A penhora da meação do cônjuge e do companheiro na união estável

Resumo: O presente trabalho trata da possibilidade da penhora da meação do cônjuge e do companheiro na união estável. Sendo assim, se pretendeu fazer um estudo acerca do assunto com base em livros e jurisprudência dos tribunais brasileiros, visando demonstrar como deve ser analisada tal possibilidade posta a disposição do credor/exequente e seus requisitos. É feita ainda uma crítica ao legislador brasileiro que deixou de regular a penhora dos bens do companheiro, deixando para o judiciário solver os problemas que envolvem tal temática ao ter que realizar uma interpretação lógica do instituído pela Constituição Federal de 1988, o Código Civil e o de Processo Civil. Cabe assim, aguardar que o projeto para a nova legislação processual civil abarque tal matéria, dirimindo qualquer dúvida que os Pensadores do Direito possam ter durante o curso de um processo judicial.

Palavras-chaves: Penhora. Meação. União estável. Casamento. Processo.

Abstract: This paper deals with the possibility of attachment of the moiety of spouse and partner in a stable union. Thus, it was intended to do a study on the subject based on books and case law of the Brazilian courts, to show how such a possibility should be examined initially offered the creditor and its requirements. It also made a critique of Brazilian legislators who failed to regulate the attachment of the companion, leaving the judiciary solve the problems involved in this issue by having to perform a logical interpretation established by the 1988 Federal Constitution, the Civil Code and the Civil Procedure. It is thus waiting for the project to the new civil procedural legislation covering such matters, and to resolve any doubt that the thinkers of the Right may have during the course of judicial proceedings.

Keywords: Attachment. Moiety. Stable relationships. Marriage. Process.

Sumário: Introdução. 1. Casamento e união estável, seus pontos em comum. 1.1 Características do casamento e da união estável. 1.2 A igualdade civil entre o casamento e a união estável. 2. A responsabilidade patrimonial da meação do cônjuge e do companheiro (a) e os artigos do Código de Processo Civil afetos a execução. 2.1 A possibilidade de penhora da meação do cônjuge e do (a) companheiro (a). 2.2 Os fundamentos legais para penhora e outras observações pontuais. 3. Posição doutrinária e jurisprudencial sobre a penhora da meação do cônjuge e do (a) companheiro (a). 3.1 Posição Doutrinária. 3.2 Posição Jurisprudencial. Conclusão. Referências.

Introdução

A penhora da meação do cônjuge ou do companheiro na união estável é importante forma de o credor de valores ver seu crédito adimplido, embora possa de alguma forma extrapolar a relação processual inicial.

A possibilidade de responsabilização de parte do patrimônio de outra pessoa estranha a lide, mas que por laços amorosos, no intuito de constituir família, está ligada à causa por seu patrimônio quando do inadimplemento do devedor principal ou quando da inexistência de bens capazes de garantir uma execução, está expressa no Código de Processo Civil para os casos de casamento e feita por interpretação lógica de dispositivos constitucionais e do Código Civil para a união estável.

Há que se observar primordialmente que o casamento é um direito que possui reflexos no âmbito moral, familiar, patrimonial entre os nubentes e terceiros e a união estável é algo reconhecido apenas na Constituição Federal de 1988 e verdadeiramente regulado pela primeira vez no Código Civil de 2002 e que acaba incorporando a maioria das características do matrimônio.

Dessa forma, devido a similitude dos dois institutos, e a igualdade de direitos garantidos pelos mesmos, não poderiam ser excluídos os deveres atinentes ao relacionamento e que no presente trabalho referem-se àquelas responsabilidades de cunho patrimonial quando do inadimplemento de um dos cônjuges ou companheiros em processo judicial.

A intenção do trabalho é demonstrar que embora a Legislação Processual Civil tenha apenas se atentado a regular a penhora da meação do cônjuge, não poderia excluir essa mesma possibilidade para os casos de união estável. A igualdade de direitos para os companheiros foi adquirida após grande protesto da sociedade e que se refletiu no judiciário, quando do deferimento de pensões por morte, adoções, extensão de planos de saúde para o companheiro e outros.

