1. O DIREITO AO TRABALHO
O direito da pessoa portadora de deficiência ao trabalho é geralmente denominado reserva de mercado. Essa reserva é estabelecida pelo art. 7.º, XXXI, da Constituição Federal (CF), que proíbe qualquer discriminação do trabalhador portador de deficiência no que tange a salário e critérios de admissão.
Para tornar efetivo o direito consagrado na CF, a Lei n. 7.853/89 dispôs que órgãos entidades da Administração Direta e Indireta devem dispensar tratamento prioritário e adequado em favor das pessoas portadoras de deficiência, no sentido de viabilizar a adoção de legislação específica que discipline a reserva de mercado de trabalho nas entidades da Administração Pública e do setor privado (art. 2.o, par. ún., III, “d”).
2. A RESERVA DE MERCADO E O MINISTÉRIO PÚBLICO
Dando seqüência ao programa estabelecido na CF e na Lei n. 7.853/89, a Lei n. 8.213/91 introduziu a reserva de mercado (ou sistema de quotas) no setor privado, nos seguintes termos:
Art. 93. A empresa com 100 (cem) ou mais empregados está obrigada a preencher de 2% (dois por cento) a 5% (cinco por cento) dos seus cargos com beneficiários reabilitados ou pessoas portadoras de deficiência, habilitadas, na seguinte proporção:
I – até 200 empregados ……….. 2%;
II – de 201 a 500 ………………… 3%;
III – de 501 a 1000 ……………… 4%;
IV – de 1001 em diante ……….. 5%.
O empregador que não cumprir os percentuais acima estabelecidos pode ser sancionado. Além da sanção administrativa (multas), os administradores ou gerentes podem ser sancionados com pena de reclusão, conforme prescreve a Lei n. 7.853/89:
Art. 8º: Constitui crime punível com reclusão de 1 (um) a 4 (quatro) anos, e multa:
[…]
III – negar, sem justa causa, a alguém, por motivos derivados de sua deficiência, emprego ou trabalho.
Existem duas hipóteses que constituem justa causa para negar trabalho à pessoa portadora de deficiência: a) falta de habilitação; b) desinteresse da própria pessoa portadora de deficiência. O percentual previsto em lei é um patamar mínimo, só depois de completá-lo é possível argüir outros tipos de justa causa.
Esse direito a certo percentual de vagas aloca-se no rol dos direitos difusos e coletivos, portanto é passível da ação civil pública prevista na Lei n. 7.853/89, que pode ser proposta pelo Ministério Público ou pelas associações afins. O Ministério Público do Trabalho e as associações comprometidas com a inclusão das pessoas portadoras de deficiência têm utilizado todas as prerrogativas legais (investigação, diálogo, inquérito e ação judicial) no sentido de fazer cumprir a reserva de vagas estabelecida na lei. Cabe destacar que, por iniciativa do Ministério Público do Trabalho e da Coordenadoria de Defesa dos Interesses Difusos e Coletivos (Codin), foram instaurados diversos procedimentos investigatórios que resultaram em acordos pelos quais os empresários se comprometeram, dentro de determinado prazo, a cumprir os percentuais de vagas previstos na lei. Ocorre, porém, que nem sempre as pessoas portadoras de deficiência estão habilitadas para assumir as vagas ofertadas pelo empregador.
3. O PROBLEMA DA HABILITAÇÃO
É certo que nem todas as pessoas portadoras de deficiência estão habilitadas para o trabalho. Cabe, portanto, ao Estado preparar essas pessoas por meio de políticas de habilitação ou programas especializados. Nesse sentido, a Lei n. 8.742/93, em conformidade com a CF (art. 203, IV), determina que uma das funções da assistência social consiste na “habilitação e reabilitação das pessoas portadoras de deficiência e a promoção de sua integração à vida comunitária” (art. 2.o, IV). Também o Dec. n. 3.298/99, que regulamenta a Lei n. 7.853/99, estabelece que a pessoa portadora de deficiência, beneficiária ou não do Regime Geral da Previdência Social, tem direito às prestações de habilitação e reabilitação profissional para capacitar-se a obter trabalho, conservá-lo e progredir profissionalmente (art. 30).
No setor privado, algumas instituições são consideradas modelos porque desenvolvem programas bem sucedidos de habilitação de pessoas portadoras de deficiência para integração no mercado de trabalho. As ações dessas instituições, que funcionam paralelamente ao Estado, têm como conseqüência um número cada vez mais expressivo de pessoas portadoras de deficiência atendidas e preparadas para exercer uma atividade. Essas pessoas vêm resgatando parte de sua cidadania por tornarem-se produtivas, tendo conhecimento de seus direitos e deveres e inserindo-se em igualdade de condições no mercado de trabalho. Dentre as instituições consideradas paradigmas, cabe destacar algumas.
Associação de Pais e Amigos de Excepcionais de São Paulo (APAE/SP)
A APAE/SP tem por objetivo prevenir a deficiência e facilitar o bem-estar e a inclusão da pessoa com deficiência mental. A APAE/SP mantém o Centro de Capacitação e Orientação para o Trabalho (CCOT), no qual as pessoas são treinadas para entrar no mercado de trabalho e desempenhar funções de acordo com sua habilidade, integrando equipes de diversas empresas. Além da capacitação direta, o CCOT também faz sensibilizações em empresas para desenvolver nelas a cultura de receber em suas equipes pessoas com deficiência.
Associação para Valorização e Promoção de Excepcionais – (AVAPE)
A atuação diferenciada e a qualidade dos serviços prestados pela AVAPE obtiveram reconhecimento internacional. Ainda como resultado do impacto social de suas ações, a AVAPE vem contribuindo para as mudanças de atitude em relação às pessoas com deficiência, estimulando e praticando o conceito de inclusão e da construção de uma sociedade para todos.
Centralização dos Serviços Bancários S/A (SERASA)
Mantém o Programa de Empregabilidade para Pessoas com Deficiência. Trata-se de um projeto inédito desenvolvido pela área de Responsabilidade Social da empresa e visa a oferecer treinamento de qualidade, para que a pessoa se torne efetivamente competitiva no mercado de trabalho. Além de serem remunerados durante o treinamento, os portadores de deficiência recebem assistência médica, odontológica, vale-refeição, vale-transporte e seguro de vida em grupo.
4. CONCLUSÃO
A Organização das Nações Unidas entende que as pessoas portadoras de deficiência ainda estão distantes da igualdade de oportunidade e seu grau de integração na sociedade está, na maioria dos países, longe de ser satisfatório. Em virtude disso, sugere as seguintes medidas de incentivo às empresas que contratam trabalhadores portadores de deficiência: a) sistema de cotas com incentivo; b) auxílio para as pequenas empresas ou cooperativas; c) contratos exclusivos ou direitos prioritários de produção; d) isenções fiscais; e) aquisições preferenciais ou outras modalidades de assistência financeira. Alerta, entretanto, que a política e as estruturas de apoio não devem limitar as oportunidades de trabalho nem constituir obstáculos à vitalidade do setor privado da economia.
membro do Grupo de Estudo O Direito e a Inclusão Social da Faculdade de Direito Prof. Damásio de Jesus, coordenado pelo Prof. Dr. Olney Queiroz Assis.
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