Resumo: Na presente monografia buscou-se uma exposição acerca do fenômeno que é o trabalho, vez que funciona como a principal forma de transformação da natureza, além de ser força motriz para a produção de bens e riquezas. Percebeu-se com isto o quanto seu caráter mudou, partindo do postulado escravidão, na visão científica, ou sujeição ao divino, de acordo à bíblia, chegando, apenas no fim da Idade Moderna, à noção de contrato, status que vem se modificando a partir de então. Cumpriu destacar que o advento da Revolução Industrial tornou a exploração traço marcante desta modalidade contratual. No século XIX o contrato de trabalho assume ares que ainda hoje ostenta, passando a ser resguardado por leis protetivas, onde se pode destacar o pioneirismo dos ingleses com a Lei de Peel, exemplo que foi seguido por outras nações, sobretudo as desenvolvidas. Consistiu também a presente monografia em uma análise a respeito dos princípios que devem orientar o fenômeno trabalhista, partindo dos princípios contratuais e perpassando pelos princípios processuais, posto que são base da sociedade me que vivemos, sociedade que de forma clara repugna a autotutela, face a primazia da tutela jurisdicional. No contexto processual buscou-se destacar a autonomia dos princípios trabalhistas em relação ao processo civil, destaque justificado pela natureza, em regra alimentar, das verbas trabalhistas. No contexto principiológico uma especial atenção foi dada ao princípio da efetividade da justiça, que deve ser o norteador da prestação jurisdicional, hoje e sempre, a fim de se evitar a injustiça qualificada que é a justiça prestada a destempo. Quanto à Tutela Antecipada, além da apresentação do conceito do que vem a ser tal instituto, buscou-se demonstrar as particularidades que esta assume numa realidade onde existe o jus postulandi, prerrogativa de postulação das partes no processo do trabalho, desacompanhada de advogado, nos termos do artigo 791 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Sumário: Introdução. 1. Aspectos históricos do trabalho. 1.1. O contrato de trabalho. 1.2. Princípios. 1.2.1. Princípios do Direito do Trabalho. 1.2.2. Princípios Gerais do Processo do Trabalho 1.2.2.1 Celeridade 1.2.2.2 Oralidade 1.2.2.3. Concentração. 1.2.2.4. Identidade Física do Juiz. 2. Tutela antecipada: considerações gerais. 2.1. Origens. 2.2. Relevância do instituto. 2.3. A antecipação de tutela como direito. 2.4 requisitos para a concessão. 2.4.1. Requerimento da Parte. 2.4.2. Prova Inequívoca. 2.4..3 Verossimilhança da Alegação. 2.4.4. Fundado Receio de Dano Irreparável ou de Difícil Reparação 2.4.5. Abuso do Direito de Defesa ou Manifesto Propósito Protelatório do Réu 2.4.6 Reversibilidade do Provimento. 3. Processo do trabalho versus tutela antecipada. 3.1. Admissão do provimento antecipatório no processo do trabalho. 3.2. Requerimento da parte: divergência. Conclusão. Bibliografia.
INTRODUÇÃO
Compreendendo a realidade o homem é atraído pelo diálogo de sua própria essência. Neste contexto surge a necessidade do entendimento dos institutos, sobretudo daqueles que fazem parte da temática do dia a dia, caso do Direito do Trabalho.
Vivemos numa sociedade de desigualdades, e esta desigualdade é refletida de forma direta nas relações trabalhistas, onde por princípio o empregado é subordinado. Ainda que subordinado este precisa estar informado, pois a informação leva à emancipação pessoal, permitindo uma melhor compreensão de mundo.
No Estado Social de Direito legal[1] que vivenciamos, a ordem econômica deve fundar-se primeiramente na valorização do trabalho e isso só é tornado possível com relações de respeito. Deixando de haver respeito, ao humano ou aos postulados legais, surge para a parte lesada uma prerrogativa de ver a situação restabelecida, o que hoje é possibilitado pela atuação jurisdicional.
Em razão de a presteza jurisdicional ter ficado cada vez mais precária começou a surgir institutos visando coibir tal realidade. Foi exatamente com o objetivo de imprimir rapidez na prestação jurisdicional que – em casos de dano irreparável, de difícil reparação, abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu -, o Brasil adotou o instituto da antecipação dos efeitos da tutela jurisdicional, que nada mais é do que a possibilidade de o juiz antecipar a solução pretendida em decisão que se aproxima, e muito, da definitiva, prolatada apenas após o regular processamento do feito.
No princípio o instituto foi criado para ser usado no âmbito do Processo Civil e, dada a sua funcionalidade, logo foi também assimilado por outros sistemas processuais, caso do Processo do Trabalho, face à proposição do artigo 769 da Consolidação das Leis do Trabalho.
Com a promulgação da Constituição Federal de 1988, que assegura o acesso ao Judiciário, reconheceu-se, definitivamente, a necessidade de se buscar novos meios de tornar o processo mais ágil, logo útil à sociedade, cada vez mais massificada, evitando, assim, a prestação jurisdicional intempestiva.
Neste estudo objetiva-se, através da exposição de posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais, mostrar um pouco da temática trabalhista, a partir da construção histórica que culminou com garantias, como a protetividade da justiça do trabalho. Assim, justificada está a importância do tema, que não é mera abstração jurídica, mas tema de interesse de toda a coletividade, a medida que esta, direta ou indiretamente se relaciona com trabalho, principal forma de transformação do mundo.
Especificamente será tratado do provimento antecipatório configurado na chamada Tutela Antecipada, dando ênfase à sua aplicação e peculiaridades no processo do trabalho, onde se destaca a possibilidade de ser deferida ex officio. Além disso se tratará também dos demais requisitos para a concessão deste provimento, quais sejam, Prova Inequívoca, Verossimilhança da Alegação, Fundado Receio de Dano Irreparável ou de Difícil Reparação, Abuso do Direito de Defesa ou Manifesto Propósito Protelatório do Réu e Reversibilidade do Provimento.
I. ASPECTOS HISTÓRIOS DO TRABALHO
Na visão científica o trabalho teria surgido do tripalium, como se depreende da lição de Dárcio Guimarães de Andrade, verbis: “O vocábulo trabalho origina-se do latim tripalium, podendo ter variado para trepalium, desenvolvendo, mais tarde, o infinitivo tripaliare, trapaliare. O tripalium era utilizado por agricultores para debulhar o trigo e o milho, sendo também instrumento de tortura.”[2]
Segundo a bíblia o trabalho teria surgido a partir da incumbência do homem de dominar o mundo, como se lê a seguir: “enchei a terra e submetei-a. Dominai sobre os peixes do mar, sobre as aves dos céus, e sobre todo animal que se move pela terra.”[3] Com o pecado houve o castigo. Assim o trabalho foi tornado árduo e penoso, passando o homem a ter de buscar o próprio sustento[4].
O trabalho físico, na Grécia, assumiu conotação pejorativa, uma vez que Platão e Aristóteles diziam ser este voltado para artesãos e escravos. “O trabalho físico é assunto para os escravos e artesãos. Os artesãos são pessoalmente livres, mas não cidadãos do Estado. A terra é unicamente propriedade dos cidadãos; os artesãos e lavradores não a possuem.”[5]
Na Idade Média as relações trabalhistas são de pura exploração, sendo o trabalhador mero objeto de direito na prática. O pouco valor que possuía devia-se aos variados trabalhos que prestava: as corvéias, as banalidades e o censo. Neste sentido pertinente se faz a lição de André Alba, verbis:
“Em São João, 24 de junho, os camponeses de Verson na Normandia devem ceifar os prados do senhor e levar os frutos ao castelo. Depois, devem cuidar do fossos. Em agosto, colheita do trigo que devem levar à granja. Eles próprios não podem recolher os seus feixes senão depois que o senhor tirou antecipadamente a sua parte. Em setembro, devem a “porcagem” – um porco em oito e dos mais bonitos. Em São Diniz, 9 de outubro, pagam o “censo”, depois o direito de fechar o seu campo. No começo do inverno, corvéia sobre a terra senhorial, para prepará-la, semear e passar a grade. Em Santo André, 30 de novembro, paga-se uma espécie de bolo. Pelo Natal, “galinhas boas e finas “. Depois, uma certa quantidade de cevada e trigo. Se o camponês vender a sua terra, a décima terceira parte do preço de venda pertence ao senhor. No domingo de Ramos, deve ele a “carneiragem” – um certo número de carneiros – e uma nova corvéia de trabalho. Depois deve ir para a forja, ferrar os cavalos; no bosque, cortar as árvores para o senhor e fazer a corvéia do carreto. Ainda mais: o moleiro do castelo, para moer o grão do camponês, cobra um alqueire de grão e uma certa quantidade de farinha; no forno, é preciso pagar também, e o forneiro jura que, se não tiver o seu pagamento, o pão do camponês ficará mal cozido e mal virado.”[6]
Na Idade Média surgem as Corporações de Ofício, onde ser destacavam os artesãos e mercadores, os últimos precursores dos capitalistas. Nestas os mais experientes se transformavam em mestres, que coordenavam supervisores, que coordenavam aprendizes.
Com o comércio assumindo feições de atividade econômica forte, desponta o Mercantilismo. Assim a relação empregador/empregado, paulatinamente, substitui a relação mestre/supervisor/aprendiz das corporações.
A ampliação dos mercados e os avanços da tecnologia contribuem para a acumulação de capital. O processo de produção conta agora com a força mecânica, fruto da Revolução Industrial, cuja primeira fase, de1760 a 1860, acontece na Inglaterra.
A referida Revolução propiciou uma acelerada migração dos camponeses para a cidade, provocando intenso crescimento da população urbana. Surge uma nova classe social, os operários, na maioria das vezes submetidos à condições subumanas de trabalho, vez que as jornadas de trabalho têm duração de “14 à 16 horas diárias”[7], fato que se agravava com a existência de abundante mão de obra e a crescente utilização de máquinas.
