Resumo: O momento econômico-social pelo qual a sociedade globalizada está passando e a necessidade constante de aprimoramento dos métodos de produção, impelindo as organizações empresariais para buscarem redução de custo no processo produtivo, a fim de garantir sua subsistência num mercado competitivo força, invariavelmente, para a tentativa de diminuição das suas despesas correntes de produção, nesta se incluindo o decrescimento da margem de contribuição sobre o quadro de pessoal – folha de pagamento -, bem como a menor intervenção estatal nas negociações e condições de trabalho. É a chamada flexibilização, que não pode ser confundida com desregulamentação. Entretanto, deve observar normas mínimas para ser garantida pelo menos a dignidade da pessoa humana, um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Assim, a flexibilização deve decorrer de um processo democrático e humanista, a fim de não gerar na sociedade disparidades, contrárias ao fim do Estado Democrático de Direito.
Palavras-chave: Desemprego, Desregulamentação, Direito do Trabalho, Direito Fundamental, Flexibilização.
Abstract: The moment socioeconomic whereby globalized society is passing and the constant need to improve methods of production, driving business organizations to seek cost savings in the production process, for the purpose to ensure its livelihood in a competitive market force, invariably, to attempt to decrease its running expenses of production, in this including the decreasing of the contribution margin on the staff – payroll – as well as the lowest state intervention in negotiations and working conditions. It's called flexibility, which can’t be confused with deregulation. However, it must observe minimum standards to be guaranteed at least the dignity of the human person, a cornerstone of Brazil Federative Republic. Thus, the relaxation should take place in a democratic and humanist, in order not to generate disparities in society, contrary to the order of a democratic right state.
Keywords: Unemployment, Deregulation, Labor Law, Fundamental Right, Relaxation.
Sumário: Introdução. 1.Considerações iniciais dos direitos sociais. 2.1. História dos direitos fundamentais sociais do trabalhador. 2.2. Noções conceituais de direitos fundamentais. 2.3. A relevância da flexibilização. 2.4. A finalidade do instituto. 2.5. As gerações (níveis) de direitos fundamentais. 2.6. Os direitos fundamentais sociais. 2.7. Dos direitos humanos aos direitos fundamentais. 2.8. As normas trabalhistas como objeto de proteção dos direitos fundamentais. 3. A ordem pública e os direitos materiais e o direito fundamental. 3.1. Pode-se dispor de um direito fundamental? 3.2. Consequência patrimonial do direito e disponibilidade. 3.3. No âmbito coletivo, pode haver a relativização de um direito fundamental social do trabalhador? 3.3.1. Do direito fundamental às convenções e acordos coletivos. 3.3.2. Ponderação entre princípios do direito e consequências aos direitos fundamentais 3.2. Consequência patrimonial do direito e disponibilidade. 4. A flexibilização dos direitos fundamentais do trabalhador. 4.1. Tentativa de conceituação do fenômeno flexibilização. 4.2. Diferença entre flexibilização e desregulamentação. 4.3. As horas itinerantes como norma mínima de proteção ao trabalhador. 4.4. Flexibilização do FGTS. 4.5. Estabilidade para gestante contratada por tempo determinado. 4.6. Vantagens e desvantagens da flexibilização trabalhista. 5. Considerações finais. 6. Referências
1 Introdução
O século XX traz novas tendências mundiais em relação ao mercado laboral. O desenvolvimento tecnológico trouxe consigo uma reflexão para as organizações no que diz respeito ao método em que estas adotariam para manter suas relações com os empregados.
Nesse contexto, a flexibilidade das condições de trabalho passou a ser defendida como uma hipótese para ajustar e organizar as relações entre empregado e empregador, por conta das mudanças que atingiram todo o mercado laboral.
O presente trabalho mostra quando foi criada a ideia de “flexibilização”, quais seus principais aspectos e seu reflexo na opinião doutrinária. Traz também visões de diferentes autores em relação à Flexibilização do Direito do Trabalho, sendo uma ação benéfica que traz as empresas a possibilidade de sobrevier no mercado competitivo, ou que lesa os direitos adquiridos pelos trabalhadores ao passar dos tempos, submetendo-os a condições de trabalho que fogem do habitual protecionismo ao trabalhador. Vale ressaltar que na relação entre empregador e empregado, o empregado é o menos favorecido.
Nenhum tema atualmente tem inquietado tanto os juristas de um modo geral, os empresários e notadamente os trabalhadores, ou seja, quase toda a sociedade, com relação à Flexibilização no Direito Trabalhista.
O termo "flexibilização", a rigor, não é encontrado nos léxicos. No entanto, com significado similar dado por expressiva parte da doutrina, encontra-se o termo "flexibilidade", que é qualidade do que é flexível, o contrário de rigidez. Inferindo-se daí que tal vocábulo não contempla, em hipótese alguma, um entendimento unívoco. Não obstante a isto, em ambiente de Direito Trabalhista, tem-se utilizado o vocábulo flexibilização de forma genérica para representar um conjunto variado de hipóteses procurando abranger um campo consideravelmente amplo.
O processo de produção é fragmentado, dando origem a diversas formas de parceria tais como as denominadas "terceirizações" e subcontratações que proliferam em todos os recantos do Brasil. E mais, a instituição do contrato de trabalho por prazo determinado já é uma realidade.
Além do termo flexibilização, há outros vocábulos utilizados por parte da doutrina como por exemplo desregulamentação, adaptação e simplificação entre outros, para explicar ou mesmo representar uma forte tendência para modernização nas relações trabalhistas.
2 Considerações iniciais dos direitos sociais
2.1 História dos direitos fundamentais sociais do trabalhador
Segundo Martins (2004. p.38), a primeira forma de labor em todo o mundo foi a escravidão. Sem possuir quaisquer direitos, tendo apenas obrigações, o escravo não era sujeito, mas objeto de propriedade alheia. Assim, por muitos séculos, perdurou esta forma de trabalho. Em Roma, então, surgiu a primeira forma de trabalho estranho à escravidão, sendo este sub-dividido em locatio conductio, locatio conductio operarum e locatio conductio operis. O primeiro consistia, essencialmente, no arrendamento de uma coisa; o segundo, por sua vez, implicava na locação de serviços mediante pagamento; enquanto o terceiro era a entrega de uma obra mediante pagamento.
Conforme Koshiba (1996. p. 4), com o desenvolvimento dos séculos, surge o feudalismo e com este vem a servidão. Esta também era uma forma de trabalho "compulsório", no qual o labor era a contraprestação da proteção militar fornecida pelo senhor feudal. Não obstante o labor em si (corveia), parte da sua produção rural era devida aos seus protetores, como pagamento pela utilização da terra daqueles (ou seja, uma quota do excedente econômico produzido).
O sistema feudal, entretanto, não se limitava ao senhor feudal e ao servo. Havia também os vilões (camponeses comuns), os senescais e bailios, que trabalhavam sobre a ordem direta de um senhor (subordinação). Porém, a divisão mais clara entre os polos socioeconômicos se dava justamente entre o senhor feudal e seu servo. Nessa sociedade, não havia grande desenvolvimento tecnológico, embora algumas inovações tenham ocorrido com o decurso do lapso temporal.
Assim, surgem as corporações de ofício onde são identificados outros dois polos distintos e opostos: os mestres e os aprendizes. Os primeiros eram os detentores dos meios de produção. Os segundos eram os menores de idade que recebiam daqueles o treinamento para a realização do ofício.
Segundo Martins (2004, p. 39), com o advento desta modalidade de trabalho, são identificados alguns fatores que continuam presentes na atualidade, tais como: estrutura hierárquica, capacidade produtiva regulada, regulamentação da técnica produtiva em si e remuneração.
Com a Revolução Francesa de 1789, instituições como as corporações de ofício são banidas, eis que representavam afronta ao ideal humanitário de liberdade. Daí surge o Direito do Trabalho Clássico.
No Brasil, temos como um dos principais marcos históricos, para a seara de direito abordada neste estudo, a promulgação da Consolidação das Leis Trabalhistas, realizada em 1943, pelo presidente Getúlio Vargas. A legislação, moderna e audaciosa naquela época, favoreceu muito a camada popular que não detinha os meios de produção e permitiu o crescimento da sociedade industrial.
2.2 Noções conceituais de direitos fundamentais
A importância dos Direitos Fundamentais é tão essencial que abrange não apenas a área do Direito Trabalhista, como também a do Direito Constitucional. A esse propósito, faz-se mister trazer à colação o entendimento do eminente Sarlet (2006, p. 35-36), este assevera que os direitos fundamentais são aqueles positivados, ou seja, vigentes na ordem constitucional de determinado Estado.
Vale ressaltar que os princípios constitucionais e trabalhistas não podem ser olvidados, devem servir de base tanto na elaboração, quanto na interpretação do Direito do Trabalho. Assim, aplicando as normas laborais à luz da Constituição Federal.
De um ponto de vista histórico, ou seja, na dimensão empírica, os Direitos Fundamentais são, originariamente, Direitos Humanos. Contudo, estabelecendo um corte epistemológico, para estudar sincronicamente os Direitos Fundamentais, devemos distingui-los, enquanto manifestações positivas do Direito, com aptidão para a produção de efeitos no plano jurídico, dos chamados Direitos Humanos, enquanto pautas ético-políticas, “direitos morais”, situados em uma dimensão suprapositiva, deonticamente diversa daquela em que se situam as normas jurídicas – especialmente aquelas de Direito Interno. (GUERRA FILHO, 2005, p. 43-44).
A Constituição Federal de 1988 trouxe em seu Título II, os Direitos e Garantias Fundamentais, subdivididos em cinco capítulos:
“a – Direitos individuais e coletivos: são os direitos ligados ao conceito de pessoa humana e à sua personalidade, tais como à vida, à igualdade, à dignidade, à segurança, à honra, à liberdade e à propriedade. Estão previstos no artigo 5º e seus incisos;
b – Direitos sociais: o Estado Social de Direito deve garantir as liberdades positivas aos indivíduos. Esses direitos são referentes à educação, saúde, trabalho, previdência social, lazer, segurança, proteção à maternidade e à infância e assistência aos desamparados. Sua finalidade é a melhoria das condições de vida dos menos favorecidos, concretizando assim, a igualdade social. Estão elencados a partir do artigo 6º;
c – Direitos de nacionalidade: nacionalidade, significa, o vínculo jurídico político que liga um indivíduo a um certo e determinado Estado, fazendo com que este indivíduo se torne um componente do povo, capacitando-o a exigir sua proteção e em contra partida, o Estado sujeita-o a cumprir deveres impostos a todos;
d – Direitos políticos: permitem ao indivíduo, através de direitos públicos subjetivos, exercer sua cidadania, participando de forma ativa dos negócios políticos do Estado. Está elencado no artigo 14;
e – Direitos relacionados à existência , organização e a participação em partidos políticos: garante a autonomia e a liberdade plena dos partidos políticos como instrumentos necessários e importantes na preservação do Estado democrático de Direito. Está elencado no artigo 17.”
