A execução sempre foi tormentosa à atividade forense, pois fazer valer o justo e propiciar segurança jurídica, significa acabar com o estado de litigiosidade constante do qual o órgão jurisdicional não se desvincula enquanto o titular do direito não alcança sua obtenção.
A crise de Judiciário é um fato e a lentidão parece tão maior quanto mais rápida é a dinâmica social vivida na pós-modernidade. A situação fomentou-se com a expansão da informação propagada pela internet e a globalização tornou possíveis coisas dantes inimagináveis. Sabe-se que atualmente há possibilidade de concluir aquisições, aplicações, transferências e pagamentos sem sair de casa, bastando para tanto ter um microcomputador e uma linha telefônica. São milhões de bytes por segundo na comunicação de dados, recurso provido pela ousadia científica. A rede mundial de computadores veio para ficar e mudar a qualidade de vida humana, poupando o valioso tempo da população apressada.
A mobilidade do capital é um outro modelo de avanço. A virtualização da moeda é condizente com a realidade vivida pela comunidade atual. As compras são pagas com cartões magnéticos que em segundos transmitem o valor da conta corrente do cliente à do estabelecimento comercial. As transferências e depósitos são feitos eletronicamente e tudo isso é um reflexo do aproveitamento exercido pela coletividade sobre os recursos arrojados oferecidos pelo desenvolvimento tecnológico. O mundo vive uma tormenta cibernética capaz de tornar uma inovação eletrônica obsoleta, em tempo escasso, substituindo-a por outro utilitário mais avançado, de “última geração”.
Em contraposição a toda demanda social está a prestação jurisdicional, lentíssima, com problemas estruturais que invocam renovação. A inflexibilidade legislativa e um sistema processual que prima pelo formalismo são aliados concretos da crise que se perpetua na atividade forense. O próprio legislador constituinte e ordinário tenta incutir essa realidade fática no ordenamento, gravando dispositivos, v.g. Emenda Constitucional 45/04 e Lei 11.232/05, que pressionam no sentido de dar mais celeridade ao rumo processual. Entretanto, alguns operadores do Direito são avessos à utilização de métodos inovadores, principalmente o eletrônico, por mero conservadorismo ou por insegurança. Tal atitude também é comum entre os que tiram proveito da morosidade do judiciário, em especial os devedores, acostumados com expedientes protelatórios que mitigam a atuação do poder de coação inerente à justiça.
O papel-moeda é coisa do passado, as pessoas vivem na era da robótica, na geração cibernética, onde os circuitos integrados transformam todo o dinheiro em mecanismo digital. Como, então, encontrar meios de obstar a disponibilidade do capital instantâneo que ora encontra-se aplicado em uma instituição financeira e momentos depois pode estar em qualquer outro lugar? Antes da implementação do aplicativo que possibilita o apresamento eletrônico de valores essa pergunta não tinha resposta e o Poder Judiciário via-se à margem do desenvolvimento tecnológico. O início da utilização da penhora eletrônica, máxime em se tratando de execução trabalhista, é um marco processual, inegavelmente.
Com vista a desentravar o processo, de uma forma geral, e desavolumar o trabalho dos cartórios e secretarias judiciárias, surgem procedimentos simplificados que utilizam ferramentas conhecidas, como é o caso da internet. Nessa conjuntura desenvolveu-se a penhora eletrônica, que, acompanhando o desenvolvimento da tecnologia, é precursora da adaptação do poder judiciário à realidade atual das trocas de informações digitais e das ágeis transações virtuais.
Como acontece com qualquer novidade a que se alia o processo, sempre surgem discussões acerca da legalidade, formalidade e conveniência dos procedimentos adotados. A par disso, e em detrimento do programa que permite a realização da penhora eletrônica, insurgem-se alguns doutrinadores e estudiosos do Direito. Entretanto, a apreensão on-line deve ser enfocada como instrumento de harmonização do Poder Judiciário com a modernidade e percebida como uma forma de reduzir o denso volume de expedientes que tramitam nessa instituição, trazendo uma nova forma de satisfação executiva, célere e eficaz. Assim, este artigo, polemiza e traz conclusões a respeito dessa ferramenta que se encontra à disposição dos juízes como uma válvula de escape à pressão de que são alvos pela dificuldade em realizar a atividade executiva.
Além disso, quando se entra com uma ação, seja qual for a matéria a ser tratada, o que se busca é a satisfação do direto e, quando diz respeito a valores a serem recebidos, em especial no que se refere a créditos de natureza alimentícia, espera-se que seja rápida. A penhora eletrônica vem contribuir com a movimentação processual de maneira a tornar mais ágil o retorno ao credor do que lhe é legalmente devido, pois a sentença sem um instrumento coercitivo capaz de promover o direito proclamado obscurece ainda mais a imagem da Justiça e intensifica o sentimento de impunidade.
Histórico da constrição eletrônica
Numa busca incessante de promover maior celeridade à tramitação processual, o legislador há muito vem fazendo adaptações normativas objetivando fazer com que o ordenamento jurídico acompanhe a dinâmica social e o desenvolvimento tecnológico, aproveitando-se dos recursos disponíveis na progressiva conjuntura científica. Já em 1994, os artigos 170 e 417 do CPC foram modificados pela lei 8.952, claramente com o fim prático de utilização de meios eletrônicos mais eficazes para os registro dos atos processuais (MALLET, 2004). Num posterior curto espaço temporal, começou a surgir o sistema de peticionamento eletrônico, que nada mais é do que o envio de petições via internet, método que se mostra condizente com o turbilhão social moderno, devido à desnecessidade do procurador da parte se deslocar ao foro para protocolizar as peças processuais necessárias, economizando o precioso tempo do profissional.[1]
A evolução tecnológica e a rápida expansão dos recursos modernos de comunicação de informações levaram à elaboração da Lei 9.800/99 que permitiu a prática de atos processuais através de sistema de transmissão de dados e imagens tipo fac-símile ou similar – art. 1° da citada lei. Essa possibilidade deu ensejo à utilização da rede interligada de computadores para a execução algumas ordens judiciais, como, por exemplo, o envio de memorandos, ofícios e outras correspondências através do correio eletrônico. Foi nessa conjuntura, de adaptação do Judiciário à troca virtual de informações via internet, que surgiu a penhora on-line. Ocorreu que os Juízes adquiriram a prática de enviar ofícios às agências e instituições financeiras solicitando o bloqueio de valores nas contas bancárias (TEIXEIRA FILHO, 2005, 507). Esse procedimento não se mostrava eficaz devido à sua morosidade e à possibilidade do executado retirar os valores correntes antes de procedida à penhora, muitas vezes alertado pelo próprio gerente.[2]
Posteriormente, a solicitação de bloqueio passou a ser dirigida ao Banco Central do Brasil – BACEN, que repassava a ordem judicial às instituições financeiras. A adoção desse procedimento, no entanto, além de não acelerar o bloqueio e não prevenir a prática irregular dos gerentes, começou a ser um problema para o próprio BACEN que do ano de 1992 para 2001 saltou de 15.000 para 80.000 solicitações de bloqueio e, na época, a previsão para 2002 era de 90.000 requerimentos.
Assim, tendo em conta a rápida expansão da prática do bloqueio de valores e a previsão da Lei 9.800/99, em maio de 2001 o STJ e o Banco Central do Brasil, utilizando-se da velocidade peculiar da transmissão eletrônica de dados, mormente pela propagação da internet, assinaram convênio que previa a possibilidade dos juízes federais e estaduais efetuarem bloqueio de eventuais valores constantes de contas correntes dos executados em ações que tramitavam nessas duas esferas do judiciário (SOARES, 2004). O sistema, no entanto, inicialmente foi utilizado com bastante parcimônia, até que em março de 2002 o Tribunal Superior do Trabalho – TST entabulou convênio com as mesmas características, o qual foi denominado Bacen Jud, que, posteriormente, viria a ser conhecido como penhora on line. O objetivo era tornar mais ágil a execução dos créditos líquidos existentes nas reclamatórias trabalhistas e, conseqüentemente, diminuir a quantidade de ações em trâmite.