Sendo a pioneira no processo de industrialização a Inglaterra foi também pioneira em estabelecer normas de proteção às relações de trabalho. Através da Lei de Peel, de 1802, limitou a jornada diária de trabalho dos menores a 12 horas. Parece pouco nos dias de hoje, mas para época denotava grande evolução.
A Constituição do México, de 1917, e a Constituição de Weimar, de 1919, asseguraram direitos como o descanso semanal, a redução da jornada de trabalho e o sistema sindical livre. Em 1917 foi criada a OIT[8], cuja origem tem por base argumentos humanitários, políticos e econômicos. A Carta del Lavoro da Itália trouxe mais garantias ao trabalhador, muitas dessas incorporadas à “Declaração dos Direitos do Homem de 1948”, exemplo do que se lê no artigo 23:
“I- Toda a pessoa tem direito ao trabalho, à livre escolha do trabalhador, à condições eqüitativas e satisfatórias de trabalho e à proteção contra o desemprego.
II- Todos têm direito, sem discriminação alguma, a salário igual por trabalho igual.
III- Quem trabalha tem direito a uma remuneração eqüitativa e satisfatória, que lhe permita e à sua família uma existência conforme com a dignidade humana, e completada, se possível, por todos os outros meios de proteção social.
IV- Toda a pessoa tem o direito de fundar com outras pessoas sindicatos e de se filiar em sindicatos para defesa dos seus interesses.” (destacou-se)
No mesmo sentido protetivo cumpre trazer à colação o disposto no artigo 24, I: “Toda a pessoa tem direito ao repouso e aos lazeres e, especialmente, a uma limitação razoável da duração do trabalho e a férias periódicas pagas.”
Se depreende desta declaração, dentre outras coisas, que a liberdade deve ser assegurada ao trabalhador para manifestar seu pensar. Além disto a isonomia, que justifica nos dias de hoje ações cujo objeto é a equiparação salarial, por exemplo, também é um traço determinante.
No Brasil, a Constituição de 1824 aboliu as corporações de ofício, introduzindo a liberdade profissional. A Lei do Ventre Livre, de 1871, apontou os primeiros delineamentos para o fim da escravidão. Em 1885 a Lei Saraiva Cotegipe, conhecida coma a lei dos sexagenários, concedeu liberdade aos escravos que atingissem tal idade. Em 13 de maio de 1888 surge a Lei Áurea, extinguindo de vez a escravidão do mundo do direito, embora esta persista em existir no mundo dos fatos.
Na Constituição de 1891 reconheceu-se a liberdade de associação e reunião pacíficas. No mesmo ano foi aprovou-se um decreto[9] regulamentando o trabalho de menores. Em 1903[10] surgem os sindicatos rurais. Os urbanos surgem em 1907[11].
Na Constituição de 1934, pela primeira vez em nível constitucional, se faz referência ao Direito do Trabalho, conforme dicção do artigo 121, notadamente em seu parágrafo 1º e incisos[12].
Na Carta de 1937 foi instituído o sindicato único, imposto por lei e vinculado ao Estado. Além disso, foi proibida a manifestação em forma de greve e lockout[13].
Através do Decreto-lei 5452, de 1º de maio de 1943, foi instituída a CLT trazendo grandes avanços para as relações trabalhistas.
Na Constituição de 1967, com a emenda número 1 de 1969, os direitos trabalhistas são mantidos. Contudo, grande mudança de paradigma, se experimenta com a Constituição de 1988, onde se consagra como fundamento da República, ao lado da soberania, da cidadania, da dignidade da pessoa humana e do pluralismo político, os valores sociais do trabalho, apontando-o como direito social.
1.1 O CONTRATO DE TRABALHO
No Brasil a locução contrato de trabalho surgiu com a Lei n.º 62[14] de 1935. Esta expressão tem sua origem na locução locação de serviços, que o legislador civil de 1916[15] utilizou para designar a forma contratual que envolvesse a prestação de serviços.
Não obstante a origem da locução, cumpre salientar que hoje em dia não se pode pensar a relação empregatícia fora dos ditames do artigo 3º da CLT. Neste apontada-se como elementos configuradores da relação de emprego a não eventualidade, a onerosidade, a subordinação e a exigência do empregado ser pessoa física, ao dispor que:
“Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo Único – Não haverá distinções relativas à espécie do emprego e à condição de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.” (destacou-se)
Este contrato envolve características de cunho pessoal e patrimonial. A relação pessoal é justificada pelo caráter intuito personae deste contrato, posto que este deverá necessariamente ser honrado por pessoa certa e determinada, não podendo o empregado fazer-se substituir, sob pena de exaurimento do vínculo empregatício. A característica patrimonial, a seu termo, é evidenciada pelo fato do contrato de trabalho alcançar fins econômicos. Ademais o contrato de trabalho será sempre oneroso, uma vez que existe o dever do empregador de pagar salários.
O empregado é subordinado ao empregador. Esta subordinação pode ser econômica, técnica, hierárquica, jurídica ou até mesmo social. A subordinação decorre do poder de dirigibilidade do empregador, portanto sempre jurídica. As demais nuanças da subordinação podem até não existir.
Joaquim Pimenta aponta que, para se configurar o contrato de trabalho, é necessário que “o empregado preste serviço ou execute a obra, sob as ordens do empregador, isto é, que fique sob a dependência ou à disposição deste.”[16] Assim, o trabalho autônomo ou voluntário, nos termos da Lei 9.608/98, não gera o vínculo empregatício, pois não apresenta o elemento subordinação.
Somente poderá ser empregado pessoa física. O contrato que envolve uma pessoa jurídica como prestadora de serviços não interessa ao direito laboral e diz pertinência tão-somente ao direito das obrigações.
O contrato em comento é sinalagmático, pois impõe obrigações para ambos os lados; as partes se obrigam reciprocamente. É também comutativo, pois a estimativa da prestação, de ambas as partes, é conhecida desde o momento da celebração. Diz-se ainda que é contrato de adesão, uma vez que o empregado adere as condições existentes na empresa, na CLT, nas convenções e acordos coletivos.
Como qualquer ato jurídico deve respeitar as regras estabelecidas no art. 104 CC[17]. O agente deve ser capaz, o objeto deve ser lícito e a forma deve ser prevista ou não proibida pela lei. Contudo, como diz a CLT em seu art. 443[18] não é contrato formal, pois basta um simples consentimento para obrigar as partes.
1.2 PRINCÍPIOS
Aponta Paulo Bonavides[19] que o caminho percorrido pelos princípios até que se lhes reconhecesse força normativa e cogente foi difícil, acidentado e tortuoso. Aponta ainda que a idéia de princípio deriva da linguagem geométrica, designando verdades primeiras. Por isso são princípios; estão ao princípio. São e devem ser as premissas de todo um sistema que se desenvolve.
É a partir da visão de princípio, enquanto gênese, que torna-se possível a compreensão da esfera jurídica. Por orientarem todo o ordenamento jurídico, e serem instrumentos de coesão e solidificação sistemática trazem consigo uma ordenação axiológica e teleológica. Assim mostram-se integrantes da realidade processual trabalhista, posto que “são normas que expressam valores fundamentais.”[20]
Alguns princípios, como o da inafastabilidade da jurisdição, o da produção de provas e a garantia recursal fazem parte de todo o ordenamento processual. Além destes a ordem processual trabalhista guarda outros, que serão tratados ao longo do trabalho.
1.2.1 Princípios do Direito do Trabalho
Os princípios são preceitos mais amplos que otimizam a ação quando associados à uma possibilidade jurídica e de fato. Conforme anuncia Eros Grau, os princípios “atuam de modo diverso: mesmo aqueles que mais se assemelham às regras não se aplicam automática e necessariamente quando as condições previstas como suficientes para a sua aplicação se manifestam.”[21]
Na prática do direito laboral os princípios apresentam funções precípuas. Neste sentido cabe trazer à colação os apontamentos de Frederico de Castro[22], eis que delimita com precisão suas funções: “a) Informadora: inspira o legislador para fundamentar o ordenamento jurídico; b) Normativa: atuam como fonte supletiva. No caso de ausência da lei. São meios de integração de direito; c) Interpretativa: operam como critério orientador do juiz ou intérprete.” Estas funções podem ser exercidas de várias formas. Assim podem, por exemplo, atuar como fonte de inspiração para o criador da norma, e, como fonte de normatividade, integração e interpretação para o intérprete.
Gaspar Chacóm[23] faz interessantes apontamentos sobre os princípios do Direito do Trabalho, ao consignar que:
“[…] são simples postulados que, primeiro sociologicamente e, segundo, juridicamente depois, foram convertidos, por disposições legais ou por resoluções judiciais, em critérios de orientação do legislador e do juiz na defesa da parte julgada mais fraca na relação do trabalho, para restabelecer, com um privilégio jurídico em desigualdade social. São mandatos morais que têm sido imposto pelas vias indicadas a serviço de um ideal de justiça social. […] sempre se revestem de um sentido moral derivado do fundamento de eqüidade de que provêm.” (destacou-se)
Na concepção de Maurício Delgado[24] a idéia de proteção é inspiradora de todas as regras do Direito do Trabalho. Assim “o papel decisivo dos princípios no Direito do Trabalho advém do caráter essencialmente teleológico, finalístico, desse ramo jurídico especializado.”[25] Plá Rodrigues[26], a seu termo, consigna que interessa ao direito, além da protetividade, três princípios: primazia da realidade, razoabilidade e boa-fé. Faz ainda importante classificação dos princípios, conforme ora se destaca:
“1. Princípio da proteção caracterizado por três idéias:
a) in dubio pro operario;
b) regra da aplicação da norma mais favorável;
c) regra da condição mais benéfica;
2. Princípio da irrenunciabilidade dos direitos;
3. Princípio da continuidade da relação de emprego;
4. Princípio da primazia da realidade;
5. Princípio da razoabilidade;
6. Princípio da boa-fé;
7. Princípio de não-discriminação.”
É inegável que no Direito do Trabalho há um valor finalistico a que ele se propõe, pois, sem dúvida, a proteção ao trabalhador é valor que norteia este ramo do direito. Ademais, a melhoria das condições de pactuação da força de trabalho na ordem socioeconômica deve ser um objetivo perseguido.
