Resumo: Apesar de indefinível, a felicidade é algo inerente a própria natureza humana, de modo que cada um busca o que, em seu projeto de vida, o torna plenamente realizado. Porém, para busca da sua felicidade, cada indivíduo deve ter acesso ao mínimo essencial para uma existência digna, razão está que se discute a essencialidade dos Direitos Sociais para a garantia a busca da felicidade. Trata-se de teoria que visualiza no cumprimento dos Direitos Sociais pelo Estado pós-moderno o caminho que possibilita ao homem buscar a sua felicidade. Destarte, o objeto deste artigo científico é o Direito Fundamental à felicidade. Seu objetivo é verificar, com base na doutrina, os caracteres da viabilidade da garantia á felicidade como Direito Fundamental no texto constitucional. Foi utilizado o método indutivo, operacionalizado, principalmente, pelas técnicas da pesquisa bibliográfica e do referente.
Palavras-chave: felicidade; direito fundamentail; direitos sociais.
Sumário: 1. Introdução; 2. Apontamentos sobre a felicidade; 3. O Projeto de Emenda Constitucional n. 19/10: “a PEC da Felicidade”; 4. A felicidade como direito fundamental; Considerações finais; Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO
A felicidade é tema que já foi esmiuçado por muitas artes e ciências humanas, como a filosofia e poesia. Trata-se de uma noção indefinível, tamanha sua amplitude e complexidade, altera-se de pessoa à pessoa, mas é buscada por todos.
Sendo conceito individual, é dever do Estado, com a evolução das gerações de Direito, garantir o mínimo essencial para que o homem possa buscar a sua felicidade, por meio da concretização dos Direitos Sociais.
No Direito Comparado, já se encontra positivado em muitos textos legais o direito a busca da felicidade, sendo apresentado no ano de 2010, pelo então Senador da República Cristovam Buarque, um Projeto de Emenda a Constituição que altera o art. 6 da Constituição da República Federativa do Brasil para constar que os Direitos Sociais são essências a busca da felicidade.
Assim, para a elaboração deste trabalho se partiu de uma análise filosófica da felicidade, com referência a Aristóteles e a Hobbes. Seguidamente, abordou-se o Projeto de Emenda Constitucional N. 19/10, apelidada de “PEC da Felicidade”, sua proposta de alteração e justificativa.
Por fim, com base na doutrina pátria, estudou-se a felicidade por um aspecto conectivo com a concretização dos Direitos Sociais.
Destarte, o objeto deste artigo científico é o Direito Fundamental à felicidade. Seu objetivo é verificar, com base na doutrina, os caracteres da garantia á felicidade como Direito Fundamental no texto constitucional.
Foi utilizado o método indutivo, operacionalizado, principalmente, pelas técnicas da pesquisa bibliográfica e do referente.
2. APONTAMENTOS SOBRE A FELICIDADE
O Dicionário Houaiss conceitua a felicidade como a qualidade ou estado de feliz; estado de uma consciência plenamente satisfeita, satisfação, contentamento, bem-estar. Trata-se de termo da filosofia grega eudaimonia, na junção do prefixo “eu” (bem) e pelo substantivo “daimon” (espírito), significando “ter espírito bom”.1
Como bem ressalta João Pedro da Silva Rio Lima, a felicidade é a “qualidade ou estado de feliz, ventura, contentamento; bom êxito, êxito, sucesso”.2 Por uma visão aristotélica, extrai-se da obra Ética a Nicômaco que a felicidade é a finalidade da natureza humana, de modo que:
“Para Aristóteles, o bem soberano é a felicidade, para onde todas as coisas tendem. Ela é caracterizada como um bem supremo por ser um bem em si. Portanto, é em busca da felicidade que se justifica a boa ação humana. Todos os outros bens são meios para atingir o bem maior que é a felicidade.”3
Assim, para Aristóteles, a felicidade é a finalidade da natureza humana, como dádiva dos deuses, a felicidade é perfeita. Para o Filósofo a felicidade é um bem supremo que a existência humana deseja e persegue, salientando porém Aristóteles que a felicidade depende dos bens exteriores para ser realizada. Deste modo, é na busca da felicidade que se justifica a boa ação humana, sendo os outros bens meios para atingir o bem maior felicidade.4
Segundo Francisco Viana a felicidade é uma questão metafísica prática, ligada a coletividade e não apenas ao indivíduo. Para o Filósofo a discussão sobre o tema felicidade já permeou a Europa durante a Revolução Francesa no século XVIII, uma vez que a ideia de ser feliz na terra, e não mais no céu, aboliu a prometida felicidade religiosa, trazendo para o homem amplos horizontes para a sua realização pessoal.5
