Resumo: O presente artigo procura descortinar os princípios estruturantes da seguridade social condicionando sua significação conformativa ao ato interpretativo que emerge da correlação necessária entre a sua normatividade e a realidade. Assim, evidencia que a seguridade social constitui-se em um conjunto de ações integradas, tanto da sociedade como dos Poderes Públicos, tendo como objetivo, concretizar os direitos relativos à saúde, à assistência social e a previdência social. Propugna que tal sistema é construído a alicerçado por meio de princípios e regras, as quais objetivam dar suporte normativo à pretensão do sujeito, vítima de uma contingência social, possibilitando-lhe a preservação de mínimos sociais que lhe viabilize a sobrevivência com dignidade. Para tanto, remete-se à necessária correlação entre o componente normativo, e nesse caso, o viés e principiológico, de modo a poder-se evidenciar o caráter axiológico fundamentador da seguridade social, que se verifica na realidade do cotidiano.
Palavras-chave: Princípios da Seguridade Social. Interpretação do Direito. Realidade Social e Seguridade Social. Teoria Estruturante do Direito.
Sumário: Introdução; 1. Da principiologia regente da seguridade social; 2. A necessidade de umbilical correlação entre o normado e o verificado na realidade do cotidiano. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A seguridade social constitui-se em um conjunto de ações integradas, tanto da sociedade como dos Poderes Públicos, tendo como objetivo, concretizar os direitos relativos à saúde, à assistência social e a previdência social.
Desse modo, em última análise, a seguridade social constitui-se em um sistema de proteção social.
Tal sistema é construído a alicerçado por meio de princípios e regras, as quais objetivam dar suporte normativo à pretensão do sujeito, vítima de uma contingência social, ser-lhe garantida a preservação de mínimos sociais que lhe possibilitem a sobrevivência com dignidade.
Tal acepção remete à necessária correlação entre o componente normativo, e nesse caso, o viés principiológico, pois se quer evidenciar o caráter axiológico fundamentador da seguridade social, e o que se verifica na realidade do cotidiano.
E, portanto, evidencia-se a Teoria Estruturante do Direito de Friedrich Müller, e, por conseguinte, as consequências desse necessário diálogo fundamentador, entre a norma e a realidade.
1 DA PRINCIPIOLOGIA REGENTE DA SEGURIDADE SOCIAL
A seguridade social é um sistema de proteção social constituído por um feixe de princípios e regras destinado a acudir o indivíduo diante de determinadas contingências sociais, assegura-lhe o mínimo indispensável a uma vida digna, mediante a concessão de benefícios, prestações e serviços.
Dá correlação umbilical entre a dignidade da pessoa humana e a seguridade social, Jediael Galvão Miranda[1] explica que:
“Portanto, a dignidade da pessoa humana é valor fundamental que dá suporte á interpretação de norma e princípios da seguridade social, de molde a situar o homem com o fim de seus preceitos, e não como objeto ou instrumento. Em tema de seguridade social, garantir o mínimo existencial (um dos núcleos do princípio da dignidade humana) significa proporcionar condições materiais mínimas (prestações e serviços) para assegurar subsistência digna e vida saudável ao indivíduo atingido por determinadas contingências sociais”.
Por sua vez, contingências sociais são as situações previstas na legislação que, quando verificadas, deflagram o mecanismo de proteção descrito na norma[2] [3].
Considerando que tais situações são relevantes com um fato social, visto que:
“[…] a repercussão que ela traz em suas conseqüências acaba sendo compartilhada na sociedade por todos, e não simplesmente por cada um dos seus membros individualmente considerados, até porque tais situações estão a ocorrer a todo o momento numa sociedade dinâmica e ativa”[4].
Assim, a sociedade deve responder, a partir da chamada teoria do risco social, pelos infortúnios que recaiam sobre os indivíduos membros da comunidade social.
Nesse sentido, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari[5] explicam que:
“Os infortúnios causadores da perda, permanente ou temporária, da capacidade de trabalhar e auferir rendimentos foram objeto de várias formulações no sentido de estabelecer de quem seria a responsabilidade pelo dano patrimonial causado ao trabalhador, partindo da responsabilidade subjetiva ou aquiliana do tomador de serviços até chegar-se à responsabilidade da sociedade como um todo, pela teoria do risco social. […], Segundo tal teoria, cabe à sociedade assegurar seu sustento ao indivíduo vitimado por uma incapacidade laborativa, já que toda a coletividade deve prestar solidariedade aos desafortunados, sendo tal responsabilidade de cunho objetivo – não se cogitando, sequer, da culpa do vitimado.”
Tais razões, portanto, fundamentam e justificam a seguridade social, em sua conformação atual, adotando uma principiologia adstrita a tal contextualização.
Nesse sentido, quanto aos princípios, como já referido anteriormente, estes poderão ser princípios são proposições gerais que informam um determina sistema jurídico ou ramo do direito, fixando as linhas mestras que o conformarão. Assim, J.J. Gomes Canotilho explica que “princípios são normas que exigem a realização de algo, da melhor forma possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas”[6].
Da mesma forma, Daniel Machado da Rocha[7], quanto aos princípios, evidencia que:
“O núcleo da distinção entre regras e princípios, segundo a teoria talhada por Alexy, seria o fato de os princípios serem concebidos como imposições de otimização. Nessa perspectiva, eles são normas que ordenam a realização de algo da melhor forma possível, mas não como imposições definitivas, devendo considerar as possibilidades fáticas e jurídicas.”
Desse modo, a interpretação a seguridade social deverá ser feita a partir dos seus princípios informadores, os quais, por sua conformação, contribuem para a formação da seguridade social, conforme os objetivos propostos pela Constituição Federal.
