A pessoa jurídica como sujeito passivo do dano moral

1. INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar a possibilidade jurídica das pessoas morais serem sujeitos passivos do dano moral. Tal assunto, embora já pacificado na Doutrina e Jurisprudência nacionais, merece atenção pelo fato do aumento do número de entidades jurídicas que buscam reparação por lesões aos seus bens imateriais nos Tribunais do país. Portanto, o assunto torna-se palpitante devido às opiniões de alguns que ainda não aceitam tal construção doutrinária.

 Desta forma, por meio da pesquisa bibliográfica, o trabalho ora realizado procurará esclarecer tal questão. Para tanto, o estudo será dividido em duas partes: na primeira, buscar-se-á analisar o conceito de dano moral bem como a sua reparabilidade. Na segunda, enfocar-se-á, então, a possibilidade da pessoa jurídica ser sujeito passivo do dano moral bem como as prerrogativas e os direitos destes entes que poderão dar ensejo para a busca de uma indenização pelas lesões morais praticadas contra as pessoas morais.

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2. CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES

Antes de adentrar na questão principal deste trabalho, ou seja, se há possibilidade  de indenizar a pessoa jurídica por danos morais, faz-se mister considerar brevemente alguns aspectos, como o conceito de dano moral e a sua reparabilidade.

2.1. CONCEITO DE DANO MORAL

A Doutrina mostra-se bastante dividida quando procura conceituar dano moral. Alguns autores analisam o dano moral a partir da sua repercussão sobre o patrimônio do ofendido (Teoria Eclética), sendo assim tal lesão somente poderia ser indenizável se originasse reflexos nos bens patrimoniais do lesado.

AGUIAR DIAS, influenciado por MINOZZI, acredita que o dano moral deve ser analisado como […] o efeito não patrimonial da lesão de direito e não a própria lesão abstratamente considerada”, conforme argumenta MENEZES DIREITO em apelação encaminhada ao TJRJ (apud VARGAS, 1998, p. 16).

Outros  há que  caracterizam o dano moral  como uma lesão a bens extrapatrimoniais, ou seja, sempre que o dano provocado pelo ofensor atingir bens imateriais sem reflexos ou prejuízos materiais, o dano será reputado moral, conforme argumentam MAZEAUD E JOSSERAND (apud DEDA, 2000, p. 3). Contudo, para outros doutrinadores tais concepções não seriam satisfatórias, pois ficariam presas aos efeitos das lesões jurídicas quando o que deveria importar, na realidade, seria a natureza do direito violado.

Percebe-se, portanto a dificuldade enfrentada pelos doutrinadores em conceituar  satisfatoriamente o que seja  dano moral, visto que é necessário levar em consideração não apenas critérios subjetivos (lesão a bens imateriais, como a honra, a dignidade humana, entre outros), mas também critérios  objetivos, como  a possibilidade da  lesão  repercutir  nos  bens materiais ou patrimoniais do lesado.

Portanto, para melhor elucidar tal questão é preciso distinguir dano patrimonial do dano moral. O primeiro seria a lesão que implicaria numa diminuição dos bens patrimoniais, ou na aquisição e usufruto destes, havendo assim um dano material, ou seja, nas palavras de PONTES DE MIRANDA (1959, p. 24) “[…] dano patrimonial […] consiste em perda, destruição, deterioração, ou deturpação, ou perda parcial” de bens materiais que geram o menoscabo do patrimônio do ofendido.

Os danos puramente morais, contudo, visam à proteção dos bens imateriais, dos direitos personalíssimos do ser humano, ou conforme VARGAS (1998, p. 17): “[…] são aqueles que produzem dor sem repercussão no patrimônio presente ou futuro do lesado ou independentemente dessa lesão”. Não quer se dizer com isso que de um dano moral não possa advir conseqüências na esfera patrimonial do lesado, isto pode ocorrer e muitas vezes acontece. Quando ocorre tal repercussão nos bens materiais, em função do dano moral puro, diz-se que houve um dano patrimonial indireto.

Nota-se, assim, que toda vez que uma pessoa sofre prejuízos em sua órbita moral ou patrimonial, necessitará ela ser ressarcida pelo dano sofrido, pois ocorreu uma violação aos valores que são protegidos pelo Direito. Portanto, toda lesão cometida quer contra a personalidade, quer contra o patrimônio alheio, é um dano reparável, pois se origina na prática de um ato ilícito ou no exercício de atividades perigosas e será necessário restabelecer o status quo ante (BITTAR, 1993, 26).