Salienta-se os ensinamentos de Charles Fourier, que inspirou o conceito na Constituição Americana e também do antigo regime soviético bolchevique, de que o homem precisa e deve ser feliz. Para este Filósofo, como também para Robert Owen e Saint-Simon, utopistas clássicos, a felicidade se eleva quando o grau de alienação do homem com relação a si próprio e ao seu trabalho cai.6
Nesse diapasão, na ilha da Utopia de Thomas More, apenas se trabalha cinco horas por dia, sendo o resto do tempo dedicado a atividades do espírito. Francisco Viana observa que a questão do tempo livre vai se tornar o grande termômetro de ser feliz, de ser uma sociedade feliz, ou seja, a felicidade é, em primeiro lugar, dispor do tempo livre e não precisar viver em função da sobrevivência. Para Karl Marx só se conhece um sociedade quando se analisa o tempo livre de que podem dispor seus cidadãos, para que não se transformem em apenas máquinas da mão de obra capitalista.7
Karl Marx afirma que o homem é um ser político, e não somente um animal social, de modo que só quando o sujeito está em sociedade é que pode se individualizar. Assim, para Francisco Viana, sem a coletividade feliz, a felicidade não passará de mera ficção.8
Marx, ainda em referencia a felicidade, afirmou que:
“A verdadeira felicidade do povo implica que a religião seja suprimida, enquanto felicidade ilusória do povo. A exigência de abandonar as ilusões sobre sua condição é a exigência de abandonar uma condição que necessita de ilusões. Por conseguinte, a crítica da religião é o germe da critica do vale de lágrimas que a religião envolve numa auréola de santidade.”9
Francisco Viana observa que a felicidade começa pelo mundo do trabalho, pois este é justo e equilibrado, proporcionando a efetiva distribuição de riqueza e felicidade, cedendo a exploração lugar à dignidade e resultando na diminuição da necessidade que o homem – no sentindo de humanidade – tem de produzir para viver. De outro lume, para o Filósofo, a felicidade também é sinônimo de condições de trabalho que se afastem do tratamento da mão de obra humana como mera mercadoria.10
Ruut Veenhoven define a felicidade como o grau em que uma pessoa avalia a qualidade de sua vida, ou seja, como ele gosta da vida que desfruta, denominando-se de satisfação com a vida.11 Neste norte, Beatriz Rubim afirma que há evidências que a avaliação global da vida se basei em duas fontes de informação, quais são
“[…] o quão bem se sente o indivíduo, geralmente, e como ele se compara com diversos padrões de sucesso. Estes aspectos, as avaliações são referidos como "componentes" da felicidade. O componente afetivo é o "grau em que os vários afetos que uma pessoa experimenta são agradáveis, sendo chamado de nívelhedônico ou componente afetivo da felicidade. O componente cognitivo da felicidade é o "grau em que um indivíduo percebe suas aspirações a serem satisfeitas", rotulado como grau de contentamento. E por existirem componentes de comparação, obviamente, segundo Veenhoven (1991), a felicidade tem um conceito relativo.”12
Para Hobbes a felicidade estaria na obtenção daquelas coisas que de tempos em tempos os homens desejam, ressaltando que esta seria a felicidade nesta vida, uma vez que não existe uma perpétua tranquilidade de espírito terrena, pois a vida não passa de movimento e jamais pode deixar de haver desejo, ou medo, da mesma forma que não se pode deixar de haver sensação. Assim, segundo Hobbes, como o ser humano nunca deixa de desejar e o desejo sempre pressupõe um fim mais longínquo, a felicidade não seria uma atividade e nem um fim último ou supremo, mas sim o sucesso contínuo na obtenção dos objetos do desejo.13
Kant, em sua obra Fundamentação da Metafísica dos Costumes, afirma que a felicidade é um bem condicionado, tendo em vista que insuficiente para fundamentar um fim moral por ser ela determinada por um elemento empírico, sendo formalmente indeterminada e indeterminável. Neste sentindo, o ser humano não tem condições necessárias para delimitar precisamente o conjunto de condições necessárias para a sua perfeita felicidade.14
A felicidade, para Kant, pode ser uma condição material que determina a ação do sujeito, não sendo causa de moralidade, mas sim uma das suas consequências no nível da fundamentação da moral que visa primordialmente um princípio universalmente válido.15