Nesse sentido, explica Walter Claudius Rotenburg[8] que:
“Os princípios, portadores dos mais altos valores que uma dada sociedade resolve transformar em preceitos jurídicos, revelam as “decisões políticas fundamentais” (Carl Schmitt), tendo, portanto, uma iniludível carga ideológica, que deve ser reconhecida, assumida e prestigiada ou criticada. Impossível a assepsia por meio de princípios neutros.”
Portanto, a par das características próprias dos princípios, considerando sua natureza fluídica, prestam-se, como referido, a alicerçar os sistemas normativos, funcionando como disposições fundamentais que se irradiam sobre os diferentes institutos que o compõe; emprestando-lhes densidade e harmonia.
Assim, o primeiro princípio que pode ser atribuído diretamente à seguridade social trata-se do chamado princípio do solidarismo ou da solidariedade.
É o princípio diretor que ocupa o mais elevado grau de importância na seguridade social, derivado da própria natureza do direito social, cujo conceito se expressa na cooperação de toda a sociedade na promoção e financiamento de ações que visem cobrir necessidades sociais.
Nesse sentido, Daniel Machado da Rocha[9] explica que:
“O princípio portador das diretrizes essenciais da seguridade e da previdência social, como, aliás, de todos os direitos sociais, é o da solidariedade, o qual se constitui no seu eixo axiológico, podendo ser nominado, utilizando a linguagem de Canotilho de princípio estruturante de nosso sistema previdenciário”.
Assim, tal princípio, como base da seguridade social, promove, por sua conjugação, a redistribuição de riqueza, entre os vários segmentos sociais e entre as gerações que se sucedem no tempo.
Na medida em que representa o esforço comum da sociedade, de forma institucionalizada, ao combate das contingências sociais, evoca os conceitos de solidariedade orgânica propugnada por Émile Durkheim.
Nesse sentido, preconiza Émile Durkheim[10], sobre a solidariedade que:
“Com efeito, onde existe solidariedade social, apesar do seu caráter imaterial, ela não permanece no seu estado puro, mas manifesta sua presença pelos seus efeitos sensíveis. Quanto ela é forte, aproxima os homens uns dos outros, coloca-os frequentemente em contato, multiplica as oportunidades de seus relacionamentos”.
Assim, na solidariedade reside a equidade social, uma vez que está fundada na responsabilidade coletiva e recíproca, vinculando todos os membros da sociedade entre si, entre as gerações de trabalhadores, setores econômicos e regiões, tendo por fim a concretização da justiça social, o bem estar e redução das desigualdades sociais[11].
Nesse sentido, Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari[12] explicam que:
“A Previdência Social se baseia, fundamentalmente, na solidariedade entre os membros da sociedade. Assim, como a noção de bem-estar coletivo repousa na possibilidade de proteção de todos os membros da coletividade, somente a partir da ação coletiva de repartir os frutos do trabalho, com a cotização de cada um em prol do todo, permite subsistência de um sistema previdenciário. Uma vez que a coletividade se recuse a tomar com sua tal responsabilidade, cessa qualquer possibilidade de manutenção de um sistema universal de proteção social.”
O segundo princípio que se apresenta, dentro desse âmbito mais específico adstrito à ambiência da seguridade social, trata-se do chamado princípio da universalidade de cobertura e do atendimento.
Assim, a universalidade da cobertura significa que a seguridade social deve buscar contemplar todas as contingências sociais que geram necessidade de proteção social das pessoas.
Faz-se referência, portanto, às contingências geradoras de situações de necessidade aptas a ensejarem a proteção social. Tratam-se de situações de necessidade, portanto.
Nesse sentido, como exemplo da generalidade do objeto da proteção, o artigo 196 da Constituição Federal, no que tange especificamente á saúde, dispõe que:
“A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”.
Quanto à universalidade de atendimento, tal enunciado faz referência ao conjunto de pessoas que farão jus ao exercício do direito de proteção social. E nesse caso, trata-se de todas as pessoas que estejam no território nacional.
Significa dizer que todas as pessoas, nacionais e estrangeiros residentes no país, serão indistintamente acolhidas pela Seguridade Social, diante de riscos e contingências sociais.
Está ligado ao direito subjetivo dos integrantes do corpo social às prestações e medidas que o sistema da seguridade social prevê, atendidos os requisitos legais exigíveis.
Em suma, portanto, o princípio da universalidade divide-se em um aspecto objetivo e subjetivo. Do ponto de vista subjetivo, preceitua que a seguridade social deverá se tornar acessível a todas as pessoas. Do ponto de vista objetivo, preceitua que a seguridade social deverá alcançar todos os eventos humanos que necessitem de proteção.
Nesse sentido, explica Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari[13] que:
“Por universalidade da cobertura entende-se que a proteção social deve alcançar todos os eventos cuja reparação seja premente, a fim de manter a subsistência de quem dela necessite. A universalização do atendimento significa, por seu turno, a entrega das ações, prestações e serviços de seguridade social a todos que necessitem, tanto em termos de previdência social – obedecido o princípio contributivo – como no caso da saúde e da assistência social.”
Assim, o princípio da universalidade está ligado á efetivação da dignidade da pessoa humana, tornando os homens iguais.
Tal princípio garante a todos os que estejam em território nacional o mínimo indispensável à sua sobrevivência com dignidade; uma vez que com a concretização do valor igualdade, através do princípio da universalidade, não poderá haver excluídos da proteção, que cabe à Seguridade Social a todos fornecer.
Assim, dentre os princípios diretivos da Seguridade Social, figura, com fulcro no artigo 194, parágrafo único, inciso I, o princípio “da universalidade de cobertura e atendimento”.