Assim sendo, o judiciário ao garantir tantos direitos para os casais em união estável, teria a obrigação de assegurar os deveres e os ônus que tal relacionamento traz a vida de cada um, estendendo para eles a responsabilização patrimonial com a penhora da meação do companheiro, suprindo dessa forma uma lacuna legislativa.

Portanto, ao longo do desenvolvimento será demonstrado como se dará a penhora da meação tanto do cônjuge como do companheiro e como será feita a prova dessa relação em um processo judicial.

1. Casamento e união estável, seus pontos em comum

1.1. Características do casamento e da união estável

O casamento civil e a união estável possuem institutos, os quais regulam especificamente cada situação, haja vista que ambos quando consolidados geram direitos e deveres para as pessoas envolvidas.

O casamento é regulado pelo código civil, o qual estipula as regras e os casos em que pode ser realizado, visto tratar-se de algo com efeitos jurídicos não somente entre o casal, mas perante terceiros, tanto que a publicidade é um de seus requisitos (art. 1.534, CC).

Entre o casal surgem deveres morais como o de sustento do lar, dos filhos, enfim a mantença da família. Além do dever de fidelidade, mútua assistência e outros de cunho patrimonial perante os nubentes.

Quanto às obrigações pecuniárias contraídas durante o matrimônio afetas ao patrimônio do casal, sua inadimplência refletirá diretamente neste, levando-se em conta o regime de bens escolhido pelo casal.

Cabe salientar ainda que o casamento não se trata de contrato, como alguns doutrinadores conceituavam antigamente, visto ser algo sujeito a normas de ordem pública, as quais lastreiam todo o Direito de Família. Portanto, não a que se falar em aplicação da teoria geral dos contratos perante as relações matrimoniais.

Pelo exposto, cabe então salientar nesse momento não o instituto do casamento em face de suas relações amorosas e deveres morais, mas somente as de cunho patrimonial, as quais servirão para o desenvolvimento do presente trabalho. Sendo assim, forçoso que se mostre os tipos de regime de bens que o casal pode adotar quando do casamento civil, os quais começam a vigorar a partir da data do casamento (art. 1.639, CC). São eles o regime de comunhão parcial; universal; participação final nos aquestos e de separação de bens.

O primeiro, também chamado de regime legal ou supletivo (art. 1.659, CC), por ser aquele imposto aos nubentes em caso de não realização de pacto antenupcial dispondo de forma contrária. Diz ele, que se comunicam os bens do casal adquiridos à título oneroso na constância do casamento, sendo excluídos apenas os bens adquiridos por cada pessoa antes da celebração do matrimônio ou por causa alheia ao casamento e que estão enumeradas nos incisos do artigo supramencionado, sendo os mais relevantes para o desenvolvimento do trabalho os bens recebidos por sucessão e as dividas contraídas antes da cerimônia de união, as quais não se comunicam. Para melhorar o entendimento, Carlos Roberto Gonçalves chega a fazer uma divisão entre três massas de bens, a do marido, a da esposa e o comum. (GONÇALVES, 2010, p. 42).

Há ainda o regime de comunhão universal no qual os cônjuges convencionam que os bens presentes e futuros se comunicam, ou seja, há somente uma massa de bens. O de participação final nos aquestos cujos bens adquiridos a título oneroso durante a sociedade conjugal são privativos de cada cônjuge e que somente em eventual dissolução conjugal serão divididos, salvo os adquiridos antes do casamento. A separação convencional de bens, que é aquela em que o marido e a esposa administram seus bens pessoais a sua vontade, ou seja, não haverá bens do casal, e também dentro desta espécie há a separação obrigatória ou legal, aquela em que não há liberalidade dos nubentes, porque a lei impõe tal regime (art. 1.641,CC).

Quanto a união estável podemos fazer um paralelo semelhante ao casamento civil, principalmente após a Constituição Federal de 1988, que em seu art. 226, § 3º elevou a união estável entre homens e mulheres ao status de entidade familiar (WALD, 2009, p. 405) e o Código Civil de 2002 reservou os arts. 1723 a 1727 para tratar sobre a temática.

