Resumo: O presente trabalho tem como objeto a privatização do sistema penitenciário brasileiro como forma de garantir a reabilitação do detento em a promoção dos Direitos Humanos, tendo em vista que a Administração Pública na gestão dos estabelecimentos carcerários não tem atendido aos anseios sociais.
Palavras-chave: Privatização; prisão; sistema penitenciário; Dignidade da pessoa humana; ressocialização.
Sumário: 1. Introdução; 2. O sistema penintenciário brasileiro; 2.1 A superlotação dos presídios, a proliferação de epidemias e contágio de doenças; 2.2 As rebeliões e fugas das penitenciarias e a reincidência; 3. A dignidade da pessoa humana no direito penal; 4. A privatização do sistema penintenciário; 4.1 O modelo Europeu e a adequação ao sistema brasileiro; 5. Obstaculos etico sociais, jurídicos e políticos a privatização do sistema penintenciário; 6. A privatização do sistema penintenciario brasileiro; 7. Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
A administração do sistema penitenciário brasileiro é bastante preocupante, apresentando diversos problemas como a superlotação, a falta de atendimento à saúde, rebeliões e fugas, corrupção, ineficiência na reabilitação, entre outros, o que impossibilita o retorno, adequado, do apenado ao convívio em sociedade.
A pena é aplicada e cumprida mas em condições inadequadas, em condições degradantes e contrárias ao princípio da dignidade humana e dos direitos humanos, ficando patente a necessidade de mudanças.
Para que tais mudanças possam ser alcançadas, será estudado o atual sistema penitenciário, as diretrizes traçadas pela legislação vigente no cumprimento da pena, a privatização das penitenciárias, o modelo adotado na Europa para, no fim, concluir que o modelo prisional brasileiro deve ser privatizado para atender aos anseios dos detentos, da legislação e da sociedade.
Os obstáculos existentes serão desmistificados, demonstrando que a gestão penitenciária pela iniciativa privada terá consideráveis mudanças em favor da sociedade brasileira e não simples paliativos aos problemas instalados no sistema prisional no decorrer da história.
2 O sistema penitenciário brasileiro
O sistema penitenciário brasileiro é alvo de diversas críticas por parte de membros da sociedade, organizações nacionais e internacionais de direitos humanos, na medida em que está marcado por deficiências e ilegalidades que, ao invés de proporcionar a ressocialização do condenado, acaba produzindo uma quantidade exarcebada de infratores reincidentes.
A degradante situação a qual são submetidos demonstra que a ressocialização prevista apenas na legislação não passa de uma utopia. Ao invés de proporcionar a reabilitação do condenado, o sistema acaba criando novos infratores, mais violentos e revoltados com a sociedade.
A superlotação dos estabelecimentos prisionais, a falta de projetos de ressocialização dos detentos, a precariedade e insalubridade dos presídios, que tornam o cárcere um ambiente propício à proliferação de doenças e epidemias, a revolta com a falta de compromisso do poder público, dentre outros milhares de problemas, demonstram o fracasso do atual sistema penitenciário brasileiro.
O descaso com os direitos humanos e com a crítica situação a que são submetidos, sem que ocorra a ressocialização efetiva, acabam incentivando o retorno para o mundo da criminalidade, ainda mais violentos.
2.1 A superlotação dos presídios, a proliferação de epidemias e contágio de doenças
Atualmente, o sistema prisional brasileiro abriga aproximadamente 500 mil detentos, sendo que o número de vagas existentes no país atende apenas 300 mil condenados. Pela simples diferença numérica constata-se o abarrotamento do sistema penitenciário, sem considerar a quantidade de condenados que estão cumprindo penas em delegacias de polícia do país e os presos provisórios que estão as vias de serem julgados.
Além de não ser local adequado para cumprimento de pena, as delegacias não proporcionam o trabalho e a educação para o preso, ficando o problema mais acentuado em razão da superlotação das celas e da falta de estrutura física para atendimento adequado.