1.2.2 Princípios Gerais do Processo do Trabalho
Como visto anteriormente princípios como o da inafastabilidade da jurisdição, o da produção de provas e o da garantia recursal fazem parte de todo o ordenamento processual. Além destes, a ordem processual trabalhista guarda outros, nem sempre encontrados em outras esferas, mas relevantes dentro da problemática da solução dos problemas laborais.
A imparcialidade do juiz é o princípio basilar para a seriedade da prestação jurisdicional. Refere-se ao órgão julgador, que deverá, inobstante a exposição do conflito pelas partes, julgar imparcialmente a lide. É condição de validade da prestação jurisdicional, anunciada na Constituição da República como cláusula pétrea em seu art. 5º, XXXVII e LIV.
Este princípio se liga ao princípio da isonomia. Como leciona Nery Júnior, “significa que os litigantes devem receber do juiz tratamento idêntico”[27]. Desta feita devem ser oferecidas aos litigantes iguais oportunidades de manifestação.
A expressão igualdade não deve ser tomada em sua primeira acepção. Antes, ao contrário, deve-se entender a igualdade como a proposição de dar a cada um o que é seu; dar a cada um na proporção da desigualdade. Neste sentido cumpre trazer a colação novamente os ensinamentos do Professor Nery Júnior, eis que aponta dever ser protegida “a igualdade substancial, e não a isonomia meramente formal”[28]. Além disso a garantia aos litigantes de oportunidades iguais para se pronunciarem sobre os atos praticados no processo, efetivamente, proporciona a simetria visada pelo princípio da igualdade.
O princípio do contraditório, como desdobramento da igualdade processual das partes, no dizer de Rodrigues Pinto, “assegura ao processo sua essência de método dialético de investigação do Direito, a fim de chegar-se à verdade sobre pontos em que se tenha tornado controvertido”[29].
No processo trabalhista alguns mecanismos foram criados para que se atingisse a isonomia real, exemplo da presunção inserta no Enunciado 212[30] do TST.
Além destes princípios cabe salientar alguns princípios que se relacionam com maior afinidade com o processo trabalhista, sobretudo diante da consideração de ter o objeto do litígio natureza alimentar. Os mais importantes seguem tratados a seguir.
1.2.2.1 Celeridade
O princípio da celeridade é hoje em dia uma das grandes preocupações dos operadores do direito, uma vez que não basta o direito de ação. É preciso que se possa exercê-lo de forma efetiva, daí a necessidade de maior celeridade.
No Direito do Trabalho este princípio toma uma dimensão muito maior, pois o bem jurídico objeto do litígio, não raras vezes, tem natureza alimentar, o que por si só justifica a existência deste princípio.
Não obstante a necessidade da celeridade nos provimentos trabalhistas a realidade aponta para um momento onde a prática diverge na essência deste princípio. Tanto é verdade que o Ministro Arnaldo Sussekind[31] chegou a dizer que apenas a Justiça Federal é mais morosa que a Justiça Trabalhista.
Importante conquista para a modernização do Processo do Trabalho foi a aprovação, no final de 1999, do projeto de lei 4693/98, relacionado à instituição do procedimento sumaríssimo para as pequenas causas trabalhistas. O projeto, de autoria do TST, culminou com a Lei n.º 9957/00, trazendo simplificação procedimental na primeira instância, diminuindo o formalismo e imprimindo celeridade aos julgamentos.
A prevalência do princípio da celeridade no processo do trabalho implica dizer que são irrecorríveis as decisões interlocutórias, conclusão do que dispõe o artigo art.893, da CLT. In verbis:
“Art. 893. Das decisões são admissíveis os seguintes recursos: […]
Parágrafo único. Os incidentes do processo são resolvidos pelo próprio juízo ou tribunal, admitindo-se a apreciação do merecimento das decisões interIocutórias somente em recurso da decisão definitiva.” (destacou-se)
No mesmo sentido é a redação do enunciado n.º 214, com redação dada pela Res. 121/2003, publicada no Diário de Justiça em 21 de novembro de 2003:
“Decisão interlocutória. Irrecorribilidade. Na Justiça do Trabalho, as decisões interlocutórias somente ensejam recurso imediato quando suscetíveis de impugnação mediante recurso para o mesmo Tribunal ou na hipótese de acolhimento de exceção de incompetência, com a remessa dos autos para Tribunal Regional distinto daquele a que se vincula o juízo excepcionado, consoante disposto no art. 799, § 2º, da CLT.”
Por não existir a possibilidade do agravo no provimento trabalhista muitos criticam a admissão da antecipação de tutela, discussão que será trazida no terceiro capítulo.
1.2.2.2 Oralidade
Este princípio leva-nos à proposição de que a fala deve prevalecer sobre a escrita. Através deste se permite que determinados atos processuais sejam praticados oralmente, reduzidos a termo na ata de audiência, contendo apenas a essência de seu conteúdo, não cabendo a alegação de cerceamento de defesa.
É um princípio do direito processual que reconhece a importância da manifestação oral dos participantes do processo, bem como da prova formulada oralmente para a formação da convicção do juiz. Como dito, pelo princípio da oralidade a palavra se sobrepõe ao escrito, devendo este ser empregado apenas quando indispensável, exemplo da prova documental e o registro dos atos processuais.
O Direito brasileiro admite tal princípio em várias circunstâncias. Na Justiça do Trabalho, o faz, por exemplo, ao admitir a reclamação verbal, possibilidade trazida pelo artigo 840, verbis:
“Art. 840: A reclamação poderá ser escrita ou verbal. […]
§ 2º Se verbal, a reclamação será reduzida a termo, em duas vias datadas e assinadas pelo escrivão ou secretário, observado, no que couber, o disposto no parágrafo anterior.” (destacou-se)
Ainda na CLT, desta vez no art. 846, se admite seja aduzida contestação oral, ao consignar o seguinte: “Lida a reclamação, ou dispensada a leitura por ambas as partes, o reclamado terá vinte minutos para aduzir sua defesa.”
O CPC também traz possibilidades de se fazer postulações com fulcro no princípio da oralidade, como, por exemplo, no art. 278, caput, ou ainda ao se admitir a interposição oral de agravo retido contra decisões interlocutórias proferidas em audiência.
O art. 2º da Lei 9099/95, que introduziu o procedimento dos Juizados Especiais Cíveis, também faz expressa alusão ao princípio da oralidade, apontando ser este um dos norteadores do procedimento.
1.2.2.3 Concentração
Este princípio está previsto no art. 849, da CLT, onde se lê que: “A audiência de julgamento será contínua; mas, se não for possível, por motivo de força maior, concluí-la no mesmo dia, o juiz ou presidente marcará a sua continuação para a primeira desimpedida, independentemente de nova notificação.”
Diante deste princípio Wagner Glígio argumenta que:
“No processo do trabalho, o princípio da concentração dos atos em audiência, idealmente una, impõe seja a reconvenção apresentada com a contestação, como estipula a parte inicial do art. 299 do CPC, mas na audiência, e não em cartório ou na secretaria; via de conseqüência deverá, como a resposta, ser juntada aos autos nessa oportunidade, não se justificando as exigências de ser apresentada em peça autônoma, processada em apenso ou comunicada ao distribuidor, para anotação (CPC, art. 253, parágrafo único) medidas de ordem formal que não condizem com a simplicidade característica do procedimento nos cortes trabalhistas.”[32] (destacou-se)
Nada obstante, o princípio da concentração não pode ser levado ao extremo, porque, muitas vezes, condições que fogem ao controle implicam em retardamento ou adiamento de atos já iniciados. Neste a caso a atenção irrestrita ao referido princípio levar-nos-ia a uma situação de extrema formalidade, o que não nos parece ser o objetivo da lei. Exatamente disse o citado autor que a audiência é uma apenas idealmente.
De uma leitura literal do princípio deduziríamos que os atos interrompidos deveriam ser reiniciados, sob pena de nulidade, quando sabemos que a realidade não é bem esta. Nos casos de adiamento e retardamento, sobretudo das audiências, este fato deve ser tido como simples irregularidade, salvo flagrante prejuízo para as partes. Além disto é de usual sabença que no estudo do processo vigora a máxima que não há nulidade sem prejuízo.
A discussão trazida no parágrafo anterior é por demais importante, pois vê-se com ela a flexibilidade do princípio, moldando-se com a régua de lesbos à realidade social. Fosse este mera regra, deveria ser aplicado de forma absoluta, mas esta capacidade de adaptação denota ser este verdadeiro princípio.
1.2.2.4 Identidade Física do Juiz
Significa relação direta entre o juiz e as pessoas cujas declarações deve tomar, pois o propósito do procedimento é de que o juiz que instrui o processo deve sentenciá-lo.
O Princípio da identidade física do juiz, também conhecido como princípio da imediação, está disposto no art. 132 do CPC:
“O juiz, titular ou substituto, que concluir a audiência julgará a lide, salvo se estiver convocado, licenciado, afastado por qualquer motivo, promovido, ou aposentado, casos em que passará os autos ao seu sucessor.
Parágrafo único. Em qualquer hipótese, o Juiz que proferir a sentença, se entender necessário, poderá mandar repetir as provas já produzidas.”
No âmbito da justiça comum, é pacífica a aplicação deste princípio, salvo em situações excepcionais que o próprio artigo menciona. A sua inobservância, como afirma Teresa Alvim, gera uma anulabilidade[33]. Por outro lado Vicente Greco Filho afirma “que a violação da regra do art. 132 resulta em nulidade de sentença; tanto na hipótese em que um juiz que está vinculado deixa de proferir sentença, quanto na hipótese do juiz que já está desvinculado e venha a proferir sentença.”[34]
Vê-se assim que não é pacífica na doutrina a posição decorrente da não observância do princípio em questão, gerando importante discussão, posto que como é sabido anulabilidade e nulidade, quando reconhecidas, geram efeitos temporais diversos. A primeira apenas efeitos ex nunc, para nunca mais, ou seja, os efeitos são extirpados a partir da declaração, e, a segunda, inclusive efeitos ex tunc, retroagindo portanto, sendo desta feita mais ampla.
