A participação popular como instrumento de proteção da Amazônia na criação das usinas hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau

Resumo: Este artigo enfatiza a participação popular ambiental, princípio contemplado pela Constituição Federal no art. 225, no processo de criação das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira e sua respectiva observância na proteção da Amazônia. Ademais, analisa o direito ambiental consolidado constitucionalmente, identificando as formas de participação da sociedade em sua defesa. Partindo da premissa de que esse direito é fundamental, adere-se a ele um caráter universal, ou seja, a expressão “todos têm direito” não exclui nenhum indivíduo social. Com o propósito de estabelecer a participação social existente e a proteção ambiental, adotou-se o método dedutivo, baseando-se em pesquisa que abrange doutrinas, leis vigentes no ordenamento jurídico brasileiro e notícias atualizadas. Assim sendo, procura-se demonstrar que a participação popular protege a Amazônia frente à degradação ambiental do Complexo do Rio Madeira, preservando-a tanto às presentes quanto às futuras gerações. A coletividade não deve se render ao conformismo com a construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau e sim, através da mobilização popular, usufruir dos possíveis mecanismos para garantir seus direitos fundamentais referente ao equilíbrio ambiental da Amazônia, que respectivamente está ligado à saudável qualidade de vida. Assim, outras maneiras de preservar esse bem de interesse público se formarão e a coletividade estará ativa no cumprimento do seu dever.


Palavras-chave: Participação Social – Amazônia – Usinas Hidrelétricas.


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Abstract: This article emphasizes the environmental public participation, a principle set by Brazilian Constitution in Art. 225, along the creating process of the Madeira River Hydroelectric Plant and its observance in Amazon protection. Moreover, this analyzes environmental law constitutionally consolidated, identifying forms of participation of society in its defense. Assuming that this right is fundamental, this gives to it a universal character, in other words, the expression “everyone has the right” does not exclude any social individual. In order to establish the existing social and environmental protection, the deductive method was adopted, based on research that includes doctrines, laws of the Brazilian legal system and updated news. Therefore, it is seek to demonstrate that the popular participation protects Amazon against environmental degradation of the Madeira River Complex, preserving both the present and the future generations. Society should not surrender to conformism due to the construction of San Antonio and Jirau hydroelectric plants, but, through popular mobilization, take advantage of the possibilities to ensure their fundamental rights that refer to the environmental balance of Amazon, which are connected respectively to a healthy quality of life. Thus, other ways to preserve this good of public interest will be formed and society will act to carry out with its duty.


Keywords: Social Participation – Amazon – Hydroelectric Plants.


Sumário: 1 Introdução 2 A Constituição de 1988 e o meio ambiente 3 Degradação ambiental em Rondônia 4 Prática social na defesa da Amazônia 5 Informação e educação ambiental 6 Considerações finais 7 Referências.


1 INTRODUÇÃO


Ao analisar o princípio da participação popular, para identificar como a sociedade brasileira deve agir na defesa e preservação da Amazônia, propõe-se garantir sua proteção frente à degradação ambiental causada pelas Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau.


Inter-relacionando os preceitos constitucionais com os ambientais, objetiva-se demonstrar a Amazônia como um bem de uso coletivo, que mantido em condições sustentáveis como determina a lei, proporciona qualidade de vida à sociedade e garante o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado às presentes e futuras gerações.


Adotando o método dedutivo, ressalta-se que a intensa participação popular dos movimentos socioambientais na defesa e preservação da Amazônia, frente aos impactos do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira, garantirá a soberania daquela através da educação ambiental dada pela informação à sociedade.


2 A CONSTITUIÇÃO DE 1988 E O MEIO AMBIENTE


O fim da Ditadura Militar no Brasil foi estabelecido com a promulgação da Constituição Federal em 05 de outubro de 1988. Antes de tudo, visando um Regime Democrático de Direito, foi instituída em fevereiro de 1987, a Assembléia Nacional Constituinte. Na criação dessa nova Constituição, o povo participava diretamente com opiniões dadas através de Emendas Populares, hoje fixadas no texto constitucional.


Essa participação popular é destacada no vídeo do Senado Federal (2011) “A Constituição da Cidadania”, pelo deputado constituinte Plínio Arruda Sampaio, no surgimento do Fórum Pró-Participação Popular da Constituinte, criado pela Igreja. Além disso, ambientalistas foram ao Congresso Nacional e fizeram manifestações.


Diante da participação social em prol do meio ambiente, o legislador constituinte observou a necessidade de protegê-lo, inserindo no texto constitucional, mais precisamente no Título VIII, Capítulo VI, intitulado “Do Meio Ambiente”, além de outros dispositivos que tinham o mesmo objetivo.


Na obra de Canotilho e Leite (2007, p. 84) há a justificação da introdução ambiental na Constituição de 1988:


“Uma Constituição que, na ordem social (o território da proteção ambiental, no esquema de 1988), tem como objetivo assegurar “o bem-estar e a justiça sociais” (art. 193), não poderia mesmo deixar de acolher a proteção do meio ambiente, reconhecendo-o como bem jurídico autônomo e recepcionando-o na forma de sistema, […]; sistema esse que, […], organiza-se na forma de uma ordem pública ambiental constitucionalizada.”


Logo, depreende-se que o bem-estar social, seguido da justiça, está inter-relacionado com a tutela ambiental. A manifestação da sociedade, compreendida pelo legislador constituinte e já prevendo consequências inovadoras, deu origem a proteção do meio ambiente – um bem de uso coletivo. Como se verifica, esta proteção se formula com base nos direitos e, principalmente, nos deveres ambientais dispostos no art. 225 da Constituição.