Apesar do convênio ter sido firmado em 2002, a implantação do sistema foi efetuada somente em 2003, depois da divulgação do provimento n° 01/2003 da Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho – CGJT, assinado em 25 de junho do mesmo ano. O referido convênio veio regulamentar a utilização e a uniformização do emprego do sistema, o que tornou possível a inserção do programa nas varas trabalhistas. Com a publicação do provimento 01/2003 (ANEXO I), foi deflagrada a utilização em larga escala do programa na esfera trabalhista. Isso ocorreu em função dos artigos 1° e 5° do referido regramento, a seguir transcritos:
Art. 1° – Tratando-se de execução definitiva, o sistema Bacen Jud deve ser utilizado com prioridade sobre outras modalidades de constrição judicial.
[…]
Art. 5° – Os Juízes devem abster-se de requisitar às agências bancárias, por ofício, bloqueios fora dos limites de sua jurisdição, podendo fazê-lo apenas mediante o sistema Bacen Jud.[3]
A regulamentação foi, a princípio, muito criticada, sendo inclusive objeto de Ação Direta de Inconstitucionalidade – tema de análise posterior – mas é inegável que principiou a condução do Judiciário Trabalhista à utilização uniforme do processamento eletrônico de bloqueio e irrompeu a otimização e aproveitamento prático do aplicativo, trazendo efetividade à execução trabalhista.
Como toda ferramenta de processamento de dados, a primeira versão do Bacen Jud carregava alguns inconvenientes relativos ao processo, como o bloqueio da conta em detrimento dos valores específicos e o embargo de várias contas correntes simultaneamente. Essas inadequações operacionais deram ensejo a juízos depreciativos por parte de estudiosos do Direito, que se colocavam contra a penhora feita mediante uso desse meio eletrônico, em virtude da notória prejudicialidade causada aos devedores que se viam, não raro, impedidos de movimentar suas aplicações financeiras.
Foi, então, levando em consideração que eventual falha do sistema não leva à necessária conclusão de sua falência total, que exsurgiu o Bacen Jud 2.0, trazendo profundas modificações que, suplantando as expectativas, prostraram grande parte das alegações contrárias, derrubando os respectivos fundamentos e fixando, em definitivo, a utilização do sistema de bloqueio eletrônico no Judiciário Brasileiro. O Bacen Jud 2.0 também foi firmado através de convênio técnico-institucional entre o TST e o Bacen e este e o STJ em setembro de 2005, vindo a fazer parte, na mesma época, do projeto o Superior Tribunal Militar, que assinou o convênio em 23 de setembro de 2005. Junto à nova versão do programa, entrou em vigor o provimento 06/2005, da CGJT, que instituiu as normas para o uso daquele. Em abril do corrente ano a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho consolidou seus provimentos e no novo diploma dedicou um capítulo inteiro à regulamentação da utilização do sistema Bacen Jud.[4]
A tendência mundial de adequação dos métodos tradicionais ao uso de sistema computadorizado é fomentada pela globalização da informação, num processo cibernético de integração e abstração da noção de tempo, com o envio, processamento e resultado quase que automático dos dados necessários à execução de qualquer atividade. Isso considerado, mostra-se pouco inteligente, ou melhor, totalmente incongruente com a realidade atual, que o Poder Judiciário continue preso a métodos arcaicos de consecução dos fins processuais para os quais é movimentado. Hoje se tem notícia de que o projeto de lei n° 5828/2001 dispõe sobre a informatização do processo judicial como um todo. Obviamente que a informatização dos procedimentos forenses em nada deve espantar a sociedade, já habituada à movimentação frenética das inovações tecnologias que muito evoluíram num curto espaço de tempo.
Denominação e conceito
A conceituação do tema discutido engloba o conhecimento da correta utilização da nomenclatura atribuída ao instituto. Em princípio, ressalta-se que a utilização da expressão ”bloqueio de contas bancárias” é incorreto em virtude do objetivo da medida ser os valores constantes das contas correntes, não estas propriamente ditas. Assim, se o correntista dispõe de um montante financeiro de R$ 10.000,00 (dez mil reais) e a ordem de bloqueio versar sobre R$ 7.500,00 (sete mil e quinhentos reais), os R$ 2.500,00 (dois mil e quinhentos reais) restantes poderão ser livremente movimentados, até porque o obstáculo à disposição da quantia total caracterizaria excesso de execução.
Isso considerado, vale lembrar do repúdio em geral observado nos estudiosos da língua portuguesa, da veiculação de expressões americanas em nosso vocabulário. Além daqueles, os próprios catequizadores jurídicos apontam na impropriedade do termo penhora on-line porque, apesar de usual, visto a invasão dos termos estrangeiros em nossa língua oficial, é termo próprio da área de informática e traduz-se na interligação de computadores com o objetivo de trocas automáticas de dados. A Juíza Odete Grasseli do Estado do Paraná, em obra recentemente publicada pela editora LTr, exemplifica algumas expressões que podem ser utilizadas em substituição, como penhora eletrônica (chamamento adotado nesta pesquisa), penhora pela rede, penhora virtual e penhora em juízo (2006, p. 43).
Entretanto, a impropriedade da denominação penhora on-line vai além da lingüística pátria ou da nomenclatura técnico-jurídico, pois já está se consolidando o entendimento de que on-line ou eletrônico é o meio pelo qual a penhora é efetivada, porquanto o sistema Bacen Jud é a ferramenta utilizada pelo Juízo para a obtenção de informações e solicitação de bloqueios via internet. Manuel Antônio Teixeira Filho considera o instrumento como uma providência antecedente à penhora, nesse sentido, assevera: “[…] Sob esse aspecto, é possível classificar-se o bloqueio como modalidade sui generis de medida cautelar inominada, devota ao êxito do processo de execução.” (2005, p. 508).
Destarte, obstada a disponibilidade do numerário atingido, é prudente que o Juiz converta o bloqueio em penhora. Essa convolação formal mostra-se sensata em função do bloqueio não representar figura própria do ordenamento jurídico brasileiro, sendo essencial ao cumprimento do regramento processual a comutação, pois o instituto normativo previsto é a penhora (artigos 882 e 883 da CLT e 659 a 658 do CPC), sob pena de estar-se contrariando o dispositivo constitucional que garante o devido processo legal (TEIXEIRA FILHO, 2005, p. 508).
Levando em conta que a penhora visa à individualização patrimonial onde incidirá a execução, pode-se concluir que a penhora eletrônica é o procedimento executório que particulariza o numerário pertencente ao devedor, sobre o qual se desdobrará a sanção, sendo concretizado através de bloqueio de valores por meio do sistema Bacen Jud.
Versões do Bacen Jud: procedimento prático
Nas duas versões do Bacen Jud, percebem-se diferenças substanciais, vindo a segunda forma do programa a compor as principais incorreções da primeira versão, que apesar de funcional era menos eficiente no que diz respeito à comunicação do ato e a resposta das instituições bancárias.
Bacen Jud 1.0
Na primeira versão do programa, o magistrado determinava o bloqueio eletrônico e a ordem era repassada pelo Banco Central às instituições bancárias, que por sua vez bloqueavam os valores e informavam aos Juízos através de ofício (de papel). Residia aí o primeiro inconveniente dessa versão: o conhecimento do magistrado acerca da efetiva realização do bloqueio dependia da resposta manual dos bancos, o que podia alargar o tempo do procedimento executório. Posteriormente, o juiz determinava a expedição de ofício solicitando a transferência dos valores para a instituição financeira oficial do Juízo. Essa impropriedade poderia agravar ainda mais a morosidade do procedimento, pois a diligência dependia da movimentação cartorial da unidade judiciária. Incontinênti à ordem de transferência, os valores excessivos eram automaticamente desbloqueados.