Desta   forma, o  dano   moral  pode  ser   entendido, nas   palavras  de   LIMONGI

FRANÇA (apud DEDA, 2000, p. 81) como “[…] aquele que, direta ou indiretamente, a pessoa física ou jurídica, bem assim a coletividade, sofre no aspecto não econômico dos seus bens”, dano este que pode ou não repercutir na esfera patrimonial do lesado.

 Embora a pessoa jurídica não sinta dor ou não detenha certas prerrogativas inerentes à pessoa física (como o direito à dignidade humana), certamente ela possui determinados direitos da personalidade que também podem sofrer ataques e que, portanto, devem ser protegidos, o que será discutido na segunda parte deste trabalho. 

2.2. REPARABILIDADE DO DANO MORAL

Do que foi dito até aqui, percebe-se que os danos podem ter reflexos sobre o conjunto de bens patrimoniais ou morais dos entes personalizados, sendo que as conseqüências serão diversas: quando as lesões causadas atingem o patrimônio, os prejuízos pertencerão à ordem econômica; quando atingem direitos personalíssimos trarão constrangimento, desconforto, dor física ou psíquica, entre outras sensações desagradáveis sentidas pelo ofendido.

Assim, o dano poderá ser qualificado moral quando implicar em lesão a subjetividade da pessoa, atingindo a sua personalidade, sua consideração pessoal ou a reputação que esta tem perante a sociedade. Desta forma, toda vez que alguém pratica atos ilícitos (ações ou omissões qualificadas pelo Direito) que acarretam em ofensa  aos direitos imateriais de outrem, estará o agente obrigado a reparar o dano a que deu origem, pois feriu o princípio do neminem laedere (a ninguém ofender).

Para que um dano seja reparável, contudo, é mister que concorram os seguintes elementos: “[…] o impulso do agente, o resultado lesivo e o nexo causal entre ambos […]”, argumenta BITTAR, 1993, p. 127. Só haverá, para o autor, direito à reparação por dano moral se o agente  praticou  uma ação ou  omissão (impulso) que deu  origem a um  dano efetivo  na

esfera de bens imateriais do lesado (resultado lesivo), sendo que   este resultado deve   ocorrer

em função da conduta do agente (nexo causal). Se assim não for, não há que se falar em  dano

moral reparável.

Portanto, o fundamento da reparabilidade do dano moral encontra-se no fato de que, além do conjunto de bens patrimoniais, “[…] o indivíduo é titular de direitos integrantes de sua personalidade, não podendo conformar-se à ordem jurídica em que sejam impunemente atingidos”, argumenta VARGAS (1998, p. 21). E ela está com a razão, pois se os direitos personalíssimos não forem protegidos, certamente abrir-se-ão brechas no sistema jurídico para todo e qualquer tipo de arbitrariedades, tanto é assim que não somente no Direito Civil os direitos imateriais são tutelados. Na órbita Penal, a calúnia e a difamação, independente de gerarem danos econômicos, são puníveis, assim como a ofensa à integridade física (art. 129), ao sentimento religioso (art. 208), entre outros, que, na opinião do ilustre PONTES DE MIRANDA (1959, p. 32), geram dano moral, não necessitando, contudo, de lesão a bens patrimoniais para se configurarem.

Sendo assim, ao admitir-se o direito à reparação por danos morais, busca-se a manutenção da ordem constituída, a reconstituição da esfera jurídica do ofendido, por recomporem-se ou compensarem-se os danos causados, bem como punir o lesante pelas lesões infligidas, fazendo incidir sobre o patrimônio deste a responsabilidade pelos efeitos danosos a que deu origem (BITTAR, 1993, p.21). Essa recomposição ou composição poderá ocorrer por meio de indenização pecuniária ou por meios outros que possibilitem ao ofendido retornar, totalmente ou de maneira aproximada, ao status quo ante.

Naturalmente, houve doutrinadores que não admitiam a possibilidade de indenizar os danos morais, sendo o argumento principal o enriquecimento ilícito do ofendido e a imoralidade da compensação da dor com dinheiro. Entretanto, no Direito brasileiro já não  existe tal controvérsia e é pacífica a doutrina que admite a viabilidade jurídica de  indenização

por dano moral.

Já dizia PONTES DE MIRANDA, em  seu  Tratado de Direito  Privado  (1959, p.

