A prescrição intercorrente no Processo do Trabalho

1 – Prescrição: Noções introdutórias.


Se acaso as relações entre as pessoas se desenvolvessem e não houvesse nenhum limite material e legal para lhes regular, fatalmente estaríamos diante um estado de força e escuridão legal. Assim sendo, para não vivenciarmos uma insegurança das relações firmadas e a autotutela é que existem, por exemplo, princípios consagrados em nossa própria Carta Constitucional como o da Legalidade em seu art. 5º, II o qual ordena que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa se não em virtude de lei.


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É nesse contexto, que orbita a prescrição, onde a lei assim estipula um período para se requerer ou postular determinado direito e não deixar tal matéria temporal do Direito sobre um deserto de legalidade. Nesse passo, sustenta o doutrinador Sílvio de Salvo Venosa acerca do tema: “Se a possibilidade de exercício dos direitos fosse indefinida no tempo, haveria instabilidade social.” (VENOSA, 2005, p. 593).


Visualizando a construção desse postulado jurídico, nota-se como se coaduna a matéria prescritiva com o princípio da legalidade supramencionado; pois, demonstra o CC um exemplo da prescrição com o fundamento da lei para sustentá-lo no seu artigo 189:


“Art. 189: Violado o direito nasce para o titular a pretensão, a qual se extingue, pela prescrição, nos prazos a que aludem os arts. 205 e 206.”


Nessa toada, pode-se concluir que uma vez acabado tal prazo estipulado em lei para se exercer o direito subjetivo a exiquibilidade do direito, se terá a extinção de se pretender um direito material, com a prescrição retirando a exigibilidade desse direito após o decurso de “X” espaço de tempo.


Com relação a uma interpretação mais processual, traz-se a baila o doutrinador Humberto Theodoro Junior que sobre a temática aduz:


“A prescrição é sanção que se aplica ao titular do direito que permaneceu inerte diante de sua violação por outrem. Perde ele, após o lapso previsto em lei, aquilo que os romanos chamavam de actio, e que, em sentido material, é a possibilidade de fazer valer o seu direito subjetivo”. (Theodoro júnior, 2006, p.354).


Abordando de modo mais específico o campo do Direito do Trabalho, cumpre destacar que poderá ser a prescrição: extintiva, a qual começa a ocorrer após a desconstituição do contrato trabalhista com prazo de dois anos (art. 7º, XXIX, CF); ou total para com relação às lesões contratuais que se iniciaram mais de cinco anos do ajuizamento da ação (art. 7º, XXIX, CF) e intercorrente que ocorre quando no curso do processo a parte deixa de providenciar o andamento do processo na execução de título judicial ou acordo. (CASSAR, 2007, p. 1185-2000).


2 – A Prescrição Intercorrente no Processo do Trabalho e sua polêmica.


Ponto de discussão em sede doutrinária e sumular é a matéria prescritiva no que tange a esfera do Direito do Trabalho no que concerne a prescrição intercorrente, ou seja, como relata Sérgio Pinto Martins sendo tal prescrição a posterior a sentença em que se fica o processo por muito tempo parado na fase de execução. Tal período é pacificado já na súmula nº. 150 do STF como igual ao da prescrição da ação (2006, p.698).


Ocorre que existem duas súmulas, uma do STF e outra do TST, que se conflitam nesta vertente no Direito Processual do Trabalho tornando viva a discussão por ora discorrida. Com relação ao STF, é a sua súmula nº. 327 que regulamenta o assunto: “O direito trabalhista admite a prescrição intercorrente”.


Segundo Cassar (2007, p.1200), tal posicionamento de nossa corte maior poderia estar fundado no artigo 884, §1º da CLT que assim postula: “a matéria de defesa será restrita às alegações de cumprimento da decisão ou acordo, quitação ou prescrição da dívida”. Cristalino está então a possibilidade legal de que ocorra a prescrição intercorrente ante a inércia da parte como defende o doutrinador Saraiva favoravelmente tal possibilidade: “Entendemos ser plenamente possível a aplicação da prescrição intercorrente no processo do trabalho, principalmente em função do disposto no art. 40,§4º da Lei 6830/80 e das Súmulas 327 do STF e 314 do STJ.”. (SARAIVA, 2010, p. 572-573).


A título de ratificação dessa situação, faz-se necessário expor outra afirmação legal que nesse mesmo sentido admite a prescrição intercorrente no artigo 40 da lei nº. 6830/80 que com relação a cobrança judicial pela Fazenda Pública dispõe que o juiz suspenderá a execução enquanto não for localizado o devedor ou bens que respondam pelo débito e discorre com relação a prescrição intercorrente o seu §4º:  “Se da decisão que ordenar o arquivamento tiver decorrido o prazo prescricional, o juiz, depois de ouvida a Fazenda Pública, poderá, de ofício, reconhecer a prescrição intercorrente e decretá-la de imediato.”.


Entretanto, a vertente da presente discussão esboça-se na súmula nº. 114 do TST: “É inaplicável na justiça do Trabalho a prescrição intercorrente”.


Colaborando para a discussão, aborda Cassar (2007, p.1200) que a prescrição a que se refere o artigo nº. 884,§1º da CLT tem origem em um Decreto Lei nº. 39 de 1937, período em que a Justiça do Trabalho não fazia parte do Poder Judiciário e eram administrativamente reguladas as suas causas pela Justiça Estadual ou Federal. O artigo 878 da CLT aglutina-se a tal postulado no sentido de que insta trazer outra contribuição para a inaplicabilidade da prescrição intercorrente no processo do Trabalho como seu texto reflete: “A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex oficio pelo próprio juiz ou presidente do ou Tribunal competente, nos termos do artigo anterior.”.