As desvantagens da primeira versão, como exposto, eram essencialmente quanto ao tempo de execução, pois entre a ordem de bloqueio e a resposta dos bancos ao Juízo decorria um lapso temporal em que valores em mais de uma conta poderiam ficar bloqueados sem necessidade e com prejuízos à parte executada. Por vezes, era o bloqueio noticiado nos autos pela própria parte, na busca da obtenção do desbloqueio com maior rapidez.
Bacen Jud 2.0
A principal vantagem assinalada pelo Bacen Jud 2.0 diz respeito à diminuição do lapso temporal estabelecido entre o envio da determinação de bloqueio, a resposta à ordem e a resolução do magistrado quanto à ação a ser tomada em cada apresamento on-line. O processamento do Bacen Jud 2.0 ocorre da seguinte maneira: o Juiz determina, eletronicamente, o bloqueio do numerário (obviamente, até o limite do crédito exeqüendo) e aguarda o prazo de 48 horas (prazo máximo para a disponibilidade do retorno), vindo acessar as respostas das instituições financeiras após o decurso desse prazo, também via internet, e comunica a resolução, on-line, da ação que deve ser executada pelo banco, que gira essencialmente entre a transferência ou desbloqueio do valor. Notadamente, o novo procedimento reduz drasticamente o lapso temporal entre a ordem de determinação e a de transferência do valor.
Pressupostos da penhora eletrônica
Por ser largamente utilizada na esfera trabalhista, a doutrina já estabelece os pressupostos de admissibilidade (emissão e concretização do bloqueio) da penhora eletrônica. A construção dos pressupostos foi elaborada por Manuel Antônio Teixeira Filho (2005), e diz respeito especialmente à penhora eletrônica laboral. Nessa seara, cabe ressaltar que as especificidades da processualística celetária atribuem natureza diversa às hipóteses de aplicação da diligência ora estudada, mormente frente ao estado de hipossuficiência do trabalhador.
Pressupostos para a emissão da ordem de bloqueio
O primeiro pressuposto para a emissão da ordem de bloqueio concerne à execução definitiva. A determinação de bloqueio não será admitida em sede de execução provisória. A tese tem fulcro na fragilidade do título temporário, sujeito a modificações futuras, na previsão do artigo 1° do provimento 01/2003 da CGJT e na OJ n. 62 da SBDI-II do TST, a seguir transcrita:
MANDADO DE SEGURANÇA, PENHORA EM DINHEIRO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA. Em se tratando de execução provisória, fere direito líquido e certo do impetrante a determinação de penhora em dinheiro, quando nomeados outros bem à penhora, pois o executado tem direito a que a execução se processe da forma que lhe seja menos gravosa, nos termos do art. 620 do CPC. (TEIXEIRA FILHO, 2005, p. 511-512)
A legitimação do bloqueio on-line depende da inobservância, por parte do devedor devidamente citado, da ordem preferencial estabelecida para a nomeação de bens no artigo 655 do CPC, ou que tenha aquele deixado de indicar bens passíveis de penhora. A atitude consiste no segundo pressuposto da emissão do bloqueio, qual seja, a fiel atenção do devedor à ordem de nomeação de bens à penhora.
Pressupostos para a concretização do bloqueio
São os requisitos que devem ser observados para a condição de regularidade do bloqueio. A proporcionalidade deste é conseqüência do preceito de que a penhora não deve exceder os limites do título executivo, sendo pressuposto a regular perfectibilidade do ato judicial que culmina na penhora, sob pena de configurar excesso de execução, com possibilidade de posterior invalidação do procedimento desmedido.
Como remédio à desproporcionalidade, apresenta-se, em sede de execução trabalhista, o agravo de petição, não se olvidando a possibilidade de manuseamento do mandado de segurança, em situações de urgência, “[…] a fim de ajustar-se o tanto da penhora ao quanto necessário à satisfação integral do processo de execução.” (TEIXEIRA FILHO, 2005, p. 513).
A utilidade do bloqueio é outra condição de concretização da diligência. A penhora, e por conseqüência o bloqueio, devem ser úteis à satisfação do direito do credor, não podendo subsistir, por exemplo, o bloqueio de quantia irrisória, inábil a suprir sequer o pagamento das custas processuais (aplicação do artigo 659, § 2° do CPC).
O último requisito imposto à fidedignidade da constrição eletrônica refere-se à convolação do bloqueio em penhora. Por tratar-se de instituto diverso da penhora, o bloqueio deve ser convertido a fim de que se resguarde a garantia constitucional esculpida no artigo 5ª, inciso LIV da Carta Magna, qual seja, a do devido processo legal. A situação é semelhante ao arresto de bens previsto no art. 653 do CPC que para justificar a expropriação deve se converter, formalmente, em penhora.
Especificidades da penhora eletrônica em sede de processo civil
Contrariamente à utilização da penhora eletrônica na Justiça do Trabalho, nas esferas federal e estadual, no que se refere a processo civil, ela é empregada com bastante parcimônia. Conquanto o convênio tenha sido primeiramente assinado entre o BACEN e o STJ, foi pelas vias processuais trabalhistas que a concepção se disseminou. Contudo, vê-se que, paulatinamente, o ideal de uma ação judicial mais célere vai se infiltrando nos preceitos processuais e as vantagens da utilização dessa ferramenta evidenciam uma forma de obtenção desse objetivo, da mais alta aspiração dos operadores do direito.
No entanto, os pressupostos para o deferimento do bloqueio de numerário em contas bancárias dos executados, no que se refere à execução civil, são bem diferentes dos vistos em relação à matéria processual trabalhista. A jurisprudência demonstra uma inclinação a somente deferir a medida após terem sido exauridos todos as outras possibilidades de obtenção dos valores almejados pelo exeqüente. Assim, a parte interessada deve promover as diligências que estão ao seu alcance, primeiramente, para alcançar a satisfação de seu crédito e somente não logrando êxito nas buscas extrajudiciais é que será possível a concessão do bloqueio de valores.[5]
A orientação jurisprudencial dessa forma de utilização da ferramenta em estudo tem alicerce, primeiramente, no resguardo da intimidade da pessoa do executado, que seria violada com a ruptura do sigilo bancário. Assim, em conformidade com o dispositivo constitucional que garante a proteção à privacidade, o bloqueio efetivado pela expedição de ofício eletrônico ao Banco Central, que, conforme se deduz do entendimento em análise, configuraria quebra do segredo bancário, somente seria efetuado como medida extrema, devendo, portanto, serem esgotados os meios extrajudiciais de obtenção da garantia da execução.[6]
Em sede de execução fiscal, o artigo 185-A, acrescentado pela Lei Complementar n° 118/05, do Código Tributário Nacional corrobora a tese esboçada nas decisões em comento. Transcreve-se a seguir o dispositivo:
Art. 185-A. Na hipótese de o devedor tributário, devidamente citado, não pagar nem apresentar bens à penhora no prazo legal e não forem encontrados bens penhoráveis, o juiz determinará a indisponibilidade de seus direitos, comunicando a decisão, preferencialmente por meio eletrônico, aos órgãos e entidades que promovem registros de transferência de bens, especialmente ao registro público de imóveis e às autoridades supervisoras do mercado bancário e do mercado de capitais, a fim de que, no âmbito de suas atribuições, façam cumprir a ordem judicial. (grifei).
Destarte, somente com a inexistência de outros bens aptos a garantir a execução é que se encontra fundamento para granjear o bloqueio dos valores, seja por meio manual ou eletrônico. Inclusive, uma outra característica que difere a utilização do Bacen Jud na esfera cível da trabalhista é o fato dos magistrados não estarem compelidos ao manuseio do programa, tratando-se apenas de uma faculdade, podendo o Juiz, que entende ser mais acertado, enviar os ofícios manualmente, como se fazia antes da implementação do aplicativo.[7]
Isso não ocorre na Justiça do Trabalho devido à publicação do provimento 01/2003 da CGJT, que unificou o procedimento de emissão de ofícios às instituições bancárias somente por via eletrônica, através do sistema BACEN JUD (artigo 5° do citado provimento).