Assim, seus requisitos se assemelham ao casamento visto que para a sua formação há necessidade de relação entre homem e mulher (já mitigado pela jurisprudência brasileira)[1]; publicidade; durabilidade e objetivo de constituir família. Já os deveres entre os conviventes são os de lealdade e respeito; assistência; guarda e sustento dos filhos.

Portanto, a união estável é algo que as pessoas por livre e espontânea vontade realizam a fim de formarem uma família, mas sem o registro público exigido para o casamento, o que não impede também que os conviventes, tanto heterossexuais ou homossexuais façam registro em um cartório a fim de dar publicidade ao seu relacionamento, principalmente para fins de prova perante terceiros. 

1.2 A igualdade civil entre o casamento e a união estável

A igualdade civil entre o casamento e a união estável ao se observar seu status constitucional é inegável, e vista sob a óptica doutrinária e jurisprudencial o que se analisa é a presença de vinculo familiar e de outros requisitos já mencionados, ou seja, o que impulsiona duas pessoas a realizarem o ato do matrimônio é o mesmo da união estável.

É inegável tal fato, tanto que não merece maiores problematizações e sim exemplificações, para que se possa visualizar o afirmado.

O artigo 1.694, CC garante aos companheiros, assim como para os casais divorciados o direito a pensão alimentícia, desde que comprovada a necessidade e as possibilidades do ex-companheiro ou ex-cônjuge de pagá-la.

Outro direito dos conviventes assim como no casamento é o de sua meação dependendo do regime de bens ajustado pelas partes. Na união estável, também como no matrimônio, salvo contrato escrito, pressupõe-se que o casal optou pelo regime de comunhão parcial dos bens, gerando após uma separação a divisão de todas as aquisições a título oneroso pelo casal, visto que há a suposição de que ambos contribuíram para adquirir os bens.

E por último se pode citar o direito a sucessão hereditária regulado pelo art. 1.790, CC, no qual a companheira ou companheiro participará na sucessão do outro no limite dos bens adquiridos na constância da união estável, ou seja, após o falecimento há necessariamente um “regime de comunhão parcial de bens”, embora por contrato se possa ter acordado outro, visto que sempre a parte sobrevivente concorrerá com as pessoas enumeradas nos incisos I a III e somente receberá totalidade no caso do inciso IV, ou seja, não havendo parentes sucessíveis.

Feita essa breve análise da similitude do casamento e da união estável, para os “benefícios” que ela traz como possibilidade de pensão, divisão de bens, direito a sucessão hereditária, por que não a utilizarmos para outra esfera de cunho somente obrigacional e que poderá ferir o patrimonial pessoal dos cônjuges e companheiros em caso de inadimplemento do casal ou somente de um deles.

2. A responsabilidade patrimonial da meação do cônjuge e do companheiro (a) e os artigos do Código de Processo Civil afetos a execução

2.1 A possibilidade de penhora da meação do cônjuge e do (a) companheiro (a)

A penhora da meação do cônjuge surgiu para que não pudesse o devedor esconder seus bens no nome de sua esposa ou esposo, visto ser isto corriqueiro em diversas execuções tanto singulares, como fiscais ou mesmo no cumprimento de sentença de cunho pecuniário.

Cabe sempre ao credor realizar diligências na tentativa de encontrar bens do executado, mas suas tentativas em muitas das vezes restam frustradas, pois o devedor não possui patrimônio, vendeu ou até continua adquirindo em nome de seu cônjuge ou até de terceiros, por isso a necessidade de ser aceita a penhora da meação.

Assim sendo, quanto a possibilidade de se usar esse instrumento, não resta maiores dúvidas. Araken de Assis afirma: “Há casos em que o patrimônio do cônjuge responde pelo cumprimento da obrigação do seu parceiro. Embora não tenha contraído a dívida, e permaneça alheio ao título exibido, se ostenta parte passiva legítima […].” (ASSIS, 2002, p. 408).

Resta saber somente o quão usado é essa alternativa no dia-a-dia da advocacia, ao passo que todas as diligências geram custos para o credor.

Tanto na Advocacia Privada como na Pública os problemas são os mesmos, a necessidade de se buscar junto aos órgãos competentes como Registro de Imóveis, Centro de Registro de Veículos Automotores, Bolsa de Valores ou outros os possíveis bens em nome do cônjuge, o que aumenta os custos, pois todas as certidões fornecidas, no geral, são cobradas taxas para seu fornecimento.