A solução não seria a construção de mais presídios ou disponibilização de vagas, mas, sim, adotar um sistema prisional que concretizasse a reabilitação eficaz a impedir a reincidência, nos termos idealizados na legislação vigente.
Uma medida para amenizar a superlotação dos presídios seria a realização de mutirões para verificar a situação dos detentos, fazer uma reavaliação dos processos criminais, com objetivo de averiguar aqueles que fazem jus a concessão benefícios como a progressão de regime ou liberdade condicional.
No entanto, essa alternativa seria apenas um paliativo ante a inexistência de projetos de ressocialização, pois os detentos, uma vez soltos, acabam retornando para a criminalidade e assim para o sistema penitenciário, na forma de um circulo vicioso.
A superlotação, falta de programas de trabalho, educação e profissionalização, acabam incentivando o sedentarismo e uso de drogas que, em conjunto com a falta de higiene, os ambientes precarios e insalubres dos presídios, a proliferação de diversas doenças (tuberculose, pneumonia, hepatite e doenças sexualmente transmissíveis), tornam ineficaces quaisquer medida que seja apenas um paliativo.
Pesquisas realizadas nos presídios estimam que aproximadamente 20% dos condenados brasileiros são portadores do HIV, principalmente em decorrência de relações homosexuais sem preservativo ou compartilhamento de seringas para uso de drogas injetáveis.
Existe, ainda, um grande número de presos portadores de distúrbios mentais, cáncer, hanseníase e com deficiências físicas, que são tratados como animais, vivendo a própria sorte, sem o mínimo de dignidade.
Não existe tratamento médico-hospitalar adequado nas penitenciárias, necesitando os presos de remoção para hospitais, depedendo de escolta policial, que pode ser demorada, pendente de disponibilidade de contingente, cuja lentidão quase sempre pode piorar a enfermidade e até chegar ao óbito.
Os presídios brasileiros estão em situação caótica e, ainda que não haja superlotação, não permitem qualquer ressocialização ao apenado. E, mesmo que diversas autoridades (judiciário, Ministério Público, Poder Executivo, Conselho Penitenciario, etc) detêm os instrumentos legais para fiscalizar e obrigar o Estado a se submeter às normas legais, nehuma providência é tomada.
2.2 As rebeliões e fugas das penitenciarias e a reincidência
Embora existam garantias na legislação para aqueles que cumprem pena privativa de liberdade, na prática não são observadas. As penitenciárias e delegacias são associadas a falta de segurança que, devido ao ócio dos detentos, permite a formação de organizações criminosas internas visando deflagrar rebeliões e possíveis fugas, que é outro grave problema do sistema penitenciário brasileiro
As rebeliões, embora organizados pelos presos de forma violenta e destrutiva, nada mais são do que um clamor de reivindicação pelos seus direitos, chamando a atenção das autoridades e da sociedade para situação subumana à qual eles são submetidos dentro das prisões.
Com as fugas não é diferente, na medida em que suas ocorrências estão basicamente associadas à falta de segurança dos estabelecimentos prisionais e delegacias, a grande atuação das organizações criminosas dentro e fora dos presídios e, também, o aumento da corrupção praticada por policiais e agentes da administração prisional.
O fato de muitos condenados estarem cumprindo pena em estabelecimentos inadequados, precários e superlotados, sob a guarda e responsabilidade de agentes despreparados e preocupados com a própria segurança, são incentivo para fugas em massa de presos ou realização de rebeliões internamente organizadas.
A Lei dos Crimes Hediondos agravou ainda mais essa situação quando trouxe, expressamente, a impossibilidade de progressão de regime em vários, fazendo com que o sentenciado cumpra a pena integralmente em regime fechado.
Constantemente tem-se notícia da ocorrência de rebelião de presos, ainda que em pequenas proporções. O mesmo acontece com as fugas, não se podendo exigir conduta diversa daqueles que permanecem ociosos diariamente, submetidos a um sistema penitenciário fracassado.