Nota-se que todo ser humano já nasce com direitos e garantias, sendo assim, não podendo estes ser considerados como uma concessão do Estado, pois, alguns estes direitos são criados pelos ordenamentos jurídicos, outros são criados por meio de certa manifestação de vontade e outros apenas são reconhecidos nas cartas legislativas.
As pessoas devem exigir que a sociedade e todas as demais pessoas respeitem sua dignidade e garantam os meios de atendimento das suas necessidades básicas.
A civilização humana, desde o começo de sua existência em sociedade até a época atual, percorreu um longo caminho, passando por incontáveis transformações, sejam elas sociais, políticas, religiosas, culturais ou econômicas. Os Direitos Fundamentais do homem foram conquistados pela sociedade, construídos ao longo dos anos, por meio de constantes lutas que foram realizadas contra o poder opressor do Estado. Sobre o assunto, afirma Norberto Bobbio (1992, p. 5):
“Os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizados por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez, nem de uma vez por todas.”
Segundo a doutrina jusnaturalista, os Direitos Fundamentais do homem são aqueles que nascem da própria condição humana, inerentes a todas as pessoas, e que, posteriormente, foram positivados no ordenamento jurídico constitucional. Conforme abaixo:
“O jusnaturalismo defendia a ideia de que o Estado encontra fundamento nas próprias exigências da natureza humana, e que existe um direito natural que precede ao direito positivo, é dizer, um direito que antecede as leis criadas pelo homem, algo inerente à sua vontade. Para os jusnturalistas, o homem vivia num ‘estado de natureza’ que antecedia o ‘estado social’.” (BASTOS, 1999, p. 38).
No que tange à evolução dos Direitos Fundamentais, podemos afirmar que uma grande influência para solidificação e positivação de tais direitos foi o reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana. O surgimento desses direitos resultou de um movimento de constitucionalização que começou no início do século XVIII e foram reconhecidos internacionalmente a partir da Declaração da Organização das Nações Unidas de 1948.
2.3 A relevância da flexibilização
O estudo do caso é derivado dos inúmeros enfrentamentos políticos – sejam estes fomentados pelo lobby feito pelas grandes empresas junto ao "poder", ou pelos protestos e greves defendidos pela classe operária, no intuito de manter e ampliar seus direitos -, que demandam firmemente por uma intervenção estatal, podendo ensejar numa previsão legal de maneira ainda mais rígida, de forma mais branda, ou, ainda, na supressão dos Direitos previstos na legislação. O clamor público irradiado pelo impasse poderá não ser sanado, se a opção pela defesa do aspecto econômico do problema for o único objeto escolhido para ser tutelado pelo Estado.
Tais fatos acarretaram no desejo de aprofundamento do tema, por meio da síntese de informações e opiniões já formuladas. A relevância jurídica do estudo, sobre a Flexibilização dos Direitos do Trabalho, decorre da iminente reforma que, possivelmente, resultará num desrespeito à Constituição, e, mais além, de Direitos Fundamentais; na questão tributária que compõe, indubitavelmente, o cerne da discussão; e, logicamente, no ordenamento pertinente às relações de trabalho. No que tangencia a relevância social do estudo, há que se considerar o processo de desenvolvimento dos vínculos trabalhistas, que tem efeito direto nas taxas de inadimplência, no nível de escolaridade, no desenvolvimento tecnológico e cultural da sociedade, e, por último, até, nos assustadores índices de criminalidade.
Por sua vez, a relevância econômica é percebida com maior facilidade, sendo diretamente proveniente da homérica receita derivada dos tributos incidentes sobre o binômio trabalho e capital. Outra faceta seria que o principal fruto do vínculo trabalhista, qual seja o salário, é responsável pela circulação de capital que alimenta o mercado, sendo, o último, a estrutura do sistema capitalista adotado pela sociedade mundial.
2.4 A finalidade do instituto
Primeiramente, conceitua-se "flexibilização" visto que, por tratar-se de neologismo, ainda não é de domínio público tal conceito. No entanto, sabe-se que ser flexível é ser maleável e, no fundo, é isso que "flexibilização" traz como núcleo essencial. Etimologicamente, segundo Antônio Álvares da Silva,
O verbo Português "flexibilizar" provém do latino flecto, flectis, flectere, flexi, flectum, que significa curvar, dobrar, fletir. Depois, por complementação semântica, possui vários sentidos conexos ou paralelos, tais como fazer voltar, dirigir o rumo, tornear, mover, comover, mudar, modificar.
Observa-se a doutrina: “Flectere gemina acies – voltar os dois olhos. Flecti cursos ou iter – ter o curso mudado, desviar, afastar, etc. A palavra tem, portanto, dois sentidos. Um, o etimológico, que é o básico: dobrar. O outro, figurado, mudar de curso, de posição, etc. De fato, toda vez que flexibiliza, inclusive no Direito, muda-se de situação.” (SILVA, 2002, p. 52).
Sérgio Pinto Martins explica que, para estudar determinado tema, deve-se, primeiro, fazer uma "análise da sua denominação, que poderá ajudar a compreender aquilo que se pretende estudar." (2002, p. 21). E continua o autor:
“A denominação flexibilização parece mais adequada. Flexibilidade é qualidade de flexível; elasticidade, destreza, agilidade, flexão, flexura; faculdade de ser manejado; maleabilidade; aptidão para variadas coisas ou aplicações; é o que pode dobrar ou curvar; é o contrário de rigidez. Flexível vem do latim flexibile. Na prática, os estudiosos acabaram preferindo o termo flexibilização.
A palavra flexibilização é um neologismo, não encontrado nos dicionários. É originária do espanhol flexibilización. […]
O certo não seria falar em flexibilização do Direito do Trabalho, mas em flexibilização das condições de trabalho, pois estas que serão flexibilizadas. […]
Prefiro dizer que a flexibilização das condições de trabalho é o conjunto de regras que tem por objetivo instituir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação entre capital e o trabalho” (MARTINS, 2002, p. 21-25).
Traz-se ainda definição formulada por Oscar Ermida Uriarte, a qual é muito ampla, como o próprio autor esclarece:
“Em termos muitos gerais e no âmbito do Direito do Trabalho, a flexibilidade pode ser definida como eliminação, diminuição, afrouxamento ou adaptação da proteção trabalhista clássica, com a finalidade – real ou pretensa – de aumentar o investimento, o emprego ou a competitividade da empresa”. (URIARTE, 2004, p. 217-252).
A flexibilização representa a atenuação da rigidez protetiva do Direito do Trabalho, com a adoção de condições trabalhistas menos favoráveis do que as previstas em lei, mediante negociação coletiva, em que a perda de vantagens econômicas poderá ser compensada pela instituição de outros benefícios de cunho social, que não onerarão excessivamente a empresa, nos períodos de crise econômica (efeito da globalização) ou de transformação na realidade produtiva (efeito do avanço tecnológico). (MARTINS FILHO, 1999, p. 589).
Flexibilidade é o mesmo que ductibilidade e maleabilidade, que pressupõem elasticidade. […] Flexibilizar é fazer do rígido flexível, ou o que já o é mais ainda. […] Em amplo sentido, a "flexibilização" é maneira de adaptação de normas jurídicas para atender alterações verificadas na economia. Em sentido estrito, … de normas jurídicas trabalhistas para atender às alterações na economia, refletidas nas relações entre trabalho e capital. […] Flexibilizar não é desregular. É regular de modo diferente do que se acha regulado. […] Variável, também, o grau de ‘flexibilização’, do mínimo ou máximo, podendo, por consequência, ser de pouca relevância, de alguma, ou até chegar perto de ruptura ou fratura de norma existente. Dando-se isto, ocorrerá "desregulação", com ou sem regulação substitutiva. (CATHARINO, 1997, p. 49-51 – grifo nosso).
Flexibilização é o contrário de rigidez, e visa, portanto, tornar o Direito do Trabalho maleável, capacitando-o a se modelar, segundo a realidade do contexto social e das relações trabalhistas da atualidade. A flexibilização tem por escopo, exatamente, propiciar o rápido ajustamento do complexo normativo laboral às mudanças decorrentes das flutuações econômicas, evoluções tecnológicas ou quaisquer outras alterações que requeiram imediata adequação da norma jurídica. […] a teoria da flexibilização das condições de trabalho, suas causas, consequências, tendências e limitações são um campo aberto à análise reflexiva sob diferentes abrangências, especialmente aquela que contempla o ponto de vista jurídico, de vez que suscita antagônicos posicionamentos, sendo muitos radicais quando entendem flexibilização como desregulamentação das leis trabalhistas – distinção mister a ser colocada. (SILVA, 2002, p. 17-19).
A adaptação da legislação vigente é tida como impreterível ao desenvolvimento socioeconômico do país. Uriarte (2000, p. 09), ensina com clareza a essência deste instituto: "Eliminação, diminuição, afloramento ou adaptação da proteção laboral clássica, com a finalidade – real ou presumida – , de aumentar o emprego ou a competitividade da empresa".
A flexibilização, outrossim, seria uma medida cabível ao combate do crescimento do trabalho informal e, por consequência, estimularia o labor formal. Barros, de forma bem concisa, conceitua: "seria a capacidade de adaptação das normas laborais às grandes trocas produzidas no mercado de trabalho". (BARROS, 1999, p. 12)
Essa maleabilidade serviria de óbice ao processo de descarte da mão de obra, que vem sendo acentuada pelo avanço tecnológico, a descentralização, reestruturação produtiva, além da competitividade que resulta na redução de pessoal para minoração dos custos. Proscurin (2003, p. 83).
Um precioso julgado no recurso revisado 640.719/2000 do TST revela e tangencia com clareza absoluta o intuito do instituto:
“Com o advento da atual Constituição Federal se deu a flexibilização dos direitos trabalhistas, que tem por objetivo assegurar os direitos mínimos dos trabalhadores e, ao mesmo tempo, possibilitar a sobrevivência das empresas. Algumas normas rígidas de antes cederam lugar a regras flexíveis, que podem ser alteradas de acordo com a realidade e as necessidades das empresas e dos trabalhadores. Tudo isso, como forma de preservar a saúde das empresas e, consequentemente, o emprego e o bem estar social dos trabalhadores, respeitados os direitos mínimos de proteção.”
Portanto, trata-se de instituto que merece intensa e profunda reflexão, por todos os fatores por ele tangenciados.
2.5 As gerações (níveis) de direitos fundamentais
Os Direitos Fundamentais são divididos por alguns doutrinadores em quatro gerações ou dimensões e por outros em cinco gerações, em razão de sua evolução histórica e são estabelecidas como gerações de Direitos Humanos.
Para Oliveira Júnior (2000, p. 97) os direitos de quarta e quinta gerações referem-se:
“Que, apesar de novos em se considerando o momento de seu reconhecimento, em princípio representam novas possibilidades de ameaças, à privacidade, liberdade, enfim, novas exigências da proteção à dignidade da pessoa, especialmente no que diz com os direitos de quarta geração”.