Na justiça do trabalho, por força do art. 769 da CLT, tem preponderado o entendimento de que aplica-se também a esta o preceituado na lei adjetiva civil, face a subsidiariedade desta. Na prática, contudo, há casos de juizes titulares que só instruem os processos, deixando para o auxiliar o dever de julgar, ou vice-versa. Daí a afirmação de alguns de que não existe hoje um procedimento trabalhista, mas um procedimento do juiz, o que causa aflição aos advogados por exigir um esforço a mais no sentido de se conhecer o procedimento de cada um que está atuando em determinado momento, o que é verdadeiro contra-senso, posto que o juiz deve julgar com a lei, e não criar procedimentos.
2 TUTELA ANTECIPADA: CONSIDERAÇÕES GERAIS
O instituto da Tutela Antecipada tem fundamento constitucional, pois decorre do direito fundamental à tutela efetiva[35], onde se veda de forma clara qualquer medida legal que implique em afastamento do poder judiciário. É certo ainda que, o direito fundamental consagrado no dispositivo citado, garante ao jurisdicionado não apenas o direito formal de propor a ação, mas, sobretudo o direito a uma tutela adequada e efetiva.
Considerado como uma das principais características do constitucionalismo moderno o reconhecimento dos direitos fundamentais, entendemos que mais do que o direito de ação, deve ser assegurado a efetividade deste direito. Assim, no atendimento concreto das providências indispensáveis aos jurisdicionados para se concretizar um direito fundamental deve sempre ser buscada a efetividade do provimento. O magistrado deve fazer uma análise com vistas à máxima efetivação dos princípios consagrados na Constituição.
Na linguagem coloquial encontramos no termo antecipar as indicações do que viria a ser o instituto da Tutela Antecipada. No dicionário Aurélio[36] está insculpido que esta palavra tem origem no latim, onde se dizia antecipare. Denotaria fazer, dizer, sentir, fruir, fazer ocorrer antes do tempo marcado, previsto ou oportuno, chegar antes, anteceder.
No dicionário jurídico[37] encontra-se a exata definição do instituto da Tutela Antecipada. Aponta-se que é a medida, tomada pelo juiz e a requerimento da parte, no sentido de antecipar os efeitos da tutela, em regra prestada em sede de sentença, onde, conforme o artigo 162 do CPC, o juiz poria termo ao processo.
Sérgio Pinto Martins[38], com a precisão que lhe é peculiar, aponta que a Tutela Antecipada é uma espécie de tutela, daquelas prestadas pelo Estado através do judiciário, eis que superada a autotutela, que tem por objeto julgar, antecipadamente, o mérito da pretensão do autor. Este julgamento antecipado, que não se confunde com a hipótese prevista no artigo 330 do CPC, geralmente é efetuado no início do processo, tendo por fundamento a probabilidade de que o pedido seja julgado procedente.
A antecipação dos efeitos da tutela pode ser total ou parcial, sendo certo que estes efeitos só podem ser concedidos se existir prova inequívoca do alegado e haja verossimilhança na ale alegação de quem pleiteia. É necessário também que haja fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou ainda, fique caracterizado o abuso de direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu, o que atentaria contra a ordem processual.
Diz-se, na espécie, que há antecipação de tutela porque o juiz se adianta para, antes do momento reservado ao normal julgamento do mérito, conceder à parte um provimento que, de ordinário, somente deveria ocorrer depois de exaurida a apreciação de toda a controvérsia e prolatada a sentença definitiva.
A tutela jurisdicional, contida no pedido, poderá ser de duas formas: total – o objeto requerido em sede de tutela se confunde com o objeto do provimento a ser analisado quando da sentença -, ou parcial, quando o requerimento faz pertinência a apenas parte do pedido a ser analisado em sede de sentença.
Kazuo Watanabe, tratando da natureza jurídica da Tutela Antecipada assim consigna:
“O art. 273, nos incisos I e II, consagra duas espécies de tutela antecipatória: a) a de urgência (n.1), que exige o requisito do ‘fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação’; b) a de proteção ao autor, que não deve sofrer as conseqüências da demora do processo, decorrente do ‘abuso de direito de defesa’ ou de ‘manifesto propósito protelatório do réu’ (n. II, sem necessidade do requisito do periculum in mora)”[39] (destacou-se)
Além das características gerais debatidas cumpre salientar que na decisão que antecipar a tutela, o juiz indicará, de modo claro e preciso, as razões do seu convencimento. Quando houver perigo de irreversibilidade do provimento antecipado, em regra, não se deferirá o pedido de Antecipação de Tutela. Nestes casos o princípio a ser observado é o da proporcionalidade, aliando ao princípio da razoabilidade.
2.1 ORIGENS
Segundo Rogério Tadeu Romano[40] o instituto da Tutela Antecipada tem suas raízes nos interditos romanos, posicionamento também defendido pelo professor Sérgio Pinto Martins[41]. Na lição destes autores está consignado que a semelhança dos interditos com o instituto da Tutela Antecipada se assenta no fato de que as decisões eram proferidas através de análise superficial, assim como em sede de antecipação de tutela a cognição é sumária. Outro ponto de convergência apontado entre os dois institutos é de ordem teleológica, pois a razão de ser destes não é outra senão evitar os inconvenientes da demora do andamento processual.
Toda e qualquer forma de Tutela Estatal só faz sentido dentro de um contexto de contrato social, mesmo porque, fora deste ambiente, a prática que reinava era a autotutela, hoje repudiada. Antes do advento do contrato social os conflitos de interesses eram solucionados pelos próprios litigantes, por meio da chamada autotutela. Era a época da vingança privada, onde predominava a lei do mais forte.
Com o advento do Estado este evocou para si o Poder Jurisdicional, passando as lides a serem solucionadas através do processo.
A existência do processo permitiu que as lides sejam resolvidas de maneira isenta. Contudo chegou a um ponto em que o Poder Judiciário, órgão judicante do Estado, se viu sufocado por uma enormidade de litígios, tornando os provimentos jurisdicionais cada vez mais lentos e insatisfatórios.
É neste contexto de morosidade na prestação jurisdicional que foram surgindo novas fórmulas desburocratizantes do instrumento processual, tais como a criação de ritos mais simples, o surgimento das medidas cautelares e a antecipação de julgamentos – como nos casos de julgamento antecipado da lide -, e, por fim, a tutela antecipatória.
A busca por soluções e inovações, objetivando dar maior agilidade e praticidade à prestação jurisdicional, constitui anseio remoto de toda a comunidade jurídica. Busca-se com estas aperfeiçoar o ordenamento jurídico, o que possibilitou emergir o instituto da Tutela Antecipada.
A inovação em análise vem complementar o elenco das chamadas tutelas de urgência, destinadas a situações que não possam aguardar o término do processo para obviar[42] ou reparar eventual lesão de direito, consagrando dessa forma o chamado poder geral de cautela do juiz
Em nosso ordenamento, embora seja comum se aduzir tenha sido o tema introduzido em 1994, com a reforma do CPC produzida pela Lei n.º 8.952, vale frisar que em sua natureza já fazia parte de algumas ações de rito especial como a “Ação de Alimentos.”[43] Alguns procedimentos de leis extravagantes já previam as liminares, mas sempre como medida excepcional e restrita. O próprio CPC já autoriza provimentos desta ordem, com a efetividade de antecipação de tutela, por exemplo ao tratar das ações possessórias. Outro procedimento que já previa liminar, conferindo a esta os efeitos da antecipação de tutela, é o encontrado no mandado de segurança. Ainda assim a lei de 1994 tem seus méritos, posto que foi a partir desta que se deu ao tema o tratamento genérico, permitindo portanto haver subsunção deste aos vários ritos processuais, inclusive ao procedimento ordinário. Houve, na prática, uma democratização do instituto.
É preciso que fique claro que processo, conjunto encadeado de procedimentos, é meio, e não fim em si mesmo. Deste entendimento surge a necessidade de provimentos que retirem deste as prerrogativas meramente protelatórias, afinal, como meio, não pode se sobrepor ao direito material, razão de ser da dedução em juízo da demanda.
Os procedimentos das cautelares surgiram como tentativa de se preservar os bens diante da realidade processual, lenta e demorada. Com este provimento os bens em litígio são afastados da situação de perigo a qual estão sujeitos, para que sejam, ao final, submetidos à apreciação juízo, mas de forma útil para os litigantes.
A grande diferença do provimento cautelar para o provimento satisfativo que se materializa com o advento da antecipação de tutela diz respeito ao campo de atuação. Enquanto nas cautelares a atuação judicial existe para garantir um provimento principal, em sede de Tutela Antecipada não há que se falar em provimento principal, uma vez que esta nada mais é do que o provimento principal analisado de forma antecipada. As cautelares demandam, por princípio, um provimento principal, posto que estas não são satisfativas[44].
2.2 RELEVÂNCIA DO INSTITUTO
Segundo Renato Franco de Almeida[45], antes da aparição da Tutela Antecipada, para superar a lentidão da Justiça, os operadores do direito encontraram na ação cautelar uma saída para alcançar aceleração na prestação da tutela jurisdicional, lutando desta forma contra a morosidade.
O problema da morosidade processual é tão antigo quanto o surgimento do próprio processo. Sendo assim, dentre os vários instrumentos, criados pelo legislador no afã de fornecer aos jurisdicionados a tutela imediata, ainda que antecipada e provisória, destaca-se a antecipação da tutela.