32): “[…] Os autores que exprobram à indenização do dano moral o ser indenização, pelo dinheiro, do que é dano pela dor, física ou psíquica, não atendem a que não é a dor, em si, que se indeniza, é o que a dor retira à normalidade da vida, para pior, e pode ser substituído por algo que o dinheiro possa pagar”.

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Logo, quando um indivíduo aciona o ofensor para que lhe indenize ou compense um dano moral que lhe provocou, não está o autor querendo locupletar-se às custas do outro, nem imoralmente comerciando com a dor que sente, mas sim buscando a reparação que o fato danoso causou a um direito seu, independentemente desta compensação dar-se por pecúnia ou outros meios que restabeleçam a situação anterior.

No Direito brasileiro há várias leis que regulam a reparação do dano moral, merecendo destaque a Constituição Federal, no seu artigo 5º, V e X, que reza:

Art..5º: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:[…]

V – é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além da indenização por dano material, moral ou à imagem; […]

X – são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua  violação.

Tutela-se, com o dispositivo acima, não só o dano moral subjetivo (prejuízos afetivos inerentes à pessoa humana), mas também o dano moral objetivo (referentes aos direitos da personalidade) (SILVA, p. 190) e que, por conseguinte, ensejam reparação por danos morais à pessoa jurídica, conforme será analisado a partir deste momento.

3. A PESSOA JURÍDICA COMO SUJEITO PASSIVO DO DANO MORAL

Os homens, desde a muito, procuram conjugar forças para poderem alcançar determinados fins sociais e econômicos que não conseguiriam se os perseguissem individualmente. Desta forma, visando a persecução destes objetivos, passaram a reunir-se através de entidades públicas ou privadas que, com o decorrer dos tempos e através de construções doutrinárias no campo do Direito, adquiriram uma personalidade apartada dos seus membros fundadores.

Sendo assim, embora sua existência dependa da manifestação de vontade dos indivíduos que a compõe, a lei atribui à pessoa jurídica, a partir do registro de seus atos constitutivos, uma personalidade jurídica que torna tal ente capaz de adquirir direitos e obrigações a fim de que ela possa alcançar os fins sociais e econômicos que persegue.

Percebe-se, então, que os entes personalizados, sejam públicos ou privados, também são titulares de direitos que devem ser resguardados pelo ordenamento jurídico para que as pessoas jurídicas não sejam impedidas de buscar os objetivos a que se propõem.

Portanto, cabem as perguntas: Que direitos seriam estes? Englobam apenas interesses patrimoniais? Caso não se restrinjam a interesses econômicos, os direitos conferidos à pessoa jurídica podem sofrer ofensa moral, tornando-a parte legítima para postular indenização por danos morais? Tais questões serão alvo da análise que se segue.

3.1. PRERROGATIVAS E DIREITOS DA PESSOA JURÍDICA

As pessoas jurídicas, enquanto entes abstratos, carecem de sentimentos tais como a dor física ou psíquica, o desconforto ou sensações desagradáveis causados por algum abalo em sua moral ou em seu ânimo, pois tais emoções são inerentes as pessoas naturais. Logo, os entes personificados sofrem limitações em decorrência do fato de serem ficções criadas pelo Direito, não podendo, assim, sofrer danos à sua integridade física ou psíquica.

No entanto, embora o fim precípuo do ente jurídico seja econômico (interesse patrimonial), ele também possuirá interesses outros que poderão ser considerados “espirituais” ou não-patrimoniais. Pode-se concluir então que a pessoa jurídica também possuirá direitos da personalidade, em função da personificação que sofre em decorrência da lei. Desta forma, deve-se reconhecer o direito do ente personificado ao seu bom nome, à honra, a propriedade industrial, etc., pelo fato de que estes não são conferidos única e exclusivamente ao ser humano.

Ora, não é absurdo conferir a um ente abstrato o direito à honra, visto que este pressupõe auto-estima, um sentido de dignidade pessoal, sentimentos que somente o ser humano pode sentir? Analisando tal direito sob um prisma subjetivo, poder-se-ia asseverar que sim, que seria difícil acreditar que a pessoa jurídica, ente que não possui sentimentos, possa ser detentora do direito à honra.

Entretanto, ao analisar a honra num plano objetivo, percebe-se que tal direito da personalidade pode ser conferido aos entes personificados. DE CUPIS (apud AMARANTE, 1994, p. 56) alega que a honra deve ser entendida como:

– o valor moral íntimo do homem;

– a estima dos outros, a consideração social, o bom nome ou a boa fama;

o sentimento ou consciência da própria dignidade” (O grifo é nosso).