Quanto à evolução dos Direitos Fundamentais, estes são tradicionalmente classificados pela doutrina em gerações, ou dimensões, conforme entendem alguns autores, revelando a ideia de cumulação dos direitos, e não substituição de direitos, tendo em vista que por meio das diversas dimensões, promove-se a adaptação do mesmo direito a uma nova realidade, ou seja, a complementação dos direitos na esfera constitucional, ao longo dos anos.
É o que demonstra a doutrina pertinente ao assunto, conforme demonstrado abaixo:
“Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão ‘gerações’ pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo ‘dimensões’ dos direitos fundamentais, posição esta que aqui optamos por perfilhar, na esteira da mais moderna doutrina.” (SARLET, 2001, p. 49)
Os direitos ditos da primeira dimensão são direitos do indivíduo frente ao Estado, ou direitos de defesa, caracterizados pela não-intervenção, ou limitação da intervenção estatal na esfera da liberdade. São os direitos inerentes à liberdade, ou seja, os direitos civis e políticos, que passaram a ser objeto de preocupação a partir do século XVIII. Esses direitos, já se consolidaram em toda parte onde são reconhecidos os Direitos Fundamentais, estando presentes em todas as Constituições civis democráticas. (BONAVIDES, 2008)
Os direitos da segunda dimensão, surgiram no final do século XIX, após a Segunda Guerra Mundial com o advento do Estado Social. São os direitos econômicos, sociais, culturais e os direitos coletivos, advindos do constitucionalismo das diversas formas de Estado Social. Tais direitos podem ser conceituados da seguinte forma:
“Os direitos fundamentais de segunda geração são aqueles que exigem uma atividade prestacional do Estado, no sentido de buscar a superação das carências individuais e sociais. Por isso, em contraposição aos direitos fundamentais de primeira geração – chamados de direitos negativos –, os direitos fundamentais de segunda geração costumam ser denominados direitos positivos, pois, como se disse, reclamam não a abstenção, mas a presença do Estado em ações voltadas à menorização dos problemas sociais”. (ARAUJO, 2005, p. 116)
Já os Direitos Fundamentais da terceira dimensão são resultado das novas reivindicações da sociedade, ao final do século XX, em virtude do impacto tecnológico e suas consequências, não se destinando especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, nem de um grupo ou determinado Estado, mas à proteção de direitos de titularidade coletiva ou difusa, própria do gênero humano, tidos como valores supremos em termos de existencialidade concreta. São os direitos de fraternidade, de solidariedade, traduzindo-se num
meio ambiente equilibrado, no avanço tecnológico, à autodeterminação dos povos, à comunicação, à paz, entre outros. (SARLET, 2001).
Os chamados direitos de quarta geração, direitos suscitados na atualidade, que, conforme Bonavides, são os direitos a democracia, os direitos a informação e os direitos ao pluralismo. O argumento é de que os direitos fundamentais precisam acompanhar a globalização que, pondo fim as fronteiras entre os países, exigem sua universalização. (2008, p. 571).
Há quem defenda ainda, a existência de uma quinta dimensão dos Direitos Fundamentais, porém, é um tema ainda carente de estudo e investigações. Segundo Bonavides ainda, a paz configura um direito da quinta geração, argumentando que: […] “a dignidade jurídica da paz deriva do reconhecimento universal que se lhe deve enquanto pressuposto qualitativo da convivência humana, elemento de conservação da espécie, reino de segurança dos direitos.” (2008, p. 583).
2.6 Os direitos fundamentais sociais
Estes direitos dependem efetivamente de uma prestação estatal, tendo em vista a fundamentalidade material que estes possuem. A Constituição de 1988 acolheu-os expressamente em capítulo próprio, dos Direitos Sociais, no capítulo II, que engloba os Direitos e Garantias Fundamentais, diferentemente das constituições anteriores, nas quais os direitos sociais costumavam abrigar-se na classe dos direitos da ordem econômica e social.Conforme Sarlet, na Constituição vigente os direitos a prestações encontraram uma receptividade sem precedentes no constitucionalismo pátrio, resultando, inclusive, na abertura de um capítulo especialmente dedicado aos direitos sociais no catálogo dos direitos e garantias fundamentais. (2001, p. 189).
Por sua vez, Andreas Krell (2002, p. 19-20) enfoca que:
“Os Direitos Fundamentais Sociais não são direitos contra o Estado, mas sim direitos através do Estado, exigindo do poder público certas prestações materiais. São os Direitos Fundamentais do homem-social dentro de um modelo de Estado que tende cada vez mais a ser social, dando prevalência aos interesses coletivos antes que aos individuais. O Estado, mediante leis parlamentares, atos administrativos e a criação real de instalações de serviços públicos, deve definir, executar e implementar, conforme às circunstâncias, as chamadas ‘políticas sociais’ (de educação, saúde, assistência, previdência, trabalho, habitação) que facultem o gozo efetivo dos direitos constitucionalmente protegidos.”
Nesse sentido, é possível afirmar que os direitos a prestações, referem-se às ações fáticas positivas estatais, intimamente vinculadas às funções do Estado Social. Segundo Robert Alexy, tais direitos possuem caráter de auxílio à pretensão individual de um determinado cidadão, dependendo, acima de qualquer premissa, de uma atuação positiva do poder público, no sentido de criar, modificar e distribuir as prestações materiais necessárias. (ALEXY, 2008)
No entanto, embora os direitos sociais apresentem, em sua maioria, noções de direitos a prestações, estes vão além dessa classificação, incluindo em seu bojo as chamadas liberdades sociais, de cunho negativo ou de defesa, conforme aponta SARLET (2001, p. 191):
“Há que atentar para o fato de que os direitos a prestações não se restringem aos direitos a prestações materiais (direitos sociais prestacionais), englobando também a categoria dos direitos de proteção, no sentido de direitos a medidas ativas de proteção de posições jurídicas fundamentais dos indivíduos por parte do Estado, bem como os direitos a participação na organização e procedimento.”
Segundo o artigo 6º, da Constituição Federal, “são direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. (BRASIL, 2009).
É inegável que a eficácia dos Direitos Fundamentais Sociais a prestações materiais está condicionada aos recursos públicos disponíveis. (KRELL, 2002, p. 22). Porém, é certo que muitos autores e juízes não aceitam, até hoje, a obrigação do Estado de promover diretamente prestações individuais a pessoas que necessitam de alguma atividade relativa a saúde, educação, moradia ou alimentação, não reconhecendo os direitos sociais como condições da justiça social no país, deixando de dar a tais direitos a aplicação adequada. (SILVA apud KRELL, 2002, p. 23).
É por isso que destacamos a relevante importância da garantia dos direitos sociais pelo Estado, pois não há como se falar em liberdade plena, sem que sejam supridas as necessidades básicas de um povo.
Uma sociedade marcada por profundas desigualdades é, certamente, um comprometimento à liberdade da população. Por isso, os Direitos Fundamentais sociais requerem uma atenção especial no que tange a sua efetivação, tendo em vista a sua grande importância frente às necessidades essenciais da sociedade e disponibilização dos recursos públicos existentes.
O ilustríssimo autor Ferreira Filho (2005, p.3) afirma que: “A supremacia do Direito espelha-se no primado da Constituição. Esta, como lei das leis, documento escrito de organização e limitação do Poder, é uma criação do século das luzes. Por meio dela busca-se instituir o governo não arbitrário, organizado segundo normas que não pode alterar, limitado pelo respeito devido aos direitos do Homem”.
A Declaração de 1789 exprime essa ideia no artigo 16: “A sociedade em que não esteja assegurada a garantia dos direitos (fundamentais) nem estabelecida a separação de poderes não tem Constituição.”
2.7 Dos direitos humanos aos direitos fundamentais
Apesar de serem utilizados como sinônimos, parte da doutrina entende que há uma diferença entre os Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, que estes merecem certa atenção para que se possa compreender a necessidade do surgimento das garantias fundamentais como forma de assegurar a efetivação desses direitos.
Sarlet (2006, p. 35-36), ao procurar fazer uma distinção, menciona, preliminarmente, o aspecto espacial como fator preponderante, afirmando que a expressão “Direitos Humanos” está relacionada aos documentos de Direito Internacional, enquanto o termo “Direitos Fundamentais” é empregado para se referir aos direitos positivados e reconhecidos na esfera Constitucional de um determinado Estado.
Complementando a ideia do autor citado acima, Perez Luño (1999, p. 48) ensina que:
“Los derechos humanos aparecen como un conjunto de facultades e instituciones que, en cada momento histórico, concretan las exigencias de la dignidad, la libertad y la igualdad humana, las cuales deben ser reconocidas positivamente por los ordenamientos jurídicos a nivel nacional e internacional.”
Portanto, embora os direitos humanos sejam inerentes a própria condição humana seu reconhecimento, sua proteção é fruto de todo um processo histórico de luta contra o poder e de busca de um sentido para a humanidade.
Com relação aos Direitos Fundamentais, estes nascem a partir do processo de positivação dos direitos humanos, ou seja, a partir do reconhecimento, pelas legislações positivas de direitos considerados inerentes a pessoa humana. Desta forma, Canotilho (1998, p. 259) assevera que:
“As expressões direitos do homem e direitos fundamentais são frequentemente utilizadas como sinônimas. Segundo a sua origem e significado poderíamos distingui-las da seguinte maneira: direitos do homem são direitos válidos para todos os povos e em todos os tempos; direitos fundamentais são os direitos do homem, jurídico-institucionalmente garantidos e limitados espaço-temporalmente.”
Assim, pode-se afirmar que os Direitos Fundamentais seriam, portanto, aqueles positivados, vigentes na ordem constitucional de determinado Estado. Os Direitos Humanos são os que constam dos documentos internacionais, que reconhecem os direitos do ser humano, dando-lhes validade universal.
Ainda sobre o assunto, Francisco Gérson Marques de Lima (2002, p. 35) leciona que:
“Conquanto historicamente os direitos humanos tenham surgido no intuito de limitar a atuação do Estado, eles se desenvolveram para reclamar prestações positivas em favor dos cidadãos. Imprescindível, então o conteúdo garantístico de todas as categorias de direitos fundamentais”.
Nota-se que a positivação dos Direitos Humanos tem sido cada vez mais comum, podendo-se notar esse fato no rol de direitos fundamentais – individuais e sociais – todos listados pela Carta Magna; vale ressaltar que estes não podem sofrer restrições, porém perfeitamente passíveis de ampliação por meio de emenda constitucional.