Todavia, não basta saber que o seu devedor é casado, o que muitas vezes só é possível saber, com a certidão de casamento em mãos, quanto mais o regime de bens o qual somente está registrado na certidão e que é de extrema importância para a execução.

Por conseguinte, somente com a análise do regime de bens estipulado entre o casal, nos moldes do que já foi explanado, dará o direito de penhora da metade dos bens do cônjuge. Por exemplo, caso algum dos cônjuges tenha dívidas antes de contrair o matrimônio e seu regime seja o de comunhão parcial, apenas os bens que ele possuía antes do casamento serão objeto de penhora, mas se as dívidas foram posteriores, os bens que adquirirem após a união poderão ser penhorados. Ou seja, nada mais justo, pois não iria o Direito Brasileiro exigir para o casamento certidão negativa de débitos para que as pessoas pudessem casar, sob pena de desvirtuar tal instituto que embora gere reflexos patrimoniais, não é esse seu principal escopo.

De outra banda, em relação a união estável o entendimento é o mesmo, visto que como no casamento, existe também o regime de bens, o qual salvo estipulado em contrato será o de comunhão parcial.

Portanto, o mesmo raciocínio feito para a penhora da meação deve ser feito para a união estável, no entanto, sua diferença primordial será sua forma de prova, a qual será motivo de análise mais minuciosa a seguir, pois muitas vezes somente há fatos que exteriorizados vão realmente caracterizar uma união e por diversas vezes se terá que averiguar vários acontecimentos para que se comprove.

Na união estável não há documento que comprove sua existência, ao não ser que as partes para dar visibilidade a sua relação realizem um contrato, ou outra forma de registro, tais como colocar seu companheiro como dependente em plano de saúde, de previdência, conta bancária conjunta e outros.

Sendo assim, forçoso que se diga, que embora permitida a penhora da metade dos bens do companheiro, conforme doutrina majoritária no Brasil, difícil será sua demonstração em juízo, ao passo que somente pessoas próximas ao casal poderão ter conhecimento da relação, tendo em vista que muitas vezes será dificultoso ter acesso a documentos privados das partes.

2.2 Os fundamentos legais para penhora e outras observações pontuais

A penhora da meação do cônjuge está expressa no Código de Processo Civil em seu artigo 655-B, o qual resguarda 50% do produto da alienação do bem ao cônjuge alheio a execução, tratando-se de bem indivisível. De outra banda, quando se tratar de bem divisível não haverá necessidade de ser levado à hasta pública a totalidade do bem, e sim somente a parte pertencente ao executado.

Nesse mesmo diapasão, ressalta-se o artigo 1.643 c/c 1.644, CC que obriga solidariamente os cônjuges nas dívidas que envolvam compras de coisas necessárias à economia doméstica, excluindo-se as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo na reversão em proveito do casal. Ou seja, nesses casos não haverá reserva de meação, se poderá penhorar a totalidade dos bens do cônjuge.

Por isso, se o exequente comprovar que a obrigação/dívida se deu em proveito do casal e resultou de ato ilícito não deverá ocorrer reserva de meação devendo o valor do bem vendido ser revertido para a quitação do processo executivo, pois caso contrário, dependendo do regime de bens, a meação deveria ser reservada.[2]

Feita essa observação preliminar, há de se salientar como poderá ser realizada a prova do casamento do devedor com um terceiro no processo de execução, visto a sua impossibilidade de instrução probatória.

O credor, após diligenciar na busca de bens em nome do devedor capazes de satisfazer a dívida, poderá realizar pesquisas de outros bens penhoráveis em nome do cônjuge e juntar ao processo os comprovantes de propriedade e a certidão de casamento, para que se comprove a união e também se analise o regime de bens, e por simples petição requerer que o juiz expeça mandado de penhora e avaliação.