Recursos à medida
Cabe ressaltar que, em se tratando de penhora, presume-se a ciência do devedor acerca da instauração do processo executório, que se traduz na citação, no caso de execução de título extrajudicial, ou notificação para pagamento, após a liquidação trabalhista. No novel processo sincrético, o procedimento é instaurado por iniciativa do credor, presumindo-se estar ciente o executado desde o trânsito em julgado da decisão judicial.
Está consolidado o entendimento de que o meio adequado para resistir a esse tipo de constrição judicial é os embargos à execução – que pode ser impetrado mesmo antes da notificação ou intimação formal – no prazo de cinco dias previsto no art. 884 da CLT para o procedimento trabalhista, ou de dez dias de acordo com o art. 669 do CPC, tratando-se de execução de título extrajudicial. Na execução de sentença regulada no Livro I do CPC a medida é a Impugnação, e o prazo de quinze dias, conforme disposto no novel art. 475-J, §1°.
A notificação de ciência do bloqueio é essencial para estabelecer o contraditório, como se percebe, porque nem sempre o correntista faz movimentações bancárias freqüentes. Entretanto, se o titular da conta tomar conhecimento do bloqueio por outro meio, poderá, desde já, interpor, querendo, a competente oposição, como já exposto. O excesso de penhora pode ser extirpado por meio de agravo de petição, no que concerne à execução trabalhista, ou por agravo de instrumento no processo civil, que também é o recurso cabível no caso de indeferimento do requerimento de penhora eletrônica.
Há que se considerar, ainda, a hipótese do manejo do mandado de segurança, remédio constitucional destinado a coibir ato ilegal de autoridade, e excepcionalmente admitido contra os judiciais quando não passíveis de recursos próprios, visto que a impetração do mandamus não é aconselhável quando há recurso específico para oposição. Ainda, quando a constrição incidir sobre valor não pertencente ao executado, há a possibilidade de manuseio de Embargos de Terceiro. Vislumbra-se como exemplo o caso de penhora incidente em conta conjunta.
Impenhorabilidade aplicável à medida
Dentre os bens impenhoráveis previstos no artigo 649 do CPC, figuram alguns inatingíveis pelo apresamento eletrônico, em especial os previstos nos incisos II, IV, VII, que o tornam inaplicável, devendo a indisponibilidade ser relaxada. Sucede que quando da expedição ordem judicial, o magistrado desconhece a proveniência dos recursos constantes das contas correntes, o que pode levar à penhora de pensões, proventos de aposentadoria, salários e outras rendas destinadas ao sustento pessoal e familiar do executado. Comprovada a origem dos recursos e configurada sua impenhorabilidade cabe ao juiz ordenar o levantamento da penhora (SOARES, 2004, p. 1466).
Para a caracterização da impenhorabilidade do valor bloqueado é indispensável evidenciar-se o vínculo que relaciona o numerário objeto do apresamento e a origem do depósito. Nesse sentido, em fundamentação exarada em decisão do Tribunal Superior do Trabalho, manifesta-se o Ministro Ives Gandra Martins Filho:
No que concerne à penhora de salário, em que pese haver nos autos declarações de empresas atestando que os Impetrantes naquelas trabalham e delas recebem salário (fls. 158-184), não diligenciaram os Recorrentes em instruir a ação com documentação apta (v.g., extratos bancários) a comprovar que os recursos penhorados nas contas constituem saldo de salário, o que impede a concessão da medida.[8]
Deve, destarte, restar comprovado o nexo causal entre o saldo obstado e a proveniência salarial do mesmo, para assinalar a possibilidade de cancelamento do bloqueio. Mas cabe ressaltar que há julgados que, dependendo do valor dos proventos, consideram a impenhorabilidade relativa. Foi o caso do acórdão proferido pela 3ª Turma do Tribunal do Trabalho da 3ª Região que manteve a penhora sobre os proventos de aposentadoria de sócio que comprovadamente alienou vultuoso patrimônio, sem revelar o destino de mais de R$ 620.000,00, e agravou de petição para que fosse determinada a impenhorabilidade de seus proventos. A decisão considerou lícita a penhora realizada “[…] face ao espírito da lei e à maneira desonrosa como o Agravante tenta usá-la como elmo eficaz […]”[9]
Além disso, o salário é penhorável para pagamento de prestação de alimentos, que pode ser assegurada com desconto em folha de pagamento, levantando-se mensalmente o valor da verba alimentícia (SILVA, 2005, p. 830).
Críticas ao sistema Bacen Jud e à penhora eletrônica
É de conhecimento geral o descrédito em que sucumbiu o Judiciário, mormente no que diz respeito à execução de suas decisões. Essa circunstância constrange de forma irreparável a boa fama do poder que cuida de aplicar o que é justo e é agravada por um sistema legislativo que prima pelo formalismo, fazendo com que as estruturas forenses nunca consigam acompanhar a velocidade de evolução das relações interpessoais e a propagação da tecnologia.
No que diz respeito exclusivamente à fase executória, sua robustez é proporcional ao tempo dispensável à consecução de seus objetivos. Isso quer dizer que quanto mais se alastra o lapso temporal para a percepção do direito demandado, mais difícil se torna encontrar meios de satisfazê-lo. Obviamente que isso não é uma regra, entretanto observa-se que, na maioria dos casos, a parte credora encontra obstáculos intransponíveis, como a inexistência de bens penhoráveis, a atitude da maioria dos devedores que sempre encontram meios de frustrar a execução, os métodos evasivos e protelatórios, esses constantes da própria legislação, cheia de direções, remédios processuais, formas de impugnação, tudo isso em prol do devido processo legal, da obediência ao princípio da menor onerosidade, ampla defesa, contraditório, entre outros preceitos já arraigados na prática forense.
O formalismo processual é campo fértil para procrastinar a solução do litígio, atento a isso o legislador ordinário previu formas de obstar a maldosa intenção de certas partes que criam métodos fugidios para retardar o pagamento do valor em execução. Exemplo dessa prevenção ao intento nocivo de alguns devedores, está contido nos artigos 17 e 18 do CPC, que prevêem, respectivamente, formas e multa a litigância de má-fé, que reverterá à parte prejudicada da relação processual (artigo 35 do CPC).
Contudo, observa-se que é mais angustiante a demora na satisfação da tutela executiva quanto mais frágil é o pólo exeqüente. No processo laboral é notório o desnivelamento econômico entre empresa e empregado, o que não quer dizer que essa desproporção jurídica não exista na esfera cível. São bons exemplos as questões que envolvem o direito do consumidor e a execução de alimentos, que, apesar de muitas vezes não haver superioridade econômica de qualquer das partes, sempre estará em desvantagem o alimentando que não percebe periodicamente os recursos indispensáveis ao seu sustento. Sobre o assunto manifesta-se com acerto Luiz Guilherme Marinoni (apud Grasseli, 2006, p. 22):
O tempo do processo angustia os litigantes; todos conhecem os males que a pendência da lide pode produzir. Por outro lado, a demora processual é tanto mais insuportável quanto menos resistente economicamente é a parte, o que vem a agravar a quase que insuperável desigualdade substancial no procedimento. O tempo, como se pode sentir, é um dos grandes adversários do ideal de efetividade do processo.
Nesse compasso, a contrapartida é favorável a parte devedora, que ganha com a dilatação do prazo de desenvolvimento da execução, seja em função do adiamento do pagamento, seja em função dos juros aplicados às causas judiciais serem infinitamente inferiores aos praticados no mercado financeiro. Foi assim que, acostumados com a lentidão do judiciário, sublevaram-se os devedores quando tiveram os valores de suas, tão resguardadas, contas correntes bloqueados pelo Bacen Jud. A par de sua efetividade, principiou-se, sobretudo pelos adeptos ao pólo passivo da execução, uma enxurrada de críticas, oposições severas, censuras e opiniões contrárias ao sistema que, tão logo se iniciou foi, de pronto, objeto de projeto de lei que defendia seu fim.