2.1 Aspectos gerais do Capítulo VI – Do Meio Ambiente


É necessário dividir metodologicamente o art. 225 da Constituição Federal, especificamente o caput e o § 4º. Assim, com o intuito de objetivar o entendimento a cerca da participação popular como proteção a Amazônia, fragmentar-se-á o referido dispositivo normativo.


a) “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado […]” (BRASIL, 2008, p. 143). Analisa-se duas indagações neste trecho. A primeira diz respeito a quem pertence o direito ambiental. Partindo da premissa de que esse direito é fundamental, adere-se a ele um caráter universal, ou seja, a expressão “todos têm direito” não exclui nenhum indivíduo social. Já a segunda, refere-se a quando se obtém um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Constata-o quando se alcança o bem-estar social que se dá por intermédio da harmonia humana com o meio em que vive.


Celso Antonio Pacheco Fiorillo e Renata Marques Ferreira (2005, p. 12) dizem que “a expressão ‘todos’ […] refere-se fundamentalmente às pessoas humanas apontadas em face de sua condição de cidadania […]”. Então, reafirma-se o exposto anteriormente que, advindo da própria natureza humana, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado pertence aos seres humanos sem distinção, pois é base fundamental de sobrevivência social.


b) “[…] bem de uso comum do povo […]” (BRASIL, 2008, p. 143). Esse aspecto enfrenta dificuldades de interesse, pois aquilo que é “bem particular” oferece mais vantagem do que um “bem coletivo”. Imediatamente, faz-se necessária uma gestão ambiental para atingir o meio ambiente ecologicamente equilibrado, evidenciado no primeiro trecho do artigo constitucional citado.


Cristiane Derani (2001, p. 260-262) afirma que “o meio ambiente ecologicamente equilibrado revela-se como um patrimônio coletivo, ou seja, um bem de uso comum do povo. […] A proteção do meio ambiente tem seu movimento fundado no interesse coletivo ou social”. Logo, além da sociedade ter esse direito ambiental – o meio ambiente ecologicamente equilibrado – precisa também mantê-lo, pois é de interesse comum proteger um patrimônio coletivo a fim de garantir a sobrevivência social.


c) “[…] essencial à sadia qualidade de vida […]” (BRASIL, 2008, p. 143), que está diretamente interligada com a dignidade da pessoa humana, completando o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e reforçando a ideia da necessidade de gestão ambiental para garanti-la.


d) “[…] impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo […]” (BRASIL, 2008, p. 143).  Aqui, os Poderes da União, juntamente com a sociedade civil – que frequentemente se manifesta de forma espontânea – têm o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado, afirmando o que já foi expresso anteriormente.


Ocasionalmente, revela-se o princípio da participação popular ou social, que será desenvolvido adiante com mais ênfase. É um princípio de terceira geração, pois o Estado recebe a cooperação da coletividade, demonstrada através de ações de grupos sociais.


e) “[…] para as presentes e futuras gerações” (BRASIL, 2008, p. 143), caracterizadas como detentoras do direito de ter um meio ambiente ecologicamente equilibrado e destinatárias da responsabilidade de defendê-lo e preservá-lo. Segundo José Afonso da Silva (2007, p. 59) a Declaração do Meio Ambiente, estabelecida em Estocolmo na Conferência das Nações Unidas em junho de 1972, teve relevante influência na elaboração do capítulo do meio ambiente da Constituição. Dentre os seus 26 princípios, destaca-se a obrigação de proteger o meio ambiente para as gerações presentes e futuras.


f)“§ 4º A Floresta Amazônica brasileira […] patrimônio nacional […] sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais” (BRASIL, 2008, p. 144). Evidencia-se aqui a Amazônia que, como patrimônio nacional, deve se protegida pela sociedade, pois esta depende integralmente daquela como forma de garantia da sadia qualidade de vida.


Portanto, a Amazônia está no rol de proteção que deve ser prestada pela coletividade. A efetivação dessa participação social abrange também o modo de utilização dos recursos naturais que a Amazônia oferece e sua observação conforme a lei.


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2.2 O princípio da participação popular


A participação popular foi expressamente definida no Princípio 10 da Declaração reafirmada na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro de 3 a 14 de junho de 1992 (SILVA, p. 63-64). Aborda, acima de tudo, que os cidadãos interessados, devem ter sua participação garantida nas questões relativas à manutenção do meio ambiente. E, juntamente com o Estado, atribuir a essa participação caráter funcional.


No caput do art. 225 da Constituição Federal de 1988, apresentado acima, esse princípio é evidentemente manifestado quando impõe ao poder público e à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente ecologicamente equilibrado. Conforme Édis Milaré (2005, p. 162), ele “[…] expressa a idéia de que para a resolução dos problemas do ambiente deve ser dada especial ênfase à cooperação entre o Estado e a sociedade, através da participação dos diferentes grupos sociais […]”. Imediatamente, observa-se que a cooperação está vinculada ao princípio da participação popular, indicando que este não é exclusivo do direito ambiental, pois se revela como um direito social do homem, proporcionando qualidade de vida à sociedade.


Simultaneamente, a participação popular é instigada por valores ambientais, mormente no que diz respeito à preservação do meio ambiente que ainda resta e à tentativa de restaurar o que já não se possui. Numa extensa listagem de participantes, destacam-se famílias exclusivamente prejudicadas pela degradação ambiental, ambientalistas, sindicatos, associações, organizações não governamentais (ONGs), biólogos, grupos escolares e acadêmicos; enfim, grupos sociais interessados em defender um direito fundamental coletivo – o meio ambiente ecologicamente equilibrado.


Examinando a maneira de portar-se do cidadão, frente ao interesse coletivo e à proteção ambiental, nota-se que há uma pressão indireta aos legisladores quanto à produção de normas ambientais, especialmente contemporâneas. Não que essa cobrança seja insignificante, ao contrário, é relevante, mas o indivíduo deve também exercer sua cidadania participativa cumprindo com a responsabilidade social que tem perante as presentes e futuras gerações – defender e preservar o meio ambiente.


