso de uma amputação de um membro, a título exemplificativo, poderia a jurisprudência estabelecer balizas para fixar a indenização em um intervalo de “X” até “5X” ante uma série de situações subjetivas infinitas que ladeiam o caso concreto.
Ao estabelecer essa parametricidade que chamamos mínima, a jurisprudência estaria resguardada em desfavor de possíveis discrepâncias.
Para tentar ilustrar o que se está a defender, segue transcrição de julgado onde houve a negativação do nome de uma pessoa:
“AGRAVO REGIMENTAL – AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL – RESPONSABILIDADE CIVIL – FALHA NA PRESTAÇÃO DE SERVIÇO BANCÁRIO – DANOS MORAIS – REEXAME DO CONJUNTO FÁTICO-PROBATÓRIO – QUANTUM INDENIZATÓRIO – RAZOABILIDADE – IMPOSSIBILIDADE – SÚMULA 7/STJ – DECISÃO AGRAVADA MANTIDA – IMPROVIMENTO.
1.- A convicção a que chegou o Tribunal a quo quanto à existência de dano moral indenizável, decorreu da análise das circunstâncias fáticas peculiares à causa, cujo reexame é vedado em âmbito de Recurso Especial, a teor do enunciado 7 da Súmula desta Corte.
2.- Com a edição da Súmula 479 deste Tribunal, a Segunda Seção desta Corte pacificou entendimento no sentido de que as instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias.
3.- A intervenção do STJ, Corte de caráter nacional, destinada a firmar interpretação geral do Direito Federal para todo o país e não para a revisão de questões de interesse individual, no caso de questionamento do valor fixado para o dano moral, somente é admissível quando o valor fixado pelo Tribunal de origem, cumprindo o duplo grau de jurisdição, se mostre teratólogico, por irrisório ou abusivo.
4.- Inocorrência de teratologia no caso concreto, em que foi fixado o valor de indenização em R$ 10.000,00 (dez mil reais), devido pelo ora Agravante ao autor, a título de danos morais decorrentes de inscrição indevida em cadastro de proteção ao crédito.
5.- O Agravo não trouxe nenhum argumento novo capaz de modificar a conclusão do julgado, a qual se mantém por seus próprios fundamentos.
6.- Agravo Regimental improvido.” (Processo AgRg no AREsp 388345 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL 2013/0287303-9, Relator Ministro Sidnei Beniti, Terceira Turma, DJE 6/12/2013).
Como se observa, condenou a Corte Superior uma instituição bancária em R$10.000,00 (dez mil reais) por inscrição indevida de nome em cadastro de devedores a título de danos morais.
Se a amputação de um braço redunda em uma condenação de R$50.000,00 (cinquenta mil reais), quer dizer que ela “vale” a mesma coisa que 5 (cinco) inscrições indevidas em um cadastro de inadimplentes?
Nada mais equivocado.
O primeiro grande erro na pergunta acima realizada é que um dos princípios básicos no que toca à saúde/integridade física, direito à vida, ao meio ambiente e a todo o arcabouço dos direitos humanos fundamentais é o da prevenção/precaução e também o da não lesão aos direitos fundamentais.
Ou seja, a regra primordial é a da não-lesão aos direitos humanos fundamentais e não-monetização da saúde, pois por mais que haja uma indenização robusta para essa lesão será impossível o restabelecimento do estado anterior.
Ocorre que, ante a impossibilidade de retorno ao estado anterior da pessoa, a jurisprudência não tem outra alternativa a não ser a fixação de uma indenização pelos danos causados.
Para que se evite comparações indevidas entre bens/valores completamente distintos sugere-se, portanto, que sejam estabelecidos alguns parâmetros máximos e mínimos pelos quais o Estado-juiz poderá caminhar dentro de sua margem subjetiva, inerente ao princípio do juiz natural, que jamais poderá ser tolhida, sob pena de fragilizar até mesmo o Estado Democrático de Direito com uma tarifação de cunho nitidamente fascista.
6. Conclusão
Em apertada síntese pode-se pontuar as seguintes conclusões para esse estudo.
Adianta-se que o objetivo maior desse trabalho, independentemente das suas conclusões, é fomentar o debate sobre o assunto e contribuir com a valorosa e qualitativa jurisprudência dos nossos tribunais sobre o assunto, que a cada dia busca se aprimorar e conceder indenizações justas.
Eis as conclusões:
I. Os danos estéticos não são apenas aleijões e deformidades, mas podem ser considerados toda e qualquer alteração na aparência externa do indivíduo que lhe cause uma diminuição na sua estética em relação ao que era antes da ocorrência do fato danoso. Prescinde que a lesão seja constantemente visível, necessita que seja duradoura ou permanente e que produza uma mudança para pior na aparência da vítima.
II. O dano estético gera prejuízos que merecem ser reparados, juntamente com a reparação moral e material, conforme entendimento sumulado do Superior Tribunal de Justiça.
III. A indenização por dano estético deve levar em consideração a gravidade e intensidade da ofensa, o sofrimento da vítima, as suas condições pessoais, o grau de culpabilidade do agente, a repercussão do fato danoso, a extensão e localização do dano e a condição sócio-econômica do ofensor e ofendido.
IV. A jurisprudência deverá sempre respeitar o elemento subjetivo do fato para consecução do princípio constitucional da justa e integral reparação – artigo 5º, V, Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
V. Para que não pairem situações desproporcionais, embora se reconheça a necessidade de respeitar a liberdade do julgador para uma valoração subjetiva, sugere-se que a jurisprudência estabeleça parâmetros máximos e mínimos para uma adequada quantificação do valor a ser indenizado.
Informações Sobre o Autor
Maria Clara Lucena Dutra de Almeida
Procuradora Federal, Especialista em Direito Constitucional