A morosidade é tão maléfica à administração da justiça que Rui Barbosa já declinava que “justiça tardia não é justiça, mas injustiça; e injustiça qualificada.”[46] Neste sentido será tratado neste capítulo da problemática do tempo excessivo como elemento que corrói a prestação da tutela jurisdicional. A demora, em certos processos, pode deformar a entrega da solução satisfativa.
Da leitura do professor Luiz Marinoni[47] conclui-se que o desenvolvimento da temática do acesso à justiça levou ao questionamento sobre a efetividade da tutela dos direitos e, por conseqüência, da efetividade do processo. A discussão a respeito da efetividade é por demais importante, uma vez que, como exposto, justiça tardia nada é senão injustiça, e, injustiça qualificada. Neste sentido a efetividade se liga à questão temporal, uma vez que em muitos casos a demora do andamento do processo acaba por não permitir a tutela efetiva do direito.
A questão temporal deve ser entendida dentro de um contexto de tutela jurisdicional, pois, como é sabido, o Estado proibiu a autotutela. Esta passou a ser permitida apenas em situações excepcionais, como no direito de retenção. Assim sendo, no contexto de prestação da tutela jurisdicional não pode o Estado arrumar desculpas para se desonerar do grave compromisso de tutelar tempestivamente os conflitos concretos.
O tempo é tão importante na temática processual que ensejou a feitura de provimentos de cunho mais célere. Estes assumem a cada dia maior relevo, uma vez que estamos inseridos num contexto onde as relações são cada vez mais massificadas. Trata-se de fenômeno oriundo das exigências de uma sociedade de massa, que torna inaceitável a morosidade jurisdicional imposta pelas formas tradicionais de tutela. Na verdade, a prática forense, sob o rótulo de Tutela Antecipada, só existe diante da necessidade do efetivo exercício de direitos.
A razão de ser do instituto da Tutela Antecipada é exatamente a necessidade de maior celeridade na prestação da tutela jurisdicional. Na medida que este instituto permite efetividade nas relações processuais este se torna ainda mais relevante. Seu papel de relevo dentro do processo em muito se assemelha[48] ao desempenhado pelas cautelares, embora esteja claro que na Tutela Antecipada exige-se que a tutela corresponda ao dispositivo da sentença, o que não se diz das cautelares.
Não obstante tenham fundamentos e requisitos próprios, a Tutela Antecipada e as cautelares são importantes por serem instrumentos efetivos na eterna luta contra a morosidade processual. São instrumentos que permitem efetivação do sistema processual e são relevantes porque não se pode conceber uma constituição cidadã que permita o desrespeito aos interesses de seus cidadãos. Ademais, a demora na solução do litígio, na prática, macula a garantia constitucional do acesso ao judiciário.
2.3 A ANTECIPAÇÃO DE TUTELA COMO DIREITO
Hoje é incontestável que o direito de ação passa a compreender também o direito a uma decisão tomada e cumprida em tempo razoável. Por isso mesmo o pedido de tutela jurisdicional é também pedido de tutela tempestiva.
A excessiva duração do tempo processual vulnera o princípio da efetividade da tutela jurisdicional, princípio assimilado na Constituição Federal, e, como dito, a demora na solução do litígio esvazia na prática a garantia de acesso ao judiciário. Só se garante mesmo o direito de ação quando se assegura, além do acesso formal ao judiciário, também a utilidade do provimento a ser afinal emitido.
Certos direitos, notadamente os de conteúdo não patrimonial, relacionados com liberdades fundamentais, só são tutelados adequadamente se deferida, em curto espaço de tempo, a providência reclamada. Do contrário, tornam-se irreparáveis os danos sofridos, e, muitas vezes, inútil, a tutela tardiamente prestada. Submeter tais diretos ao procedimento previsto para as demais ações seria, portanto, obstar sua efetiva defesa em juízo.
Observando a questão sob o prisma da atividade jurisdicional percebe-se que, havendo o Estado proibido o exercício da autotutela, não pode, em situações em que a demora acarrete dano irreparável ou de difícil reparação a algum direito, deixar de prever mecanismos para a rápida prestação da tutela necessária, sob pena de negar, em verdade, proteção processual a esse direito. E, negando a proteção processual ao direito, negar-se-ia, em termos práticos, o próprio direito.
Neste diapasão traz-se a colação os apontamentos de Estevão Mallet, consignado a seguir:
“a atuação tardia da sanção, decorrente da demora no julgamento da demanda, constitui estímulo ao descumprimento da norma, já que, distanciado o fato consistente na violação da lei do fato subsequente da aplicação da sanção, fica enfraquecido, o caráter obrigatório do direito”.[49]
Excluir a tutela de urgência nas hipóteses em que tal providência se faz necessária eqüivale, em termos práticos, a privar de tutela o direito em litígio, uma vez que não se impede a consumação dos danos. Vê-se, portanto, a ligação estreita entre a antecipação de tutela e a garantia constitucional de ação.
É claro que, para se deferir um provimento de antecipação de tutela é necessário o preenchimento de certos requisitos. Os requisitos são trazidos pela própria lei processual. Contudo, uma vez preenchidos os requisitos, parece claro que não é uma faculdade do magistrado deferir a medida de antecipação. Passa a ser um poder/dever, eis que, preenchidos os requisitos surge para quem pleiteia o provimento o direito subjetivo de vê-lo reconhecido pelo juízo, mesmo se reconhecendo o direito do magistrado ao livre convencimento motivado.
2.4 REQUISITOS PARA A CONCESSÃO
2.4.1 Requerimento da Parte
O artigo 273 do CPC não deixa margem para dúvidas quanto à necessidade do requerimento da parte para a concessão do provimento ao consignar que: “o juiz poderá, a requerimento da parte, antecipar, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no pedido inicial […].”
Esse entendimento é reforçado por outros argumentos, baseados todos nos princípios tradicionais do processo, como o princípio da demanda, previsto no art. 2º do CPC, onde lemos que: “nenhum juiz prestará a tutela jurisdicional senão quando a parte ou o interessado a requerer, nos casos e formas legais.”
Da mesma forma o princípio da congruência, ou adstrição, aponta no sentido de ser necessário o requerimento da parte para que se conceda qualquer provimento jurisdicional. Através deste princípio percebe-se que o juiz estará sempre adstrito aos limites da lide, conclusão da leitura do art. 128 do CPC, onde está expresso: “o juiz decidirá a lide nos limites em que foi proposta, sendo-lhe defeso conhecer de questões não suscitadas a cujo respeito a lei exige iniciativa da parte.”
Por essas razões, doutrina e jurisprudência são praticamente uníssonas em reconhecer a impossibilidade de se antecipar a tutela sem que haja requerimento expresso nesse sentido. Contudo a matéria, não é tão simples. Algumas vozes admitem a possibilidade da antecipação da tutela sem que haja requerimento expresso da parte, sobretudo em sede de procedimentos que admitem o jus postulandi.
2.4.2 Prova Inequívoca
“Inequívoco tem sentido de certo, seguro, correto. Não há dúvida a respeito da questão. Prova inequívoca seria a prova certa, segura, que não deixa margem para dúvida, engano.”[50]
Sérgio Pinto Martins descreve tais palavras fiando-se ao estreito significado da expressão inequívoca, ou seja, que não deixa margens para equívoco, discussões. Faz este comentário para logo depois apontar que este sentido literal não deve ser tomado pelo operador do direito, mesmo porque o instituto da tutela se processa em sede de cognição sumária, o que obstaria a uma certeza do naipe da leitura literal do termo inequívoco. Neste sentido diz com clareza que “prova inequívoca será a necessária à formação do juízo de probabilidade.”[51]
Segundo Carreira Alvim, “prova inequívoca deve ser considerada aquela que apresenta um grau de convencimento tal que, a seu respeito, não possa ser oposta qualquer dúvida razoável, ou, cuja autenticidade ou veracidade seja provável.”[52]
Assim sendo, prova inequívoca é aquela que, por si só, permite-se tomar como verdadeiros e certos os fatos aludidos, no momento de sua análise. Como a análise é sumária é preciso deixar claro que a prova inequívoca é aquela que permite formar o juízo de probabilidade, tomando esta expressão como sendo aquilo que ocorrerá salvo sobrevenha motivo divergente.
Comentando o artigo 273 do CPC Cândido Rangel Dinamarco acaba por dizer o seguinte:
“A dar passo ao sentido literal do texto, seria difícil interpretá-lo satisfatoriamente porque prova inequívoca é prova tão robusta que não permite equívocos ou dúvidas, infundindo no espírito do juiz o sentimento de certeza e não mera verossimilhança. Convencer-se da verossimilhança, ao contrário, não poderia significar mais do que imbuir-se do sentimento de que a realidade fática pode ser como a descreve o autor. Aproximadas as duas locuções formalmente contraditórias contidas no art. 273 do Código de Processo Civil (prova inequívoca e convencer-se da verossimilhança), chega-se ao conceito de probabilidade, portador de maior segurança do que a mera verossimilhança.”[53] (destacou-se)
Os apontamentos do professor Dinamarco são conclusivos e reforçam a idéia de que prova inequívoca deve ser entendida dentro de um juízo de probabilidade, sobretudo no contexto de se compatibilizar este requisito com outro; a verossimilhança da alegação. Conclusiva também é a proposição de que o termo inequívoco não deve ser tomado em sua acepção exata, sob pena de se tornar inviável o instituto da Tutela Antecipada em nosso sistema jurídico, por ser impossível se ter certeza em sede de cognição sumária.