Contribui com o pensamento, Wagner & Cláudia Giglio alertando que poderão além do juiz ex oficio o próprio credor do exeqüente bem como o vencido requererem a prosseguimento da execução. (2005, p. 507).


Isto exposto, como disserta Cassar, não mais cabe a aplicação dessa prescrição já que o próprio juiz poderá dar prosseguimento a causa, além da crítica que faz ao artigo 884,§1º da CLT e da Súmula nº 327 do STF:


“Por não ter o poder de coerção, de execução, o credor deveria, com base no título emitido por aquela “Justiça do Trabalho” de ordem administrativa, cobrar judicialmente, na justiça competente a dívida. Essa era a prescrição a que se referia a lei. Desde 1946 quando a Justiça do Trabalho passou a fazer parte do Poder Judiciário, a execução de suas decisões passou a ser feita pelo próprio órgão, como mero prolongamento do processo de conhecimento, não existindo mais a prescrição referida no art. 884, §1º, da CLT.” ( CASSAR, 2007, p. 1200).


Uma vez supra – argumentados os fundamentos da polêmica e as visões doutrinárias dos dois lados, cumpre posicionar-me nesse conflito. Primeiramente acredito que deverá se levar em consideração fortemente os atributos favoráveis a inaplicabilidade do artigo 884,§1º da CLT no que concerne a prescrição, pois, além de ser inarredavelmente contrário ao que arguiu o artigo 878 da CLT que possibilita ao juiz ex oficio dar andamento ao processo e evitar a prescrição, fere também a órbita jurídica de modo mais extensivo já que tal preceito foi editado em momento deveras anterior a nossa constituição atual e seu entendimento, com o decreto lei nº. 39 de 1937 como já supracitado.


Com relação a esse diagnóstico, compreendo que falta razoabilidade do legislador supremo em insistir pelo uso da súmula 327 do STF por inteiro, já que o artigo da CLT 884,§1º que lhe origina não tem ligação mais com as alterações hoje vigentes no processo sincrético como um todo.


Nesse diapasão, cumpre referendar o doutrinador Queiroz quando este define o uso do princípio da razoabilidade em uma relação com o legislativo, alertando para que a sua função seria de questionar os atos da administração pública, o seu mérito e, por conseguinte qualquer eventual abuso cometido pelo administrador. Teria, portanto, uma relação com o princípio da legitimidade no sentido de que caso o legislador se desvie do propósito para o qual fora eleito; irá de encontro com os interesses da sociedade que o captou; e é nesse ponto que se encontra na razoabilidade a sua intimidade no controle dos atos administrativos: “Havendo qualquer vício entre o ‘processo captador’ e o procedimento legislativo haverá a violação da razoabilidade” (2000, p.40-41).


Assim sendo, levando-se em conta a possibilidade atualmente do juiz ex ofício dar andamento ao processo em conformidade com o artigo 878 da CLT; apenas nos atos em que fosse exclusiva do credor a iniciativa da execução, como nas hipóteses da liquidação da sentença e atos extrajudiciais é que se teria a prescrição intercorrente. (SARAIVA, 2010, p. 572).  


Dessa forma, acredito que o melhor caminho seria reformular a súmula nº. 327 do STF, restringindo–se a liberalidade para a matéria prescritiva que ela vem a passar; determinando sim a sua possibilidade, mas apenas para os casos em que o juiz não possa ex oficio suprir atos que sejam exclusivos para a parte realizar.


Com esse propósito, creio que se teria uma melhor relação com o atual processo sincrético, com o texto do artigo 878 da CLT, bem como com a Súmula 114 do TST e com o Direito como instituto amplamente, pois, não se teria uma criação infinita e imprescritível do crédito trabalhista. Apenas se reconheceria que cabe ao juiz dar andamento ao processo trabalhista na inércia da parte e ratificaria que apenas aos casos exclusivos de competência da parte dar andamento ao processo frente a sua inércia se teria a prescrição, construindo um Direito mais justo com os postulados atuais e sem deixar de aplicar o instituto da prescrição quando concreta sua aparição nos casos em que não abrangerem a competência conferida pelo artigo 878 da CLT ao juiz.


 


Referências bibliográficas:

CASSAR, Vólia Bonfim. Direito do Trabalho. Rio de Janeiro. Editora Impetus. 2007.

GIGLIO, Wagner e Cláudia Veltri Corrêa. Direito Processual do Trabalho. São Paulo. Editora Saraiva. 15º Edição. 2005.

MARTINS, Sérgio Pinto. Direito Processual do Trabalho. São Paulo. Editora Atlas. 26º Edição. 2006.

QUEIROZ, Raphael Augusto Sofiati de. Os Princípios da Razoabilidade e da Proporcionalidade das Normas. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Júris. 2000.

SARAIVA, Renato. Curso de Direito Processual do Trabalho. São Paulo. Editora Método. 7º edição. 2010.

THEODORO JÚNIOR, Humberto. Curso de Direito Processual Civil, Volume I. Rio de Janeiro. Editora Forense. 44º Edição. 2006.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil – Parte Geral. São Paulo, Editora Atlas. 5º Edição. 2005.


Informações Sobre o Autor

Darwin Silveira Longhi

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Advogado e Pós-graduando em Direito Tributário pela rede LFG.


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