Beatriz Rubim, por sua vez, em referência a Saway, conclui que a alegria, a felicidade e a liberdade são necessidade tão fundamentais como aquelas classicamente conhecidas como básicas, tais quais alimentação, abrigo e reprodução.16
3. O PROJETO DE EMENDA CONSTITUCIONAL N. 19/10: “A PEC DA FELICIDADE”
Trata-se de Projeto de Emenda a Constituição n. 19/10, proposta pelo então Senador da República Cristovam Buarque, visando alterar o art. 6º da Constituição da República Federativa do Brasil para incluir o direito à busca da felicidade por cada indivíduo e pela sociedade, mediante a dotação pelo Estado e pela própria sociedade das adequadas condições de exercício desse direito.17
Assim, passaria o art. 6º da Constituição Federal a vigorar com a seguinte redação:
“Art. 6º São direitos sociais, essenciais à busca da felicidade, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição.”18
Ressalta-se que a Proposta de Emenda à Constituição não encontra impedimento no art. 60, §4º de nossa Carta Magna, uma vez que não há supressão de qualquer direito gravado em cláusula pétrea.19
Salienta-se que a garantia expressa do direito do indivíduo de buscar a sua felicidade deve ser concretizada pelo dever que tem o Estado de cumprir corretamente suas obrigações para com a sociedade, prestando os serviços pessoais garantidos na Constituição Federal.20
Segundo o projeto de emenda, a busca individual pela felicidade pressupõe a observância da felicidade coletiva, evidenciado na observância dos itens que tornam mais feliz a sociedade, ou seja, a garantia e efetivação dos direitos sociais. Desta forma, uma sociedade mais feliz é uma sociedade desenvolvida, onde todos tenham acesso aos serviços públicos básicos de saúde, educação, previdência social, cultura, lazer, entre outros.21
Não se trata de ensejar direito do particular em buscar sua felicidade de forma egoística, mas sim de afirmar que os direitos sociais previstos no art. 6º da CRFB – educação, saúde, alimentação, trabalho, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados – são essenciais para que se alcance um felicidade em sentindo coletivo, com reflexos na vida do particular.22
Desprende-se da Constituição Federal que todos os direitos ali assegurados convergem para a felicidade, possuindo os Direitos Fundamentais vital relevância para esta finalidade. Nesse norte, quando assegura nossa Lei Maior o direito do indivíduo a uma vida digna, também é esta requisito essencial para que a pessoa atinja a sua felicidade. Da mesma forma ocorre com a vida com saúde, uma vez que resulta na felicidade do indivíduo e da sociedade, e no direito a uma adequada segurança pública, e como uma série de direitos presentes na Constituição.23
Cabe ressaltar que, no contexto constitucional, pode-se visualizar nos critérios objetivos da felicidade um caráter inviolável, o mesmo presente nos direitos de liberdade negativa previstos no art. 5º da CRFB – variantes da vida, ao Estado prestacional; os Direitos Sociais, como os preconizados liberdade, igualdade, propriedade e segurança – além dos relacionados no art. 6º da Constituição.24 Nesse lume, observa-se que:
“Os critérios objetivos da felicidade podem, no contexto constitucional, ser entendidos como a inviolabilidade dos direitos de liberdade negativa, tais como aqueles previstos no artigo 5º (variantes da vida, ao Estado prestacional – os direitos sociais, como os preconizados liberdade, igualdade, propriedade e segurança), além daqueles relacionados no artigo 6o do Texto Constitucional. O encontro dessas duas espécies de direitos – os de liberdade negativa e os de liberdade positiva – redundam, justamente, no objetivo da presente Proposta de Emenda à Constituição: a previsão do direito do indivíduo e da sociedade em buscar a felicidade, obrigando-se o Estado e a própria sociedade a fornecer meios para tanto, tanto se abstendo de ultrapassar as limitações impostas pelos direitos de égide liberal quanto exercendo com maestria e, observados os princípios do caput do artigo 37, os direitos de cunho social.”25
4. A FELICIDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Clenio Jair Schulze analisa que na perspectiva liberal a função predominante do Direito era a de promover a pacificação social com a resolução dos conflitos de interesses, alterando-se esta função como a transformação ocasionada pelas novas relações sociais e com a necessidade de construção de políticas públicas adequadas à população.26