O juiz, após estar convencido da existência do casamento, do titulo de propriedade e de realizar análise do regime de bens do casal, a fim de saber se há possibilidade de penhora no caso concreto, designará a penhora conforme o requerido pelo exequente, salientando quanto a reserva da meação do cônjuge, salvo prova de proveito do cônjuge alheio a execução. Caberá assim, ao oficial de justiça verificar sobre a possibilidade de cômoda divisão do bem e penhorar então, metade do mesmo, ou mesmo em caso de indivisibilidade penhorar a totalidade dele.

Para o caso de penhora dos bens de companheiro na união estável, o Código de Processo Civil, não faz menção a está possibilidade. Todavia, por interpretação lógica do artigo 226, § 3º da Constituição Federal e do que dispõe o Código Civil em seus artigos 1.723 a 1.727, a jurisprudência brasileira admite a penhora dependendo do regime de bens convencionado entre o casal, conforme artigo 1275, CC, pois salvo contrato dispondo em contrário, presume-se que o regime será de comunhão parcial de bens. Além disso, como no casamento, se o exequente comprovar que o companheiro teve proveito econômico, não haverá reserva de meação.

Quando se pleitear a penhora de metade dos bens do companheiro do devedor deve o requerente juntar aos autos provas documentais da união estável do executado, a fim de que haja apenas verossimilhança das alegações, uma vez que não terá momento para produção de provas, sendo imprestável a tentativa de utilização de prova testemunhal.

Cabe salientar que a verossimilhança das alegações ou a fumaça do bom direito à respeito da união estável é requisito para que se defira a penhora, não há necessidade de prova robusta para o deferimento de tal medida, visto a não existência de fase probatória.

Para a produção de provas é necessário que a pessoa que tenha o bem penhorado ofereça embargos de terceiro, nos termos do artigo 1.046, CPC, pois somente neste haveria a possibilidade de apresentação de provas mais fortes a evidenciar a união estável do executado ou mesmo para desconstituí-la.

Sendo assim, o embargado poderia requerer a produção de prova oral e outras que se mostrassem necessárias ao caso concreto e o embargante fazer prova em contrário a fim de provar que não existe relação entre ele o devedor, ou mesmo demonstrar que embora haja união, o bem não é passível de penhora, pois já era de sua propriedade antes do início da relação ou mesmo provar que foi realizado contrato a fim de estabelecer um regime de bens em que eles são incomunicáveis com os do companheiro.

Poderia, também, em caso de contrato de estipulação de regime de bens o executado juntá-lo aos autos a fim de evitar o ajuizamento embargos, cabendo ao juiz decidir sobre a eventual penhora com base nesse documento. Todavia, o dono do bem penhorado não poderia se manifestar nos autos de execução ou cumprimento de sentença pecuniária, pois é estranho a lide, tendo como recurso cabível a sua disposição os embargos de terceiro.

Ainda sobre a forma de se comprovar a união estável para que haja seus reflexos em um processo executivo, poder-se-á ajuizar uma ação cautelar inominada anterior ao processo executivo ou incidental ao cumprimento de sentença contra a pessoa que será executada e seu companheiro (a), a fim de que se comprove um direito material.

Na ação cautelar, o autor deverá na inicial comprovar o fumus boni iuris e periculum in mora. O primeiro será inicialmente comprovado com meras alegações na petição inicial e a juntada de documentos caso existam alguns que comprovem o alegado ou requer a produção de provas como a inquirição de testemunhas. Já o segundo deverá ser comprovado com documentos e outras formas de provas, sob a alegação de que o executado não possui patrimônio em seu nome, ou mesmo dilapidou ou está dilapidando a fim de saldar suas dívidas com seus credores não sobrando bens suficientes para a quitação dos débitos; e que seu companheiro (a) possui bens suficientes para garantir uma execução, mas que poderá sabendo da possibilidade da penhora de suas propriedades realizar alienações das mesmas.

Cabe então ao juiz de ofício convencido que tais fatos poderão frustrar os direitos de crédito do exequente, determinar nos moldes dos arts. 797/799, CPC medidas provisórias antes do julgamento da lide a fim de salvaguardar os bens tanto do devedor e principalmente do (a) companheiro (a), para que esses últimos após a comprovação da união estável no processo possam ser revertidos em prol do exequente.