O projeto de lei n° 2.597/03, de autoria do Deputado César Bandeira (PFL-MA), procurava restringir extremamente a utilização da penhora on-line, que somente seria manejada restando comprovado que por nenhum outro meio o credor veria garantida a execução. Temerosos de que o sistema fosse abolido, conjugaram esforços o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil e o Tribunal Superior do Trabalho para a manutenção da ferramenta. Por fim, em 26 de maio de 2004, o citado esboço legal foi rejeitado, por onze votos a três, pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviços Públicos da Câmara dos Deputados. (SOARES, 2004).
Com relação aos pontos de divergência ao programa em questão, eles orbitam entre a constitucionalidade, aplicabilidade, legalidade e operacionalidade da ferramenta eletrônica. Algumas dessas polêmicas, vale dizer, foram sanadas com o lançamento da segunda versão do Bacen Jud, outras, por serem concernentes à matéria constitucional e algumas discussões teóricas, ainda carecem de convergência de opiniões e dividem os pontos de vista dos doutrinadores. Como pôde ser visto, o próprio judiciário não utiliza forma uníssona de emprego do aplicativo.
Da (in)constitucionalidade do Bacen Jud/Provimento 01/2003
Um ponto de ataque ao procedimento aqui discutido diz respeito à sua teórica inconstitucionalidade. A pretensa transgressão às disposições da Magna Carta sustenta-se porque o instituto violaria os dispositivos constitucionais que resguardam a intimidade e a vida privada das pessoas através da quebra do sigilo bancário. Outrossim, ao editar o Provimento 01/2003, a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho teria extrapolado sua competência e adentrado nas prerrogativas que seriam do Legislativo, o que redundaria em outra inconstitucionalidade. Ademais, a utilização do Bacen Jud, necessariamente, infringiria a previsão de vários princípios legais e processuais, aos quais dedica-se parcela específica do estudo.
Sobre a quebra do sigilo bancário
As atividades financeiras, historicamente, têm como fundamento o sigilo das transações. Essa cultura é instintiva da natureza humana, pois a sociedade em geral sempre preferiu manter discrição quanto a suas posses, “[…] Quando não for pra evitar o aguçamento das pretensões do Fisco, será, pelo menos, para não provocar sentimentos nocivos nos inferiormente dotados de bens […]” (ABRAHÃO apud ZANGRANDO). Um exemplo do reflexo desse substrato na modernidade é a característica inata às sociedades empresarias que, em geral, mantêm em segredo as alcunhas de seus sócios.
Sem delongas, nota-se que a proteção à privacidade, principalmente no que diz respeito ao patrimônio individual, é inerente à própria coletividade e essa convenção consuetudinária é alicerce da proteção à intimidade na presente sociedade. Na legislação constitucional o resguardo à privacidade e ao segredo de dados é previsto nos incisos X e XII do artigo 5°, vale dizer que o sigilo bancário é espécie do gênero sigilo de dados. No Brasil, o tema da guarda das informações bancárias foi tratado, primeiramente, pela Lei 4.595 de 1964 e pela Resolução 469 do Banco Central do Brasil, que já previam que somente seriam fornecidos os dados através de requerimento judicial. Hoje o regramento aplicável é o previsto na Lei Complementar n° 105 de 2001, que regula totalmente a matéria
Com base nessas disposições legais, uma das primeiras linhas de pensamento contrárias ao Bacen Jud sustenta o fato de seu uso quebrar o sigilo bancário do devedor, o que violaria a proteção à privacidade e aos dados individuais prevista constitucionalmente. A ofensa se daria visto que o juiz teria acesso pleno às contas do executado e tornaria seus dados cadastrais de conhecimento público, em função dos ofícios bancários juntados aos autos conterem informações que seriam essencialmente sigilosas. A questão motivou a interposição de Ação Direta de Inconstitucionalidade pelo Partido da Frente Liberal (PFL) perante o STF, contra o Bacen e o TST, que recebeu a numeração 3.091 e tem como Relator o Ministro Joaquim Barbosa. A ação pende de julgamento.
Em concernência à especulação acima, torna-se imperioso destacar que o Juiz não tem acesso ao saldo e às movimentações bancárias do executado ao protocolar a solicitação de bloqueio. Além disso, os valores a serem bloqueados já estão pré-determinados na liquidação, não havendo falar em quebra, já que o numerário embargado ou versará sobre o quantum debeatur, que é público, ou sobre o saldo positivo da conta, quando inferior ao quantificado no processo. Ademais, a expedição de ofícios pelos bancos era característica da primeira versão do Bacen Jud, na variante 2.0 do programa a resposta das instituições financeiras é feita eletronicamente e, portanto, não há divulgação dos dados cadastrais do correntista.
Não obstante, para resguardar o direito ao sigilo bancário dos devedores, todos os ofícios e outros tipos de petições que informem dados relevantes ou venham a ferir a intimidade e a vida privada do executado, no que diz respeito à configuração da quebra de sigilo bancário, passaram a tramitar em autos apartados, em segredo de justiça. Essa foi a solução encontrada por algumas Varas Trabalhistas, para não contrariar os preceitos constitucionais e o artigo 3° da LC 105/01. Como exemplo cita-se a Portaria 01/2005 da Segunda Vara do Trabalho de Rio Grande, que adotou o procedimento, restringindo o acesso a qualquer dado que possa configurar a quebra do sigilo bancário às partes e procuradores.
Deve ser levado em consideração que a já referida lei complementar torna clara a obrigatoriedade das instituições financeiras em fornecerem as informações solicitadas pelo Judiciário (artigo 1°). Contudo, apesar do dispositivo assecuratório da privacidade financeira, “[…] a proteção constitucional do sigilo não deve servir para detentores de negócios não transparentes ou de devedores que tiram proveito dele para não honrar seus compromissos.” (MORAES, 2005, p. 62).
Na mesma linha de pensamento registra Odete Grasseli (2006. p. 68)
No tocante ao sigilo bancário, registre-se, desde logo, que é inoponível quando se trata de salvaguardar os interesses do Poder Judiciário no sentido de velar pela efetividade de suas decisões tanto quanto amparar o credor. Logo, jamais haveria permissão para que essa garantia […] pudesse inviabilizar, de alguma forma, direta ou indiretamente, a concretização da efetividade da tutela jurisdicional, máxime quando são facilmente vislumbráveis artimanhas processuais de naturezas protelatórias ou fugidias dos devedores […]
Obviamente que é vedado aos magistrados a incursão nas contas bancárias dos devedores com o intuito de obter informações que não dizem respeito à execução, sob pena de violação das garantias constitucionais concernentes à inviolabilidade da vida privada (ZANGRANDO, 2002). Isso, no entanto, não ocorre no processamento de informações pelo sistema Bacen Jud, porque o acesso dos juízes é restrito à existência de contas correntes de titularidade do devedor e de saldo capaz de satisfazer o direito do credor.
Os argumentos aduzidos em contrariedade ao sistema do Bacen Jud no que diz respeito à quebra do sigilo bancário, tornam-se mais frágeis ainda levando-se em consideração que o fornecimento de dados no tocante à existência/ inexistência de crédito disponível não é capaz de configurar a tal violação. Senão vejamos a decisão exarada pelo Ministro Milton Luiz Pereira do Superior Tribunal de Justiça (apud ZANGRANDO, 2002, p. 1090):
A mera informação sobre a existência de conta bancária do devedor, sem que se cogite do conhecimento acerca da movimentação ativa e passiva dessa conta, bem como dos serviços bancários prestados ao correntista, não configura violação ao sigilo bancário imposto pelo Artigo 38 da Lei 4595/64.
Portanto, o fundamento de alegação da inconstitucionalidade da penhora eletrônica tangente a privacidade do devedor é totalmente falho, seja porque a garantia é relativa, ou porque não configura sua transgressão, seja porque já foram tomadas medida práticas para determinar a restrição ao acesso de tais dados às partes e procuradores.