Desse modo, com a função dos Estados pós-modernos de se comprometerem a empreender esforços para concretizar os direitos à educação, saúde, desporto, moradia, lazer, previdência social etc., fez nascer nos sujeitos a expectativa de terem estes direitos estabelecidos. Assim, para Schulze, o direito à busca da felicidade surge como ocorrência dos Direitos Fundamentais catalogados no sistema jurídico, que se projetam para a realidade pessoal dos cidadãos.27
A garantia ao direito de felicidade já foi contemplado em textos positivados de grande relevância na cultura jurídica ocidental. Nesse diapasão, a Declaração de Direitos da Virgínia, de 1776, outorgou aos homens o direito de buscar e conquistar a felicidade, compreendida em um sentido individual.28
Em termos de felicidade coletiva, extrai-se da Declaração dos Direitos Humanos, de 1789, o preceito de que as reivindicações dos indivíduos sempre se voltaram à felicidade geral. Atualmente, o Preâmbulo da Carta Francesa de 1958 consagra a adesão do povo francês aos Direitos Humanos consagrados na Declaração de 1789, incluindo assim a felicidade ali preconizada.29
Nesse lume, a partir destes aparatos históricos, a felicidade deixou de ser um Direito Natural, sendo positivada de forma expressa. Segundo Fábio Konder Comparto à busca da felicidade, repetida na Declaração de Independência dos Estados Unidos, é preceito imediatamente aceitável por todos os povos, em todas as épocas e civilizações, sendo razão universal com a própria pessoa humana.30
Konder afirma que com a Independência dos Estados Unidos, a felicidade foi garantida ao lado de um número sem fim de direitos, tais como a vida, a liberdade, no primeiro documento político que reconheceu, sob o prisma da soberania popular, a existência de direitos inerentes a todo ser humano, independente das diferenças de sexo, raça, religião, cultura ou posição social.31
Nesse sentindo, é perceptível a garantia do direito a felicidade na cultura jurídica americana, como se desprende do prólogo da Declaração de Independência dos Estados Unidos elaborado por Thomas Jefferson, in verbis:
“Consideramos estas verdades como evidentes por si mesmas, que todos os homens são criados iguais, dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre estes estão a vida, a liberdade e a procura da felicidade.”32
Juliano Ralo Monteiro observa que o movimento humanista teve em sua gênese à busca da felicidade como vértice essencial, iniciando na América do Norte, tendo em vista que desde da sua fundação havia uma comunidade de proprietários conscientes de sua cidadania, que tinham como garantia fundamental a ideia de que a igualdade perante a lei é requisito para o exercício das liberdade fundamentais. No mesmo sentido, afirma Fábio Konder Comparto que Thomas Jefferson era suficientemente arguto para saber que a realização da felicidade individual não depende exclusivamente das virtudes dos cidadãos, mas que para se alcançar a dignidade humana, deve se possibilitar a todos as condições políticas indispensáveis a busca da felicidade.33
Encontra-se referência a felicidade como garantia no Reino de Butão, que estabeleceu como indicador social um Índice Nacional de Felicidade Bruta, mensurado de acordo com os indicadores que envolvem bem-estar, cultura, ecologia, padrão de vida e qualidade de governo. Trata-se de indicador determinado no art. 9º da Constituição desta Nação, estabelecendo também o dever do Governo de garantir a felicidade do Estado de promover condições necessárias para o fomento do povo.34
A Constituição japonesa, em seu art. 13, determina que todas as pessoas tem direito a buscar à felicidade, quando não interfira no bem-estar público, sendo obrigação do Estado, por leis e atos administrativos, empenhar-se em garantir as condições para que se possa atingir à felicidade. A Carta Constitucional da Coréia do Sul, em seu art. 10º, assegurou o direito a todos de alcançar a sua felicidade, atrelando tal direito na responsabilidade do Estado em assegurar os Direitos Humanos ao indivíduo.35
Observa Juliano Ralo Monteiro que, com a criação da Organização Mundial das Nações Unidas, em 1948, e com a elaboração da Declaração Mundial das Nações Unidas, os países integrantes da ONU passaram, paulatinamente, a positivar os direitos contidos na Declaração, concedendo-lhes status de Direitos Fundamentais constitucionais, incluindo o Brasil, porém, poucos foram os países que trouxeram o direito à busca a felicidade de forma explícita.36
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, não garantiu expressamente, em seu texto o direito à busca da felicidade, mas apenas garantiu um mínimo existencial para a proteção da dignidade da pessoa humana.37