Destarte, nota-se que a honra possui um aspecto objetivo (a consideração social, o bom nome ou boa fama) que uma pessoa física ou jurídica pode gozar ante a sociedade de que faz parte. Será a honra objetiva, ou seja, a reputação social, da pessoa jurídica que necessitará ser protegida pelo Direito. Necessário se fará, também, proteger o direito à propriedade industrial, ou o direito autoral, dos entes fictícios, pois o uso indevido dos seus produtos por outrem poderá acarretar danos ao seu bom nome, além de danos patrimoniais.

Assim, serão as lesões aos direitos da personalidade que provocarão o dano moral nas pessoas jurídicas. Em que pese o fato destas serem ficções, seria incoerente o sistema legal conferir-lhes personalidade jurídica e não lhes fornecer a devida tutela quando sofrerem ataques aos seus direitos extrapatrimoniais, a saber, o direito ao nome, o direito autoral e a honra, esta entendida num sentido objetivo, conforme o exposto acima. Assim argumenta SILVA (p. 190), ao dizer: “[…] Se há direitos inerentes ao fato de se ter personalidade jurídica, como as pessoas morais também a tem, decorre disto terem as mesmas direitos de personalidade que, quando lesados, ensejarão a indenização por danos morais”.

Entretanto, a reparabilidade por danos morais às pessoas jurídicas encontra alguns opositores na doutrina, embora estes sejam minoria.

Alegam estes que o ente moral não pode sofrer danos morais pois estes pressupõem uma dor, física ou psíquica, uma sensação desagradável advinda da ofensa praticada contra a pessoa, sendo tais sentimentos ínsitos ao ser humano. Por conseguinte, haveria a impossibilidade de lesão moral contra a pessoa jurídica, devido ao fato de que ela não é passível de sentir tais sensações que decorrem dos “bens da alma”, da “capacidade afetiva e sensitiva” do ser humano, conforme assevera WILSON MELO DA SILVA (apud DEDA, 2000, p. 80).

E  não é   somente na   Doutrina que é posta   em dúvida a   possibilidade de   dano

moral contra a pessoa jurídica. O Exmo. Ministro EDUARDO RIBEIRO, em Recurso  Especial ao STJ, argumenta, após mencionar a dificuldade de conceituar dano moral, que:

Parcela significativa da doutrina, procurando um conceito positivo de dano moral, afirma que esse ocorre quando resulte uma sensação dolorosa, física ou psíquica, ou mesmo a privação do prazer. Claro está que, isso admitido, a pessoa jurídica não teria como sofrer dano moral. Os que sustentam possa ser ela sujeito passivo de tal dano partem da consideração de que, se a pessoa jurídica carece de sentimentos, não havendo cogitar honra subjetiva, tem, entretanto, o que se costuma chamar de honra objetiva, ou seja, a boa reputação, o bom nome. […] Para que se admita o ressarcimento da agressão à chamada honra objetiva da pessoa jurídica, consistente em sua boa reputação, será mister isolar o ataque à reputação, desconsiderando o que disso advenha. Mais, importa desprezar por completo se resultou alguma lesão. Sem isso perquirir, entretanto, não será possível verificar se existe dano a reparar. Permito-me insistir. A reputação de uma pessoa jurídica merece proteção porque o bom nome propicia melhor relacionamento e credibilidade, levando a que possa auferir lucros. A perda dessa poderá acarretar, por conseguinte, dano econômico. De outro lado, o injusto sacrifício da boa fama, conforme as circunstâncias, será fonte de sofrimento, não para a pessoa jurídica, evidentemente, mas para seus dirigentes. Se nada disso ocorreu, não haverá dano a ressarcir, podendo-se concluir, com Agostinho Alvim, não se saber ‘em que consistirá esse dano moral, que nem é dor, nem prejuízo’ (LEX,121/172,173) (STJ – RE 147.702 – 3ª Turma – Rel. Ministro Eduardo Ribeiro- DJ, 05.04.1999).

Note-se que, no Recurso acima mencionado, o voto do ilustre ministro foi vencido e, portanto, concedeu-se indenização por danos morais à pessoa jurídica por ser ela capaz de sofrer lesão em sua honra objetiva. Além do que, conforme exposto na primeira parte deste trabalho, o dano moral independe de repercussão no conjunto de bens patrimoniais do lesado para configurar-se, pois visa tutelar bens imateriais, que também podem sofrer ofensas sem gerar menoscabo ao patrimônio do ofendido.