Da extrapolação legislativa
A Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pelo Partido da Frente Liberal (n° 3.091) tem entre suas postulações a declaração de inconstitucionalidade do Provimento 01/2003, pois a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho teria contrariado o art. 22, inciso I, da Constituição que reserva competência à lei federal para tratar de processo e, ainda, violado a independência dos poderes. Essa argumentação também é base de Ação Direta de Inconstitucionalidade impetrada pela Confederação Nacional de Transportes. Os autos dessa ação, de n° 3203, da qual o Ministro Joaquim Barbosa também é relator, foram apensados aos daquela, em 28/05/2004, em função do seu objeto ser mais abrangente.[10] Como já abordado, o STF ainda não se manifestou acerca da inconstitucionalidade da penhora eletrônica, contudo, já foi protocolizado parecer do Procurador Geral da República, Cláudio Fontelles, pela improcedência da ação, em defesa de um modelo de eficácia a ser seguido, e que, portanto, não há inconstitucionalidade na medida (MARTINS, 2004, p 1319).
Na realidade, a Corregedoria Geral da Justiça do Trabalho em nada inovou no Provimento 01/2003, já que a penhora de dinheiro é instituída pelo CPC (Art. 655, Inc. I) o que ela fez foi apenas regulamentar um sistema eletrônico otimizado, já instituído através de convênio anteriormente firmado entre o TST e o Bacen, perfeitamente comparável a um procedimento muito conhecido das execuções judiciais. Ocorria, e ainda ocorre em algumas unidades judiciárias não adeptas do convênio, que o Juiz, após o prazo de nomeação dos bens por parte do devedor, ou no caso de serem os bens nomeados recusados pelo credor, ao saber da existência de créditos a favor do executado, mandava penhorá-los diretamente na instituição bancária. Entretanto, o conhecimento da disponibilidade dos valores e dos dados imprescindíveis à efetivação da penhora dava-se através de elementos fornecidos pelo exeqüente, de informações solicitadas aos Bancos, ou poderia dar-se por informações obtidas pelo oficial de justiça, que se dirigia às instituições bancárias, procedimento que se mostrava deveras moroso e sem efetividade, já que o gerente da conta dispunha de tempo para alertar seu cliente a sacar os valores disponíveis (MANUS, 2005, p. 73)
O Bacen Jud veio efetuar exatamente esse método, só que de modo eletrônico, muito mais ágil e econômico, sem a burocracia comum nas expedições de mandados de penhora. Resta então a dúvida acerca dos motivos que levaram à impetração da Ação Direta de Constitucionalidade somente com a implementação do programa Bacen Jud, já que o procedimento, relevando-se a questão temporal, pouco se difere da diligência realizada anteriormente por oficial de Justiça. Certamente, a notória presteza proporcionada pelo programa despertou o furor dos devedores, que se viram frente a uma ferramenta de inegável eficácia e sem precedentes no processo como um todo.
Da inobservância dos Princípios Processuais
Englobando ainda matéria constitucional, a utilização da penhora eletrônica iria de encontro aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa. Outrossim, refutaria os aforismos processuais da menor onerosidade e imparcialidade do juiz. Analisa-se, então cada um deles, entretanto é inevitável lembrar anteriormente que, apesar da suposta contrariedade às citadas máximas, a penhora eletrônica prima pela celeridade e economia processual, que também são preceitos processuais, aquela prevista constitucionalmente, a partir da edição da emenda 45/04, e esta já sabida e de evidente conhecimento dos operadores do direito (vide item 1.4.1).
Acerca especificamente da penhora trabalhista on-line, encontra a ferramenta alicerce no princípio protetor, que, ponderando a real insuficiência econômica do trabalhador, cria-lhe uma situação jurídica favorável. Esse conflito de preceitos gera os questionamentos subseqüentes: como harmonizar brocardos jurídicos que se contradizem? E ainda: como equilibrar os axiomas com a contextualização da sociedade moderna? Nessa contenda, vêem-se os aplicadores da lei em situação de optar pelo axioma que mais se adapta ao caso concreto, e, acima de tudo, atentar para o fato da opção escolhida condizer com a atual dinâmica social, pois as relações interpessoais é que ditam como se aplica o direito, mais que isso, o costume é fonte jurídica, não podendo as decisões judiciais ser incongruentes com a realidade efetivamente vivida na coletividade. Assim, manifesta-se Gustavo Garcia (apud GRASSELLI, 2006):
[…] para a peculiaridade da penhora obtida por meio da utilização dos recursos da eletrônica, não se pode aceitar a aplicação literal, a bem dizer “cega”, de preceitos defasados da era contemporânea e que já não correspondem às urgências da vida atual, sob pena de completa ineficácia do sistema jurídico, que se tornaria absolutamente inoperante na presente era da automação tecnológica.
Com relação ao manejo do sistema do Bacen Jud deve o julgador submeter sua decisão à contraposição dos princípios vigentes e ainda à dinâmica social da pós-modernidade.
Devido processo legal, contraditório e ampla defesa
Uma arbitrariedade apontada pela doutrina como vício explícito da penhora eletrônica é a contrariedade aos princípios do contraditório e da ampla defesa que se apresentam como corolários do devido processo legal. A crítica baseia-se na pretensa supressão de fases executórias que prejudicaria, em especial, o direito de defesa do executado. A adução, contudo, é desprovida de fundamento lógico, primeiramente em se tratando do fato do contraditório eventualmente ter de sujeitar-se a outros princípios em prol da efetividade do processo. É o que ocorre na concessão de liminar inaudita altera parte, que consente na relatividade do princípio em comento, apesar da obrigatoriedade de dar-se, posteriormente, à parte adversa, oportunidade de opor resistência. (THEODORO JÚNIOR, 2005, p. 25).
Sem embargo, a ampla defesa e o contraditório são axiomas que se mostram mais adequados à etapa cognitiva, porquanto o exeqüente assume na fase de satisfação do seu direito uma posição de superioridade jurídica, pois nesse estágio processual busca-se realizar o comando do título executivo.[11] Contudo, o direto de defesa pode ser exercido através dos embargos à execução, ou impugnação, mantendo pleno o princípio do contraditório, mesmo em se tratando de penhora eletrônica. Para tanto, é necessária a intimação do executado para ciência do bloqueio e exercício da faculdade.
Salienta-se que os procedimentos relativos à penhora eletrônica são os mesmos da penhora propriamente dita e, portanto, previstos nos diplomas processuais civil e trabalhista (CARDONE, 2005, p. 176). Quanto ao direito do devedor ao contraditório e à ampla defesa, exarou o Dr. Estevão Mallet, em artigo publicado na revista eletrônica do Tribunal Superior do Trabalho (2004): “[…] Processo legalmente devido não é apenas o que permite ao réu defender-se adequadamente, mas sim aquele que, além disso, permite ao autor obter a satisfação efetiva de sua pretensão, quando ela for pertinente.”
Assim, a efetividade da prestação jurisdicional, aperfeiçoada com a penhora dos valores devidos, não é a negação do devido processo legal ao réu, mas o desenvolvimento lógico da ação que visa à satisfação do que foi concedido ao autor da ação.
Imparcialidade do juiz
Essa crítica à atuação do magistrado é restrita à execução trabalhista. Isso porque o juiz agiria de ofício, determinando o bloqueio de valores em contas bancárias do executado através do sistema Bacen Jud, sem necessidade de manifestação nesse sentido por parte do credor. Ora, é sabido o caráter de proteção que se propaga no processo trabalhista. O impulso ex ofício, característica própria da execução laboral, não se restringe a apenas instaurar o procedimento executório, compreendendo também a faculdade de do juiz impulsioná-lo, na qualidade de condutor do processo instituída pelo artigo 765 da CLT. Esse dispositivo atribui ao julgador a capacidade para determinar diligências tendentes à localização de bens do devedor durante a fase expropriatória (GRASSELI, 2006, p. 61).