2.8 As normas trabalhistas como objeto de proteção dos direitos fundamentais
A necessidade de superação da profunda desigualdade dos atores que compõem as relações de trabalho levou, como se viu, a criação do Direito do Trabalho, com a carga protetiva que ostenta em favor do hipossuficiente. O valor social atribuído ao trabalho faz com que direitos típicos desta relação privada, que envolve empregado e empregador, alcancem o status constitucional no Brasil, a partir de 1934. É em 1988, entretanto, que tais direitos alcançam o patamar de Direitos Fundamentais. Segundo Sarlet (2006, p. 91):
“Direitos fundamentais são, portanto, todas aquelas posições jurídicas concernentes às pessoas que, do ponto de vista do direito constitucional, positivo, foram, por seu conteúdo e importância (fundamentalidade em sentido material), integradas ao texto da Constituição e, portanto, retiradas da esfera de disponibilidade dos poderes constituídos (fundamentalidade formal), bem como as que, por seu conteúdo e significado, possam lhes ser equiparados, agregando-se à Constituição material, tendo, ou não, assento na Constituição formal”.
Da afirmação vislumbra-se que o autor classifica como fundamentais os direitos da pessoa positivados nas constituições, enquanto a expressão Direitos Humanos é reservada àqueles direitos previstos nos tratados internacionais. Sarlet (2006, p. 92) acrescenta os Direitos Humanos na esfera internacional e os Direitos Fundamentais na esfera nacional, justificando a adoção desta diferenciação.
Os direitos sociais alcançaram um plano diferenciado das constituições anteriores, dentre os Direitos e Garantias Fundamentais (STÜRMER, 2007, p. 79). Deslocam-se os direitos dos trabalhadores da ordem econômica e social, como apareciam antes nas constituições, para o capítulo dos Direitos e Garantias Fundamentais.
O legislador constituinte estabeleceu valor superior aos direitos aplicáveis às relações de trabalho. Isso se confirma em diversos momentos da Constituição de 1988, desde seu preâmbulo, passando pelos fundamentos (art. 1º, IV: “os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”) e pelos princípios gerais da atividade econômica (art. 170, caput: “A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa […]”, inciso VII: “redução das desigualdades regionais e sociais;” e inciso VIII: “busca do pleno emprego;”).
Bonavides (2007, p. 560) afirma que por meio de uma acepção mais específica e normativa “[…]: direitos fundamentais são aqueles direitos que o direito vigente qualifica como tais.”. Tal argumento é corroborado pelas duas ordens de afirmações acima: a posição em que inseridos os direitos trabalhistas (capítulo dos direitos e garantias fundamentais); e o valor atribuído ao trabalho, como se vê dos artigos referidos.
Esta concepção apela para a indivisibilidade dos Direitos Humanos e Fundamentais (LIMA JR., 1997, p. 159), superando o mito das gerações desses direitos. Admitir a percepção dos direitos humanos divididos em gerações, implica, em primeiro lugar, correr o risco de interpretar que uma geração sucede à outra, enquanto, na verdade, a uma se agrega a outra, formando um todo unitário (SCHÄFER, 2005, p. 63-67). De outro lado, considerar direitos de gerações diferentes faz com que se interprete que alguns são titulares dos direitos fundamentais de primeira geração (a exemplo do que dispõe o art. 5º da Constituição) e outros são titulares dos direitos de segunda geração (por exemplo, do art. 7º, da Constituição).
Portanto, necessária é a interpretação da unidade das “gerações” de Direitos Humanos (direitos da pessoa oriundos da esfera internacional) ou Direitos Fundamentais (reconhecidos positivamente por um estado). Dessa forma, os Direitos Trabalhistas não podem deixar de fazer parte de qualquer catálogo de Direitos Humanos ou Fundamentais.
No entanto, quando se busca na doutrina a confirmação que os Direitos Trabalhistas do artigo 7º da Constituição são fundamentais, os doutrinadores revestem-se de paradigmas superados para infirmar esta constatação.
Outrossim, é mais fácil confirmar que os Direitos Trabalhistas são verdadeiros Direitos Humanos do que encontrar autores brasileiros que reconheçam o traço de fundamentais aos direitos dos trabalhadores, o que é explicável, porque:
a) Aqueles integram os sistemas internacionais de proteção, o que viabiliza encontrar a doutrina estrangeira que assim os reconheça;
b) A mesma doutrina retrógrada que não reconhece os direitos trabalhistas como fundamentais – e, portanto, objetos da proteção e extensão previstas nos arts. 5º, §§ 1º e 2º, e 60, § 4º, IV, da Constituição – não reconhece nos Direitos Humanos, porque previstos em normas internacionais, a mesma efetividade das normas constitucionais.
Apesar disso, forçoso é reconhecer a fundamentalidade dos Direitos Trabalhistas previstos na Constituição, a começar com Sarlet (2006, p. 97) que apresenta:
“A acolhida expressa dos direitos sociais na CF de 1988, no título relativo aos direitos fundamentais, apesar de registrados em outro capítulo, inserindo a nossa Carta na tradição que se firmou no constitucionalismo do segundo pós-guerra, mas que encontra suas origens mais remotas na Constituição Mexicana de 1917 e, com particular relevo, na Constituição Alemã de 1919” (Constituição de Weimar).
Em várias outras passagens de sua obra, o autor reconhece expressamente a fundamentalidade dos Direitos Trabalhistas previstos na Constituição, em seus artigos 7º ao 11, afirmando que o Constituinte não estabeleceu distinção entre os direitos de liberdade e os direitos sociais e nem quis excluir do âmbito de aplicação do artigo 5º, § 1º, da Constituição os direitos políticos e de nacionalidade e os direitos sociais, “[…] cuja fundamentalidade – pelo menos no sentido formal – parece inquestionável.” (SARLET, 2006-a, p. 273). Nesse sentido, sustenta a aplicabilidade imediata “[…] de todos os direitos fundamentais constante do Catálogo (arts. 5º a 17), bem como dos localizados em outras partes do texto constitucional e nos tratados internacionais.” (2006, p. 273-274).
No entendimento de Silva (2003, p. 304), a Constituição Federal faz a integração harmônica entre todas as categorias de direitos fundamentais, não fazendo distinção entre direitos individuais e sociais. “De minha parte, sempre tomei a expressão direitos fundamentais da pessoa humana num sentido abrangente dos direitos sociais, e, portanto, não apenas os entendi como matéria constitucional, mas como matéria constitucional qualificada pelo valor transcendente da dignidade da pessoa humana.” (2003, p. 304). Ainda segundo o autor, a unidade dos Direitos Fundamentais é necessária na medida em que os direitos sociais “[…] valem como pressupostos de gozo dos direitos individuais na medida em que criam condições materiais mais propícias ao auferimento da igualdade real, o que, por sua vez, proporciona condição mais compatível com o exercício efetivo da liberdade.” (SILVA, 2003, p. 305).
Delgado (2006, p. 184), vai mais longe, com base na abertura do caput do artigo 7º da Constituição:
“Tais direitos fundamentais do trabalho também constam, evidentemente, da legislação heterônoma estatal, a qual completa o padrão mínimo de civilidade nas relações de poder e de riqueza inerentes à grande maioria do mercado laborativo próprio ao capitalismo” (caput do art. 7º, CF/88).
Na doutrina nacional já foi virtualmente pacificado o entendimento de que o rol dos direitos sociais (art. 6º) e o dos direitos sociais dos trabalhadores (art. 7º) são – a exemplo do art. 5º, § 2º, da CF – meramente exemplificativos, de tal sorte que ambos podem ser perfeitamente qualificados de cláusulas especiais de abertura. (SARLET, 2006-a, p. 97).
Considerar os direitos trabalhistas previstos na Constituição Federal de 1988 como direitos fundamentais alcança-lhes toda uma gama de garantias excepcionais.
É necessário, superar as interpretações feitas, por exemplo, por Arion Sayão Romita (apud CATHARINO, 1995, p. 119), a propósito da Revisão Constitucional de 1993, quando afirma: “O que o art. 60, § 4º, protege é a intangibilidade do art. 5º, mas a providência não se estende ao disposto nos arts. 6º a 11. Estes podem ser, portanto, livremente alterados pela revisão constitucional de 1993.”.
Do contrário, é necessário perceber a opinião apresentada por Filho (apud CATHARINO, 1995, p. 119), quando, reconhecendo ser “forte o argumento de que, na tradição brasileira, ‘direitos e garantias individuais’ é expressão que abrange somente a liberdade clássica. Esses direitos não poderiam ser abolidos com a revisão. O mesmo não ocorreria com os direitos sociais.”, pondera, entretanto, não ser despropositado “afirmar ser a expressão ‘direitos e garantias individuais’ equivalente a ‘direitos e garantias fundamentais’, reconhecendo que “Certamente esta última interpretação parece mais condizente com o espírito da constituição em vigor, incontestavelmente uma ‘constituição social”.
Neste mesmo sentido, reconhece Catharino (1995, p. 121) a inclusão dos direitos sociais entre os fundamentais, afirmando ser “Vedada a revisão tendente a abolir os direitos constantes dos arts. 7º a 11.”, o que definitivamente inclui os direitos do art. 7º dentre os fundamentais. Xisto Tiago de Medeiros Neto (2004, p. 86), além de acrescentar os direitos sociais dentre os fundamentais, aponta em suas conclusões o:
“Equívoco de uma visão estritamente literal da disposição do artigo 60, § 4º, inciso IV, da Carta Magna, e a necessidade de se lhe imprimir uma interpretação adequada e coerente com os critérios sistemático e teleológico, à luz dos princípios da unidade e da concordância prática, que são específicos da hermenêutica das normas constitucionais.”
Além da fundamentalidade dos direitos trabalhistas constitucionalmente previstos, a moderna doutrina tem classificado tais direitos como verdadeiros direitos humanos, conforme a concepção de Arnaldo Süssekind, Oscar Ermida Uriarte, Mario Elffman, Dalmo de Abreu Dallari e Mozart Victor Russomano (KÜMMEL, 2005, p. 224-225), dentre vários outros. Nesse sentido, eis a lição de Gilda Maciel Corrêa Meyer Russomano (2002, p. 11):
“Em uma sociedade na qual, cada vez mais, o homem vive do seu trabalho e a qual o acesso ao trabalho bem como o direito de exercê-lo constituem condições indispensáveis à dignidade e ao pleno desenvolvimento de sua personalidade, não há como excluir do conceito de direitos humanos os direitos fundamentais do trabalhador, tanto no plano individual quanto no plano coletivo das prerrogativas sindicais”.
Portanto, pode-se afirmar que os direitos trabalhistas constitucionais são Direitos Humanos e Fundamentais, pois, ao mesmo tempo, constam do catálogo dos tratados internacionais e são positivados pela norma constitucional.
Como consequência, pode-se afirmar que tem aplicação imediata (art. 5º, § 1º, da Constituição); não excluem outros decorrentes dos tratados internacionais (art. 5º, § 2º, da Constituição) – posições defendidas por Sarlet (2006, p. 272-274), fator determinante, pois admite as Convenções da OIT como verdadeiras normas constitucionais; são cláusulas pétreas (art. 60, § 4º, IV, da Constituição), como demonstrado acima – posição de Catharino (1995, p. 121); e tem eficácia não só contra o Estado, mas também contra terceiros ou particulares.