Um outro dado desconsiderado no voto acima é que nem todas as pessoas jurídicas possuem fins econômicos, como ocorre nos casos de entidades pias, religiosas, morais, científicas, fundações, entre outras, elencadas no art. 16, inc. I do CC. Neste caso, os fins perseguidos são principalmente sociais e a lesão não acarretaria, necessariamente, na diminuição do patrimônio do ente personalizado, mas sim em mácula em sua reputação, em sua valorização perante a sociedade. Se o argumento do Exmo. Ministro for aceito, como reparar o dano sofrido por tais pessoas jurídicas se não houve repercussão patrimonial? Além disso, se os danos à reputação do ente personificado causam sofrimento ou prejuízo somente aos seus dirigentes, não haveria distinção entre a pessoa jurídica e os seus fundadores, como apregoa a boa doutrina.

Em função disso, se existe o reconhecimento de danos que não são econômicos,  mas que afetam a pessoa moral, é mister que se reconheça seu direito à indenização, pois a ofensa praticada contra os direitos da personalidade dos entes abstratos poderá levar a impossibilidade destes alcançarem seus fins sociais e econômicos. Sendo assim, embora  certos direitos pertinentes às pessoas físicas não possam ser estendidos às jurídicas, por causa da ligação restrita com a personalidade humana (direito ao próprio corpo, e.g.), deve-se reconhecer que as entidades personificadas possuem um conjunto de bens morais “[…] que se traduz pela reputação, idoneidade, bom nome, enfim, por todas as qualidades que traduzem um valor social. E a ofensa a essas qualidades, sob qualquer configuração que se apresente, tipifica-se, perfeitamente, como reparável pelo Direito Civil” (AMARANTE, 1994, p. 205).

Logo, a tendência atual e predominante na Doutrina, e até na Jurisprudência dos Tribunais, é a de conceder reparação por dano moral às pessoas jurídicas., visto que estas também “[…] podem sofrer atentados em aspectos pessoais e patrimoniais de seu estatuto jurídico, com reflexos na teoria em destaque, tendo como agentes pessoas físicas; jurídicas, inclusive concorrentes, e entidades outras […]”, sendo os exemplos mais comuns as confusões entre estabelecimentos, a denigração de concorrente, a divulgação de segredo industrial, entre outras, que certamente violam direitos da personalidade dos entes abstratos, gerando direito à reparação por dano moral, alega BITTAR (1993, p. 167, 168).

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Na Jurisprudência nacional, principalmente no STJ, já é pacífica  a opinião de  que a pessoa jurídica deve receber reparação por danos morais, conforme demonstram vários Acórdãos proferidos sobre o assunto, dentre eles o que se segue:

EMENTA: RESPONSABILIDADE CIVIL. DANO MORAL. PUBLICIDADE INVERÍDICA. A notícia, mesmo que divulgada pelo interessado, de que produto seu foi contemplado com a melhor avaliação em testes comparativos realizados por empresa especializada, não constitui dano moral ao concorrente, se a informação é verdadeira; mal contados os fatos, o dano moral que daí resultada é evidente, máxime se o produto desqualificado é um software, resultado de um trabalho intelectual, protegido como propriedade imaterial, em que a excelência é sempre perseguida, sendo desarrazoado pensar que, nessas circunstâncias, uma avaliação negativa em face do concorrente não tenha atingido a reputação da autora. Recurso especial conhecido e provido (STJ – RE 60.809 – 3ª Turma – Rel. Ministro Ari Pargendler – DJ 01.08.2000).

Tal decisão torna-se ainda mais efetiva em vista do enunciado na Súmula 227 do Superior Tribunal de Justiça, que reza: “A pessoa jurídica pode sofrer dano moral”. Nota-se assim a preocupação do egrégio Tribunal em emitir parecer que, além de  reverter possíveis decisões prejudiciais às pessoas jurídicas, possa apaziguar as divergências em torno do assunto em questão, propiciando a necessária tutela aos direitos da personalidade dos entes morais.

Em que pese os argumentos contrários, portanto, há que se conceder às entidades personificadas o devido ressarcimento por lesões contra seus bens imateriais, sob pena de acarretar três conseqüências danosas, na visão de LENZ (1996, p. 64,65):

A) Quando se diz que os entes abstratos não  podem sofrer ofensa   moral por   não serem passíveis de sentirem dor ou sofrimento, acaba-se por, indiretamente, negar que as pessoas jurídicas possam ser prejudicadas em seu conceito perante a sociedade, ou seja, não haveria um prejuízo a reputação social, ao bom nome da entidade, negando-se conseqüentemente a feição objetiva do direito a honra, direito da personalidade este que os entes morais adquirem por força da sua personificação.