É injustificado falar em ressocialização se o desespero e a falta de perspectivas dos condenados ocasionam um sentimento de revolta ainda maior. Sendo a liberdade um anseio irreprimível do ser humano, não é razoável esperar que o preso venha a conformar-se com o estado de confinamento desenfreado sem perspectiva de melhora.
A comprovação de que o atual sistema penitenciário não se demonstra eficaz a reabilitar o condenado pode ser comprovado pelo elevado índice de reincidência. Embora não existam números oficiais (por motivos de conveniência), calcula-se que, no Brasil, em média, mais de 85% dos egressos após retornar ao convívio social, voltam a delinqüir, e, conseqüentemente, retornar ao sistema penitenciário.
Essa realidade é um reflexo direto das condições a que os condenados foram submetidos no ambiente prisional, durante o encarceramento, sem falar do sentimento de rejeição e indiferença que recebem da sociedade e do próprio Estado que, além de não ressocializar, não possibilita qualquer benefício para incentivar ao egresso a não infringir a lei.
3. A Dignidade da Pessoa Humana no Direito Penal
Mundialmente existem várias convenções e garantias dos direitos humanos, previstos em diversos estatutos legais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, a Declaração Americana de Direitos e Deveres do Homem e a Resolução da ONU que prevê regras mínimas para o tratamento dos presos.
No campo legislativo, o Brasil possui um estatuto executivo-penal dos mais avançados e democráticos existentes no mundo, baseado na idéia de execução da pena privativa de liberdade atenta ao princípio da dignidade humana e dos direitos humanos, sendo desnecessária qualquer modalidade de punição cruel, degradante ou de natureza desumana e contrária ao princípio da legalidade.
A Constituição da República de 1988, no art. 5º que trata das garantias fundamentais do cidadão, reservou 32 incisos destinados à proteção das garantias do homem preso. Ainda, em legislação específica, a Lei de Execução Penal (os incisos de I a XV do artigo 41) dispõe sobre os direitos infraconstitucionais garantidos ao sentenciado no decorrer na execução penal.
No entanto, como dito anteriorente, a teoría não tem surtido efeitos na prática, na medida em que é a constante violação dos direitos e a total inobserváncia das garantias legais previstas na execução das penas privativas de liberdade.
A partir do momento que o preso está sob a tutela do Estado não perde apenas o seu direito de liberdade, mas também todos os outros direitos fundamentais que não foram atingidos pela sentença, passando a ter um tratamento execrável, sofrendo o mais agressivos tipos de castigos, que acarretam a degradação de sua moral e personalidade, bem como a perda de sua dignidade, num processo que não oferece quaisquer condições de preparar o seu retorno efetivo e saudável à sociedade.
A fragilidade do condenado está mais caracterizada quando este deixar o cárcere e retomar sua vida social, momento em que sente na pele o peso do preconceito e, mais uma vez, a dignidade e o respeito são esquecidos, fazendo com que voltem a cometer infrações pela falta de perspectiva de um retorno social adequado e até pela revolta para com a sociedade.
As sábias palavras de Zaffaroni refletem bem o processo de discriminação a que o egresso do sistema prisional é submetido:
“A negação jurídica da condição de pessoa ao inimigo, (no caso, o condenado) é uma característica do tratamento penal diferenciado que lhe é dado, porém não é de sua essência, ou seja, é uma conseqüência da individualização de um ser humano como inimigo”.(ZAFFARONI, 1927, p.29)
Historicamente, a concepção da dignidade da pessoa humana, passou por um processo de racionalização, mantendo-se, todavia, a noção fundamental da igualdade de todos os homens em dignidade e liberdade.