O princípio da universalidade, primeiramente se verifica, figura em primeiro plano, demonstrando posição hierárquica superior em relação aos demais princípios setoriais.
Nesse sentido, Marisa Ferreira Santos[14] enuncia que:
“A universalidade da cobertura e do atendimento deve ser abordado para que o princípio da seletividade das prestações de seguridade social possa ser estudado em face de sua estreita ligação. Sua colocação em primeiro plano mostra a existência de uma hierarquia entre os princípios regestes da seguridade social. “A universalidade dá começo lógico à enumeração dos direitos constitucionais em matéria previdenciária”.”
Desse modo, o Estado não faz diferença entre os indivíduos com relação às posições que ocupem no corpo social. Para serem destinatários de direitos fundamentais, basta a condição de ser humano.
Assim, o Estado passa a ser o implementador da igualdade, de modo que deverá garantir a todos o direito constitucional a um mínimo de bem-estar.
Frise-se, inobstante, que tal princípio relaciona-se com princípio da seletividade, delimitando-lhe a abrangência.
Assim, há que se ponderar que nenhum sistema de seguridade social possui aptidão para se prestar as necessidades de todos os indivíduos.
E nesse pormenor, a seguridade social veio a lume a partir de um contexto de miséria, na qual tal realidade demonstrou à sociedade a urgência de meios para suprir as necessidades básicas essenciais. E assim, àqueles que se encontrassem nesse estado de coisas fariam jus ao amparo social para que pudessem viver com dignidade.
No entanto, a Seguridade Social está adstrita, por sua natureza prestacional, às vicissitudes econômicas. Não lhe é dado o poder de influir no volume da produção global da Nação, alterando o Produto Interno Bruto do país, de modo a verter contribuições financeiras sem fim, aos seus cofres.
Não há meio, enfim, de influir nos ciclos econômicos, promovendo o pleno emprego e primando pela absoluta distribuição de renda.
Em conclusão, a Seguridade Social não pretende, por absoluta falta de meios, ser universal.
Assim, Marisa Ferreira dos Santos[15] manifesta-se no seguinte teor:
“A justiça social só se efetiva com a seleção de necessidades a proteger e com a distribuição de benefícios e serviços, consubstanciado nos direitos sociais, cuja implementação só é possível mediante políticas de desenvolvimento que privilegiem o valor social “trabalho”. A justiça social efetiva-se quando a distribui bem estar social aos membros da comunidade, e com isso reduzem as desigualdades sociais e regionais.”
Ademais, aos Estados é atribuído o papel estabelecer diretrizes para a Seguridade Social, de forma que, ao invés de tentar sanar todas as necessidades humanas, forneça elementos para que a pessoa humana possa se desenvolver física, psíquica e intelectual, e a partir de então, atingir os meios de sua manutenção e realização social.
E nesse pormenor, pontua ainda Marisa Ferreira dos Santos[16] que:
“A solidariedade social não existe para que o indivíduo seja um ônus para o Estado e para os demais membros da comunidade. O espírito de solidariedade faz com que o grupo social, reconhecendo seu dever de proteger seus membros em situações de insegurança, não se acomode diante de situação de inexistência dos mínimos necessários á existência digna. Além das necessidades básicas, que cabe ao Estado se à comunidade suprir quando o homem não tiver condições de fazê-lo por si, cabe a cada um buscar suas realizações e conquistar outros bens, o que já está fora do terreno da seguridade social. Não se tira do homem para transferir à sociedade o seu dever de lutar contra futuras situações de insegurança e necessidade.”
Assim, ante a limitação dos recursos financeiros repassados aos cofres da Seguridade Social, é necessário limitar quais necessidades que irão ser atendidas pelo sistema de proteção social, bem como, quais pessoas serão beneficiadas, adaptando-se às contingências que são inerentes instrumentos governamentais insuflados por políticas públicas; e, portanto, dependentes de ativos financeiros.
A prestigiar tal princípio desde a redação original do texto constitucional promulgado em 05 de outubro de 1988, consta do Art. 195, §5º a seguinte dicção: “[…] nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total". Ainda nesse sentido, o artigo 201, da Constituição Federal, estabelece que: “A previdência social será organizada sob a forma de regime geral, de caráter contributivo e de filiação obrigatória, observados critérios que preservem o equilíbrio financeiro e atuarial, e atenderá, nos termos da lei, […]”.
É o conhecido princípio da correlação entre contribuições e benefícios, no campo do direito previdenciário, que será apontado, logo à frente.
Após, vêm a lume o chamado princípio da uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais.
Assim, equivale dizer que as mesmas contingências (morte, velhice, maternidade,…) serão cobertas tanto para os trabalhadores urbanos como para os rurais.
Além disso, deverão possuir o mesmo valor econômico.
Tal princípio, portanto, coaduna-se com o disposto no Art. 7º da Constituição Federal de 1988, que garante direitos sociais idênticos aos trabalhadores urbanos e rurais.
Explicando melhor: ocorre que a nova ordem constitucional, diante da histórica discriminação dos trabalhadores rurais, buscou corrigir tal problema. Assim, tal princípio baseou-se na igualdade e justiça social, estabeleceu a uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços da seguridade social.
Portanto, a uniformidade deve ser entendida como a instituição de idênticos benefícios e serviços para ambas populações, urbanas ou rurais. Ou seja, o mesmo rol de medidas sociais (os mesmos benefícios). Por seu turno, a equivalência diz respeito ao valor ou a qualidade das prestações, que devem ser correspondentes. Ainda vincula a noção de serem os benefícios oferecidos às populações urbanas e rurais decorrentes dos mesmos eventos (equivalência).