Entretanto, parece ser mais conveniente defender um interesse particular do que um interesse comum. Agindo assim, não há a plena realização dos direitos ambientais, não há cidadania ambiental.


Para se obter a devida Justiça Ambiental, que soluciona os conflitos ambientais de massa, os cidadãos têm que se unir pela causa e fazerem o devido uso dos mecanismos de participação popular. Diversos são os meios da sociedade, preocupada com a preservação ambiental, exercer a apropriada defesa como forma de cumprir com o princípio.


Na criação de direito ambiental, por exemplo, tem-se a iniciativa popular e o exercício de representantes da sociedade em órgãos colegiados. Nesse sentido, Canotilho e Leite (2007, p. 165):


“[…] pode ser vista a iniciativa popular (art. 61, caput, e § 2º da Constituição da República Federativa do Brasil), para a abertura de processo legislativo, com vistas à criação de norma ambiental. […] Também, a atuação de representantes da sociedade civil, em órgãos colegiados, dotados de poderes normativos (art. 6º, II, da Lei n. 6.938/81, com a redação dada pela Lei n. 7.804/89 e pela Lei n. 8.028/90).”


Esses são meios de tomar parte diretamente da formação de leis ambientais. A representação em órgãos colegiados, por exemplo, é de singular importância, pois as decisões são realizadas em grupos, o que caracteriza a essência do princípio da participação popular.


Outrossim,  Canotilho e Leite (2007, p. 165) ainda acrescentam:


“[…] pode a comunidade atuar diretamente na tutela ambiental, participando das políticas ambientais, através da atuação dos representantes da sociedade civil em órgãos responsáveis pela formulação de diretrizes e pelo acompanhamento da execução de políticas públicas; por ocasião da discussão de estudo prévio de impacto ambiental, em audiências públicas (art. 11, § 2º, da Resolução 001/1986 do Conama) e, ainda, nas hipóteses de realização de plebiscitos (art. 14, I, da Constituição de 1988).”


Ademais, outra forma de participação popular na proteção ambiental é atentar à prática de políticas ambientais. Assim como no plebiscito, no qual o povo expressa sua opinião, e também na realização de audiências públicas, em que são ouvidos os interesses, dúvidas, críticas e sugestões da comunidade, pode-se exigir políticas públicas eficazes na proteção ambiental.


Vale ressaltar que a partir da Resolução nº. 001/86 (CONSELHO NACIONAL DO MEIO AMBIENTE, 1986), o Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) criou o Estudo de Impacto Ambiental (EIA) – um instrumento que visa à preservação, melhoria e recuperação do meio ambiente. O art. 11, § 2º da mesma Resolução, o CONAMA definiu as audiências públicas como informação a toda sociedade sobre os projetos e seus impactos ambientais; também a discussão do Relatório de Impacto Ambiental (RIMA).


Um último recurso é o acesso ao Poder Judiciário. Constata-se aproximação adequada da sociedade civil à Justiça. Porém, defrontando-se com alguns obstáculos, entre eles, o processo burocrático e vagaroso. Destacam-se a ação civil pública e a ação popular.


A primeira é disciplinada pela Lei n. 7.347/85 e suas posteriores alterações. Caracteriza-se por ser um instrumento de inclusão ambiental, também amparado constitucionalmente no art. 129, III. Os legitimados para propô-la encontram-se no art. 5º da já citada Lei. Já a ação popular ambiental pode ser acionada por qualquer cidadão na defesa de um interesse coletivo e é prevista constitucionalmente no inciso LXXIII do art. 5º.


A fim de alcançar um Estado de Direito e Justiça Ambiental, exige-se a cooperação do indivíduo enquanto ser social, que se dá através de uma mudança comportamental na luta por um interesse coletivo. Para atingir essa meta, o princípio da participação popular deve ser introduzido nas políticas ambientais e, estas, informadas a partir da educação ambiental.


3 DEGRADAÇÃO AMBIENTAL EM RONDÔNIA


A floresta Amazônica, segundo informações do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possui a maior biodiversidade do planeta, seguida do maior banco genético, abrangendo 1/3 das florestas tropicais úmidas do mundo e é responsável por 1/5 da disponibilidade de água potável (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA, 2011). No Brasil é o mais extenso dos biomas, denominado Amazônia Legal. Conforme artigo 2º, da Lei nº 5.173 de 1966, a delimitação territorial da Amazônia Legal compreende os estados-membros Acre, Amapá, Amazonas, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins, parte do Maranhão e cinco municípios de Goiás (BRASIL, 1966).


Quanto ao estado de Rondônia, a degradação da Amazônia iniciou-se com visível intensidade na década de 60 do século passado, atingindo o auge nas décadas seguintes, 70 e 80. Nesses períodos, houve grande fluxo migratório, principalmente das regiões sul e sudeste do Brasil. Explanam-se abaixo os fatos relevantes que mais contribuíram com os problemas ambientais do estado, essencialmente caracterizando a Amazônia.


Durante as décadas de 60 e 70, criado pelos países desenvolvidos, foi implantado no Brasil um pacote tecnológico denominado “Revolução Verde”. Este continha basicamente: agrotóxicos, sementes híbridas, adubos químicos solúveis e o uso de máquinas (adaptadas pela indústria bélica após a 2ª Guerra Mundial). Chegando também à região rondoniense, sua principal promessa era a de acabar com a fome no mundo.


Porém, além de criar uma relação de dependência entre a agricultura brasileira e os países desenvolvidos, esse pacote também trouxe com ele diversos problemas ambientais à Região Amazônica, entre eles a extrema contaminação do solo e dos lençóis freáticos, pelo uso de agrotóxicos, e o desmatamento extensivo pela técnica de aragem e gradagem empregada pelas máquinas. Além disso, a utilização dessas mesmas máquinas – caracterizada como agricultura “modernizada” – ocasionou o êxodo rural, pois pequenos camponeses perderam seus empregos e tiverem que abandonar as terras em que viviam.