Immanuel Kant, Ingo Sarlet e Ronald Dworking concebiam a dignidade como parte da autonomia ética do ser humano, não podendo tratar ninguém como objeto, mas como instrumento para realização dos fins alheios. Nas palavra de Kant:
“A autonomia da vontade, entendida como a faculdade de determinar a si mesmo e agir em conformidade com a representação de certas Leis, é um atributo apenas encontrado nos seres racionais, constituindo assim, o alicerce da dignidade humana.” (KANT, 1989, p. 15)
Para Hegel a dignidade é uma qualidade a ser conquistada, uma vez que o ser humano não nasce digno, mas torna-se digno a partir do momento em que assume a sua condição de cidadão e passa a respeitar os outros com tal.
Apesar dos ditames constitucionais direcionar o intérprete a considerar a dignidade da pessoa humana como princípio basilar a preservação da condição de sujeito de direito atribuída ao homem, não é isso que vem sendo observado no âmbito penal.
Nas palavras do estudioso Salo de Carvalho:
“Historicamente as normas de direito e de processo penal não estiveram em plena harmonia com as constituições democráticas, pode-se afirmar que os direitos humanos jamais figuraram instrumento de referência à ciência penal.” (CARVALHO, 2003, p.32)
Com o advento da Constituição da República de 1988 houveram mudanças, visto que no seu art. 5º estão expressos diversas garantias e preceitos inerentes ao direito penal e à pessoa do condenado, entre eles, o da dignidade da pessoa humana, que apesar de não ser específico ao preso, é extensivo a todos os cidadãos.
Assim como na Constituição Federal, a Lei de Execução Penal (Lei 7.210/84) deixa claro o objetivo de preservação da dignidade humana do preso, para uma efetiva reintegração social do condenado.
De acordo com a legislação específica e os preceitos constitucionais atuais é preciso preservar a integralidade física e psicológica do indivíduo, devendo respeitar seus direitos, sua liberdade e autodeterminação, enfim, proporcionar a ele existência digna e honesta, conceituação dentro dos parâmetros descritos pelos filósofos estudiosos supracitados.
Para que a reintegração seja possível deve-se proporcionar condições para a existência digna do condenado no interior das penitenciarias e até em delegacias, bem como devem ser asseguradas o seu perfeito desenvolvimento, viabilizando, assim, o harmônico reingresso do detendo ao convívio social.
Observa-se que o principio da dignidade humana deve ser sopesado ao analisar a superlotação das penitenciarias e delegacias, a precariedade e insalubridade dos presidios, o tratamento desumano que os presos são submetidos, tudo visando a busca da efetiva e concreta solução para os problemas existentes.
4. A privatização do sistema penitenciário
A crise que afeta o sistema penitenciário brasileiro requer a adoção medidas efetivas urgentes ou novas alternativas para os detentos. A prisão tem de estar preparada para a tarefa de reabilitação e, ao final, devolver à sociedade pessoas preparadas para a convivência harmônica com os demais cidadãos.
Considerando que o sistema penitenciário está sob a responsabilidade do Poder Público, que até hoje não demonstrou preocupações com a ressocialização dos detentos, a privatização das penitenciárias poderia ser uma alternativa eficaz para o problema.
Provavelmente, a princípio, privatizar não resolveria o problema, mas com certeza se tornaria um marco para mudança no sistema, tendo em vista a visão distinta da iniciativa privada, com a obrigação de preocupar-se com os direitos humanos, dignidade da pessoa humana e reabilitação social.
À primeira vista, o termo privatização dos presídios pode dar a idéia de transferência do poder estatal para a iniciativa privada, que utilizará da mão-de-obra dos encarcerados, visando lucro. Mas o que e pretende é a transferência da administração das prisões para iniciativa privada, sem que isto implique na retirada da função do Estado, à qual é indelegável.
A administração dos presídios estaria sobre a responsabilidade da iniciativa privada, ficando o poder publico com o apoio através de incentivos fiscais e subsídios, bem como fiscalização e controle, com apoio da sociedade, da imprensa e do Ministério Público.
Os detentos poderiam trabalhar mediante justa remuneração, podendo em parte ser revertido a reparação do dano causado a vítima (se existente) e até para justificar a desnecessidade de um auxílio reclusão, desonerando o Estado.