Vale lembrar que, a partir da Constituição Federal de 1988, foi instituído o regime geral de Previdência Social, deixando de existir os regimes específicos para trabalhadores rurais e urbanos.
É decorrência também dos princípios da solidariedade e da igualdade, acima citados: sendo a área rural extremamente deficitária, os trabalhadores urbanos auxiliam no custeio dos benefícios rurais.
Além do mais, a igualdade material determina alguma parcela de diferenciação entre estes dois segurados, sendo que a própria Constituição prevê contribuições diferenciadas para o pequeno produtor rural (Art. 195, §8º da Constituição Federal) [17].
Dessa forma, algumas distinções no custeio e nos benefícios entre urbanos e rurais são possíveis, desde que justificáveis perante a isonomia material, e igualmente razoáveis, sem nenhuma espécie de privilégio para qualquer dos lados.
Outro princípio apontado pela Constituição Federal, diz respeito ao chamado princípio da seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços. Trata-se também de um princípio setorial, adstrito à Seguridade Social, como disciplina no artigo 194, parágrafo único, inciso III, da Constituição Federal.
Esse princípio apregoa que nem todos os segurados terão direito a todas as prestações que o sistema pode fornecer. Assim, os benefícios salário-família e o auxílio-reclusão só serão pagos àqueles segurados que tenham renda mensal inferior a R$ 971,78 [18]. Assim, em tal situação, o sistema previdenciário objetiva distribuir renda, principalmente para as pessoas de baixa renda, tendo, portanto, caráter social.
Assim, a seletividade confere ao legislador a escolha das contingências sociais merecedoras de proteção social, estipulando benefícios e serviços; resguardada as possibilidades econômico-financeiras para tanto.
Já a distributividade vincula-se a preceitos de justiça social, redução das desigualdades e erradicação da pobreza. Conduz o legislador a processo de escolha que vise contemplar as pessoas que possuem maiores necessidades.
Portando, a escolha dos benefícios que serão oferecidos pelo sistema deve levar em conta a capacidade financeira, de acordo com o critério da essencialidade.
Busca-se, com tal intento, realizar a justiça social através da justiça distributiva, oferecendo maior proteção social às camadas da população mais necessitadas.
Tem como conseqüência a impossibilidade de interpretação extensiva do rol dos beneficiários e serviços expressos na Lei 8213/91. Nesse sentido, o Art. 16, da Lei 8213/91[19].
Assim, temos que o princípio da universalidade deve ser lido em conjunto com os princípios da seletividade e distributividade. A universalidade objetiva fica condicionada à seletividade, que permite ao legislador escolher quais as contingências sociais que serão cobertas pelo sistema de proteção social em face de suas possibilidades financeiras. A universalidade subjetiva, por sua vez, é limitada pela idéia de distributividade. A lei irá dispor a que pessoas os benefícios e serviços serão estendidos.
Como exemplo de aplicação desse princípio, podemos citar o salário-família e o auxílio reclusão que, por força da Emenda Constitucional nº 20/98, são pagos apenas aos segurados de baixa renda.
Ressalve-se, entretanto, que com relação à saúde, a universalidade de dá in totum, não se lhe aplicando os princípios da seletividade e distributividade.
Outro princípio que deve ser apontado trata-se do princípio da irredutibilidade do valor dos benefícios. O referido princípio tem previsão Art. 194, Parágrafo Único, Inciso IV da Constituição Federal[20].
Visa garantir o poder aquisitivo do benefício. Preserva o valor real do benefício e o valor nominal do benefício.
Portanto, comporta dois aspectos: a Irredutibilidade nominal e a irredutibilidade real.
Refere-se a dois momentos: (a) o da concessão dos benefícios e (b) do reajustamento dos benefícios previdenciário.
Segundo o Supremo Tribunal Federal, o princípio da irredutibilidade impede que seja imposta uma redução efetiva dos valores nominais das prestações da seguridade, garantindo ao beneficiário, se não a manutenção do seu padrão de vida e do seu poder aquisitivo, ao menos a capacidade de honrar os compromissos já assumidos. Há que se atentar, porém, para o fato de que, no caso de índices inflacionários elevados, a simples manutenção do valor das prestações não é capaz de garantir ao beneficiário que honre os seus compromissos do mês seguinte. A interpretação dada por nossa Corte Maior, data venia, enfraquece a garantia.
Destaque-se que a Constituição Federal de 1988, no seu Art. 201, § 2º[21], impõe o reajustamento periódico da renda mensal do benefício, de modo a preservar o seu valor real.
O princípio da “equidade na forma de participação no custeio” corresponde a um desdobramento do princípio da igualdade, que em sua acepção mais conhecida, corresponde ao postulado de “que se deve tratar igualmente os iguais e desigualmente os desiguais”.
Desse modo, para a seguridade social significa dizer que quem tem maior capacidade contributiva irá contribuir com mais e quem tem menor capacidade com menos.
A equidade na forma de participação e no custeio refere-se ao tratamento equilibrado e equânime daqueles que devem participar do financiamento da seguridade social. Baseia-se em nos princípios: (a) Princípio da Igualdade e (b) Princípio da Capacidade Econômica dos Contribuintes (Art. 145, § 1º da Constituição Federal[22]).
Assim, como consequência, tem-se, portanto, emana a noção de que contribuintes idênticos, ou seja, sob igual nível de carga tributária, devem ser tratados igualitariamente.
Ainda, nessa seara, evidencia-se o disposto no Art. 195, § 9º[23] da Constituição Federal e Art. 20 da Lei nº 8212/91[24], os quais estabelecem um postulado de proibição da tributação confiscatória.