Apesar da CF, como aponta Araújo, não ter positivado de o direito á busca da felicidade, extrai-se implicitamente da Carta que o Estado, dentro do sistema nacional, tem a função de promovê-la, tendo em vista que a dignidade – o bem de todos – pressupõe o direito de ser feliz. Conclui portanto o Jurista, que ninguém pode conceber um Estado que se objetive a promoção do bem de todos para colaborar com a felicidade do indivíduo, de modo que a única interpretação constitucional leva á busca da felicidade.38
Na lição de João Pedro Lima, apesar do direito fundamental à felicidade já estar reconhecido implicitamente em nossa Constituição, tornar expresso este direito seria importante para o resgate da garantia dos Direitos Sociais, principalmente em razão do fenômeno da reserva do possível, evidenciado na tese da insuficiência de recursos públicos que impossibilita o cumprimento dos direitos previstos na CF, no qual se utiliza o Estado em muitos casos para não implementar com efetividade os direitos sociais.39
Sobre o tema, já se manifestou Lima que:
“Sabe-se, também, que a felicidade pressupõe certo subjetivismo, presente em cada indivíduo, acarretando a existência de diversos tipos de felicidade. Assim, é impossível o Estado, por si só, trazer felicidade plena às pessoas. Para alguns ser feliz é viver no agito da cidade, para outros, no silêncio do campo; alguns só se contentam com riquezas materiais, outros se satisfazem com a simplicidade. No entanto, o Estado pode oferecer condições mínimas para que, a partir daí, cada pessoa esteja possibilitada de buscar a felicidade da melhor maneira que lhe convém.”40
Em comentário a PEC da Felicidade, João Pedro Lima enfatiza a importância que possuem os direitos sociais como forma de promover a busca da felicidade, pois tais direitos são os meios mínimos para atingir um fim maior, que é a felicidade.41
Nesse diapasão, Luiz Alberto David Araújo afirma que a função do Estado Moderno é a busca da felicidade de seus componentes, tendo em vista que o homem se organiza para obter a sua felicidade. O que motiva cada ser humano a se submeter e seguir as regras estatais, renegando parte de sua liberdade, é a certeza de que esta associação só pode levar à busca da felicidade.42
Segundo Juliano Ralo Monteiro, o reconhecimento do direito à felicidade formalmente poderia ser um importante dispositivo para a fundamentação dos pedidos e das decisões no âmbito do Poder Judiciário, sedimentando um verdadeiro efeito cliquet como verdadeira cláusula de proibição do retrocesso.43
O Supremo Tribunal Federal, em análise a ADI 3300/DF de 03/02/2006, por meio do voto do Ministro Celso de Mello, reconheceu o direito à busca a felicidade no contexto de uma relação homoafetiva, in verbis:
“Não obstante as razões de ordem estritamente formal, que tornam insuscetível de conhecimento a presente ação direta, mas considerando a extrema importância jurídico-social da matéria – cuja apreciação talvez pudesse viabilizar-se em sede de argüição de descumprimento de preceito fundamental -, cumpre registrar, quanto à tese sustentada pelas entidades autoras, que o magistério da doutrina, apoiando-se em valiosa hermenêutica construtiva, utilizando-se da analogia e invocando princípios fundamentais (como os da dignidade da pessoa humana, da liberdade, da autodeterminação, da igualdade, do pluralismo, da intimidade, da não-discriminação e da busca da felicidade), tem revelado admirável percepção do alto significado de que se revestem tanto o reconhecimento do direito personalíssimo à orientação sexual, de um lado, quanto a proclamação da legitimidade ético-jurídica da união homoafetiva como entidade familiar, de outro, em ordem a permitir que se extraiam, em favor de parceiros homossexuais, relevantes conseqüências no plano do Direito e na esfera das relações sociais (sem grifos no original).”44
O mesmo fenômeno é perceptível na Suprema Corte americana, em que se encontra cerca de noventa casos julgados pelo tribunal constitucional que fazem referência expressa ao direito à felicidade. Ainda dos Estados Unidos, destaca-se um campo autônomo de investigação denominado law and happiness, direito e felicidade, que, com fundamento também em outras ciências, visam a formulação de políticas que visam aumentar a felicidade geral das pessoas.45
Para Monteiro a inclusão do direito à busca da felicidade dentro do texto da Constituição seria forma de fortalecer a democracia e ampliar o exercício da cidadania, levantando o Jurista a seguinte problemática:
“De que adiantaria falarmos em direito à felicidade se a maioria da população brasileira não tem acesso à educação ou a alimentação? Se a situação da saúde é precária? Se grande parte da população não tem acesso a bens de consumo que diariamente são induzidos a consumir pelos meios de comunicação? Se a maioria da população não possui, em suma, bens que garantam higidez física, mental e espiritual? Distante, se encontra dessa forma, o estado de uma consciência plenamente satisfeita. A esse respeito já declarou Norberto Bobbio na década de 70, ao afirmar que o problema grave de nosso tempo, com relação aos direitos humanos, não é mais o de fundamentá-los, e sim o de protegê-los.”46
Defendendo a tese da garantia dos direitos sociais como meio essencial à busca da felicidade, Ives Gandra Martins ensina que:
“Na teoria clássica, a finalidade do Estado é promover o bem comum da sociedade, considerado como o conjunto de condições que permite aos indivíduos atingirem o seu bem particular. Se o Estado propicia segurança, educação, saúde, trabalho, previdência, moradia e transporte, o indivíduo tem as condições mínimas para atingir a felicidade, a que todos os homens tendem. No entanto, é preciso fazer a distinção entre fins e meios. O bem comum é a finalidade e os direitos sociais, os meios para promovê-lo. Nesse diapasão, não se pode colocar a felicidade como direito a ser garantido pelo Estado. O que é dever do Estado é assegurar os meios para que cada um possa chegar à felicidade. Com efeito, ninguém pode dizer a outro seja feliz, quando esse sentimento não brota de dentro. Pode-se ter tudo e não ser feliz, pois a felicidade é um sentimento de plenitude, que, como dizia Aristóteles, ao dedicar o Livro I de sua Ética a Nicômaco à questão da felicidade, apenas se alcança pela posse do bem adequado à natureza humana.”47
Destarte, João Pedro da Silva Rio Lima ressalta que o Estado e o Direito devem contribuir para a diminuição do sofrimento das pessoas, garantindo direitos básicos para se viver e ajudar na concretização da felicidade.48
Sobre o tema dos Direitos Sociais como caminho para a felicidade, lembra-se a lição de Dirley da Cunha Júnior, citada por Márcio Coutinho, ao afirmar que os Direitos Sociais têm por objeto um atuar permanente do Estado consistente numa prestação positiva de natureza material ou fática em benefício do indivíduo, garantindo-lhe um mínimo existencial. Proporciona-se assim recursos materiais indispensáveis para uma existência digna, como reflexo típico do modelo do Bem- Estar Social, responsável pelo desenvolvimento dos postulados da Justiça.49
Por fim, como afirmou Maria Berenice Dias no Discurso de abertura do II Congresso Internacional do Instituto Brasileiro de Direito de Família, por mais que não se consiga definir o que seja felicidade, é claro que é o que todos almejam, sonham e querem, sendo este portanto o maior compromisso do Estado, o de assegurar a felicidade aos cidadãos.50
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A felicidade é a busca individual de cada ser humano, pois se trata de concretizar o projeto de vida elaborado no subjetivismo de cada um. Porém, para que cada pessoa possa ter o direito a buscar a sua felicidade, faz-se necessário garantir um mínimo essencial para que o homem atinja esse fim.
Os Direitos Sociais assegurados pelo Estado pós-moderno possibilitam condições mínimas para que o indivíduo tenha uma vida digna, sendo que o maior problema de nossa realidade se encontra na concretização de tais direitos.
Assim, ao positivar a Constituição Federal de 1988 que a busca á felicidade prescinde do cumprimento pelo Estado dos Direitos Sociais, ocorrerá uma oxigenação na interpretação de nosso do texto constitucional, sendo um compromisso do Estado Brasileiro em cumprir os direitos assegurados principalmente no art. 6º de nossa Carta Magna.
Referências bibliográficas
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LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira: A felicidade como direito fundamental. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18903/a-positivacao-do-direito-a-busca-da-felicidade-na-constituicao-brasileira>. Acesso em: 10 mar. 2012.
MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-mai-29/pec-felicidade-positivacao-direito-reconhecido-resto-mundo>. Acesso em: 10 abr. 2012.
PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97622>. Acesso em: 10 mar. 2012.