A iniciativa privada também contribuiria para proporcionar a qualificação através de cursos profissionalizantes e da própria escolarização, embora muitos precisam ser alfabetizados.
O trabalho do detento poderia ser revertido para o desenvolvimento do próprio presídio como forma de valorização do crescimento pessoal do detento, e até em benefício da sociedade em obras públicas.
Sempre que se discute o trabalho do detento são levantadas questões acerca da obrigatoriedade equiparada ao regime de escravidão ou ao trabalho degradante. Entretanto, é exagerado falar em regime equiparado ao escravidão ou trabalho degradante de pessoas que estão sob a tutela estatal, sem falar que degradante é a atual situação que os detentos se encontram.
4.1 O modelo Europeu e a adequação ao sistema brasileiro
Considerando a existência de penitenciárias privadas em outros países, o Brasil não seria pioneiro na privatização do sistema, mas poderia ter como base o modelo Europeu em razão da sua eficiência e operacionalidade.
Alguns países da Europa têm conseguido manter um invejável sistema prisional, dentro das exigências das organizações internacionais quanto os direitos humanos, afastando o detento da criminalidade, proporcionando a reabilitação e o retorno ao convívio social do mesmo.
No modelo Europeu o condenado é informado de seus direitos e deveres assim que chega ao estabelecimento prisional, sendo submetido a uma avaliação médica, sendo encaminhado ao tratamento na constatação de deficiência física ou mental. Recebe todo vestuário que tem direito, inclusive o que terá de utilizar para comparecer aos tribunais.
Os detentos podem ser alocados em celas individuais ou para no máximo duas pessoas, com uma rigorosa separação por idade, saúde e periculosidade. Os desordeiros são colocados em regime de confinamento solitário, por razões disciplinares e de segurança, para evitar influência sobre os demais, bem como inibir condutas futuras.
A preocupação do sistema é tratar o preso com dignidade respeito, não sendo admitido qualquer discriminação social, racial ou religiosa, podendo os detentos enviar consultas, fazer requerimentos e apelos por escrito e de próprio punho das condições que estão submetidos no presídio, diretamente ao Conselho Penitenciário.
Os momentos de lazer, recreação e prática esportiva não são considerados como simples passatempos ou distrações. As atividades devem sempre proporcionar uma ocupação inteligente, com acompanhamento por profissionais competentes e treinados.
O sistema de ensino penitenciário é invejável, uma vez que os presos recebem ensinamentos condicionados ao seu temperamento e deficiência, com setores especializados e orientados a melhorar a formação escolar de cada um.
A profissionalização é obrigatória, principalmente aos inexperientes (inicialmente na condição de aprendizes), para os ofícios de compositor tipográfico, mecânico de carros e máquinas agrícolas, eletricista, dentre outras profissões, de acordo com as habilidades de cada detento, e essenciais a sociedade.
Para os dirigentes europeus, o trabalho no estabelecimento prisional não é concebido como uma punição, mas como elemento essencial na reeducação social do indivíduo, assim como os serviços pastorais que estão a disposição de qualquer preso. O trabalho é uma forma de valorização pessoal, fazendo o detento sentir-se útil e necessário para execução de determinadas funções.
Muitos podem acreditar que o sistema europeu é uma utopia para as condições atuais do sistema brasileiro e, ainda, que a legislação brasileira prescreve todos os elementos que foram descritos. No entanto, na Europa, as mudanças no sistema penitenciário foram apenas visíveis após a privatização.
As autoridades governamentais européias, com a parceria de entidades privadas, possuem um rigoroso programa de reabilitação baseado na educação e no trabalho. Mas toda eficácia do sistema depende, também, da cooperação e participação preponderante da a família, autoridades e instituições de caráter social na recuperação do detento.