Outro princípio apontado trata-se da “diversidade da base de financiamento”. Desse modo, o financiamento da seguridade social (e da previdência) não pode se fazer com base em uma única fonte de tributos, sob pena de se onerar demasiadamente uma classe social ou atividade econômica ou permitir que oscilações setoriais venham a comprometer a arrecadação de contribuições. A diversidade faz com que se atinja um maior número de pessoas, garantindo uma constância maior de entradas, além de uma maior efetividade do princípio da solidariedade. Seguindo tal princípio, o próprio constituinte reduziu os encargos incidentes sobre os salários, caráter inibidor da contratação e da manutenção de vagas ativas no mercado de trabalho, para uma maior concentração nos itens faturamento e lucro.
Assim, a Constituição Federal prevê diversas formas do financiamento da Seguridade Social, criando contribuições sociais que serão vertidas ao Regime Geral de Previdência pelo empregador, empresa ou entidade a ela equiparada (com incidência sobre a folha de salários e demais rendimentos do trabalho, ou creditados a qualquer título, a pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício; sobre a receita ou o faturamento e sobre o lucro); pelo trabalhador e demais segurados da previdência social, além do importador, de bens e serviços do exterior (ou a ele equiparado). Ainda, nesse jaez, incidirá contribuição social sobre a receita de concursos de prognósticos[25].
Além dessas hipóteses previstas constitucionalmente, de forma explícita. A Constituição Federal prevê a possibilidade de se instituir, através de lei complementar, novas fontes de custeio (Art. 195, § 4º da Constituição Federal[26]). Trata-se de norma dirigida ao legislador, importa na responsabilidade compartilhada entre o Estado e a sociedade civil pela manutenção financeira da Seguridade Social[27].
O objetivo desse mandamento constitucional “é diminuir o risco financeiro do sistema protetivo. Quanto maior o número de fontes de recursos, menor será o risco de a seguridade sofrer, inesperadamente, grande perda financeira”[28].
A participação no custeio, dessa forma, deverá levar em conta as condições contributivas do indivíduo (sua capacidade financeira). Sendo assim, a contribuição de cada um deve ser proporcional ao seu poder aquisitivo.
Nesse sentido, a classe empregadora tende a contribuir com parcela maior que a dos empregados, e, dentre as empresas, aquelas cuja atividade importa em maior risco social devem verter maiores contribuições.
Veja, no entanto, que não se trata do conceito clássico de capacidade contributiva com supedâneo na base conceitual do Direito Tributário, o qual até excluiria a contribuição em algumas situações.
Assim, estabelece a Constituição Federal de 1988, em seu Art. 195[29], que a Seguridade Social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, da empresa incidente sobre a folha de salário e demais rendimentos do trabalho pago ao trabalhador, a receita ou faturamento e o lucro do estabelecimento empresarial, do trabalhador, incidente sobre sua remuneração, sobre a receita de concursos de prognósticos e sobre o importador de bens ou serviços do exterior ou quem a ele se equiparar.
Frise-se, desse modo, que o sistema de financiamento da seguridade social é lastreado no sistema contributivo, mesmo que o Poder Público participe no orçamento da seguridade, com a entrega de recursos provenientes do orçamento da União e dos demais entes da Federação, com vista à cobertura das insuficiências do modelo, assim como para facear a despesa com seus próprios encargos previdenciários, recursos humanos e materiais empregados[30].
Ademais, além das fontes de custeio com previsão legal (Art. 195, Incisos I, II, III e IV da Constituição Federal[31]), outras poderão ser instituídas, desde que não sejam cumulativas nem tenham idêntico fato gerador ou base de cálculo de impostos previstos na Constituição Federal, conforme determina o Art. 195, § 4º da Constituição Federal.
Portanto, a capacidade citada tem como limite o caráter necessariamente contributivo do sistema: ainda que dotado de parcos recursos, o trabalhador é compulsoriamente filiado ao regime, sendo obrigado a contribuir. Mas nada impede a redução de sua contribuição, compensando esta perda com o aumento da cotização de outros mais abastados (interação com o princípio da solidariedade).
Ainda, de outra parte, denote-se que a EC nº 42/2003 incluiu no texto constitucional mais uma fonte de custeio para a seguridade social, a saber, a contribuição do importador de bens e serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar (Art. 195, Inciso IV da Constituição Federal de 1988[32]).
Com base neste princípio, qualquer proposta de unificação das contribuições sociais em uma única, como se tem defendido, é evidentemente inconstitucional, além de extremamente perigosa para a seguridade social.
Fala-se, outrossim, em princípio da tríplice forma de custeio, já que o custeio, de acordo com o Art. 195 da Constituição Federal, envolve contribuições das empresas, trabalhadores e do próprio governo.
Apresenta-se ainda, como princípio informador da seguridade social, o “caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do governo nos órgãos colegiados”.
Este princípio acolhe a tese segundo a qual havendo um fórum, conselho ou órgão, onde estejam em discussão tais direitos, todos aqueles envolvidos deverão ter representantes para melhor garantir seus direitos.
Assim, o Art. 10 da Constituição Federal[33] garante aos trabalhadores e empregadores participar nos colegiados dos órgãos públicos em que haja discussão ou deliberação sobre questões profissionais ou previdenciárias.
Conclui-se, portanto, que cabe a sociedade civil organizada participar, de maneira efetiva, da gestão da Seguridade Social indicando os representantes dos trabalhadores, empregadores e dos aposentados.
Tal princípio tem fulcro na concepção de que no Estado Democrático de Direito, é necessário assegurar-se a participação social, a fim de que, partindo das premissas da cidadania, o governo possa executar ações que venham ao encontro dos reais anseios da comunidade.