RUBIN, Beatriz. O direito à busca da felicidade. Disponível em: <www.esdc.com.br/…/RBDC-16-035-Artigo_Beatriz_Rubin_>. Acesso em: 10 mar. 2012.
SCHULZE, Clenio Jair. Direito e felicidade. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21464/direito-e-felicidade>. Acesso em: 10 mar. 2012.
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VIANA, Francisco. O Brasil e o direito à felicidade. Disponível em: <http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5296370-EI6783,00-O+Brasil+e+o+direito+a+felicidade.html>. Acesso em: 10 mar. 2012.
Notas:
1 MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF. Disponível em: <http://www.conjur.com.br/2010-mai-29/pec-felicidade-positivacao-direito-reconhecido-resto-mundo>. Acesso em: 10 abr. 2012.
2 LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira: A felicidade como direito fundamental. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/18903/a-positivacao-do-direito-a-busca-da-felicidade-na-constituicao-brasileira>. Acesso em: 10 mar. 2012.
3 LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira.: A felicidade como direito fundamental.
4 MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF.
5 VIANA, Francisco. O Brasil e o direito à felicidade. Disponível em: <http://terramagazine.terra.com.br/interna/0,,OI5296370-EI6783,00-O+Brasil+e+o+direito+a+felicidade.html>. Acesso em: 10 mar. 2012.
6 VIANA, Francisco. O Brasil e o direito à felicidade.
7 VIANA, Francisco. O Brasil e o direito à felicidade.
8 VIANA, Francisco. O Brasil e o direito à felicidade.
9 RUBIN, Beatriz. O direito à busca da felicidade. Disponível em: <www.esdc.com.br/…/RBDC-16-035-Artigo_Beatriz_Rubin_>. Acesso em: 10 mar. 2012.
10 VIANA, Francisco. O Brasil e o direito à felicidade.
11 RUBIN, Beatriz. O direito à busca da felicidade.
12 RUBIN, Beatriz. O direito à busca da felicidade.
13 RUBIN, Beatriz. O direito à busca da felicidade.
14 RUBIN, Beatriz. O direito à busca da felicidade.
15 RUBIN, Beatriz. O direito à busca da felicidade.
16 RUBIN, Beatriz. O direito à busca da felicidade.
17 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010. Disponível em: <http://www.senado.gov.br/atividade/materia/detalhes.asp?p_cod_mate=97622>. Acesso em: 10 mar. 2012.
18 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
19 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
20 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
21 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
22 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
23 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
24 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
25 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
26 SCHULZE, Clenio Jair. Direito e felicidade. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/21464/direito-e-felicidade>. Acesso em: 10 mar. 2012.
27 SCHULZE, Clenio Jair. Direito e felicidade.
28 SCHULZE, Clenio Jair. Direito e felicidade.
29 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
30 MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF.
31 MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF.
32 MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF.
33 MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF.
34 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
35 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
36 MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF.
37 PEC – PROPOSTA DE EMENDA À CONSTITUIÇÃO, Nº 19 de 2010.
38 LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira: A felicidade como direito fundamental.
39 LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira: A felicidade como direito fundamental.
40 LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira: A felicidade como direito fundamental.
41 LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira: A felicidade como direito fundamental.
42 LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira: A felicidade como direito fundamental.
43 MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF.
44 Supremo Tribunal Federal, ADI 3300/DF.
45 VALOR: Direito à Felicidade. Disponível em: <http://www.valor.com.br/cultura/2583386/direito-felicidade>. Acesso em: 10 mar. 2012.
46 MONTEIRO, Juliano Ralo. PEC da felicidade positivará direito na CF.
47 LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira: A felicidade como direito fundamental.
48 LIMA, João Pedro da Silva Rio. A positivação do direito à busca da felicidade na Constituição brasileira: A felicidade como direito fundamental.
49 BARBOSA, Márcio Coutinho. Direito à Felicidade. Disponível em: <http://www.artigonal.com/doutrina-artigos/direito-a-felicidade-3702219.html>. Acesso em: 10 mar. 2012.
50 DIAS, Maria Berenice. Discurso de abertura do II Congresso Internacional do IBDFAM. Disponível em: <http://www.mariaberenice.com.br/pt/discurso-discurso-de-abertura-do-ii-congresso-internacional-do-ibdfam.cont>. Acesso em: 10 mar. 2012.
Bacharel em Direito na Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI). Pós-graduando em Direito Constitucional
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