Portanto, a idéia principal é conscientizar o preso de seus direitos e deveres dentro do estabelecimento, proporcionando trabalho consentido, sem medidas coercitivas e em funções indicadas de acordo com sua aptidão e talento.
A remuneração seria fixada como valor diário ou por produção, sendo o montante formado na forma de salário, percebido mensalmente através de extrato, podendo utilizar seus vencimentos em benefício próprio ou de sua família.
Os detentos incapacitados para o trabalho, por razões de saúde ou física, receberiam uma verba semelhante ao já existente auxílio reclusão caso não se encontre qualquer atividade compatível com sua condição.
O trabalho externo também existiria, principalmente em benefício da sociedade, desde que o detento esteja em condições de confiabilidade suficiente para estar em convívio social, ou estejam cumprindo pena em regimes semiaberto ou aberto.
Não se pretende afrimar que a privatização do sistema penitenciário brasileiro seja a solução para todos os problemas sociais e estatais dos detentos. Mas, considerando os modelos adotados em outros países, bem como sua efetividade e funcionalidade, pode-se acreditar que é uma boa opção a se considerar.
5. Obstáculos ético sociais, jurídicos e políticos a privatização do sistema penitenciário
Como não seria diferente, existem obstáculos que devem ser sobrepostos para reforçar as vantagens da privatização do sistema penitenciário. Sob o ponto de vista ético social, seria intolerável que um indivíduo, além de exercer domínio sobre outro, aufira vantagem econômica do trabalho carcerário.
O argumento perpassa pelo anseio incomparável de ter a liberdade restrita e, ainda, ser explorado pela busca incansável de lucro pela iniciativa privada. Por tal razão que o trabalho, embora obrigatório, seria pautado em regras semelhantes ao realizado fora do estabelecimento, sem possuir caráter aflitivo para o condenado.
O trabalho do detento não visa a obtenção de lucro ao sistema prisional, mas proporcionar a valorização profissional e torná-lo apto a retornar ao mercado de trabalho quando deixar o estabelecimento penitenciário.
Do ponto de vista jurídico, as restrições a privatização do sistema prisional estariam dispostas na legislação brasileira. A interpretação literal da Lei de Execução Penal proíbe que a execução do sistema carcerário seja gerenciado por empresas privadas, bem como a delegação da gestão penitenciária aos particulares.
O princípio da jurisdição única atribui ao Estado o monopólio da imposição e da execução de penas ou outras sanções, com base em preceitos constitucionais. Assim, o Estado não estaria legitimado a transferir o poder de coação de que está investido a qualquer instituição privada.
Nos direitos fundamentais, a Constituição assegurou aos presos que a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art 5º, XLVIII), garantindo o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX) e, como bem salienta José Roberto Pimenta Oliveira, “é irrefutável que, na prisão, tão-somente o direito à liberdade do preso encontra-se sob intervenção direta do Estado” (OLIVEIRA, 2005, p. 426).
Ainda, o art. 24, inciso I da Constituição da República prevê as regras de competência concorrente entre a União, Estados e Distrito Federal para legislar sobre direito penitenciário. O princípio da eficiência da Administração Pública agregado aos princípios constitucionais dos atos da administração, a legislação específica das parcerias público-privadas e, ainda, a crise do sistema penitenciário, são a base suficiente para inserção da iniciativa privada no sistema prisional.
Em uma visão política, a privatização das prisões significaria assumir o fracasso do sistema penitenciário brasileiro e, ainda, demonstrar a falha dos governantes quanto a efetivação da reabilitação dos detentos.
Assim, transferir as atividades prisionais aos particulares seria negar a eficiência do próprio poder público. Contudo, as falhas do poder público são visíveis não só no sistema penitenciário como também em outras prestações de serviços públicos que já foram privatizados ou atendidos através de parcerias público-privadas.
É no mínimo uma hipocrisia a Administração Pública acreditar que a sociedade não está atenta as omissões e inexecuções de serviços públicos adequados e eficientes.