Além do mais, valendo-se dos ensinamentos de Augusto Massayuki Tsutiya[34], temos que:
“[…], o elemento motor da Seguridade Social é a solidariedade, que, nessa instituição, adquire profunda conotação jurídica. Por isso, os próprios interessados são chamados a participar da discussão de seus problemas e a propor soluções adequadas.”
Desse modo, consoante se depreende do artigo 194, parágrafo único, inciso VII[35] da Constituição Federal, são três elementos caracterizadores da administração da Seguridade Social: O caráter democrático; A gestão quadripartite e o caráter descentralizado.
Desse modo, o caráter democrático corresponde à heterogeneidade da composição dos órgãos colegiados, com igualdade participativa de representantes do governo e diferentes setores da sociedade, respeitando-se a regra do pluralismo na elaboração de programas da seguridade social e o controle de execução das ações a eles relativas.
A gestão quatripartite faz menção à individualização ou identificação dos setores do organismo social, em número de quatro, que se farão representar nos órgãos colegiados de administração da seguridade social. São eles: os trabalhadores; os empregadores, aposentados e o governo.
Já o caráter descentralizado indica que a gestão da seguridade social não se fará de forma isolada por um órgão ou pessoa jurídica. A administração de forma integrada é atribuída a diversos órgãos e pessoas jurídicas de direito público, tais como: o Conselho Nacional de Previdência Social; o Conselho Nacional de Assistência Social; o Conselho de Recursos da Previdência Social e o Conselho de Gestão da Previdência Complementar; assim como os seus congêneres na esfera estadual e municipal[36].
Assim, a gestão dos sistemas sociais se dará em três momentos: (a) planejamento: na formulação do planejamento para que o sistema de seguridade social funcione. Os respectivos planos são concebidos e discutidos nos conselhos comunitários; (b) atividade executiva: ação social no momento em que o Estado implementa tais planos, através ações do Poder Executivo e suas ramificações (Administração Pública Indireta) e (c) momento do controle das ações: É efetivada através da ação social em todos os níveis, com a verificação de sua efetivação e verificação da eficácia desses planos[37].
Ainda, evidencia-se o princípio da preexistência do custeio.
Nesse sentido, o Art. 195, § 5º da Constituição Federal[38] estabelece que nenhum benefício ou serviço da seguridade social poderá ser criado, majorado ou estendido sem a correspondente fonte de custeio total. É garantia de funcionalidade e subsistência do sistema.
Ocorre que o equilíbrio atuarial e financeiro é necessário para fazer frente às necessidades sociais pela instituição de prestações e serviços. Para cada despesa gerada pela criação, majoração ou extensão de benefícios de serviços é indispensável que exista, na devida proporção, receita que a ela corresponda, com o que se evita a falência do sistema.
Ainda, apresenta-se o princípio do orçamento diferenciado. Assim, a Seguridade Social deve ter orçamento próprio separado do da União, com o objetivo de evitar que os recursos destinados às suas atividades sejam desviados para cobrir despesas deste Ente.
Tal deferência é explicada por Frederico Amado[39] nos seguintes termos:
“De efeito, o Sistema Nacional de Seguridade Social é um instrumento tão importante de realização da justiça social que o legislador constitucional criou uma peça orçamentária exclusiva para fazer frente às despesas no pagamento de benefícios e prestação de serviços.”
Tal princípio tem previsão no Art. 165, § 5º, III da Constituição Federal de 1988[40].
Portanto, a referida base principiológica fundamenta e corporifica o sistema de seguridade social, apresentando-se como determinações normativas, com uma axiologia pertinente aos objetivos determinados pela Constituição Federal, imantados para o bem estar e a justiça social.
Fica-se, assim, em suspenso, ante a axiologia principiológica fundante, o aspecto pragmático teológico voltado à concretização dos comandos normativos estruturantes do sistema da seguridade social, pelas razões próprias que são adstritas às normas de natureza programática e a acepção própria dos direitos sociais.
2 A NECESSIDADE DE UMBILICAL CORRELAÇÃO ENTRE O NORMADO E O VERIFICADO NA REALIDADE DO COTIDIANO
Conforme a concepção apresentada por Friedrich Müller[41], a aplicação do direito não pode ficar estagnada ao paradigma antigo do positivismo, ou seja, de que a lei é “os caracteres sobre o papel dos textos legais”. Propondo um novo paradigma ele observa que a ação jurídica é complexa, que para a devida solução há que se levar em conta muito mais do que apenas a semântica da frase, do texto e do contexto. Tal teoria ficou mundialmente conhecida como “Teoria Estruturante do Direito”.
Segundo essa teoria, a aplicação prática do direito não deve ficar restrita a “norma e fato”, deve-se levar em consideração a estrutura da normatividade jurídica. Destarte, a normatização jurídica, levando em consideração o direito e a realidade, deve ser analisada como problema do bom emprego do direito. O raciocínio dessa questão só se completa com o estudo aprofundado da jurisprudência constitucional.
Assim considera Friedrich Müller[42]:
“Com especial rigor, o direito constitucional faz tomar consciência sobre a questão em torno do direito normativo e da realidade normatizada. À primeira vista já demonstra que é precisamente neste terreno que se vê a jurisprudência, ante a necessidade de recorrer a fatos empiricamente demonstráveis do mundo social, para assim apoiar a interpretação de disposições legais ou mesmo para definir o conteúdo destas.”
Como se vê, Müller, em sua Teoria Estruturante do Direito, afirma que o tratamento da problemática da aplicação exige uma reformatação do que é norma, de modo que deve ser levado em conta a materialidade inerente e intrínseca à realidade que circunda o direito na ocasião de sua integração e aplicação.