No mesmo sentido são as palavras de Carreira Alvim. Assim também aponta que o fundamento da concessão da tutela antecipatória se funda na grande probabilidade de que o pedido a ser analisado em sede de sentença será julgado procedente. “Probabilidade é o que fatalmente ocorrerá, se não sobrevier algum motivo divergente.”[54] Nas palavras deste autor a probabilidade não se confunde com a possibilidade. Enquanto aquela se materializará, salvo motivo divergente, “a possibilidade é o que não ocorrerá, salvo se intervier algum motivo convergente.”[55]
Por derradeiro traz-se à colação o posicionamento de Calmon de Passos, asseverando que: “assim, entendemos que prova inequívoca é aquela que possibilita uma fundamentação convincente do magistrado. Ela é convincente, inequívoca, isto é, prova que não permite equívoco, engano, quando a fundamentação que nela assenta-se é dessa natureza.”[56]
2.4.3 Verossimilhança da Alegação
Segundo De Plácido e Silva verossimilhança da alegação seria:
“plausibilidade, a probabilidade de ser. A verossimilhança resulta das circunstâncias que apontam certo fato, ou certa coisa, como possível ou como real, mesmo que não se tenham deles provas diretas. No entanto, conforme é assente na jurisprudência, sendo a verossimilhança uma questão de fato, não se pode sobre ela estabelecer regras doutrinárias. Deve, portanto, ser deixada ao prudente arbítrio do juiz que a resolverá segundo as circunstâncias que cercam cada caso, diante do exame das relações existentes entre as provas feitas e os fatos que se pretendem provar.”[57] (destacou-se)
Desta forma verossimilhança é o juízo de convencimento, que deve ser feito em torno de todo os fatos alegados pela parte que pretende a antecipação de tutela. É mais do que o fumus boni iuris, necessário à concessão das medidas cautelares. Não bastando a simples fumaça, exigindo-se uma forte probabilidade de legitimidade e juridicidade dos fatos narrados.
Esta exigência para que se conceda o provimento da Tutela Antecipada se justifica ao se analisar os pormenores do instituto. Neste provimento se antecipa o próprio, por isso não é neutro em relação à lide. Ademais sua finalidade é assegurar, desde logo, o gozo do direito, antes que o tempo venha corroê-lo, reduzindo sua utilidade ou seu valor.
Sérgio Bermudes leciona que:
“É indispensável a prova inequívoca, evidente, manifesta da alegação do autor, com intensidade para convencer o juiz de que a alegação, ou alegações, são verossímeis, isto é, que pareçam verdadeiras. Acentuando a necessidade de prova inequívoca, suscetível de convencer da verossimilhança, a lei limita o arbítrio do juiz, que se haverá de guiar pela realidade objetivamente demonstrada no processo, tanto assim que o §1º exige que, na decisão, o juiz indique as razões do seu convencimento, de modo claro e preciso.”[58] (destacou-se)
A leitura do professor citado nos indica que há entre o requisito da prova inequívoca e o da verossimilhança da alegação ligação estável. Há um ligação que permite ao julgador, mesmo em sede de cognição sumária, formar seu convencimento dentro de um contexto onde a probabilidade é, em sua essência, resguardada. A Tutela Antecipada assume desta forma configuração de medida dotada de meios capaz de garantir a segurança jurídica.
2.4.4 Fundado Receio de Dano Irreparável ou de Difícil Reparação
Segundo o inciso I do art. 273, para que a tutela seja concedida é preciso que haja “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação”. Este requisito é exatamente o chamado periculum in mora. Neste diapasão observa Ernane Fidélis que “o prejuízo referido na lei não se confunde com o incômodo e a inconveniência decorrentes da marcha normal do processo, mas de situação anômala, particularíssima, relacionada com a parte especificamente.”[59]
A locução “fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação” se justifica no contexto dos provimentos antecipatórios, diante das realidades angustiosas que o processo muitas vezes revela. Assim sendo, impõem-se que esse dano temido não se limite aos casos em que o direito possa perder a possibilidade de realizar-se, pois os riscos dessa ordem são satisfatoriamente neutralizados pelas medidas cautelares. É preciso se levar em conta as necessidades do litigante, que, privado de algum bem, provavelmente seu, ficaria impedido de obtê-lo desde logo. Por isso o grau de probabilidade de existência do direito de quem pleiteia o provimento certamente há de influir nesse juízo.
Francisco Cavalcanti aponta que a preservação do próprio direito deve ser a tônica do processo civil e isto se agiganta em sede Tutela Antecipada. Consigna este autor que: “se urgente o deferimento da medida de antecipação de tutela, sob pena da possibilidade de ocorrência de grave, ou irreparável dano, a mesma deve ser assegurada liminarmente.”[60] Face a necessidade de preservação do direito chega inclusive a pugnar pelo deferimento da medida sem a oitiva da parte contrária.
Corroborando com o magistério do citado professor cabe apontar um julgado do TJMG – Tribunal de Justiça de Minas Gerais -, onde fica claro o posicionamento no sentido de se admitir a concessão do provimento liminarmente, como se lê da ementa que segue: “Correta a decisão judicial que, após verificar a existência dos requisitos contidos no art. 273 do CPC, concede-a liminarmente.”[61]
2.4.5 Abuso do Direito de Defesa ou Manifesto Propósito Protelatório do Réu
O art. 273, II do CPC impõe um requisito mais difícil de ser comprovado, qual seja: “o abuso do direito de defesa ou o manifesto propósito protelatório do réu.” Esta dificuldade decorre do fato do direito de defesa ser uma garantia constitucional, o que permite seu pleno exercício. Contudo pleno exercício não deve ser confundido com a insistência em lides temerárias nem mesmo com defesas que atentem contra a ordem processual.
De toda sorte a configuração da hipótese em estudo é sem nenhuma dúvida obscura, uma vez que, a menção abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu são atitudes enquadráveis dentre os casos de litigância de má-fé, previstos no art. 17[62] do CPC.
Abusar do direito de defesa é também deduzir defesa contra texto expresso de lei ou baseada em fato incontroverso ou inverídico, ou proceder de modo temerário. Propósito protelatório manifesto tem lugar, outrossim, pela resistência injustificada ao andamento do processo.
Embora pareça claro haver entre o abuso do direito de defesa e a litigância de má-fé liames relevantes parece-nos que a Antecipação de Tutela não se destina a servir como sanção para atos desta ordem, mesmo porque o próprio CPC dispõe de institutos que visam coibir tais práticas.
Cumpre observar que o propósito protelatório tem lugar pelo requerimento desnecessário de provas, situação que o próprio juízo pode coibir, inclusive de ofício[63]. Assim, a aplicação do inciso II do art. 273 encontrará campo propício por ocasião da prolação da sentença de 1º grau, ou quando o processo chegar ao juízo de apelação, momentos em que se poderá aferir se está havendo abuso do direito de defesa ou manifesto propósito protelatório.
Parece, assim, improvável, a concessão de Tutela Antecipada sem a oitiva do réu quando esta fundar-se na hipótese do referido inciso II. Esta é uma medida que só parece possível, por esta razão, após a manifestação da parte contrária, pois sem esta não se pode aferir a existência ou não do intuito protelatório.
2.4.6 Reversibilidade do Provimento
Como visto nas considerações gerais sobre o instituto da Tutela Antecipada, este provimento apresenta caráter satisfativo, razão pela qual não se admitir que tenha o condão da irreversibilidade. Por isso deve haver a possibilidade de se voltar ao status quo ante, sob pena de se provocar desastroso estado para a parte contrária em caso desta sair vencedora quanto da sentença de mérito, sobretudo se houver o trânsito em julgado nestes termos.
O condão da reversibilidade sem dúvida deve fazer parte do provimento antecipatório. Neste sentido cabe trazer ao presente trabalho um julgado do Tribunal Regional do Trabalho da 17ª Região onde fica claro que a reversibilidade do provimento é um característica que deve estar sempre associado à antecipação de tutela. Vejamos:
“Da concessão da Tutela Antecipada. Presentes in casu os pressupostos da Tutela Antecipada, quais sejam: a) a prova inequívoca da alegação, diante do fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação – que no caso, se consubstancia no dano causado pela supressão do benefício auxílio alimentação, que por tratar-se de verba alimentar, presumível estarem os substituídos passando privações referentes à sua subsistência e, também os seus familiares e b) a reversibilidade do provimento antecipado – pois, sem dúvida, o réu pagará o benefício, mas na hipótese de modificação da sentença poderá efetuar os descontos salariais correspondentes, em face dos servidores substituídos manterem vínculo com a reclamada. Defere-se a Tutela Antecipada. CONCESSÃO DA TUTELA ANTECIPADA. RO 2666/2000. Acórdão: 5712/2001. Publicação: D.O. TRT-17ª de 05/07/01. Relator: Juiz Jailson Pereira da Silva”[64] (destacou-se)
Como se lê da ementa descrita, o provimento antecipatório só foi deferido diante da possibilidade de se voltar ao status quo, qual seja, se efetuar os descontos salariais correspondentes, permitido, em havendo sentença de mérito desfavorável ao empregado, se descontar de sua folha salarial as rubricas adiantadas.
Dinamarco também defende que o provimento deve ser reversível, apontando que “não deve o Juiz correr riscos significativos e, muito menos, expor o réu aos males da irreversibilidade, expressamente vetados pela lei vigente.”[65]
Luiz Guilherme Marinoni[66], tratando de direitos disponíveis, aponta que a reversibilidade do provimento deve ser entendida de maneira relativizada, mesmo porque, nestes casos o juiz pode impor medidas assecuratórias que sejam capazes de proteger os direitos do réu, por exemplo através de constituições de caução e imposição de medidas condicionais. Já os direitos que possuem uma dimensão não-patrimonial, em especial os direitos da personalidade, exigem tutela emergencial[67], contexto em que o instituto da Antecipação de Tutela torna-se ainda mais relevante e aí sim o perigo da reversibilidade do provimento torna-se mais premente.
As ponderações deste professor leva-nos a uma análise de outro princípio universal do direito: o princípio da razoabilidade. Este deve ser o norteador da atuação jurisdicional, se sobrepondo inclusive à expressa disposição da regra processual. Assim, em determinadas hipóteses, a Tutela Antecipada deveria poder ser concedida mesmo quando irreversível a decisão, desde que o direito sacrificado pareça ao Juiz menos provável que aquele contemplado com a medida.