O objetivo teórico da administração penitenciária é combater a criminalidade, e não obtenção de lucro. A criminalidade não é problema exclusivamente estatal, mas social. Possibilitar que toda sociedade participe da reabilitação do preso, para que este retorne ao convívio social com boa garantia de que não retornaria a criminalidade é o objetivo do sistema.
6. A privatização do sistema penitenciário brasileiro
É de conhecimento público a condição caótica dos presídios brasileiros em razão da superlotação, maus tratos, falta de higiene, ociosidade, falta de atendimento médico e psicológico eficiente, alto índice de consumo de drogas, violência e corrupção.
Este ambiente acaba sendo propício para formação de organizações criminosas, estímulo as rebeliões e fugas, demonstrando que o sistema penitenciário brasileiro está no auge de uma crise, merecendo uma solução rápida e eficiente para o controle.
Embora existam posicionamentos diversos, a privatização do sistema penitenciário poderia solucionar os problemas atualmente existentes, suprindo o intolerável e absoluto abandono e descaso por parte do Poder Público.
O estudioso José Eduardo Faria separa as atividades inerentes à execução das atividades administrativas nos presídios. Sendo certo que, no caso de uma privatização, as atividades administrativas em sentido estrito permaneceriam por conta do poder estatal e atividades de execução material seriam atribuídas a entidades privadas.
Assim, afastaria qualquer tentativa de privatizar as atividades jurisdicionais, bem como a atividade administrativa judiciária, que ainda seriam exercidas pelo Ministério Público e Conselho Penitenciário, nos termos da legislação específica.
O grande objetivo das privatizações é proporcionar maior eficiência as atividades prisionais, minimizar os gastos estatais e possibilitar a reabilitação dos detentos através de um sistema eficaz e livre de corrupção.
Alguns criminalistas como Luiz Flávio Borges D’urso defendem a privatização do sistema penitenciário, à semelhança do modelo francês, onde o administrador privado trabalha em parceria com o Estado:
“Registro que sou amplamente favorável à privatização, no modelo francês e as duas experiências brasileiras, uma no Paraná há um ano e outra no Ceará, há dois meses, há de se reconhecer que é um sucesso, não registram uma rebelião ou fuga e todos que orbitam em torno dessas unidades, revelam que a utopia‟ de tratar o preso adequadamente pode se transformar em realidade no Brasil. […] Das modalidades que o mundo conhece a aplicada pela França é a que tem obtido melhores resultados e testemunho que, em visita oficial aos estabelecimentos franceses, o que vi foi animador. Trata-se de verdadeira terceirização, na qual o administrador privado, juntamente com o Estado fazem parceria administrativa, inovando o sistema prisional. Já o modelo americano, o qual também visitei, tal seria inaplicável ao Brasil, porquanto a entrega do homem preso ao particular é total, fato que afrontaria a Constituição brasileira. […]. De minha parte, não me acomodo e continuo a defender essa experiência no Brasil, até porque não admito que a situação atual se perpetue, gerando mais criminalidade, sugando nossos preciosos recursos, para piorar o homem preso que retornará, para nos dar o troco!” (D´URSO, 2009)
O estudioso Fernando Capez acredita que a privatização do sistema penitenciário é a melhor solução para melhora da condições de vida dos detentos:
“É melhor que esse lixo que existe hoje. Nós temos depósitos humanos, escolas de crime, fábrica de rebeliões. O estado não tem recursos para gerir, para construir os presídios. A privatização deve ser enfrentada não do ponto de vista ideológico ou jurídico, se sou a favor ou contra. Tem que ser enfrentada como uma necessidade absolutamente insuperável. Ou privatizamos os presídios; aumentamos o número de presídios; melhoramos as condições de vida e da readaptação social do preso sem necessidade do investimento do Estado, ou vamos continuar assistindo essas cenas que envergonham nossa nação perante o mundo. Portanto, a privatização não é a questão de escolha, mas uma necessidade indiscutível é um fato”. (CAPEZ, 2009)
Não importa o modelo que será adotado, mas o objetivo da privatização prisional é romper com a crise do sistema que, atualmente, não passa de depósitos humanos, sem a mínima condição de salubridade, em patente desrespeito a dignidade humana do preso, visto que são rebaixados a condições de vida subumanas.