Sendo assim, se percebe que haverá uma dilação probatória no processo cautelar, visto haver o contraditório neste procedimento, a fim de comprovar a união estável. E caso a sentença seja de procedência os bens que já estão resguardados provisoriamente serão nomeados a penhora quando do ajuizamento da ação principal de execução e por consequência já existirá a comprovação judicial da união estável ou mesmo incidentalmente, caso o processo principal já tenha sido ajuizado.

Portanto, há que se salientar que utilizando o processo cautelar como mencionado, haverá uma sentença de cunho satisfativo, pois comprovará a união estável perante todos os interessados, não só frente quem ajuizou a ação face ser uma decisão judicial, e outra temporária, que será a constrição dos bens durante o prazo de 30 dias nos termos do artigo 806, CPC para que ajuíze ação de execução, quando não for incidental o procedimento cautelar.

3. Posição doutrinária e jurisprudencial sobre a penhora da meação do cônjuge e do (a) companheiro (a)

3.1 Posição Doutrinária

A doutrina brasileira é unânime na possibilidade de penhora da meação do cônjuge, visto que o Código de Processo Civil faz menção expressa sobre o assunto. Além disso, assenta seu entendimento realizando uma análise do que dispõe o Código Civil sobre o casamento, a união estável e seus regimes de bens.

Por todo o exposto nos tópicos anteriores, não restam maiores discussões doutrinárias, visto que todos os autores trazem a baila a temática. Fredie Didier Jr. ressalta:

“Sujeitam-se, ainda, à execução, os bens do cônjuge, “nos casos em que os seus bens próprios, reservados ou de sua meação respondem pela sua dívida” (artigo 592,II, CPC).

Cabe à legislação cível definir “os casos” em que seus bens vão submeter-se à execução, considerando, sempre, o tipo de dívida cobrada e a modalidade de regime de bens em vigor.” (DIDIER JR, 2009, p. 261).

Sendo assim, o Código de Processo Civil traz a regra geral a fim de ser reservada a meação do cônjuge e o Código Civil traz as ressalvas, em que casos tal regra não será obedecida, artigo 1.643 c/c 1.644, CC; e outros em que ela será obedecida, artigo 1.659, IV, CC, ou mesmo até ser posta de lado, como nos casos de atos ilícitos com reversão do produto obtido em favor do casal.

Humberto Theodoro Júnior, ao comentar sobre os embargos de terceiro comenta que: “Considera-se, também, terceiro o cônjuge quando defende a posse de bens dotais, próprios, reservados ou de sua meação (art. 1.046, § 3º). […] o Código teve a evidente intenção de reconhecer ao cônjuge, em qualquer tempo, a qualidade de terceiro para demandar a exclusão de seus bens da injusta apreensão judicial.” (THEODORO JÚNIOR, 2010, p. 435).

Em relação a penhora da meação do companheiro na união estável, a doutrina processualista não realiza um estudo aprofundado, fazendo apenas um contraponto ao casamento e citando a Constituição Federal e o Código Civil que reconhecem tal fato no Direito Brasileiro.

“O cônjuge possui, assim, dupla legitimidade, podendo valer-se de embargos/impugnação de executado ou de embargos de terceiro, a depender de suas necessidades. A regra parece estender-se à união estável que por força do art. 1.725. Código Civil, rege-se, salvo contrato escrito em sentido diverso, pelo regime da comunhão parcial. Nesse caso, qualquer controvérsia acerca da existência da união estável deve ser resolvida incidentalmente, na própria execução.” (DIDIER JR, 2009, p. 286).

Portanto, pela análise da bibliografia utilizada, é evidente que a doutrina não demonstra como será realizada a prova no processo executivo da união estável, porém nenhum autor impossibilita que se utilize a penhora da meação do companheiro.

3.2 Posição Jurisprudencial

A jurisprudência brasileira quando trata da possibilidade de penhora da meação do cônjuge ou do companheiro na união estável, é uníssona sobre tal instrumento no processo de execução ou no cumprimento se sentença.