3 PROCESSO DO TRABALHO x TUTELA ANTECIPADA
3.1.ADMISSÃO DO PROVIMENTO ANTECIPATÓRIO NO PROCESSO DO TRABALHO
A aplicabilidade da regra do artigo 273 do CPC ao processo trabalhista parece-nos defensável, face à expressa dicção da própria CLT em seu artigo 769, onde lê-se que: “Nos casos omissos, o direito processual comum será fonte subsidiária do direito processual do Trabalho, exceto naquilo em que for incompatível com as normas deste título.”
A ausência de norma disciplinando a Antecipação da Tutela em demandas trabalhistas, bem como a perfeita compatibilidade de semelhante instrumento com as normas pertinentes a tais demandas, compõem, com perfeição, o suporte para a incidência do artigo 769 da CLT.
O Direito Processual Trabalhista não prevê a existência da Tutela Antecipada, sendo esta instituto peculiar ao processo civil. Entretanto, subsidiariamente, aplica-se os dispositivos processuais civis ao processo do trabalho, como forma de suprir as lacunas existentes e dar maior efetividade ao processo laboral.
Doutrinariamente, face ao disposto no artigo 769 da CLT não se trava discussões a respeito da aplicação subsidiária do CPC ao processo do trabalho. No mesmo sentido tem se portado a jurisprudência, como se conclui da ementa abaixo arrolada:
“MANDADO DE SEGURANÇA. ANTECIPAÇÃO DA TUTELA. REINTEGRAÇÃO DE EMPREGADA ELEITA PARA O CARGO DE DIRETOR DE COOPERATIVA. ARTIGO 55 DA LEI n.º 5.764/71. CONCESSÃO. Presentes, no caso, os requisitos necessários para que se determine, como antecipação da tutela, e com fundamento no artigo 55 da Lei n.º 5.764/71, a reintegração de empregada eleita membro da diretoria de cooperativa, despedida sem justa causa. Antecipação de tutela que encontra amparo no artigo 461, § 3º da CLT, na medida em que presentes tanto a relevância dos fundamentos quanto o risco de ineficácia do provimento final da ação. Concede-se a segurança para determinar a reintegração da impetrante no emprego”.[68]
O perigo na demora no processo do trabalho é real, diante da inferioridade econômica do trabalhador que, em regra, não possui todos meios jurídicos e fáticos para suportar a demora processual. Além disso, a experiência prática informa que a inferioridade é também, em muitos casos, cultural e psicológica, sobretudo se considerado que quem vai a juízo, normalmente, vai na condição de desempregado.
A natureza das lides trabalhista guarda em sua gênese a urgência, eis que se trata de contenda envolvendo crédito, em regra, de natureza alimentar. A solução rápida deve ser, pois, objetivo da Justiça do Trabalho, por isso se pauta esta nos ditames da conciliação, informalidade, celeridade, jus postulandi e oralidade.
O prejuízo irreparável pela não satisfação célere dos direitos trabalhistas é evidenciado pela hipossuficiência do trabalhador. Neste aspecto, podemos inferir pela ampla aplicabilidade da Tutela Antecipada no processo trabalhista.
A legitimidade para o requerimento da Tutela Antecipada é informada pelo art. 273[69] do CPC em seu caput. Este provimento, conforme decisão do TJSP – Tribunal de Justiça de São Paulo –, é possível em qualquer demanda, como se lê da seguinte ementa: “A concessão antecipada da tutela é possível em qualquer processo de conhecimento, desde que preenchidos os requisitos legais.”[70]
No mesmo sentido é o magistério do professor Fidelis dos Santos, quando consigna que: “a antecipação da tutela é cabível no processo de conhecimento , qualquer que seja o tipo de ação ou o rito procedimental adotado, inclusive na jurisdição trabalhista.”[71]
Em que pese ser amplo e dominante o entendimento jurisprudencial no sentido de cabível ser a Antecipação de Tutela na Justiça do Trabalho, alguns posicionamentos esparsos fazem objeção à sua utilização, escorados no argumento de que, se o procedimento legal for devidamente observado, a controvérsia seria rapidamente decidida e, assim, melhor do que aplicar a antecipação de tutela no Processo do Trabalho, seria simplesmente respeitar o rito imposto pela lei trabalhista. De fato seria ótimo que as demandas fossem resolvidas todas com presteza, mas, infelizmente, isso não é regra. Se o fosse realmente o instituto tornar-se-ia desnecessário, o que hoje parece utópico.
Tal objeção, porém, no seguro entendimento de Estêvão Mallet, carece de consistência pelo seguinte:
“[…] concebe-se que, mesmo respeitado escrupulosamente o rito legal das ações trabalhistas, não se cheque e não se possa chegar à rápida solução da controvérsia. É o que ocorre na prática, ainda que se observe a unidade da audiência de julgamento. O grande número de processos acarreta a designação dessa audiência em data muito posterior à do ajuizamento do pedido. Ademais, não poucas vezes mostra-se inviável manter a audiência concentrada. Pense-se, por exemplo, na necessidade de expedição de carta precatória. Considere-se, ainda, ação com pedido a reclamar a realização de perícia, formulado, no entanto, em conjunto com outros pedidos que já reúnem os elementos do art. 273, do CPC. Por que não admitir a antecipação de parte da tutela pedida? Por fim, a antecipação da tutela, punindo a parte que procura beneficiar-se da lentidão do processo (inciso II, do art. 273, do CPC), constitui instrumento perfeitamente conciliável com o propósito de aceleração do procedimento. Portanto, não é a Tutela Antecipada incompatível nem mesmo com o rito célere idealmente estabelecido pelo legislador para as demandas trabalhistas.”[72] (destacou-se)
A doutrina, de mãos dadas com a jurisprudência, entende que o referido instituto poderá ser aplicado em qualquer provimento. Se deferido em sede de sentença, face a possibilidade de o recurso poder ser recebido tanto no efeito devolutivo, como também no efeito suspensivo, este poderá permear qualquer espécie de sentença, seja ela declaratória, condenatória ou constitutiva. Neste sentido são as palavras do professor Humberto Theodoro:
“Qualquer sentença, mesmo as declaratórias e constitutivas, contém um preceito básico, que se dirige ao vencido e que se traduz na necessidade de não adotar um comportamento que seja contrário ao direito subjetivo reconhecido e declarado, ou constituído em favor do vencedor. É a sujeição do réu a esse comportamento negativo ou omissivo em face do direito do autor, que pode ser imposto por antecipação de tutela, não só nas ações condenatórias, como também nas meramente declaratórias e nas constitutivas.”[73] (destacou-se)
Assim como a parte pode postular sejam antecipados os efeitos da tutela em outros momentos que não na inicial, também pode o juiz deferir o provimento em outro momento que não inicio litis. Uma vez configurado os pressupostos para a admissão desta medida antecipatória cabe ao juiz deferi-la. Não há na lei um momento único e inflexível para o incidente, conclusão do que dispõe a Lei n.º 8.952/94, que ampliou os horizontes do instituto da antecipação de tutela.
3.2 REQUERIMENTO DA PARTE: DIVERGÊNCIA
Parece-nos que o legislador, ao estabelecer as alterações do Código de Processo Civil em 1994, não estava envolto dos princípios trabalhistas, mesmo porque este não era o objetivo da reforma. Assim, o emprego da norma processual civil, em âmbito trabalhista, deve ser adaptada a esta realidade, sob pena de impossibilidade de subsunção da regra à realidade, face à principiologia inerente ao Processo do Trabalho, onde se destaca o princípio da inquisitoriedade.
Nessa esteira, Cláudio Armando Couce de Menezes[74] é incisivo ao afirmar que o legislador civil sequer cogitou do Processo do Trabalho quando deu novas vestes ao artigo 273, do CPC, de modo que a expressão “a requerimento da parte” outra coisa não é senão uma homenagem aos princípios da demanda e do dispositivo que regem o Processo Civil. Por outro lado o Processo do Trabalho é regido pelo princípio do inquisitório, que se agiganta diante da prerrogativa da parte postular diretamente em juízo. Salienta ainda que, imaginar candangos, bóias-frias, peões de obra, requerendo ao juízo uma tutela antecipatória dos efeitos da sentença de mérito é cair no plano do fantástico, do delírio ou da mais pura hipocrisia.
Carlos Henrique Leite[75], procurador regional do Ministério Público do Trabalho, na mesma esteira aponta que o legislador houve por bem conferir ao juiz, desde que presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, a função dever/poder de antecipar, “até mesmo de ofício”[76], o provimento de mérito, com ou sem justificação prévia, pois, em se tratando de direitos sociais trabalhistas, a prestação jurisdicional há de observar, com maior ênfase, o princípio inquisitório, de larga aplicabilidade no processo do trabalho.
Do ponto de vista legal não resta dúvida quanto à necessidade de requerimento da parte; a lei processual civil que subsidiariamente se aplica ao processo do trabalho é expressa ao falar em requerimento. Ao mesmo tempo não parece fazer sentido que a norma legal seja aplicada ao processo do trabalho de forma absoluta, pois esta restaria inutilizada em um contexto de capacidade postulatória. Assim traz-se à colação o entendimento de Bruno Paiva, verbis:
“Cumpre deixar claro que a tese da inadmissibilidade da antecipação da tutela ex oficcio é perfeitamente sustentável no processo civil. Mas, por favor, assim não se alegue quanto ao processo do trabalho. Pretender que um peão de obra faça o requerimento ao juízo da antecipação de tutela é abusar da incoerência. Do magistrado não se admite tamanha ingenuidade. E muito menos do magistrado trabalhista, membro de um ramo ímpar do Poder Judiciário que se mantém em estreita eqüidistância da realidade social, onde se discute não o simples patrimônio mas muitas vezes a própria sobrevivência familiar.”[77] (destacou-se)
Das ponderações arroladas, parece sustentável que pudesse haver o deferimento da tutela mesmo sem requerimento da parte, mas, tão-somente, como medida excepcional. Justifica-se tal concessão pela natureza do crédito em litígio. Ainda assim, por ser medida excepcional só poderia ser deferida na hipótese de a parte não se apresentar assistida por advogado, sob pena de comprometimento da isenção do juízo, que, mesmo diante do princípio da inquisitoriedade deve ser seguida.