Diante do caos social que se iniciava e vendo-se obrigado a implantar um processo de reforma agrária, o governo militar instituiu a estratégia de integrar/colonizar a região – um movimento que exerceu enorme influência em Rondônia – empregando a justificativa de garantir o controle do território por meio do povoamento.


No histórico da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária de Rondônia (EMBRAPA, 2011) verifica-se esse contexto:


“Oficialmente, a unidade da Embrapa em Rondônia foi criada em 10 de julho de 1975, durante o governo do general Ernesto Geisel, o quarto presidente do regime militar instaurado pelo golpe militar de 1964. A Amazônia brasileira experimentava um intenso processo de colonização, especialmente por impulso do Plano de Integração Nacional, que cunhava lemas como “integrar para não entregar”. Em dez anos a população de Rondônia saltou de pouco mais de 100 mil habitantes para quase 500 mil pessoas.”


Para se tornar efetivo proprietário de uma porção de terra, representantes do governo orientavam os camponeses a realizar benfeitorias, sendo a principal delas o desmatamento de no mínimo 50 % da área, sem observar devidamente a proteção de matas ciliares e a reserva legal florestal.


Essa era a política do governo militar, que prometia o paraíso, o “Eldorado”, também chamado polo noroeste, mas que na realidade repeliu milhares de famílias camponesas de sua região habitual para se adaptarem a uma região até então desconhecida, agravando a devastação ambiental da Amazônia e também o fator social.


Nesse mesmo período, vale ressaltar, que ao ser reconhecido o potencial hídrico do estado, foi implantada a Usina Hidrelétrica de Samuel. A região deixou de ser abastecida por termelétricas locais e passou a utilizar a energia elétrica gerada por essa usina. Porém, foram diversas as consequências catastróficas à Amazônia. Um dos principais impactos ambientais nítidos foi o alagamento de extensa área florestal além do estimado. Em estudo realizado por pesquisadores da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação em Engenharia (Coppe), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), constata-se que as árvores em decomposição, atingidas pela barragem, liberam mais gases de efeito estufa na atmosfera do que as termelétricas (MELO, 2011).  Inclusive, as reivindicações para com a mesma ainda continuam, pautando-se sobre o sistema de transmissão de energia obsoleto destinado as famílias e sobre a ponte construída para ligar a área rural à urbana, na região atingida, que caiu, sendo que a comunidade, provisoriamente, está utilizando uma balsa para efetuar o transporte.


Ademais, o setor que mais se mostrou prejudicial à Amazônia na região rondoniense foi a pecuária extensiva. Ainda presente no estado, essa atividade requere pouca mão-de-obra para sua manutenção. O pecuarista só faz uso abundante de recurso na implantação, na qual precisa desflorestar uma extensa área (na maioria das vezes por meio de queimadas), semear gramíneas para a formação de pastagem e fazer o cercado, além de outras benfeitorias.


A cafeicultura e outras atividades produtivas da agricultura familiar também tiveram sua responsabilidade na degradação ambiental da região, mas numa escala menor que a pecuária extensiva.


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Nesse ínterim, analisam-se os dizeres de Christian Poirier (2011):


“O complexo das hidrelétricas do rio Madeira é o mais recente de uma longa série de projetos de colonização destrutivos no estado de Rondônia. […] Estima-se que aproximadamente mil novos habitantes chegam a Porto Velho a cada semana, atraídos pela promessa de oportunidades de trabalho.”


Indubitavelmente, além dos problemas sociais constatados no estado, a construção das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira já deixa visíveis os primeiros impactos ambientais previstos e preocupa quanto o que ainda está por vir. Examinar-se-á com pormenorização a última afirmativa.


3.1 Usinas hidrelétricas do rio Madeira


O Complexo do Rio Madeira abrange as Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Conforme dados do Banco Nacional de Desenvolvimento (BNDES), até 2017 a implantação das usinas movimentará um custo de aproximadamente R$ 25 bilhões (BANCO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO ECONÔMICO E SOCIAL, 2011).


Segundo informações do renomado professor Artur de Souza Moret (2011):


“As hidrelétricas no rio Madeira, Santo Antônio (3.580 MW) e Jirau (3.900 MW), ambas no município de Porto Velho, têm potência total instalada de 7.480 MW e energia firme de 4.255 MW (56% do total). […] O rio Madeira, devido a sua importância tem afluentes na Bolívia, no Peru, no Acre e em Rondônia. A montante dos eixos de barramento, os principais tributários são os rios Guaporé e Mamoré que têm afluentes em Rondônia (da parte sul do Estado), do rio Abunã no Acre e na Bolívia. A jusante, os fluxos são oriundos principalmente do rio Jamari e do Machado (parte Norte de Rondônia). Assim, a influência do rio Madeira é significativa com bacia de 1,4 milhões de m2. Esse rio é o principal afluente do Amazonas (jusante), tanto em volume de água, quanto de sedimentos.”


Outrossim, a área de inundação da Usina Hidrelétrica de Santo Antônio é de 100 a 200 km², e a de Jirau 200 a 500 km². Então, certifica-se que além de tribos indígenas, pequenos povoados, incluindo-se ribeirinhos, serão atingidos pelas barragens, o que também significa que uma extensa área da floresta Amazônica será destruída; considerando que a região habitada por esses povos concentra-se na Amazônia Legal e, portanto, contém parte da floresta ainda preservada.