É necessário superar o paradigma econômico das relações de trabalho, que separa o sujeito trabalhador da sua força de trabalho (GEDIEL, 2006, p. 153-160), considerando este objeto do contrato de trabalho, permitindo toda sorte de violações aos direitos fundamentais da pessoa, de modo a erigir como núcleo essencial a ser protegido a sua dignidade.
A regulação do contrato de trabalho deve ter como objetivo o cumprimento de sua função social conforme (COUTINHO, 2006, p. 181):
“Para que possa servir de instrumento de garantia da erradicação da pobreza via distribuição de renda, despatrimonização do vínculo jurídico para preservação dos direitos fundamentais e, em especial, alocação da dignidade da pessoa humana como o fundamento axiológico de toda a produção jurídica que serve sobremaneira ao campo laboral.”
Sendo assim, é preciso olhar o Direito do Trabalho sob outro ponto de vista: o paradigma dos Direitos Fundamentais, retirando do mesmo seu caráter essencialmente patrimonialista, para garantir a promoção da dignidade da pessoa humana nas relações de trabalho.
Para isso, é necessário assegurar que os Direitos Fundamentais, na sua dimensão unitária, que supera a ideia de gerações de direitos e a divisão estanque de direitos sociais e direitos de liberdade (SCHÄFER, 2005, p. 63), são oponíveis em relação aos particulares.
Neto (2006, p. 45-46) defende a efetividade dos Direitos Fundamentais, visto que a própria Constituição passou a tratar de temas classicamente afetos ao direito privado, passando a consagrar princípios e valores aplicáveis às relações entre particulares, concluindo que a Constituição deve ser aplicada diretamente às relações privadas. Diga-se de passagem, que tal análise tem por objeto a constitucionalização do direito privado, porém essencialmente em relação ao direito civil.
A busca pela concretização dos Direitos Fundamentais no âmbito das relações trabalhistas o materializa sua razão de ser no reconhecimento da profunda desigualdade que se verifica entre os sujeitos dessas relações. Nesse sentido, é necessário “[…] relembrar que também entre dois sujeitos privados em situação de manifesta desigualdade (exercício de poder econômico social) nos deparamos com uma relação de cunho vertical” (SARLET, 2000, p. 155).
Embora não se elimine a autonomia privada dos particulares, o avanço dos direitos fundamentais sobre os direitos privados representa conquista política, social e jurídica da sociedade (MARQUES, 2005, p. 182), nem sempre compreendida nas relações de trabalho.
No âmbito internacional a imposição dos Direitos Humanos aos particulares é uma realidade, sendo “frecuente encontrar en tratados de derechos humanos normas que establecen derechos cuyo sujeto passivo es un particular.”. Os exemplos são diversos, e para ficar na seara trabalhista, basta citar o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (COURTIS, 2006, p. 408), bem como as próprias Convenções da OIT.
Deve-se entender que antes de trabalhador, este é pessoa. Se por um lado é destinatário das normas trabalhistas; é também em relação a todos os direitos que representem a prevalência da dignidade humana.
A vinculação aos Direitos Fundamentais não é um caminho sem sobressaltos no âmbito trabalhista. No que se refere à doutrina tradicional, tal consideração, normalmente, não vem à baila, como se os direitos fundamentais do art. 5º, não se comunicassem com os direitos trabalhistas. Basta ver a “descoberta” de que, a partir do reconhecimento dos direitos da personalidade no Código Civil de 2002 (artigos 11 a 21), em um exercício de interpretação tradicional, por força do art. 8º, parágrafo único da CLT, estes passariam a aplicar-se aos trabalhadores (GUNTHER; ZORNIG, 2003. p. 46; MALLET, 2003, p. 56-57).
Pensar assim é negar a eficácia dos Direitos Fundamentais junto às relações de trabalho, e que somente por operações de interpretação infraconstitucional se compreende que o trabalhador não deixa de ser pessoa quando está sob as ordens do empregador.
A “eficácia dos Direitos Fundamentais nas relações entre particulares”, expressão de Sarlet (2000, p. 155), vai gerar, nas relações de trabalho, outra problemática: os direitos fundamentais não escolhem lado, mas são titularizados por trabalhadores e empregadores. Frente a frente Direitos Fundamentais, ocorre o fenômeno denominado colisão de Direitos Fundamentais, “existente quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do Direito Fundamental por parte de outro titular ” (SCHÄFER, 2001, p. 76-77).
3 A ordem pública e os direitos materiais e o direito fundamental
3.1 Pode-se dispor de um direito fundamental?
A noção de irrenunciabilidade pode ser expressa em termos muito mais gerais na forma seguinte: a impossibilidade jurídica de privar-se voluntariamente de uma ou mais vantagens concedidas pelo direito trabalhista em benefício próprio. […] A proibição de renunciar importa em excluir a possibilidade de poder realizar-se, de maneira válida e eficaz, o desligamento voluntário dos direitos, ao âmbito alcançado por aquela proibição. (RODRIGUEZ, 2000, p. 142-143).
A lei prevê expressamente os casos em que o direito é irrenunciável, exempli gratia:
“Código Civil. Art. 11. Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária.
Lei Complementar nº 26/75. Art. 4º As importâncias creditadas nas contas individuais dos participantes do PIS-PASEP são inalienáveis, impenhoráveis e, ressalvado o disposto nos parágrafos deste artigo, indisponíveis por seus titulares.”
Para Cairo Junior (2012, p. 119) a indisponibilidade pode ser absoluta ou relativa. É absoluta quando o titular do direito subjetivo em momento algum ou sob qualquer circunstância pode dele se despojar. Quando somente em certas situações previstas em lei o indivíduo pode dispor do direito de que é titular, a hipótese será de indisponibilidade relativa.
O Direito Trabalhista tem como pilar o princípio protecionista. Neste caso, o empregado ocupa uma posição de superioridade no plano jurídico em relação ao empregador, como forma de compensar a desigualdade existente entre estes. Assim, a permissão da renúncia aos direitos mínimos estabelecidos pela lei ao empregado implicaria o término do próprio Direito do Trabalho. No dizer de Camino, (1999, p. 57):
“Fosse permitido ao trabalhador dispor de seus direitos, os postulados que orientam o Direito do Trabalho não passariam de belas teses. A premência do empregado, a necessidade prover a subsistência, a disputa no mercado de trabalho, a desinformação, a própria vulnerabilidade decorrente da inferioridade hierárquica em relação ao empregador tornaria o trabalhador alvo fácil de avencas lesivas. Daí a natureza publicista das normas que tutelam a relação de emprego, consubstanciadas no contrato mínimo legal, indisponível, portanto, irrenunciável.”
Com base no princípio da irrenunciabilidade pode-se afirmar que não protege apenas a pessoa individual do trabalhador, mas também toda a categoria profissional. Logo, não se pode renunciar ao direito de anotar o contrato em CTPS, ao direito de receber a indenização compensatória de 40% do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) no caso de despedida sem justa causa, já que tais direitos são de ordem pública, e por tais razões irrenunciáveis.
Destaca-se dentre as normas de ordem pública absoluta as relacionadas com a medicina e segurança do trabalho; proteção da mulher; jornada de trabalho e maternidade, que estão previstas na CLT – Art. 47/56; 120; 153; 201; 364; 401.
A jurisprudência já se manifestou nesse sentido:
“INTERVALO INTRAJORNADA – SUPRESSÃO PARCIAL – PAGAMENTO INTEGRAL – A supressão do intervalo intrajornada, ainda que parcial, encontra óbice no artigo 71. Caput e § 4º da CLT, norma de ordem pública de proteção à saúde, higiene e segurança do trabalho e, portanto, irrenunciável (inteligência da OJ 342, da SDI, do TST). Aplica-se à espécie a Orientação Jurisprudencial 307, da SDI, do TST”. (TRT 3ª R. RO 1598/2009-087-03-00.7. Rel. Juiz Conv. Fernando Luiz G. Rios Netto. DEJT 08.11.2010).
Sendo assim, os Direitos Fundamentais elencados na Constituição Federal são direitos indisponíveis, logo, trata-se do princípio da irrenunciabilidade. De acordo com este, o trabalhador não pode renunciar a um direito que está incorporado ao seu patrimônio jurídico, ou seja, o trabalhador não pode abrir mão de direitos que lhe são assegurados, sob pena de enfraquecer, gradativamente, o arcabouço de proteção jurídica que foram conquistados ao longo da história.
3.2 Consequência patrimonial do direito e disponibilidade
Sucintamente, a disponibilidade é a qualidade ou estado de disponível, ou seja, é o que se pode dispor. É disponível o direito sobre o qual as partes podem transigir (CC, art. 841), abrir mão. Os direitos patrimoniais disponíveis são aqueles em que é possível contratar ou transigir sem ferir normas de ordem pública.
A Lei nº 9.307/96 indica no seu art. 1º, condicionantes para que as partes, envolvidas em relação jurídica, possam pactuar a submissão de eventuais conflitos à arbitragem, a saber, que sejam capazes de contratar e que o litígio seja pertinente a direitos patrimoniais disponíveis.
Por intermédio da arbitragem, os interessados elegem uma terceira pessoa para apresentar uma solução de cumprimento obrigatório ao conflito, podendo ser instaurada mesmo nas hipóteses em que haja processo judicial em curso. (CAIRO JUNIOR, 2012, p. 78).
Vale ressaltar que a possibilidade de escolha dessa via alternativa de composição de conflitos encontra-se limitada de forma subjetiva e objetiva. Desta forma, só podem recorrer à arbitragem que for maior e capaz. Pode-se afirmar que a matéria posta à apreciação do árbitro deve versar sobre direitos patrimoniais disponíveis, são justamente os considerados direitos em que o titular pode negociar livremente. Portanto, os conflitos que tratam acerca de direitos indisponíveis são se submeterão a este.
Cairo Junior (2012, p. 80) aborda sobre o posicionamento doutrinário sobre os Direitos Trabalhistas: “Muitos autores defendem o caráter irrenunciável dos direitos trabalhistas. Todavia, a doutrina tradicional posiciona-se no sentindo de conferir esse privilégio às verbas devidas ao empregado no momento da formação e durante o contrato de trabalho, findo esses, não estaria mais o trabalhador submetido ao poder do seu patrão, sendo desnecessária a proteção do ordenamento jurídico nesse aspecto.”