A norma, portanto, deve ser estudada a partir de reflexões internas da própria ciência jurídica e não deixando de lado mesmo outras ciências ou a filosofia e sempre levando em consideração a própria realidade em si.
Diz Friedrich Müller[43] com propriedade:
“(…) a ciência do direito é suficientemente rica de impulsos práticos assim como de um potencial de reflexão para se mover a uma teoria moderna, enquanto procedendo de forma indutiva e imanente, aprofundada pela sua própria reflexão, em vez de desviar sua rota pelos planos de disciplinas não-jurídicas. (nossa tradução)”[44]
Há de se notar que a teoria formulada por Müller coloca em foco a relação entre texto de norma (dados linguísticos) e a realidade, sendo que os elementos constantes e inerentes a ambos são codeterminadores do conteúdo da norma, que nada mais é do que o produto de um trabalho progressivo, dinâmico e materialmente vinculado. A norma jurídica, assim, não é apenas um dever-ser, mas é entendida como um fenômeno real formada de linguagem e de fatos. A conclusão, portanto, é que não faz sentido haver oposição entre dever-ser e ser. A teoria estruturante da norma jurídica reveste de caráter normativo tudo aquilo que determina o caso concreto a ser decidido, tudo o que possibilita à sua solução. A norma deve ser estabelecida para o caso concreto partindo de um trabalho sobre os textos (que são os dados linguísticos) e sobre os dados baseados em fatos (que são os dados da realidade). Desse duplo trabalho emana a estrutura da norma em um programa normativo (que é o resultado do trabalho de interpretação) e um âmbito normativo (que é resultado da análise do segmento da realidade pertinente ao caso).
A concretização da norma, assim, pode adequadamente designar o processo real de criação normativa, aliás, tal concepção é adotada por várias diferentes correntes do pensamento hermenêutico, com significados muito distintos, sendo, inclusive, por vezes antagônicos. Dessa forma a concretização pode e deve ser entendida como uma construção estruturada da norma jurídica, e não apenas e tão somente como especificação, densificação, individualização ou justificação. É comum acontecer na jurisprudência a apresentação que precedendo a decisão, exibe os motivos determinantes da decisão: eles proclamam o texto da norma jurídica em um caso (não apenas o texto de norma), para em seguida se chegar à norma-decisão que dá solução ao caso da espécie.
Ao moldar a teoria da norma jurídica como um processo dinâmico materialmente ordenado segundo os pressupostos de uma teoria constitucional adequada às exigências estruturais do que hoje é conhecido como Estado Democrático de Direito, a ciência jurídica exsurge como ciência eminentemente decisória e a construção normativa resulta dos diversos operadores do direito envolvidos – ação constitucionalmente orientada, dirigida e vinculada, da jurisprudência, da ciência jurídica e da legislação, bem como da administração e do governo. É por isso que se pode dizer que a norma jurídica não é criação do processo legislativo, mas sim resulta da participação de todos os agentes, aqui compreendido os poderes públicos e também os atores privados, envolvidos na solução do caso concreto.
A teoria estruturante do direito afasta a concepção tradicional da função da metódica (a importância da metódica jurídica é relativa em dois sentidos: é específica para a ciência jurídica e é limitada pela racionalidade possível no direito), imaginada como uma arte da justificação, para uma concepção pós-positivista de ponderação sobre a produção do direito que seja, ao mesmo tempo, realista e respeitosa, dos princípios da democracia e do Estado de Direito. Aliás, Dworkin, que também pretende superar o formalismo positivista, aponta que no positivismo a fundamentação da decisão busca a sua justificação. Pode-se acrescentar que não busca a construção da norma, atividade que aquele que decide está verdadeiramente realizando. Ronald Dworkin[45] disseca o positivismo na versão que considera a mais elaborada, a exposta por Herbert Hart, como se vê:
“Quando um juiz recorre a uma regra de qualquer norma que a legislatura emite é lei, ele está tomando um ponto de vista interno que o efeito existe, mas ele vai além de simplesmente dizer que é assim. Ele sinaliza sua disposição de considerar a prática social como uma justificação para sua conformidade com ela”. (nossa tradução)[46]
Destarte, da perspectiva do pós-positivismo, o magistrado em sua atuação quando toma decisões, ou seja, quando decide casos jurídicos, é verdadeiramente um construtor da norma jurídica, não podendo ser considerado apenas como mero justificador das decisões tomadas.
Friedrich Müller[47] continua explicando:
“Como ciência social normativa, a ciência jurídica deve, para além de toda e qualquer mediação meramente linguística e conceitual, incluir com a maior abrangência possível os teores materiais envolvidos a serviço da implementação prática, da objetividade normativamente fundamentada e da validade universal plausível no âmbito do ordenamento jurídico positivo. (…) A racionalização da aplicação do direito visa portanto, não em último lugar, a inserção metodicamente controlada dos teores materiais envolvidos na concretização de prescrições jurídicas.”
A norma jurídica, então, deve e precisa ser produzida no decurso temporal da decisão proferida. Assim, não existe um tempo antes do caso, o próprio caso da decisão lhe é coconstitutivo. O texto que está descrito na lei é tão somente um dado de entrada do processo que pode ser chamado de concretização. A norma jurídica que é criada no caso está estruturada segundo “programa da norma” e “âmbito da norma”, ou seja, “segundo o resultado da interpretação linguística e o conjunto dos fatos individuais e gerais do caso/tipo de caso conformes à interpretação linguística”[48].
Desse modo, o “direito é alográfico. E alográfico é porque o texto normativo não se completa no sentido nele impresso pelo legislador”. Assim, o intérprete “desvencilha a norma do seu invólucro (o texto), nesse sentido ele ‘produz’ a norma”, portanto, o significado, ou seja, a norma, é o resultado da atividade interpretativa. Desse modo, as normas resultam da interpretação, de modo que o ordenamento “é um conjunto de interpretações, isto é, um conjunto de normas”[49].