Cabe ressaltar que os entendimentos dos Tribunais Brasileiros são os mesmos que a doutrina traz à baila quanto a penhora da meação de um casal. Porém, em relação a penhora de metade do patrimônio na união estável é a jurisprudência que norteia o entendimento dos doutrinadores, visto que não há essa possibilidade explicita no Código de Processo Civil e sim uma interpretação lógica dos institutos do casamento para esse tipo de relacionamento que foi aceito pela sociedade e reconhecido pelo Código Civil de 2002.

Para explicitar o mencionado cabe a colação de jurisprudência sobre a temática.

“APELAÇÃO CÍVEL. FAMÍLIA. UNIÃO ESTÁVEL. EMBARGOS DE TERCEIRO. MEAÇÃO.

Restando devidamente comprovada a união estável entre a embargante e o executado, correta a penhora de metade dos bens comuns, ressalvada, todavia, a meação da embargante, que não responde pela dívida do companheiro. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO RIO GRANDE DO SUL. Apelação Cível nº 70021834304).”

“PENHORA. BEM DADO EM HIPOTECA. DEVEDOR QUE VIVIA EM UNIÃO ESTÁVEL. DESCONHECIMENTO DO CREDOR. VALIDADE DA HIPOTECA. 1. Os efeitos patrimoniais da união estável são semelhantes aos do casamento em comunhão parcial de bens (Art. 1.725 do novo Código Civil). 2. Não deve ser preservada a meação da companheira do devedor que agiu de má-fé, omitindo viver em união estável para oferecer bem do casal em hipoteca, sob pena de sacrifício da segurança jurídica e prejuízo do credor. (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Recurso Especial nº 952141).”

Pelo exposto, percebe-se que quando a dívida do companheiro ou do cônjuge for anterior ao início da relação não terá o credor direito a penhorar a meação de quem está fora da relação processual inicial. Todavia, se a dívida for posterior, deverá se analisar o regime de comunhão de bens do casal e requer penhora de metade do patrimônio e caso se comprove que a dívida contraída se deu em proveito de ambos, ou foi decorrente de ato ilícito não deverá ser realizada a reserva de 50% dos bens antes de serem vendidos judicialmente.

Para ilustrar de forma mais clara merece ser colacionado ainda o voto do Relator no Agravo de Instrumento nº 2009.04.00.039367-0/SC em sua integralidade.

Dispõe o art. 1.725 do Código Civil:

"Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens."

A agravante juntou aos autos cópia de certidão do 1º Tabelionato de Notas e Protestos de Chapecó informando que foi lavrada procuração naquele Tabelionato em 22/9/2004, na qual consta que o executado e Andréia Alcântara "vivem em regime de união estável" e outorgaram poderes para Nelsi Lucia Alcântara, inclusive "os especiais para os autos do inventário de SADI ALCANTARA".

Em 2004, portanto, já existia a união estável.

Ofício do Serviço Registral de Imóveis – 1ª Zona de Caxias do Sul informa que não consta nenhum imóvel em nome do executado, Eduardo Celli. Consta, porém, imóvel em nome de Andréia Alcântara, adquirido em novembro de 2005 de Ary Aniceto Celli e Adda Susin Celli, pais do executado.

O imóvel, como se vê, foi adquirido na constância da união estável.

O 1º e o 2º Tabelionatos de Notas e Protestos e o Registro Civil das Pessoas Naturais, Títulos e Documentos e Registro Civil das Pessoas Jurídicas de Chapecó informaram que não consta em seus registros Declaração de União Estável, Declaração de Convivência Marital, Contrato de União Estável ou documento similar em nome do executado e Andréia Alcântara.

Tudo indica, pois, que não existe pacto firmado entre o executado e Andréia Alcântara dispondo de modo contrário à regra geral prevista no art. 1.725 do Código Civil.

Considerando que o executado não nomeou bens à penhora e que a execução se faz no interesse do credor, nos termos do art. 612 do CPC, cabível a penhora sobre a fração de 50% do imóvel referida, correspondente a sua meação.

Há que se prestigiar o esforço do procurador da exequente para obter a satisfação do crédito tributário, a ponto de encontrar imóvel localizado no Município de Caxias do Sul, distante do Município de Chapecó, onde está tramitando a execução fiscal.

Nada impede, porém, que o executado, ou sua companheira, comprovem a existência de pacto dispondo de modo contrário à regra geral prevista no art. 1.725 do Código Civil.