Antes de iniciar-se a construção das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira (Santo Antônio e Jirau), foi realizado o EIA/RIMA, revelando os riscos de degradação ambiental à Amazônia. Consequentemente, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) embargou a obra. Porém, com projetos de compensação, conseguiram a autorização do IBAMA. Hoje, já se podem ver os reflexos ambientais e também sociais.


A seguir, reprodução da tabela do RIMA, feito com base no EIA, que demonstra os impactos considerados relevantes e as medidas a serem tomadas (RELATÓRIO…, 2011, p. 53):


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Analisando os 35 impactos que contém a tabela, Costa, Locks e Matos (2011, p. 14-15) fazem uma subdivisão:


“[…] 34,28% destes impactos não comportam medidas para solucioná-los ou compensá-los. 22,87% desses impactos são passíveis apenas de observação e monitoramento. […] Em torno de 14,28% dos impactos apresentam medidas de esclarecimento e comunicação prévia, como capazes de recuperá-los ou compensá-los, […] E somente 28,57% dos impactos identificados na tabela do relatório são contemplados com medidas efetivas […] tem-se um índice negativo da ordem de 71,43% de impactos identificados […], o que caracteriza um enorme passivo ambiental que ficará na região afetada pelo projeto.”


Isso representa que a maior parte dos impactos ambientais listados não será reparada, causando desequilíbrio ecológico na Amazônia – o que é contrário ao direito ambiental fundamental resguardado constitucionalmente no art. 225, caput e § 4º – abalando também a estrutura social da região.


Além do mais, a Relatoria Nacional para o Direito Humano ao Meio Ambiente, da Plataforma Dhesca Brasil, em uma missão realizada ao Estado de Rondônia entre os dias 15 e 19 de novembro de 2007, indicou os principais impactos sócio-ambientais do Complexo Madeira, inclusive ilegalidades no licenciamento e ofensas aos direitos humanos fundamentais, recomendando ao Governo Brasileiro, primeiramente, “imediata suspensão de quaisquer atos relativos ao licenciamento das Usinas de Santo Antônio e Jirau, com nulidade da licença prévia concedida e nulidade do leilão da Usina Santo Antônio” (LISBOA, 2008, p. 34).


Entre as violações aos direitos humanos, destacou-se o direito a um ambiente saudável e à saúde, observando ainda que um dos principais fatores que causam essa violação são a instabilidade e inadequação do EIA/RIMA.


Diante de todos esses fatos, grupos sociais, principalmente ambientalistas, indígenas e ribeirinhos, perceberam a necessidade de cumprir com o seu dever de participação popular, a fim de garantir seus direitos ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e, relativamente, à sadia qualidade de vida.


4 PRÁTICA SOCIAL NA DEFESA DA AMAZÔNIA


Não é somente pelos meios jurisdicionais que se materializa a participação popular. Os movimentos sociais organizados são os que mais têm demonstrado veemência na proteção da Amazônia. Conforme a Agência de Informação Frei Tito para América Latina (2011), no que tange à construção das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira, os principais participantes do fórum da campanha “Rio Madeira Vivo” o Grupo de Pesquisa em Energia Renovável e Sustentável da Universidade Federal de Rondônia (UNIR), o Conselho Indigenista Missionário (Cimi), a Comissão Pastoral da Terra (CPT), a ONG ambientalista Kanindé, a rede Grupo de Trabalho Amazônico (Rede GTA), a Organização dos Seringueiros de Rondônia (OSR), a ONG Rio Terra e o Movimento dos Atingidos por Barragens (MAB).


Projetada pelos consórcios Madeira Energia S.A. (MESA) e Energia Sustentável do Brasil (ENERSUS), a construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau começou a ser discutida pelo governo brasileiro em 2003, já direcionando o processo de licenciamento e causando a polêmica ambiental. Porém, foi no ano de 2006, quando anunciado o leilão para execução do projeto, que os movimentos sociais contrários a tal empreendimento demonstraram a participação popular em defesa da Amazônia. Os fatos a seguir, relacionados por Francis França (2011), demonstram que a prática social é capaz de proteger a Amazônia.


Logo após anunciado o leilão, especialistas já alertavam sobre os impactos ambientais que a construção das usinas causaria. Além disso, o MAB denunciava que os beneficiados com a execução do projeto seriam apenas as multinacionais e que mais de 10 mil famílias seriam prejudicadas com a barragem. A partir desse momento, a participação social já provoca efeitos no governo brasileiro, pois o mesmo já revelava incertezas quanto ao início das obras.


Quando o IBAMA apresenta a vistoria ambiental do projeto das usinas, os ambientalistas e os movimentos sociais indicam que a mesma está incompleta, alegando que não foram cumpridas todas as exigências do CONAMA, inclusive a de um estudo abrangente na bacia do rio Madeira. Os mesmos denunciam que o IBAMA teria proposto aos consórcios um Termo de Referência para o EIA/RIMA sem que o Estudo de Viabilidade Técnica, Econômica e Ambiental tenha sido concluído e o processo de licitação, realizado.


No dia 22 de fevereiro do mesmo ano é lançada, por organizações contrárias ao projeto, a cartilha “Viva o Rio Madeira Vivo”, na qual são informados à sociedade os danos ao patrimônio ambiental e as alterações sociais. Ao mesmo tempo em que o governo brasileiro decide pela construção do complexo hidrelétrico do rio Madeira, a ONG Fundo Mundial para a Natureza (WWF) informa, através de um estudo, que o rio Madeira está entre os que mais têm a integridade e a biodiversidade ameaçadas do mundo. 


Em 14 de março, Dia Internacional de Ação contra as Represas e pelos Rios, pela Água e a Vida, manifestações de grupos sociais, da Igreja Católica e ONGs informam sobre os impactos socioambientais e denunciam que as populações atingidas não foram consultadas. Além do mais, pesquisadores da UNIR coordenam estudos de avaliação dos impactos e alertam o Governo Federal sobre a imensa área da Floresta Amazônica a ser inundada e o deslocamento de indígenas e ribeirinhos.