Gize-se que depois de instaurado o trinômio processual (autor-juiz-réu) o andamento do processo passa ser interesse do Estado, que busca a solução do litígio para fornecer a segurança jurídica indispensável ao bem comum. Portanto, mesmo em se tratando de processo civil, o impulso oficial promove a movimentação processual, sem que isso caracterize a aproximação de uma das partes.
Menor onerosidade
O último argumento, dos aqui discutidos, contra o sistema Bacen Jud é que ele contraria o princípio que determina que a execução deve dar-se da forma menos gravosa ao devedor (Art. 620 do CPC), pois a penhora eletrônica seria medida muito severa, podendo causar prejuízos irreparáveis.
Apesar do sistema da penhora on-line ter apresentado problemas que poderiam, de certo modo, onerar excessivamente o executado, a sua estrutura foi aprimorada para que isso não mais ocorresse, fato concretizado pela nova versão do Bacen Jud, a 2.0. Além disso, apesar de oferecer esse risco de prejuízo ao devedor, a constrição eletrônica se mostra um método célere para satisfação dos créditos havidos no título executivo, em especial dos créditos trabalhistas, considerados de natureza alimentar pela Constituição Federal (Art.100, §1°-A). Assim, sem embargo do princípio da menor onerosidade, ele não pode basear motivação para a não satisfação de créditos judiciais líquidos, quando há recurso para a sua quitação.
A oposição levantada com base na máxima aqui estudada, ex vi do artigo 620 do CPC, despreza a ordem constitucional que procura garantir aos litigantes um processo razoavelmente célere, como alhures exposto. Outrossim, põe de lado a questão da economia processual, notoriamente cumprida com a utilização de bloqueio eletrônico, que suprime inúmeros incidentes processuais que soem a fase expropriatória (avaliação, diligências para a conservação dos bens penhorados, alienação judicial, etc) que estigmatizam a satisfação do credor e contrariam, per se, o contido no artigo 612 do CPC, que propende o processamento da execução no interesse do credor (TEIXEIRA FILHO, 2005, p. 518).
Deve considerar-se, ademais, que existem várias formas do devedor evitar a excussão de seus bens, iniciando-se pelo fato de estar sempre o processo propenso à conciliação das partes. Além disso, transitada em julgado a sentença o devedor poderá depositar o valor correspondente à sanção e dar fim à demanda ou impetrar o competente recurso (embargos à execução ou impugnação).
Ainda, para dar ensejo à proteção do devedor, o próprio sistema Bacen Jud possui válvula de escape ao bloqueio indiscriminado de valores, podendo o executado cadastrar uma conta específica onde incidirá a irrupção eletrônica. A possibilidade foi prevista primeiramente no provimento 03/2003 da CGJT, posteriormente revogado pelo provimento 06/2005 da mesma entidade, e hoje consta no artigo 58 da Consolidação dos Provimentos da CGJT. Portanto, é prudente que empresas que figuram comumente no pólo passivo da execução cadastrem uma conta específica onde serão realizados os bloqueios, o que não elide o apresamento de outras aplicações no caso de não haver, na conta cadastrada, saldo suficiente a cobrir o valor exeqüendo (artigo 59 dos Provimentos consolidados). Notícias recentes dão conta de que mais de 1.600 empresas têm contas castradas no sistema Bacen Jud (BACEN JUD …, 2006).[12]
Outras críticas ao sistema
Outras críticas são lançadas pela doutrina em desfavor ao sistema da constrição eletrônica, entre elas são abstraídas características que envolvem questões de técnica processual (incompetência de dado Juízo penhorar valores em outra comarca), operacionalidade do sistema (excesso de execução – penhora do mesmo valor em mais de uma conta corrente) e inclusive questões sociais (razoabilidade no bloqueio para que a diligência não seja determinante da inviabilidade do bom funcionamento de empresas e outros estabelecimentos).
A questão da incompetência
Um dos aspectos que foram lançados de encontro à penhora eletrônica é atinente à questão da jurisdição. A resistência é alicerçada no fato do bloqueio ser realizado, freqüentemente, fora da área de competência territorial do Juízo que emitiu a ordem. A atual jurisprudência, no entanto, tem entendido que a indisponibilidade do numerário, porventura, efetivada em extensão diversa da de origem não ofende as regras concernentes à jurisdição. Isso porque o procedimento é on-line e o Banco Central funcionaria como “grande carteiro” e a internet serviria de “longa manus”, efetivando o bloqueio em agência localizada em área de competência diversa da que perpetrou o ato tendente à constrição, através do posto bancário submetido à sua jurisdição (GRASSELLI, 2006, p. 14). Contra o argumento oposicionista, aduz, ainda, a doutrina que o contrato de depósito é feito entre o Banco e o correntista e não entre este e a agência (GRASSELLI, 2006, p. 63).
A penhora por carta precatória não é cabível na espécie, o expediente seria um tributo à burocracia nesse caso, pois não são necessárias diligências para avaliação e alienação judicial. Demais, contrariaria, em absoluto, os princípios da celeridade e economia processual, alargando a desmoralização do poder judiciário. O parágrafo 5° do artigo 659 do CPC já havia sido incluído pela Lei 10.444/02, evitando a expedição de precatória para penhora de imóvel localizado em outra comarca, podendo o bem ser constrito por simples termos nos autos, no próprio Juízo executório.
Excesso de execução
A primeira versão do Bacen Jud continha um vício inegavelmente prejudicial ao executado. Ocorria que, ao ser determinado o bloqueio, o mesmo valor poderia ser obstado em mais de uma conta bancária, o que caracteriza excesso de execução, e o desbloqueio do numerário tinha um procedimento mais lento, privando o devedor de dispor do montante excessivo ao quantum debeatur. A versão 2.0 do programa sanou esse problema e agilizou o processamento dos dados de envio/resposta acerca da ordem e bloqueio/desbloqueio de valores, que agora é efetivado no prazo máximo de 48 horas, conforme regulamento do programa.
Nesse prazo de 48 horas, no entanto, pode ocorrer do valor bloqueado ser excessivo ao montante da dívida, o que não fornece procedência ao fundamento do excesso de execução, isso porque a simultaneidade é característica do aplicativo, não implicando em penhoras sucessivas, mas da unicidade peculiar à constrição judicial, que objetiva, notoriamente, obter apenas o necessário a satisfazer o direito do exeqüente e demais despesas processuais (GRASSELLI, 2006, p. 65).
Razoabilidade consoante à penhora da renda/capital de giro de empresas e outros estabelecimentos.
É inegável a função social que a empresa exerce na coletividade em virtude da geração de empregos, por isso, sempre que possível deve ser preservada. Inclusive, as alterações na lei de falências e concordatas visaram, com base nesse caráter societário, introduzir na legislação meios de recuperação e preservação da atividade empresarial (PATAH, 2005).
O bloqueio indiscriminado de valores em contas correntes da empresa causaria um abalo irrecuperável em sua atividade, comprometendo a estabilidade da sociedade comercial, ao incidir sobre o respectivo capital de giro. A atitude, considerada desmedida, poderia inviabilizar o bom funcionamento empresarial, colocando em risco o emprego dos trabalhadores e o adimplemento das dívidas. Fazendo-se uma analogia à impenhorabilidade da renda necessária à subsistência da pessoa física, pode-se dizer que o capital de giro é a renda necessária ao sustento da pessoa jurídica, pois destinada ao pagamento dos salários, fornecedores, tributos e outras despesas (DE FREITAS, 2000, p. 712).
Realmente, os salários dos empregados não podem ser penhorados diretamente para garantir a execução movida contra o empregador, forte no artigo 649, II do CPC. No entanto, a penhora indireta, realizada sobre o valor que serviria para o pagamento dos trabalhadores não é ilegal, máxime quanto à execução trabalhista, de cunho alimentar e indenizatório, porque o ex-empregado tem preferência na percepção das verbas salariais quando comparado ao atual empregado (DE FREITAS, 2000, p.712). Registre-se que a grande maioria das reclamatórias trabalhistas é movimentada por obreiros que já se desvincularam da empresa-reclamada.