Pelo exposto, dou provimento ao agravo de instrumento para determinar que a penhora recaia sobre a fração de 50% do imóvel que está em nome de Andréia Alcântara, correspondente a meação do executado. (TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL DA 4ª REGIÃO. Agravo de Instrumento nº 2009.04.00.039367-0/SC ).”

Portanto, quanto a penhora de bens do cônjuge, não pairam dúvidas sobre sua possibilidade face ao disposto no Código de Processo Civil e quanto a penhora da meação do patrimônio do companheiro não restam dúvidas sobre sua utilização. Embora inexista disposição legal explicita sobre isto, a jurisprudência e a doutrina, ao realizar uma interpretação da Constituição Federal e do Código Civil, principalmente o de 2002, consolidou posicionamento a respeito da temática, garantindo assim, mais um meio de o exeqüente buscar seu crédito.

Conclusão

Após a leitura deste trabalho, conclui-se que a união estável e o casamento são institutos afins e que geram direitos e deveres entre o casal tanto de cunho moral como obrigacional pecuniário. Não podendo mais o judiciário decidir nos casos de penhora da meação de companheiro não responsável inicialmente pela dívida contraída por seu convivente de forma contrária, sob a justificativa de inexistir amparo legal.

De sorte, o entendimento uníssono do Poder Judiciário atualmente é sobre a possibilidade de penhora da meação no caso supramencionado, como demonstrado ao logo deste trabalho. Não há discussão contrária sobre a temática no âmbito jurisprudencial e muito menos por parte da doutrina, cabendo apenas ser analisado pelo juízo qual o regime de bens do casal para deferir essa forma de penhora.

Assim, forçoso que após dirimida qualquer dúvida sobre o tema, se faça uma crítica ao legislador, pois apenas codificou a penhora da meação do cônjuge, deixando ao arrepio da lei esse tipo de penhora para a união estável. Talvez a justificativa seja que o CPC entrou em vigor ano de 1973 e o Código Civil atual é de 2002, pois somente a partir deste se reconheceu de forma codificada a união estável.

Portanto, com a evolução da sociedade e do processo, não restam dúvidas sobre a penhora dos bens de uma pessoa envolvida com outra sem o vínculo do casamento, bastando que se faça uma análise do regime de bens adotado pelo casal e da prova do aproveitamento ou não por parte da família com a obrigação inadimplida.

 

Referências
ASSIS, Araken de. Manual do Processo de Execução. 8. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
DIDIER Jr. Fredie; CUNHA, Leonardo José Carneiro da; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael. Curso de Direito Processual Civil. 5. v. Salvador: Juspodivm, 2009.
GONÇALVES, Carlos Roberto Gonçalves. Direito Civil Brasileiro. 5. v. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2010.
MADALENO, Rolf, Curso de Direito de Família. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2008.
THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil. 2. v. 45. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
­_______ . Processo de Execução e Cumprimento da Sentença. 26. ed. São Paulo: Leud, 2009.
WALD, Arnoldo. Direito Civil: Direito de Família. 17. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
WAMBIER, Luiz Rodrigues. Sentença Civil: Liquidação e Cumprimento. 3. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
 
Notas:
[1] PLANO DE SAÚDE. COMPANHEIRO. "A relação homoafetiva gera direitos e, analogicamente à união estável, permite a inclusão do companheiro dependente em plano de assistência médica" (REsp nº 238.715, RS, Relator Ministro Humberto Gomes de Barros, DJ 02.10.06). Agravo regimental não provido. (AGA 200702565624 AGA – AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO – 971466 – ARI PARGENDLER – STJ – TERCEIRA TURMA – DJE DATA:05/11/2008). Disponível em: < http://www.stj.jus.br >. Acesso em: 29 março 2014.

[2] Súmula 251 STJ: A meação só responde pelo ato ilícito quando o credor, na execução fiscal, provar que o enriquecimento dele resultante, aproveitou ao casal.


Informações Sobre o Autor

Paulo Roberto Álvaro Grafulha Júnior

Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande – FURG, Pós-Graduando em Direito Previdenciário pela ESMAFE/RS, Advogado inscrito na OAB/RS


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