O RIMA, como já destacado anteriormente, elencou diversos problemas ambientais sem solução. Manifestantes fizeram “barqueata” para defender o rio, com mais de 200 pessoas, representando grupos ambientalistas e sociais, povos indígenas e especialistas independentes que se reuniram em Porto Velho, para o debate público da campanha Viva o Rio Madeira Vivo. Logo após, a Comissão da Amazônia, Integração Nacional e de Desenvolvimento Regional da Câmara dos Deputados realizou audiência pública para debater sobre a criação do complexo hidrelétrico do Rio Madeira.


Com a promessa de geração de mais de 20 mil empregos, iniciou-se um ocupação desordenada da região, a qual acelerou os processos de grilagem e desmatamento na área de influência de hidrelétricas. A entrada do complexo hidrelétrico do Rio Madeira no leilão com a pretensão de licitar cinco novas usinas hidrelétricas no Brasil é descartada pelo Ministério de Minas e Energia.


Em junho, os movimentos enviam ao até então Presidente da República Luiz Inácio Lula da Silva uma carta em defesa do Rio Madeira solicitando que seja revista a decisão de construir as hidrelétricas. Na carta, ressaltam que o Madeira é o segundo maior rio da bacia Amazônica, além de ser uma área de grande diversidade biológica e relevante para conservação da biodiversidade mundial. Outrossim, o IBAMA devolveu o EIA realizado pelos consórcios, alegando ser ele insatisfatório e pedindo informações sobre a deposição de sedimentos nos reservatórios das usinas e a suspensão de mercúrio presente no fundo do leito do rio.


Depois disso, integrantes do MAB, dos Movimentos dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e dos Pequenos Agricultores (MPA) realizam a “Marcha pela Vida”, que tem
como lema “Água e energia não são mercadorias”, protestam contra a construção das hidrelétricas do rio Madeira. O IBAMA prevê ao governo a liberação para 2007, mas enfatiza que o licenciamento deva ser feito com critério, afirmando ainda que o rio Madeira é o maior em volume de sedimentos carreados do Brasil e o terceiro maior do planeta.


No entanto, o governo brasileiro pretende antecipar licitação. Ademais, pela quarta vez o EIA chega ao IBAMA, sendo ainda aprovado por este. O RIMA logo é aprovado e o MAB se manifesta afirmando que fará contestações nas audiências públicas. Estudos de especialistas independentes são apresentados à comunidade, o IBAMA recusa propostas da sociedade civil para audiências públicas do Rio Madeira; e os movimentos sociais, através do Ministério Público Federal, adiam a realização das audiências argumentando que as normas do CONAMA não foram atendidas.


O IBAMA conseguiu derrubar a liminar, mas o órgão anunciou que não havia mais possibilidade da decisão sobre a licença ambiental prévia ser ainda em 2006. A sociedade civil se organizou para discussão da implantação do complexo do rio Madeira e apresentação de alternativas de acesso às informações sobre a construção. Quanto aos estudos independentes dos especialistas, os consórcios contestaram.


Como verificado, o ano de 2006 foi marcado por intensa participação popular. Porém, nos anos posteriores as principais manifestações foram de pequenos grupos sociais, com interesses específicos, atuando no âmbito jurídico. Foram movimentos significativos, como se analisará, mas insuficientes para impedir a construção do complexo hidrelétrico do Madeira.


Em 2008, foi concedida liminar da 3ª Vara da Justiça Federal de Rondônia – através de uma ação popular apresentada pelo Fórum Brasileiro de ONGs e Movimentos Sociais para o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Fboms) – suspendendo a licença de instalação, consentida pelo IBAMA, de parte da Usina Hidrelétrica de Jirau (CRAIDE, 2011).


Também em 2008, mais especificamente no dia 12 de setembro, em La Antigua na Guatemala, foi anunciada a sentença do Tribunal Latino Americano da Água, que teve como autor da denúncia a Associação de Defesa Etnoambiental Kanindé em oposição ao Governo Federal da República do Brasil, através da Advocacia Geral da União (AGU) Iniciativa para a Integração da Infra-estrutura Regional Sul-americana (IIRSA), no caso de construção de mega-empreendimentos no rio Madeira.  


O Tribunal Latino Americano da Água resolveu:


“Censurar o governo do Brasil pela iniciativa de construção de obras de grande impacto ambiental e social de uma vida útil de menos de 50 anos, que implicam uma magnitude de destruição ambiental imprevisível, que coloque em risco o desenvolvimento físico e bem-estar social das populações que vivem nas áreas afetadas; […] por não considerar o impacto destas obras para além das suas fronteiras (SENTENÇA…, 2011).”


E ainda recomendou:


“Que o governo brasileiro suspenda a licença para a construção de mega-barragens sob o princípio da precaução; […] realize estudos que envolvam os povos indígenas […] complete os estudos de impacto ambiental e eficácia nas suas conclusões; […] considere o impacto destes projetos na República da Bolívia, respeitando o direito internacional relacionadas com o princípio da bacia hidrográfica como unidade indivisível de gestão (SENTENÇA…, 2011).”


Já em 2009, “questionando os estudos ambientais realizados, suas deficiências, as mudanças ocorridas no projeto da UHE Jirau após o leilão, a não realização de estudos de impacto na Bolívia e adoção de medidas compensadoras” (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2010), os Ministérios Públicos Federal e Estadual de Rondônia ingressaram com ações civis públicas recomendando ao IBAMA a suspensão da licença ambiental para a construção.


No ano posterior, questionando irregularidades no reassentamento de famílias que serão atingidas pela barragem da Usina de Jirau, os Ministérios, Público Federal e Estadual de Rondônia, intervieram com mais uma ação civil pública contra a União, o consórcio, o IBAMA, a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), o governo de Rondônia e a prefeitura de Porto Velho (LOURENÇO, 2011).