A significação do enunciado normativo, portanto, está ligado à realidade do momento atual e também do caso concreto, de modo que, sob tal paradigma, fica afastado o ato interpretativo que se esgota na literalidade ou gramaticidade do dispositivo legal, pois, em assim procedendo, viola-se a axiologia imersa na norma, essa fundante de sua teleologia. Como, v. g., se quer demonstrar pelo enunciado principiológico fundante da seguridade social transcrito no art. 194 da Constituição Federal, que, adverte-se, deve ser conjugado com o todo constitucionalizado no diploma de 1988.
Nesse pormenor, portanto, o texto constitucional deve ser interpretado como máxima de garantias e direitos fundamentais. Imprescindível, portanto, a conformação normativa constitucional com a base empírica informadora e fundamentadora verificada na realidade contemporânea brasileira, de modo a se abarcar todas as peculiaridades inerentes à seguridade social que somente assim se inserem nos signos linguísticos constituidores das normas constitucionais. Assim, v. g., a abordagem constitucional, a partir da principiologia fundante da seguridade social, adstrita ao disciplinamento do tema afeto à desaposentação, da aposentadoria rural, da pensão por morte aos universitários maiores de 21 anos, da concessão de auxílio-reclusão a dependentes de baixa renda, apesar de serem os segurados, instituidores do benefício, de renda superior a do limite legal.
E, nesse sentido, portanto, tem-se claro que a interpretação do direito é constitutiva, e não simplesmente declaratória. “Vale dizer: não se limita a uma mera compreensão dos textos e dos fatos; vai bem além disso”[50].
Portanto, somente a partir do processo interpretativo, em sua significação histórico-concreta, no sentido de volver os olhos do etéreo ao telúrico, ter-se-á a consubstanciação de enunciados em normas, que, em seu viés principiológico, com sua textura aberta, prestam-se a amalgamar as fundações da seguridade social, segundo o “programa da norma” e o “âmbito da norma”.
CONCLUSÃO
A principiologia adstrita à seguridade social corporifica e constitui o fenômeno jurídico a ela inerente. O seu viés normativo apresenta-se como determinações que veiculam a axiologia pertinente aos objetivos determinados pela Constituição Federal, imantados para o bem estar e a justiça social, conforme seus ditames.
A acepção própria dos direitos sociais, com sua tecitura adstrita às normas de natureza programáticas e sua inerência próxima ao viés principiológico é tendente à inconsistência e abertura conceitual, o que resulta em não concretização ou insuficiente concretização dos direitos sociais.
Assim, ao se superar o paradigma estático da norma cristalizada no texto legal, e se propugnar por uma direção que leva em consideração o contexto, além do texto, Friedrich Müller rompe com o positivismo empertigado, e propõe uma consideração dinâmica do Direito.
Portanto, a acepção normativaprincipiológica de seguridade social, que se lê na Constituição Federal, ao considerar tal viés, desconsidera a acepção por vezes apriorística, para se valer de uma postura interpretativa à materialidade inerente e intrínseca à realidade que circunda o direito na ocasião de sua integração e aplicação.
A normatividade inerente ao fenômeno da seguridade social deve ser estudada, portanto, a partir de reflexões internas da própria ciência jurídica, não descurando de outras ciências ou da filosofia, mas sempre levando em consideração a própria realidade em si.
E mais, abarca-se, dentro dessa acepção, a noção alográfica do Direito, a saber que o texto normativo não é o sinônimo de norma, e que o sentido nele impresso pelo legislador se completa pela significação haurida da realidade, mediada pelo processo interpretativo.
Informações Sobre os Autores
Celso Jefferson Messias Paganelli
Doutorando em Direito pela ITE – Instituição Toledo de Ensino. Mestre em Direito pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília – UNIVEM. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-UNIDERP, Pós-graduado em Direito da Tecnologia da Informação pela Universidade Cândido Mendes. Graduado em Direito pela Associação Educacional do Vale do Jurumirim (2009). Atualmente é professor de Direito na graduação das Faculdades Integradas de Ourinhos/SP e na pós-graduação da Projuris-FIO em Ourinhos/SP. Tem vasta experiência com informática, possuindo mais de 30 certificações da Microsoft e diversos títulos, entre eles MCSE, MCSD, MCPD, MCTS, MCSA: Messaging, MCDBA e MCAD. Articulista e colunista de diversas revistas e jornais, sendo diretor e membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino e membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Direito do Projuris
Alexandre Gazetta Simões
Mestrando em Teoria do Direito e do Estado pelo Centro Universitário Eurípedes de Marília (UNIVEM). Pós-graduado, com Especialização em Gestão de Cidades (UNOPEC). Direito Constitucional (UNISUL). Direito Constitucional (FAESO). Direito Civil e Processo Civil (FACULDADE MARECHAL RONDON). Direito Tributário (UNAMA). graduado em Direito (ITE-BAURU. Analista Judiciário Federal – TRF3. Professor de graduação de Direito na Associação Educacional do Vale do Jurumirim (EDUVALE AVARÉ). Membro do Conselho Editorial da Revista de Direito do Instituto Palatino. Membro do Conselho Editorial da Revista Acadêmica de Ciências Jurídicas da Faculdade Eduvale Avaré. – Ethos Jus. Co-autor da obra “Ativismo Judicial – Paradigmas Atuais” (2011) Letras Jurídicas. Co-Organizador da obra “Ensaios Sobre a História e a Teoria do Direito Social” (2012) Letras Jurídicas