Quanto aos débitos empresariais, especificamente tributos, em sede de execução trabalhista o argumento é falho face ao superprivilégio do crédito laboral previsto no artigo 186 do Código Tributário Nacional, que prefere ao fiscal (MARTINS, 2006, p. 661).
A composição do impasse quanto à manutenção da penhora nesses casos deve levar em conta a conjuntura circunstancial da empresa, visando ao bom senso e equilíbrio na decisão. Não deve a resolução inviabilizar a atividade societária a ponto de colocar o estabelecimento comercial à margem do desenvolvimento econômico ou de produção
O apresamento de valores das instituições hospitalares exprime transparentemente o dever do magistrado de aplicar a medida razoavelmente, considerando as peculiaridades de cada situação. No que respeita a referida circunstância, a captura dos valores, dependendo da quantia, poderia impossibilitar a aquisição de medicamentos, comprometendo o tratamento e até a sobrevivência dos pacientes. Nesse particular uma boa saída é determinar um valor fixo e razoável para bloqueio sucessivo mensal até a satisfação total do valor executado. Translada-se decisão do TRT da 21ª Região adequada à questão:
Demonstrado pela parte impetrante, especialmente, no caso, que a conta corrente bloqueada continha verbas oriundas de contratos de prestação de serviços de saúde pública, afigura-se permissível, excepcionalmente, a incidência do art. 620 do CPC, em detrimento da aplicação da regra do art. 655 do mesmo código, afastando-se a perpetuação da ofensa ao direito líquido e certo da impetrante. Segurança concedida, de forma parcial, para limitar o bloqueio, como fundamentado.[13]
Observa-se que o juiz deve ser sensível ao aplicar a medida, atentando para as características fáticas do caso concreto. Teixeira Filho (2005, p. 520) comenta que na atuação do magistrado existe uma linha tênue que separa o arbítrio da arbitrariedade e o respeito a essa linha é um dever fundamental ao exercício jurisdicional e ao bom senso que deve ser inerente a sua função.
Conclusão
A história longínqua do processo de execução é exemplo da injustiça que sofria o devedor nas mãos de seus credores, que dispunham de seu corpo e liberdade, como se o dever de realização do débito, perpetrado na obrigação, personificasse a divindade no sujeito detentor do direito. A humanização das relações sociais, entretanto, passou a exercer de forma efetiva no ordenamento jurídico uma tendência a dignificar a figura do devedor que deixou de ser achincalhado para ocupar um espaço protegido na envergadura das relações processuais. Observam-se que as movimentações sociais clamavam por essa benevolência no exercício de atos tendentes a realizar o valor em débito.
Essa prática influenciou e influencia na atualidade o desenvolvimento processual cognitivo e executório, que prevê inúmeros recursos, formas de oposição, impugnação e resistência do devedor, além de brocardos próprios que orientam a atividade jurisdicional, tudo em prol do devido processo legal, ampla defesa e contraditório e para evitar atitudes abusivas inclinadas ao exercício arbitrário das próprias razões. Entretanto, essa boa intenção na elaboração dos diplomas processuais fez do ordenamento jurídico um conjunto complexo e intrincado de normas que, aliadas a um sistema legislativo rígido e lento, propiciam uma segurança jurídica enublada pelo temor de não se ver, efetivamente, realizado o direito.
Em contraposição ao emaranhado de soluções procedimentais estéreis e à lentidão da prestação jurisdicional tangente à tutela executiva, encontra-se a impaciente sociedade moderna. Os costumes hodiernos imprimiram um frenético ritmo de vida às pessoas. A efemeridade das relações sociais passou a ser regra e a ligeireza na conclusão dos negócios uma necessidade. Observa-se, pelo exposto, que assim como na época da rigorosidade excessiva dos antecedentes históricos da execução se clamava por mudança e abrandamento do poder coercitivo, as circunstâncias cotidianas modernas rogam por uma evolução processual mais célere e eficaz, em congruência com o turbilhão atual da sociedade.
O mundo evolui, a população aumenta muito em curto lapso temporal, e proporcionalmente a ela a demanda jurisdicional, exacerbando os cartórios e secretarias, agravando assim a crise da Justiça que parece imortalizada nos diplomas legislativos do século passado que mais parecem colchas de retalhos. O Poder Judiciário não pode e não deve resistir ao progresso, desvirtuando o rumo processual do avanço científico. A boa técnica processual envolve, outrossim, o aproveitamento das ferramentas arrojadas disponibilizadas pela evolução tecnológica. O sistema jurídico não pode simplesmente ignorar os avanços suscetíveis de utilização e continuar preso a práticas obsoletas que são manifestamente ineficazes em comparação à imensa gama de possibilidades lançadas ao devedor que exortam-no a inadimplir sua obrigação.
Visível é o fato de que a rede mundial de computadores é amplamente empregada em todas as esferas sociais, em todas as instituições, sejam públicas ou privadas. Dessa forma, não é cabível que logo a instituição que cuida de aplicar o que é justo, deixe de se utilizar dessa ferramenta eletrônica e continue a se valer de métodos arcaicos para impor suas decisões. A verdade é que a penhora on line torna ágil e eficaz a prestação jurisdicional, produzindo efeito imediato e automático sobre as tutelas concedidas. Os problemas antigamente havidos, no que diz respeito à efetivação da penhora sobre dinheiro, foram, de certo modo, solucionados por esse sistema inovador, e não se pode negar o fato de que, apesar das resistências, ele adapta o Poder Judiciário à globalização das informações via internet.
A problemática lançada sobre o sistema Bacen Jud, é notório, visa à proteção de partes que, utilizando-se dos recursos existentes na legislação, tomam atitudes processuais meramente protelatórias, o que faz com que o Judiciário e suas decisões sejam alvo de descrédito. Entretanto, pode-se afirmar que, apesar da grande controvérsia existente em torno do tema apresentado, não se pode olvidar o fato de que Bacen Jud é um método célere para satisfação de créditos existentes em virtude de decisão judicial, tornando-as mais efetivas. Trata-se simplesmente da implementação de um sistema de penhora que se aproveita do avanço tecnológico para a prática de um procedimento legalmente previsto, que em nada inova, como já foi dito, mas que apenas se desenvolve e acompanha o desenvolvimento da sociedade como um todo. Assim, como qualquer pessoa faz pesquisas, transações e aplicações de qualquer computador interligado à internet, não parece coerente que o Judiciário não proceda da mesma forma, e continue utilizando-se dos mesmos procedimentos de séculos anteriores, se dispõe de um meio mais rápido e econômico como se mostra o sistema Bacen Jud.
A versão 2.0 do Bacen Jud aprimorou as distorções da forma anterior do programa, derrubando muitos vícios apontados pela doutrina. As soluções proporcionadas pela informática, no entanto, não são suficientes à organização sistemática legislativa e judiciária. O método empregado para a garantia do Juízo através da penhora eletrônica deve estar regulamentado por lei capaz de tornar uníssona a utilização da ferramenta, padronizando os procedimentos nas esferas do Poder Judiciário. Portanto, ao revés do projeto de lei apresentado para dar fim à constrição on-line, a elaboração de um esboço legal para a implementação do sistema de forma uniforme estaria mais harmonizado com as relações sociais e interpessoais vividas hoje.
O ordenamento específico promanado do legislativo poderá fazer com que o Bacen Jud passe a integrar toda e qualquer execução judicial e ser utilizado em larga escala. A penhora on-line, assim, poderá devolver ao judiciário a credibilidade perdida, em função dos métodos ultrapassados de que dispõe para efetivar suas decisões, fazendo dele uma instituição que condiz com atualidade.
Informações Sobre o Autor
Lorena Dutra Dornelles Severino