Abaixo, encontra-se uma decisão do TST abordando sobre a possibilidade de recorrer-se à arbitragem para solucionar os conflitos individuais trabalhistas:
“AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. JUÍZO ARBITRAL. COISA JULGADA. LEI Nº 9.307/96. CONSTITUCIONALIDADE. O art. 5º, XXXV, da Constituição Federal dispõe sobre a garantia constitucional da universalidade da jurisdição, a qual, por definir que nenhuma lesão ou ameaça a direito pode ser excluída da apreciação do Poder Judiciário, não se incompatibiliza com o compromisso arbitral e os efeitos de coisa julgada de que trata a Lei nº 9.307/96. É que a arbitragem se caracteriza como forma alternativa de prevenção ou solução de conflitos à qual as partes aderem, por força de suas próprias vontades, e o inciso XXXV do art. 5º da Constituição Federal não impõe o direito à ação como um dever, no sentido de que todo e qualquer litígio deve ser submetido ao Poder Judiciário. Dessa forma, as partes, ao adotarem a arbitragem, tão-só por isso, não praticam ato de lesão ou ameaça à direito. Assim, reconhecido pela Corte Regional que a sentença arbitral foi proferida nos termos da lei e que não há vício na decisão proferida pelo juízo arbitral, não se há de falar em afronta ao mencionado dispositivo constitucional ou em inconstitucionalidade da Lei nº 9.307/96. Despicienda a discussão em torno dos arts. 940 do Código Civil e 477 da CLT ou de que o termo de arbitragem não é válido por falta de juntada de documentos, haja vista que reconhecido pelo Tribunal Regional que a sentença arbitral observou os termos da Lei nº 9.307/96 – a qual não exige a observação daqueles dispositivos legais – e não tratou da necessidade de apresentação de documentos (aplicação das Súmulas nºs 126 e 422 do TST). Os arestos apresentados para confronto de teses são inservíveis, a teor da alínea "a" do artigo 896 da CLT e da Súmula nº 296 desta Corte. Agravo de instrumento a que se nega provimento.”(AIRR – 147500-16.2000.5.05.0193 , Relator Ministro: Pedro Paulo Manus, Data de Julgamento: 15/10/2008, 7ª Turma, Data de Publicação: 17/10/2008).
Desde que preservados os princípios inerentes ao Direito Individual do Trabalho, pode o instituto da arbitragem ser aplicado no ramo trabalhista. Portanto, a CLT traz em seu bojo ordenamento de natureza pública, administrativa e privada, além das regras processuais que permitem se discutir e fazer valer os direitos contidos no mesmo código.
Há uma forte resistência quanto à compatibilidade da arbitragem como o Direito Individual do Trabalho. Afinal, neste ramo prevalece a noção de indisponibilidade de direitos trabalhistas, não se compreendendo como poderia ter validade certa decisão de árbitro particular que suprimisse direitos indisponíveis do trabalhador. (DELGADO, 2011, p. 165).
Contrário a esse posicionamento, Nascimento (2002, p. 18): “[…] o que mostra que sua finalidade não é trabalhista, porque visa atender a questões de comércio, especialmente tendo em vista o Mercosul. Nada impede, no entanto, a sua aplicação nas relações de trabalho”.
Logo, há uma divergência entre jurisprudência e doutrinadores acerca da utilização da arbitragem como um meio eficaz para solucionar conflitos individuais trabalhistas.
Para os ministros da 8ª turma do TST não pode aplicar a Lei da arbitragem nº 9.307/96 nas relações trabalhistas. Na legislação, prevê no seu artigo 1º que as pessoas capazes de contratar poderão valer-se da arbitragem para dirimir litígios relativos a direitos patrimoniais disponíveis. Porém, a norma legal não incide nas relações empregatícias, pois versa apenas sobre direitos patrimoniais disponíveis. Segundo a jurisprudência da Corte Superior, os direitos trabalhistas são indisponíveis e irrenunciáveis, na medida em que se considera a ausência de equilíbrio na relação entre empregado e empregador.
Acredita-se que o empregado ao buscar a arbitragem para a solução do conflito trabalhista, terá a violação do seu direito e como consequência, gerará a violação dos Direitos Fundamentais da pessoa humana.
3.3 No âmbito coletivo, pode haver a relativização de um direito fundamental social do trabalhador?
3.3.1 Do Direito Fundamental às Convenções e Acordos Coletivos
A convenção coletiva de trabalho é um instrumento normativo que visa a estabelecer melhores condições de trabalho para os integrantes da categoria profissional representada pelo respectivo sindicato na formalização do instrumento.
Segundo o autor José Cairo Júnior (2009, p. 859):
“A convenção coletiva de trabalho é um instrumento normativo derivado da negociação coletiva havida entre o sindicato da categoria profissional e o respectivo sindicato da categoria econômica, tendo como objetivo a fixação de novas condições de trabalho.”
Nota-se que o doutrinador indica o caráter normativo da Convenção Coletiva de Trabalho, além de frisar o objetivo de fixação de novas condições de trabalho. Dessa afirmação se extrai duas situações distintas. A primeira está ligada ao fato de o autor não impor “melhores” condições de trabalho, porém apenas “novas”, podendo sugerir que, por meio da convenção coletiva de trabalho, possa se estabelecer piores condições trabalhistas.
Com efeito, não está totalmente equivocado o doutrinador citado acima, uma vez que a própria Constituição Federal apresenta hipótese de retrogradação das condições de trabalho, quando permite expressamente a possibilidade de redução do salário por meio da convenção coletiva de trabalho.
Orlando Gomes (1996, p. 46) entende a Convenção Coletiva de Trabalho como uma regulamentação prévia de condições de trabalho, estabelecida, por acordo, entre entidades organizadas de empregados e empregadores.
As Convenções Coletivas de Trabalho têm como escopo constituir condições aplicáveis a terceiros, ou seja, a instituição de normas de conduta que serão aplicadas às relações individuais e obrigações entre os sujeitos coletivos estipulantes. (NASCIMENTO, 2000, p. 278).
Pela definição do autor citado acima, percebe-se, desde já, um ponto importante que será objeto de discussão quando da análise da natureza jurídica da convenção coletiva de trabalho, qual seja a coexistência de conteúdo normativo e obrigacional naquele instrumento.
Percebe-se um ponto importante que será objeto de discussão quando da análise da natureza jurídica da Convenção Coletiva de Trabalho, qual seja a coexistência de conteúdo normativo e obrigacional naquele instrumento.
Vale destacar o entendimento doutrinário de Maurício Godinho Delgado (2005, p. 1376) sobre a convenção coletiva de trabalho:
“As convenções coletivas, embora de origem privada, criam regras jurídicas (normas autônomas), isto é, preceitos gerais, abstratos e impessoais, dirigidos a normatizar situações ad futurum. Correspondem, consequentemente, à noção de lei em sentido material, traduzindo ato-regra (Duguit) ou comando abstrato. São, desse modo, do ponto de vista substantivo (ou seja, de seu conteúdo), diplomas desveladores de inquestionáveis regras jurídicas (embora existam também no seu interior cláusulas contratuais.”
Com base na definição do autor, nota-se seu posicionamento acerca da natureza jurídica da Convenção Coletiva de Trabalho, compreendendo-a como lei em sentido material, ainda que existam cláusulas de caráter contratual no seu interior.
Encontra-se no ordenamento jurídico no artigo 611 caput a melhor definição sobre a convenção coletiva de trabalho.
“Art. 611 – Convenção Coletiva de Trabalho é o acordo de caráter normativo, pelo qual dois ou mais sindicatos representativos de categorias econômicas e profissionais estipulam condições de trabalho aplicáveis, no âmbito das respectivas representações, às relações individuais de trabalho”.
Já o Acordo Coletivo de Trabalho conforme artigo 611, § 1º, é o pacto (acordo) realizados entre uma ou mais empresas com o sindicato da categoria profissional, em que são estabelecidas condições de trabalho, aplicáveis a essas empresas.
“§ 1º – É facultado aos sindicatos representativos de categorias profissionais celebrar Acordos Coletivos com uma ou mais empresas da correspondente categoria econômica, que estipulem condições de trabalho, aplicáveis no âmbito da empresa ou das empresas acordantes às respectivas relações de trabalho”.
3.3.2 Ponderação entre Princípios do Direito e Consequências aos Direitos Fundamentais
CANOTILHO (2002, p. 1253) aborda o tema e conceitua a Colisão de Direitos fundamentais de modo bipartido:
“Considera-se existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte de seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular…A colisão de direitos em sentido impróprio tem lugar quando o exercício de um direito fundamental colide com outros bens constitucionalmente protegidos.”
Estes exemplos demonstrados por Canotilho para compreensão destas duas dimensões da colisão tratam em primeiro lugar da colisão autêntica, daquela em que os direitos propriamente ditos colidem entre si, assim, como por exemplo, a liberdade de imprensa dos Órgãos da Comunicação Social, implica a liberdade de informação e expressão por parte destes profissionais, o que, entretanto, é suscetível de colisão com direitos personalíssimos tais como honra, imagem, privacidade e intimidade.
Steinmetz (2011, p. 63) elabora um estudo específico sobre a colisão de direitos fundamentais e o princípio da proporcionalidade, indagando, nos seguintes termos: “Por que há colisões? […] os direitos colidem porque não estão dados de uma vez por todas; não se esgotam no plano de interpretação in abstracto. As normas de Direito Fundamental se mostram abertas e móveis quando da sua realização ou concretização da vida social. Daí a ocorrência de colisões. Onde há um catálogo de Direitos Fundamentais constitucionalizados, há colisões in concreto.”
Diante da última afirmativa de Wilson Antônio Steinmetz, é possível comprovar sua tese na própria jurisprudência do STF, por meio da frequente ocorrência destes conflitos, subtraindo da Corte um posicionamento específico sobre determinada questão.
4 A flexibilização dos direitos fundamentais do trabalhador
4.1 Tentativa de conceituação do fenômeno flexibilização
Etimologicamente, segundo Antônio Álvares da Silva, "[…] o verbo português "flexibilizar" provém do latino "flecto, flectis, flectere, flexi, flectum", que significa curvar, dobrar, fletir. Depois, por complementação semântica, possui vários sentidos conexos ou paralelos, tais como fazer voltar, dirigir o rumo, tornear, mover, comover, mudar, modificar. Flectere arcus – disender o arco. Flectere gemina acies – voltar os dois olhos. Flecti cursos ou iter – ter o curso mudado, desviar, afastar, etc. A palavra tem, portanto, dois sentidos. Um, o etimológico, que é o básico: dobrar. O outro, figurado, mudar de curso, de posição, etc. De fato, toda vez que flexibiliza, inclusive no Direito, muda-se de situação[…]. (SILVA, 2002, p. 52).
Para Palomeque (1995, p. 23), o adjetivo flexível significa dobrar ou curvar. O substantivo flexibilidade indica qualidade de flexível; elasticidade, destreza, agilidade, flexão, flexura; faculdade de ser manejado […] na prática, os estudiosos acabaram preferindo a palavra flexibilização.
A produção da doutrina sobre o tema logrado – pelo menos a maioria, enfoca o cerne do fenômeno fornecendo um conceito mais preciso. A flexibilização fundamenta-se ideologicamente na economia de mercado e na saúde financeira da empresa, justificando-se para que uma empresa saudável gere empregos. É também fundamento da flexibilização a grande massa de excluídos do mercado formal que, com a flexibilização, passaria a integrar o mercado oficial do trabalho e teria, portanto mais dignidade. (GONÇALVES, 2007, p. 115).