Estamos distantes de atingir os verdadeiros objetivos do Estado para atender os anseios sociais em diversos seguimentos da Administração Pública, mas é certo que uma gestão pública modernizada e plenamente articulada com os demais segmentos da organização pública e privada é o caminho mais coerente e eficiente a ser traçado.
Para tanto, procura-se, através da privatização do sistema penitenciário, restabelecer uma política de segurança eficaz e integrada, para atingir um modelo prisional ideal, dentro das diretrizes da política de humanização, de controle da criminalidade e de ressocialização efetiva do detento, sendo observados os direitos humanos e o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
7. Conclusão
A superlotação de presídios, sem qualquer preocupação com questões de segurança, higiene, saúde e educação, são flagrante desrespeito com a dignidade humana, demonstrando o descaso da Administração Pública com a prestação direta dos serviços penitenciários.
A proposta de ressocialização daqueles que estão cumprindo pena nos estabelecimentos prisionais brasileiro não passa de uma grande utopia, tudo em razão da visível omissão Estatal.
Os detentos também são sujeitos de direitos, sendo obrigação do Estado promover a reabilitação social, em instituições adequadas, com o mínimo de dignidade.
As condições a que são submetidos apenas promove o desenvolvimento de indivíduos amargurados, desiludidos e revoltados com o Estado e, ao invés de possibilitar o retorno do condenado ao convívio social, acaba transformado o sistema prisional numa fabrica de criminosos, fato comprovado pelo número de reincidentes.
Um sistema penitenciário eficaz deve buscar a viabilização do trabalho, a educação formal e profissionalizante, a prática do esporte e do lazer, bem como a conscientização dos atos praticados, e não ser apresentado como o um problema social.
Para romper com a crise que se propõe a privatização do sistema penitenciário, com objetivo de fazer cumprir a obrigação estatal e estabelecer uma política de segurança eficaz, atingindo um modelo de execução penal adequado a legislação vigente e de acordo com as diretrizes da política criminal de humanização, controle da criminalidade e de reabilitação social do detento, com a observação do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
Embora a proposta de privatização das penitenciárias seja novo tanto inovador, deve ser viabilizado para solução dessa atual crise que afeta o sistema prisional, visto que o modelo tradicional já demonstrou seu fracasso para com a ressocialização do interno, bem como total desrespeito com os direitos humanos.
Informações Sobre os Autores
Carla de Jesus Resende
Bacharel em Direito pela Universidade FUMEC. Advogada.
Cesar Leandro de Almeida Rabelo
Bacharel em Administração de Empresas e em Direito pela Universidade FUMEC. Especialista em Docência no Ensino Superior pela Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais. Especialista em Direito Material e Processual do Trabalho pelo CEAJUFE – Centro de estudos da área jurídica federal. Mestre em Direito Público pela Universidade FUMEC. Advogado do Núcleo de Prática Jurídica da Universidade FUMEC. Professor da Fundação Comunitária de Ensino Superior de Itabira – FUNCESI, Faculdades Del Rey – UNIESP e Policia Militar de Minas Gerais.
Cláudia Mara de Almeida Rabelo Viegas
Professora de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Estado de Minas Gerais e Faculdades Del Rey – UNIESP. Doutoranda e Mestre em Direito Privado pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Tutora do Conselho Nacional de Justiça – CNJ. Servidora Pública Federal do TRT MG – Assistente do Desembargador Corregedor. Especialista em Direito Processual Civil pela Universidade Gama Filho. Especialista em Educação à distância pela PUC Minas. Especialista em Direito Público – Ciências Criminais pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Bacharel em Administração de Empresas e Direito pela Universidade FUMEC.