B) Quando se argumenta que o ente abstrato somente pode ser atingido em seus objetivos econômicos não sofrendo, assim, prejuízo moral, somente pecuniário, desconsidera-se que existem entidades abstratas que não perseguem um fim econômico e que, conseqüentemente, não poderiam sofrer lesão patrimonial, como as fundações, por exemplo. Sendo assim, não haveria como proteger tais entidades de danos sofridos em razão de notícia inverídica, abalo à sua credibilidade, etc., visto que elas não têm intuito de lucro e, pois, não ocorreria prejuízo material.

C) O argumento de que os eventuais lesados sempre seriam as pessoas físicas que integram a pessoa jurídica, acabaria por negar a sua personificação, visto que não haveria uma autonomia patrimonial, gerencial e a própria personalidade jurídica da pessoa moral, distinta das pessoas físicas que a compõe, não existiria. Isto, certamente, geraria um retrocesso na doutrina do Direito Brasileiro.

4. CONCLUSÃO

Ao término deste trabalho, a autora pôde concluir que a pessoa jurídica poderá ser sujeito passivo de dano moral. Tal conclusão advém do fato de que, se o ente abstrato possui uma personalidade jurídica conferida pelo ordenamento jurídico, possuirá ela, também, direitos referentes a sua personalidade que deverão ser protegidos pela lei.

Desta forma, se dano moral consiste não apenas na lesão contra a afetividade ou a integridade física inerentes ao ser humano (aspecto subjetivo do dano moral), mas também no menoscabo à reputação, a admiração, ao conceito que a sociedade tem de determinada pessoa, seja física ou jurídica (aspecto objetivo do dano moral), obviamente que a entidade personificada poderá receber reparação pela lesão moral que sofreu, pois ela possui uma honra objetiva pela qual deve zelar, sob pena das ofensas praticadas acarretarem prejuízos na persecução dos seus fins sociais e econômicos, objetivos maiores das pessoas morais.

Não se deve imaginar, portanto, que os fins perseguidos pelas entidades objeto deste estudo seriam apenas econômicos, o que geraria apenas danos patrimoniais quando outrem praticasse ato ilícito contra as pessoas jurídicas, pois, conforme mencionado no corpo do trabalho, existem sociedades, fundações e entidades que não visam precipuamente a obtenção de lucro.

Percebe-se que os danos ocasionados não poderiam afetar economicamente tais entes abstratos. Conseqüentemente, não  haveria  reparação cabível neste caso, pois, se não há


Bibliografia

AMARANTE, Aparecida. Responsabilidade civil por dano à honra. 2  ed. Belo  Horizonte: Del Rey, 1994.

BITTAR, Carlos   Alberto. Reparação   Civil por   Danos Morais. São   Paulo: Revista   dos Tribunais, 1993.

DEDA, Artur Oscar de O. A Reparação dos Danos Morais. São Paulo: Saraiva, 2000.

http://www.jus.com.br

http://www.stj.gov.br

LENZ, Luís A.T. Flores. Dano Moral Contra a  Pessoa Jurídica. In: Revista   dos Tribunais.  Vol. 734. Ano 85, dez. 1996, p. 56-65.

LEX. Coletânea de Legislação e Jurisprudência. São Paulo: Lex Editora, 1999, nº 121.

PEREIRA, Caio Mário   da S. Instituições de   Direito Civil. Vol. I. 19   ed. Rio de   Janeiro:  Forense, 1999.

MIRANDA, Pontes   de. Tratado   de  Direito   Privado. Tomo   26. Rio de   Janeiro: Editor  Borsoi, 1959.

SILVA, Luis R.F. da. Da   Legitimidade para   Postular Indenização   por Danos   Morais. In: AJURIS, vol. 70.

VARGAS, Glaci de O. P. Reparação do  Dano Moral: controvérsias  e perspectivas. 3  ed. Porto Alegre: Síntese, 1998.


Informações Sobre o Autor

Adriane Dias Bueno

Bacharel em Direito, pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande – FURG, advogada militante, inscrita na OAB/RS sob o nº 59.256, pós-graduada no Curso “Especialização em Advocacia Geral”, pelo Centro Universitário Barão de Mauá, Ribeirão Preto, São Paulo, Brasil


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