Gonçalves (2007, p. 132) expõe ainda a observação de Nassif (2001, p. 96) de que “é importante ressaltar que muitos dos direitos que o governo pretende flexibilizar são direitos patrimoniais indisponíveis mesmo coletivamente, ou seja, mesmo por via de acordo ou convenção coletiva”.
Já Nassar (1991, p. 20) entende que a flexibilização do Direito do Trabalho é “a parte integrante do processo maior de flexibilização do mercado de trabalho, consistente no conjunto de medidas destinadas a dotar o Direito Laboral de novos mecanismos capazes de compatibilizá-lo com as mutuações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa exigentes de pronto ajustamento”.
Com base na definição citada acima, constata-se a realidade da flexibilização do mercado laboral, necessitando haver um sistema para melhor adaptar a realidade conforme a previsão legal.
Flexibilização é a possibilidade de as partes – trabalhador e empresa – estabelecerem, diretamente ou por meio de suas entidades sindicais, a regulamentação de suas relações sem total subordinação do Estado, procurando regulá-las na forma que melhor atenda aos interesses de cada um, trocando recíprocas concessões. (MALHADAS, 1991, p. 143).
As definições citadas abrangem diversos aspectos. Na realidade, a flexibilização abarca uma série de aspectos, conforme o Direito de cada país. Desta forma, existindo várias formas de flexibilização por conta de cada sistema.
De forma geral, Sérgio Pinto Martins (2009) faz uma definição sobre o tema:
“Prefiro dizer que a flexibilização das condições de trabalho é o conjunto de regras que tem por objetivo instruir mecanismos tendentes a compatibilizar as mudanças de ordem econômica, tecnológica, política ou social existentes na relação entre o capital e o trabalho.”
Portanto, não se trata de flexibilização do Direito do Trabalho, mas sim das condições de trabalho, das regras que merecem certa atenção em relação ao pacto laboral. O objetivo do Direito Trabalhista é de melhorar as condições de trabalho. Assim, não há de se falar em flexibilidade do Direito do Trabalho.
4.2 Diferença entre flexibilização e desregulamentação
Diante do grande debate, faz-se necessário uma breve diferenciação entre a flexibilização das normas trabalhistas e a sua desregulamentação.
Arnaldo Süssekind faz a distinção entre flexibilização e desregulamentação: "[…] a desregulamentação do Direito do Trabalho, que alguns autores consideram uma das formas de flexibilização, com esta não se confunde. A desregulamentação retira a proteção do Estado ao trabalhador, permitindo que a autonomia privada, individual ou coletiva, regule as condições de trabalho e os direitos e obrigações advindos da relação de emprego. Já a flexibilização pressupõe a intervenção estatal, ainda que básica, com normas gerais abaixo das quais não se pode conceber a vida do trabalhador com dignidade. (SÜSSEKIND, 2003, p. 52).
Sérgio Pinto Martins (2009, p. 14), por exemplo, assinala que:
“Não se confunde flexibilização com desregulamentação. Desregulamentar significa desprover de normas heterônomas as relações de trabalho. Na desregulamentação o Estado deixa de intervir na área trabalhista, não havendo limites na lei para questões trabalhistas, que ficam a cargo da negociação individual ou coletiva. Na desregulamentação a lei simplesmente deixa de existir. Na flexibilização, são alteradas as regras existentes, diminuindo a intervenção do Estado, porém garantindo um mínimo indispensável de proteção ao empregado, para que este possa sobreviver, sendo a proteção mínima necessária. A flexibilização é feita com a participação do sindicato. Em certos casos, porém, é permitida a negociação coletiva para modificar alguns direitos, como reduzir salários, reduzir e compensar jornada de trabalho, como ocorre nas crises econômicas.”
4.3 As horas itinerantes como norma mínima de proteção ao trabalhador
As horas in itinere também denominadas de horas itinerantes ou tempo de deslocamento podem ser conceituadas como o tempo que o trabalhador gasta para o deslocamento do trajeto casa trabalho, assim como o seu retorno. Está regulada no artigo 58, §2º, da CLT onde, via de regra, não remunera o trabalhador como se horas trabalhadas fossem quando o trajeto além de ser de fácil acesso, é servido por transporte público regular e o empregador não fornece a condução. No entanto, a exceção a regra é que será objeto de estudo no presente trabalho quando abordaremos apenas aquelas horas que o artigo 58, §2º, da CLT excepciona como computo da jornada de trabalho.
Segundo o professor Delgado (2006, p. 840) o artigo 58, §2º, da CLT não trouxe novidades para o que na prática já vinha sendo aplicado, já que esse artigo apenas reproduziu o critério jurídico assentado pela jurisprudência do TST por meio da Súmula 90, I. Assim, definiu com bastante clareza o critério adotado tanto pela CLT quanto pela Súmula do TST. Observa-se:
“A partir desse critério jurídico, considera-se integrante dessa jornada laborativa o período que o obreiro despenda no deslocamento ida-e-volta para o local de trabalho considerado de difícil acesso ou não servido por transporte público, desde que transportado por condução fornecida pelo empregador” (Sum. 90, I, TST; art. 58, §2º, CLT).
Conforme os dois requisitos exigidos pelo artigo supracitado, quais sejam: que o trabalhador seja transportado por condução fornecida pelo empregador e que o local seja de difícil acesso e não servido por transporte público regular, não havia dúvidas quanto ao pagamento dessas horas de deslocamento.
Contudo, de acordo com as necessidades da economia como a preservação das empresas e aumento do número de postos de trabalho fizeram mudar um pouco esse paradigma, trazendo para o mundo a flexibilização de direitos trabalhistas. Para compreender o que vem a ser esse instituto da flexibilização é importante atentar-se ao entendimento de Rosita de Nazaré Sidrim Nassar (2004, p. 115) que conceitua tal instituto como sendo: “conjunto de medidas destinadas a dotar o Direito Laboral de novos mecanismos capazes de compatibilizá-lo com as mutações decorrentes de fatores de ordem econômica, tecnológica ou de natureza diversa exigentes de pronto ajustamento”.
A jurisprudência entende que as horas itinerantes constituem norma mínima de proteção ao trabalhador, conforme decisão abaixo:
“I – AGRAVO DE INSTRUMENTO. HORAS -IN ITINERE-. POSSIBILIDADE DE DEFINIÇÃO DA DURAÇÃO DO TRAJETO EM NORMA COLETIVA. A potencial ofensa ao art. 7º, XXVI, da Carta Magna, encoraja o processamento do recurso de revista, na via do art. 896, c, da CLT. Agravo de instrumento conhecido e provido.
II – RECURSO DE REVISTA. HORAS -IN ITINERE-. POSSIBILIDADE DE DEFINIÇÃO DA DURAÇÃO DO TRAJETO EM NORMA COLETIVA. 1. Não há dúvidas de que o art. 7ºº, inciso XXVI, da Constituição Federal chancela a relevância que o Direito do Trabalho empresta à negociação coletiva. Até a edição da Lei nº 10.243/2001, o conceito de horas -in itinere- decorria de construção jurisprudencial, extraída do art. 4º da CLT, não havendo, à época, preceito legal que, expressamente, normatizasse o instituto. Estavam os atores sociais, em tal conjuntura, livres para a negociação coletiva. 2. Modificou-se a situação com o diploma legal referido, quando acresceu ao art. 58 da CLT o § 2º: a matéria alcançou tessitura legal, incluindo-se a remuneração das horas -in itinere- entre as garantias mínimas asseguradas aos trabalhadores.” ( TST – RECURSO DE REVISTA: RR 816006720095150072 81600-67.2009.5.15.0072, 3ª Turma).
4.4 Flexibilização do FGTS
A Lei do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço teve exatamente a intenção de extinguir este regime de estabilidade. Inicialmente um regime opcional, cuja escolha competia ao trabalhador, o FGTS passou, rapidamente, a ser imposto pelos empregadores que, ao contratar, queriam ter a liberdade de poder se desfazer dos seus empregados tão logo houvesse uma alteração na conjuntura empresarial.
Substituía-se a segurança no emprego por um depósito de valores, que corresponderiam a um salário por ano na hipótese de desligamento sem justo motivo. Os valores objeto de tais depósitos passaram a servir para financiar o Sistema Financeiro da Habitação.
Na Constituição de 1988 a opção pelo regime do FGTS passou a ser obrigatória, em uma situação inteiramente contraditória ao conteúdo do inc. I do art. 7º constitucional, que previa a garantia do emprego aos trabalhadores. Nada obstante esta garantia foi substituída, a título de disposição transitória, a um acréscimo de 40% sobre o valor dos depósitos a serem satisfeitos pelo empregador no momento da despedida.
Finalmente em 1995 por meio da Lei 8.036/95 os recursos do FGTS passaram a ser centralizados na Caixa Econômica Federal, o que serviu, ao menos, para que os trabalhadores despedidos não fossem condenados ainda a peregrinar por incontáveis agências bancárias em busca dos recolhimentos dos valores por seus empregadores que, muitas vezes, os diluíam em diversas instituições.
No tocante ao FGTS, cabe ao empregador recolher o percentual de 8% sobre o valor do salário recebido pelo empregado, incidindo, também, sobre o valor das horas extras; dos adicionais de periculosidade e insalubridade e do trabalho noturno; do 13º salário; o valor das férias sobre o valor do aviso prévio, trabalhado ou indenizado.
Este tributo, "é igualmente contribuição, imposto finalístico, de natureza social", serviu de substituição ao antigo sistema de estabilidade empregatícia, mas ainda assim importa no ônus do empregador que, com a incidência apenas deste encargo, se vê compelido ao pagamento de – aproximadamente – outro salário no lapso temporal de um ano.
Por facilitar a despedida do trabalhador e, muitas vezes incentivá-lo (objetivando a obtenção de uma verba considerável, e de forma imediata) a negociar um desligamento, a instituição do FGTS é considerada por muitos como uma norma flexibilizadora e prejudicial à classe trabalhadora.
Não é ocioso ressaltar que um regime de empregos estáveis é muito saudável para a economia interna de um país, na medida em que, assegurando-se aos trabalhadores uma renda mensal, haverá uma redução na inadimplência, o que representará a redução do risco e, por conseguinte, a redução dos juros.
Além disso, havendo a segurança na manutenção dos ganhos, os trabalhadores terão maiores condições de adquirir bens duráveis, adquirir ou investir em ampliação de seus imóveis, ou realizar outros investimentos que, por fazer ingressar dinheiro na economia, favorecem o crescimento econômico.
4.5 Estabilidade para gestante contratada por tempo determinado
O TST (Tribunal Superior do Trabalho) reconheceu a estabilidade provisória da gestante mesmo quando o contrato de trabalho for por tempo determinado.