Francisco Antônio de Oliveira pondera que “o Juiz Trabalhista deve atuar com um a maior sensibilidade em relação ao Juiz de Direito. Este poderá dar-se ao luxo de cumprir a lei em sua literalidade, aquele deverá auscultar do recôndito da lei e dali retirar regras virtuais que afloram de uma interpretação teleológica.”[78] Tais ponderações são pertinentes, porque do contrário não teria sentido falar da existência do instituto da Tutela Antecipada no processo do trabalho, salvo quando a parte estivesse assistida, situação que a lei não exige. Sem a existência do advogado, o instituto restaria inutilizado caso se pugnasse pela impossibilidade da concessão de ofício.
Importante ponderação, também doutrinária, é a que se faz a partir da dicção da Lei de Introdução ao Código Civil em seu artigo 5º, cumprindo lembrar que na aplicação da lei o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige às exigências do bem comum.
Não obstante as ponderações doutrinárias a jurisprudência têm-se inclinado pela necessidade de requerimento da parte. Assim é o julgado do TRT da 1ª Região, cuja ementa ora se arrola:
“Tutela Jurisdicional Antecipada. Tutela Antecipada. O art. 273 do CPC exige, expressamente, para seu deferimento, que haja requerimento da parte. Do que resulta que, ausente o requerimento, não pode ela ser deferida. Ademais, a tutela antecipada é aquela que é deferida antes do julgamento final, como resulta do § 5º do mesmo já mencionado art. 273. O deferimento que se dá no corpo da sentença não se constitui em tutela antecipada mas implica em dotar a sentença de executoriedade imediata o que, em princípio, não pode ser admitido nas obrigações de fazer. Relator: Juíza Doris Luise De Castro Neves.”[79] (destacou-se)
Embora a presente ementa seja conclusiva, parece-nos dever ser ressaltado que a especialização do processo laboral traz marcas de forte dose de inquisitoriedade. Assim sendo, deve ser ressaltado também que este princípio permitiria ao juízo – dentro dos liames da protetividade do processo trabalhista, onde se destaca a proteção ao obreiro e/ou à ordem pública e social –, atuar até mesmo de ofício, determinando medidas judiciais mesmo sem requerimento prévio.
Um dos argumentos mais fortes dentro dessa visão se funda nos poderes que a CLT confere ao juiz do trabalho para poder socorrer aos desassistidos, o que se percebe, por exemplo, nos amplos poderes para direção do processo, descrito no artigo 765, ora transcrito: “Os juizes e tribunais do Trabalho terão ampla liberdade na direção do processo e velarão pelo andamento rápido das causas, podendo determinar qualquer diligência necessária ao esclarecimento delas.”
Outra prerrogativa de que dispõe o juiz do trabalho em relação ao juiz de direito é a possibilidade de ele próprio promover a execução de seus julgados, possibilidade insculpida no artigo 878, verbis:
“A execução poderá ser promovida por qualquer interessado, ou ex-officio pelo próprio juiz ou presidente ou tribunal competente, nos termos do artigo anterior.
Parágrafo único. Quando se tratar de decisão dos Conselhos Regionais, a execução poderá ser promovida pela Procuradoria da Justiça do Trabalho.”
Diante de prerrogativas tão peculiares ao procedimento trabalhista não é de se estranhar que importantes doutrinadores admitam a concessão da tutela antecipada independentemente de requerimento. Assim, recorremos ao ilustre Eduardo Henrique von Adamovich[80] para abalizar tal tese.
O citado doutrinador, para justificar esta possibilidade, aponta que tal decisão não pode ser limitada pela leitura da letra do dispositivo processual comum, pois este é presidido pela igualdade das partes e pela indispensabilidade de advogados, o que permitiria se presumir a disponibilidade pela parte ao direito de requerer a antecipação. Por outro lado, o processo trabalhista é marcado, como regra, pela desigualdade das partes, onde o empregado pode exercer por si mesmo a postulação de créditos de natureza alimentar, indispensáveis para a sua subsistência e a de sua família.
Observa ainda que a vinculação da possibilidade de deferimento da Antecipação da Tutela à iniciativa da parte inverteria a lógica que prevalece no Processo do Trabalho, na medida em que esta ficaria ao alcance apenas dos empregados mais qualificados e bem remunerados, capazes portanto de contratar advogados. Os abastados poderiam facilmente reclamar seus benefícios, em oposição á possibilidade dos menos afortunados que exercessem per se a capacidade postulatória de que trata o artigo 791[81] da CLT.
Décio Sebastião Daidone[82] nega que o juízo possa deferir a medida antecipatória de ofício. Aponta que caberia aos funcionários da justiça do trabalho ter a sensibilidade de requerer tal provimento ao elaborar as chamadas iniciativas orais.
Embora seja um argumento interessante não nos parece poder prosperar tal ponderação. Primeiro porque as pessoas destinadas à redução a termo dos chamados pedidos orais não têm necessariamente conhecimento técnico-jurídico. Além disso, é público e notório que os encarregados de tal redução a termo não prestam assistência jurídica, mas, tão-somente reduzem a termo as pretensões das partes.
CONCLUSÃO
É preciso compreender a problemática trabalhista com os olhos voltados para uma realidade onde a relação é, em regra, marcada pela desigualdade entre os contratantes, embora todos tenham necessidades reais a ser atendidas.
Neste sentido por demais relevantes se mostraram os princípios trabalhistas. Tanto os princípios contratuais quanto os princípios processuais, onde percebeu-se notórias diferenças em relação ao processo civil.
Os princípios contratuais trabalhistas são fruto de um processo histórico intenso, que teria, segundo a visão científica, partido de uma realidade de escravidão. Evoluindo passaram por diversas fases, mas apenas na Idade Contemporânea foram consagrados em sede legal.
Na Idade Contemporânea também se solidificaram as grandes nações. Nestas predomina o entendimento de que a autotutela deve ser preterida, ou seja, o Estado evocou para si a função jurisdicional. Concomitante a isso as relações, pessoais, trabalhistas e econômicas, dentre outras, foram se tornando cada vez mais intensas e conturbadas, levando à uma realidade onde o Estado se viu impossibilitado de prestar tempestivamente a função que evocou para si.
Diante da impossibilidade estatal de prestar a jurisdição em tempo razoável surgiram mecanismos com o objetivo de tornar eficaz a tutela jurisdicional, onde se destaca a Tutela Antecipada.
No Brasil este instituto faz parte de nossa realidade há muito tempo, como se demonstrou ao longo do trabalho. Contudo, apenas com a reforma do código de processo civil em 1994, o instituto foi democratizado, isto é, passou a poder ser aplicado em todos os provimentos, contrastando com a realidade de até então onde era uma primazia de certas leis especiais.
Foi no diapasão da democratização que emergiu a possibilidade do instituto em comento ser também aplicado na esfera trabalhista. Não há dúvidas que a CLT é omissa ao tratar do tema, assim como também não há dúvidas de que, neste caso, o direito processual comum é fonte normativa deste procedimento, decorrência do que dispõe o artigo 769 da referida consolidação.
A lei adjetiva civil ao tratar do instituto trouxe requisitos, numerus clausus, para que o provimento possa ser deferido. Restou-nos discutir se os mesmos deveriam ser aplicados incondicionalmente no processo do trabalho.
Nesta discussão apontamos que estes devem ser compatibilizados com o procedimento trabalhista, sob pena de o instituto se mostrar ineficaz; se tornar ineficaz em uma seara onde o tempo é ainda mais relevante, face ao objeto jurídico tutelado que, no mais das vezes, visa ao sustendo de uma das partes da demanda. É questão de sobrevivência que clama por uma solução.
Entendemos assim que uma importante ponderação é a que afirma que o juiz Juiz Trabalhista deve atuar com um a maior sensibilidade em relação ao Juiz de Direito. Este poderá cumprir a lei em sua literalidade, ao passo que aquele deverá valer-se da interpretação teleológica.
Tal ponderação é ainda mais oportuna em se considerando que os procedimentos ladeados são orientados por princípios divergentes. Enquanto o procedimento civil é orientado meramente pelo princípio da demanda o procedimento trabalhista comporta traços de inquisitoriedade, o que reflete diretamente na discussão da necessidade ou não do requerimento da parte para que a Tutela Antecipada seja deferida.
Assim, entendemos por bem seja conferido ao juiz trabalhista, desde que presentes o fumus boni iuris e o periculum in mora, a prerrogativa de antecipar, mesmo de ofício, o provimento de mérito, com ou sem justificação prévia, pois, em se tratando de direitos sociais trabalhistas a prestação jurisdicional há de observar, com maior ênfase, o princípio inquisitório, de larga aplicabilidade no processo do trabalho.
Cabe assim frisar que, assim como no procedimento civil, a concessão será dada se for o direito de quem pleiteia verossímil e fundado em prova inequívoca, entendida dentro do juízo de probabilidade. É indispensável, ademais, a agregação de um dos seguintes pressupostos: fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, ou o abuso de direito de defesa ou manifesto propósito protelatório do réu, onde não é necessária a urgência, mas apenas a conduta abusiva do réu.
Cumpre observar por fim que, um dos maiores problemas da Justiça atualmente é a sua morosidade. A tutela antecipada é uma das maneiras de se tentar amenizar essa situação, especialmente na Justiça do Trabalho, onde a demora na solução do processo acaba lesando o princípio da igualdade, pois o empregado é desigual em relação ao empregador, e, por isso, necessita de um procedimento célere para ver assegurado seu direito.
Mestrando em Direito Constitucional pela UNESA. Conferencista do CONPEDI. Professor da Escola de Administração Judiciária do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Petrópolis. Concursado da Corregedoria-Geral da Justiça do Estado do Rio de Janeiro.
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