Por envolver impactos fronteiriços entre Brasil e Bolívia na destruição da Floresta Amazônica, também o MAB, juntamente com o Foro Boliviano de Medio Ambiente e Desarrollo (FOBOMADE), em 2010 fizeram uma denúncia internacional contra as empresas GDF-SUEZ (França e Bélgica), integrante do Consórcio Energia Sustentável do Brasil, o banco português Banif e o banco espanhol Santander do Consórcio Santo Antônio Energia, alegando que violaram os Direitos Humanos durante o planejamento e início de construção do Complexo Hidrelétrico do Rio Madeira (MAB…, 2011).


Tais empresas transnacionais “[…] foram denunciadas e condenadas pelo IV Tribunal Permanente dos Povos, realizado em Madrid, de 13 a 17 de maio […]” (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2010) e representantes do movimento afirmaram que mesmo antes da conclusão das usinas hidrelétricas os impactos já eram percebíveis “ […] um Ecocídio, em consequência da destruição do Rio Madeira, da Amazônia e de recursos vitais para os povos ribeirinhos e indígenas” (MOVIMENTO DOS ATINGIDOS POR BARRAGENS, 2010).


Devido essa efetiva denúncia, as empresas do Complexo Hidrelétrico do Madeira se reuniram com representantes do movimento e, principalmente, acordaram o seguinte:


“O reassentamento das 400 famílias organizadas no MAB e também das famílias dos assentamentos de reforma agrária que vão ser atingidos pelo lago da barragem. […] Os 2.600 hectares da Fazenda Santa Rita […] vão ser destinados ao reassentamento de parte das famílias. […] Outros latifúndios denunciados […] serão desapropriados para os reassentamentos (ATINGIDOS, 2011).”


Constata-se então uma conquista de direitos pela prática social do movimento. Atualmente, o MAB e demais organizações envolvidas vêm realizando Assembléias Populares a fim de mobilizar a sociedade para se atentar aos impactos socioambientais e reivindicar seus direitos.


4.1 Movimento dos Atingidos por Barragens – MAB


Em visita a Secretaria Estadual do MAB em Porto Velho/RO, no dia 09 de setembro de 2011, um dos coordenadores – Elias Paulo Dobrovozski (informações verbais) – informou as atuais mobilizações, relembrando as principais participações que objetivavam a proteção a Amazônia, bem como as conquistas que delas proveram.


Segundo ele, o primeiro passo do MAB nas reivindicações, quanto à participação popular, se dá através das vias jurídicas, na tentativa de impedir a construção de usinas hidrelétricas e defender os direitos das famílias atingidas. Porém, ultimamente não têm alcançado os direitos dos atingidos pelas barragens frente ao Consórcio ENERSUS (UHE Jirau), liderado pela empresa transnacional SUEZ Tractebel (50,1%), da França, e ao Consórcio MESA (UHE Santo Antônio), liderado pelas Furnas Centrais Elétricas S.A (39%). O segundo passo, e também mais efetivo, é a mobilização dos atingidos e da população local, após dada a autorização à construção das usinas, visando acordos com os consórcios já enunciados.


Dentre os principais fatos que ocorreram desde a sua vinda para Rondônia, a fim de coordenar as mobilizações no MAB, o militante Elias Dobrovozski recordou sobre as marcantes e opostas campanhas “Usinas Já” e “Diga não às hidrelétricas”, ressaltando a manifestação em agosto de 2009, um acampamento com mais de 500 famílias ribeirinhas, na calçada de um cemitério municipal próximo ao canteiro de obras de Santo Antônio, conseguindo estabelecer diálogos com os seus representantes.


Já em abril de 2010, também através de um acampamento em Mutum-Paraná, dialogaram diretamente com a Santo Antônio Energia, solicitando melhores condições de subsistência às 136 famílias assentadas pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), no PA Joana D’Arc, e propondo o reassentamento igualitário às mesmas, bem como o remanejamento de áreas produtivas.


No decorrer do ano, conseguiram que a Santo Antônio Energia se comprometesse com uma área de reserva legal paralela ao então reassentamento denominado Santa Rita, tendo em vista que nos outros essa área fica um tanto quanto distante, impossibilitando a ampliação da garantia de subsistência autossustentável através da Floresta Amazônica. Em outubro do mesmo ano, aproximadamente 300 pessoas caminharam em frente a Santo Antônio Energia, exigindo os direitos dos atingidos pelas barragens.


Além disso, as famílias atingidas, às vésperas de outubro/2010, fizerem uma manifestação sem o MAB frente ao Consórcio ENERSUS, da UHE Jirau, mas não obterem êxito. Quanto a este, sua líder GDF SUEZ não mantém diálogo para com o MAB, a fim de acordarem com as famílias, criando forte resistência ao movimento, sendo alvo de criminalizações inexistentes. O MAB manifestou-se através de uma Nota de Repúdio.


Ainda assim, o MAB procura manter os diálogos com as lideranças das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira, objetivando chegarem a um acordo em atendimento as reivindicações das famílias atingidas. Nesse mesmo ano, ainda o MAB num acerto a nível nacional, conseguiu que em Porto Velho 800 famílias fossem cadastradas no INCRA para reassentá-las. Destaque às conquistas das famílias do PA Joana D’Arc, hoje reassentadas na extinta Fazenda Santa Rita.