A redação anterior do item III da Súmula 244 era expressa no sentido de que a empregada gestante que fosse admitida mediante contrato de experiência não teria direito à estabilidade provisória. A justificativa era a de que a extinção da relação empregatícia dava-se em razão do término do prazo contratual, não constituindo dispensa arbitrária ou sem justa causa.
Por meio da Resolução 185 do Tribunal Superior do Trabalho, o item III, da Súmula 244 do Tribunal Superior do Trabalho passou a ter uma nova redação assegurando o direito da empregada gestante à estabilidade provisória na hipótese de admissão mediante contrato de experiência ou por prazo determinado, conforme a Súmula nº 244 abaixo:
“Súmula nº 244 do TST – GESTANTE. ESTABILIDADE PROVISÓRIA.
I – O desconhecimento do estado gravídico pelo empregador não afasta o direito ao pagamento da indenização decorrente da estabilidade (art. 10, II, “b” do ADCT).
II – A garantia de emprego à gestante só autoriza a reintegração se esta se der durante o período de estabilidade. Do contrário, a garantia restringe-se aos salários e demais direitos correspondentes ao período de estabilidade.
III – A empregada gestante tem direito à estabilidade provisória prevista no art. 10, inciso II, alínea “b”, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, mesmo na hipótese de admissão mediante contrato por tempo determinado. (Redação alterada pela Resolução n° 185 do Tribunal Superior” do Trabalho realizada em 14.09.2012 – DJU – 26.09.2012)
4.6 Vantagens e desvantagens da flexibilização trabalhista
Os Argumentos Favoráveis à Flexibilização, Podemos considerar, Segundo Nascimento (2003), os avanços das conquistas trabalhistas que se tornaram excessivamente onerosos para as empresas e isto provoca inevitáveis cortes de pessoal e como consequência o desemprego. Defendem ainda a substituição do sistema atual, com o objetivo de permitir a prevalência do processo negocial sobre o processo estatal de formação das normas jurídicas, ou seja, o negociado prevalecendo sobre o legislado.
Como enuncia Magano (2006) o tema contratação coletiva, encontra-se na ordem do Dia. Há justificada curiosidade em torno do mesmo, e divergências também. Alguns são decididamente favoráveis, outros são céticos. Os seus defensores bradam contra a interferência do Estado, acreditando que as organizações sindicais dispõem de força que lhes permite dialogar a partir de posições idênticas aos dos empregadores. Assim ao invés da rígida técnica de regulação por meio da lei, substituir-se-ia esta forma de tutela do empregado por outras, como acordos e convenções coletivas, mediação, conciliação ou arbitragem.
Para Pastore (1995), referindo-se aos encargos sociais, sustenta que o Brasil é considerado o campeão de impostos e de encargos sociais, sendo um país de encargos altos e salários baixos, o que faz o trabalhador receber pouco e custar muito mais para a empresa.
Por sua vez, Robortella (1994) afirma que se os resultados da flexibilização não são os esperados, nem por isto haverá de negar os aspectos positivos da flexibilidade, como a valorização da liberdade individual. Os adeptos à flexibilização sustentam que deve ser reinterpretado o princípio do “favor laboratoris”, nos casos com empresas com dificuldades econômicas, pois será mais favorável continuar empregado em condições inferiores, do que transformar-se em desempregado.
O maior argumento dos defensores da flexibilização está no aumento de emprego que tais medidas podem gerar. Porém na Europa, a flexibilização levou a uma generalizada diminuição dos níveis salariais e não houve uma melhoria no nível de emprego. No entanto, a flexibilização não produziu os resultados esperados.
Os Argumentos Desfavoráveis à Flexibilização são voltados aos trabalhadores como já dito, são contrários à ideia de flexibilizar os seus direitos. Segundo Andrade (1997), a contesta as ideias favoráveis à flexibilização, pois afirmar ser simples pregar ‘Livre Negociação’ num ambiente como esse, marcado pelo desemprego, ou subemprego, a miséria, baixíssimos salários, concentração de rendas, índices alarmantes de lucratividade.
Existe a preocupação em preservar os empregos existentes e ameaçado pela instabilidade e pela imensa legião de desempregados que batem as portas das fábricas, não tem qualquer possibilidade de sucesso, no sentido de implementar melhorias nas condições de vida e de trabalho dos seus representados.
Argumenta ainda Andrade (1997) que, pregar a livre negociação no discurso da flexibilização parece ser fácil, porém não são a maioria dos trabalhadores que possui o “poder de barganha”. Os números e a repercussão social contrariam as afirmações pró-flexibilização, já que as medidas tomadas apenas agravaram a precariedade das relações de trabalho e foram ineficazes quanto à questão do desemprego.
A flexibilização é um fenômeno que só pode florescer em países ricos, onde há uma filosofia em metodologia do consenso muito desenvolvida, a participação dos trabalhadores é intensa, a convenções bastante desenvolvidas e os sistemas de seguridade sociais muito eficientes. Há ainda uma dificuldade nos países latino-americanos de assimilação da flexibilização no sentido de eliminação ou atenuação da proteção legal ao trabalhador, com o objetivo de aumentar emprego, fomentar o investimento e a competitividade das empresas.
No entanto, sendo o Brasil um país pobre adotou em sua Constituição Federal de 1988 algumas medidas de flexibilização em relação à irredutibilidade do salário (art. 7º, VI), à duração da jornada de oito horas e à carga horária semanal de quarenta e quatro horas, quando previstas em acordo ou convenção coletiva (art. 7º, XIII) e à jornada de turnos ininterruptos, que é de seis horas e pode ser objeto de negociação coletiva (art. 7º, XIV), porém sob tutela sindical (artigo 7º, incisos VI, XIII e XIV, e Artigo 8º, inciso VI, da CB/88), por vezes delegando a participação de trabalhadores e empregadores em colegiados que tratem de interesses profissionais ou previdenciários, livres, para discussão e deliberação. Assim, assegura meios de permitir o trato das relações de trabalho em reuniões preliminares, evitando a rigidez das normas trabalhistas (Artigo 10 da CF/88).
Segundo Andrade (1997), contudo, a necessidade de evolução do Direito não dá margem há um desrespeito às garantias já conquistadas pelos trabalhadores, e não há um desrespeito a sua dignidade, pois, estão de forma ampla e seguramente garantidas pela Constituição Federal. Diante disso, não se pode admitir que, sob a égide da flexibilização do Direito do Trabalho, esconda-se a tentativa de mitigar direitos há muito adquiridos.
5 Considerações finais
Além dos tipos de flexibilização elencados neste trabalho, este gerará por consequência a desregulamentação normativa na esfera trabalhista, ocorrendo pela derrogação das vantagens trabalhistas por benefícios inferiores, ou seja, a substituição das garantias legais por garantias convencionais. Tais substituições podem ser compreendidas na hipótese de redução salarial mediante acordo de trabalho (art. 7, VI, CF) e também pela majoração da jornada de trabalho (art. 7, XIV, CF). Entretanto, mesmo podendo existir alterações deve-se observar os limites mínimos previstos na legislação própria e nas Convenções Internacionais.
A maior desregulamentação ocorreu no trabalho da mulher, derrubando a visão sexista de atividades. Assim, possibilitou a existência do trabalho noturno para as mulheres, permitindo que elas trabalhassem nas minas, pedreiras e obras de construção pública ou particular e, ainda o art. 376, CLT foi revogado, este proibia o trabalho extraordinário feminino.
Ante tais informações infere-se que as modificações no âmbito do Direito Trabalhista decorrem do vínculo com a economia e pelos objetivos de interesse político-social, os quais visam corrigir diferenças entre trabalhador e empregador, garantindo-os um equilíbrio favorável para ambos, não atingindo de forma irregular ao menos favorecido, ou seja, ao empregado.
Flexibilizar é sinônimo de maleabilidade. É a capacidade dos indivíduos de renunciar a seus costumes e adaptar-se às novas circunstâncias do mercado laboral. Essas medidas de flexibilização devem ser tomadas na economia, com o objetivo principal de evitar desemprego e até mesmo criar novos postos no trabalho.
É evidente que alguns se achem desprotegidos com a flexibilização, porém as vantagens existem para ambas as partes. Vantagem para os empregados: mantêm o emprego, propiciando o recebimento de salário mensal, necessário à subsistência própria e da família; Desvantagem para os empregados: reduz Direitos Trabalhistas, reduzindo o padrão de vida dos trabalhadores. Vantagens para o empregador: a flexibilização preserva a saúde da empresa que vive em má situação financeira, pois alivia os custos salariais, possibilitando a concorrência, sem prejuízo da produção; Desvantagem para o empregador: em caso de um quadro econômico e social favorável, a flexibilização irá elevar as bases salariais e as vantagens concedidas aos trabalhadores.
Portanto, a flexibilidade das condições de trabalho pode ser definida como uma adequação entre empregado, empregador e sindicatos, diante das alterações econômicas, e tecnológicas com o intuito de amenizar e encontrar soluções plausíveis para resolver as situações de divergência.
Poderia parecer completamente negativista a posição que assumida ao relacionar globalização e defesa da concorrência com os problemas vividos hoje pelo Direito Trabalhista. A intenção, contudo, é a de mostrar um desafio com que se defronta a nossa sociedade. Os fatos estão presentes, a desafiar uma nova interpretação, com miras à criação de uma nova normatização. O que se busca atualmente é uma isotopia ou um horizonte de sentido, que sirva de orientação para a gestação das novas normas jurídicas destinadas a reger as novas formas de relação de trabalho.
Acredita-se que complementarmente a essa ideia, seria possível se falar de mito, compreendido como uma fala, que, não só designa como também notifica, não só encerra compreensão, como ainda impõe. O mito não se constitui somente de uma intencionalidade cognitiva, porém possui caráter imperativo. A sua significação é motivada, e isto o desloca de um sistema somente semiológico para um sistema também fatual. Os mitos modernos estão intimamente ligados à ação e a incentivam. Veem a perfeição no futuro, como superação e consumação certa do passado. Sua projeção para o futuro os torna mais ativos mais constrangedores e satisfatórios do que o mito primitivo. Neles se pode ver a passagem da crença-imagem da felicidade para a força-imagem da mudança progressista. Desta surge o impulso para agir.
Portanto, deve-se cooperar na reconstrução do Direito sob a luz projetada pela utopia, pelo mito, pela ideologia, levando em conta à nova realidade, os novos tempos, a nova forma de vida, a nova forma de produção e de prestação de serviços, para dar-lhes sentido novo, o sentido do humanismo, tão antigo quanto à presença do homem no mundo e tão renovado quanto à contínua atuação daquela presença diante de fenômenos novos gerados pelo próprio homem.
Informações Sobre o Autor
Elane Botelho Monteiro
Professora Universitária. Graduada em Direito Esmac e Licenciada em Letras com Habilitação em Língua Portuguesa e Inglesa Universidade Anhanguera. Pós-graduada em Direito Processual Civil Constitucional Penal Trabalhista Faculdade Maurício de Nassau