Nesse ano, 2011, várias já foram as manifestações, incluindo assembleias populares e participação ativa dos grupos sociais. A última mobilização das famílias atingidas foi no dia 29 de setembro, na qual entregaram ao IBAMA e aos diretores da Santo Antônio Energia uma pauta elencando reivindicações que exigem atendimento imediato. Dentre as principais, a que se refere à participação popular em defesa da Floresta Amazônica, destaca-se a exigência da reserva legal de 40 hectares prometida ao reassentamento Santa Rita, que possui 50 hectares. Porém, a empresa ainda não efetuou a compra da área. Abrangendo essa medida necessária aos demais reassentamentos, leia-se ainda na pauta: “exigimos a solução imediata das áreas de reserva legal de todos os Reassentamentos: compra imediata dos 40 hectares […]” (REIVINDICAÇÕES, 2011). 


Além disso, exigem a garantia do abastecimento de água saudável, condições estáveis para subsistência autossustentável na produção de alimentos, tendo em vista que “já é notório a constatação e aparecimento de vários problemas decorrentes das usinas, principalmente a diminuição da pesca nesta região […]” (REIVINDICAÇÕES, 2011) e, ainda, a melhoria na qualidade das redes de energia elétrica.


Vale ressaltar que, apesar dos consórcios responsáveis pelo andamento da construção das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira não saberem ao certo as inúmeras consequências que poderão advir, o Complexo Rio Madeira é apresentado como modelo às futuras construções de usinas hidrelétricas pelo Brasil, como por exemplo, ao o complexo hidrelétrico de Belo Monte, no Rio Xingu, e ao planejamento da possível hidrelétrica instalada no Rio Machado, também em Rondônia.


Contudo, observa-se que ao mesmo tempo em que a coletividade exige que seja cumprido o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, respectivamente à sadia qualidade de vida, também coloca em prática o seu dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações, caracterizando o princípio da participação popular.


Faz-se necessário que a educação ambiental seja expandida e que a informação abranja toda a sociedade, objetivando o seu hábito participativo e não a conformidade com a degradação ambiental; juntando forças na defesa e proteção da Amazônia, patrimônio ambiental.


5 INFORMAÇÃO E EDUCAÇÃO AMBIENTAL


A resignação social e a aceitação dos benefícios imediatos de grandes obras desenvolvimentistas na Amazônia, que danificam o meio ambiente, dá-se pela desvalorização da informação e educação ambiental. De acordo com Josep Iborra Plans (2007, p. 200), que vivencia a destruição da Amazônia, há uma “relação antagônica entre homem e floresta” nos estados que abrangem a Amazônia Legal, pois a exploração da floresta visa um rápido crescimento econômico, inferiorizando os meios de proteção ambiental. Ele enfatiza que atos como esses são originários de uma mentalidade colonizadora.


Vale ressaltar que a informação ambiental é alcançada através da educação. Esta visa mudança de percepção, hábitos e cultura dos indivíduos que compõem a sociedade, protegendo assim o meio ambiente. Porém, referente à Floresta Amazônica, quiçá outros biomas, existem uma apelação ideológica que se confunde com a informação ambiental e impede a ação por parte dos cidadãos que realmente deveriam se prestar a isso. Estes não saem da mesmice e em nada contribuem efetivamente na defesa do meio ambiente. Apenas se prendem a apelos ideológicos.


Quando se trata de educação ambiental, a própria CF/88 (art. 225, § 1º, VI) a promove, assim como sua conscientização pública. São incumbências ao poder público, mas cabe a sociedade cobrar que sejam realizadas. Essa educação também foi mencionada no Princípio 19, da Declaração do Meio Ambiente de Estocolmo, conforme José Afonso da Silva (2007, p. 62). Nela, considera-se indispensável a educação em questões ambientais, em qualquer idade e/ou em qualquer classe.


Portanto, a educação da sociedade proporciona sustentabilidade à Amazônia, dando existência a uma cidadania ambiental. Sob o mesmo ponto de vista, a educação ambiental como preceito constitucional, juntamente com a informação, protege esse patrimônio ambiental, garantindo assim sua soberania frente à degradação ambiental. E a sociedade brasileira, analogamente, é recompensada com a sadia qualidade de vida.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS


É notável a evolução participativa da sociedade brasileira quanto às questões ambientais da Amazônia. O povo procura estar presente nos grupos representativos que lutam para defender a floresta da destruição ambiental. Porém, este mesmo povo está se prendendo a uma ideologia ambiental e não está sendo capaz de agir e exigir mais do Estado, e até de si mesmo, uma proteção mais efetiva à região.


Na análise em questão, a participação popular não foi suficiente para impedir a construção das Usinas Hidrelétricas de Santo Antônio e Jirau. Porém, como foi verificado, vem se intensificando e alcançado objetivos que visam abrandar e compensar os impactos socioambientais ocasionados por ela. Logo, a coletividade não deve se render ao conformismo e, através da mobilização popular, usufruir dos possíveis mecanismos para garantir seus direitos fundamentais referente ao equilíbrio ambiental da Amazônia, que respectivamente está ligado à saudável qualidade de vida.


Ademais, a sociedade cooperando na defesa e preservação do equilíbrio ambiental na Amazônia, também assegura a aplicabilidade de seus direitos fundamentais. Sem essa participação popular, que se dá através da informação ambiental e da prática educacional, até mesmo a destruição do bioma amazônico será “regulamentada”.


Contudo, a sociedade que luta contra a instalação das Usinas Hidrelétricas do Rio Madeira não deve somente aproveitar dos seus atuais instrumentos legais para efetivar sua participação, como também deve analisar, reaver e elaborar a todo momento novos meios de concretizar a tutela da Floresta Amazônica. Assim, outras maneiras de preservar esse bem de interesse público se formarão e a coletividade estará ativa no cumprimento do seu dever.


 


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Informações Sobre os Autores

Magda Nascimento de Alcântara Benites Dias

Advogada, Bacharel em Direito da Fundação Universidade Federal de Rondônia (UNIR), Campus de Cacoal.

Thaís Bernardes Maganhini

Professora (UNIR) e Mestra em Direito Econômico (Unimar).


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