A propaganda eleitoral antecipada e a Teoria dos Jogos

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Resumo: A propaganda eleitoral tem sido deturpada por vários candidatos que se sentem livres para adotar práticas que se caracterizem campanha eleitoral antes do prazo autorizado pela legislação. A razão reside no fato de que a multa pecuniária atualmente fixada pela legislação se revela irrisória frente aos elevados recursos disponibilizados pelos candidatos, notadamente no que respeita às eleições presidenciais. Uma sugestão para a solução desse impasse seria a aplicação da teoria dos jogos, técnica matemática criada para se obter a melhor solução estratégica num ambiente de disputa com vários participantes. Referida solução se direcionaria para uma alteração legislativa, de modo a conferir a necessária autorização para a criação de uma nova modalidade de sanção.


Palavras-chave: Propaganda Eleitoral. Teoria dos Jogos. Eleições.


Abstract: The electioneering has been distorted by several candidates who feel free to adopt practices that characterized the election campaign before the period allowed by law. The reason lies in the fact that the financial penalty is currently set by law reveals negligible compared to the huge resources made available by the candidates, especially with regard to presidential elections. A potential solution to this impasse would be the application of game theory, mathematical technique designed to obtain the best strategic solution in an atmosphere of contention with several participants. This solution is directed to a legislative change in order to provide the necessary authorization for the creation of a new type of sanction.


Keywords: Electioneering. Game theory. Elections.


Sumário: 1. Introdução. 2. A propaganda eleitoral e a teoria dos jogos. 3. Conclusões. 4. Referências


1. INTRODUÇÃO


Atualmente, há uma certa descrença do eleitorado brasileiro em relação à punição decorrente de infrações de cunho eleitoral em relação á propaganda eleitoral antecipada. O sentimento comum se direciona no sentido de que as penas aplicáveis apresentam-se inócuas.


No período eleitoral relativo ás eleições de 2010, verificou-se que era prática comum a propaganda eleitoral antecipada, seja diante de participação indevida em inaugurações de obras públicas, seja em função de discursos proferidos pelos pré-candidatos em momento anterior ao período autorizado pela lei de regência.


A prática se revelou bastante vantajosa para os potenciais candidatos, uma vez que a despeito de os eventos se realizarem, na maioria das vezes, não ser tão elevada, o episódio era reproduzido nos principais veículos de comunicação, fazendo com o que a propaganda irregular atingisse milhões de pessoas, muitas vezes superior àquelas presentes ao episódio.


Por tudo isso, os pré-candidatos eram condenados a pagar, conforme a legislação de regência, a quantia mínima de R$ 5.000,00 (cinco mil Reais), insignificante diante do imenso volume de recursos carreados para as campanhas eleitorais atualmente.


Com base nesse contexto, o propósito do presente trabalho é investigar o âmbito de aplicação das sanções decorrentes desse tipo de violação para, ao final, propor alteração legislativa objetivando minimizar essa reprovável prática.


Para tanto, partiu-se de uma rápida análise da aplicação da multa pecuniária aplicada no caso de propaganda eleitoral antecipada pelo Tribunal Superior Eleitoral e, em seguida, examinou-se, resumidamente, os principais aspectos da teoria dos jogos, para então, verificar sua incidência nas eleições, notadamente no que tange à sanção pela prática de propaganda eleitoral extemporânea.


2. A PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA E A TEORIA DOS JOGOS


Um dos princípios basilares do processo eleitoral é o tratamento isonômico entre os candidatos aos cargos públicos eletivos. Para tentar atender a esse princípio, fixou-se um momento único para que cada candidato divulgue suas ideias e projetos de governo.


Nesse sentido, o caput do art. 36 da Lei das Eleições – Lei nº 9.504/97 – é expresso: “A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição”. Deve-se respeitar, nesse sentido, a quota diária fixada para cada candidato. A nova disciplina alterou a previsão anteriormente contida no art. 240 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965), na qual se fixava o marco inicial a escolha dos candidatos pela correspondente convenção.


De fato, a disposição constante do art. 240 do Código Eleitoral (CE) somente fazia sentido porque não havia prazo específico para o início e fim das convenções. Com a vigência do art. 8º da Lei das Eleições, estabeleceu-se o período de 10 a 30 de junho para a realização das convenções partidárias.


Diante dessa previsão e para situar um mesmo instante para o início da propaganda, o art. 36 da Lei das Eleições situou a largada da propaganda em 5 de julho, após, portanto, a realização das convenções, permitindo um pequeno espaço de tempo para preparar a campanha eleitoral. O art. 240 do CE, portanto, perdeu sua eficácia, tendo sido, assim tacitamente revogado (CONEGLIAN, 2006. p. 207).


A conceituação de propaganda eleitoral foi suficientemente delimitada pelo Tribunal Superior Eleitoral no julgamento do Recurso Especial nº 16.183 (Relator Min. José Eduardo Alckmin. Diário de Justiça, 31.03.2000. p. 126), cujo trecho significativo foi assim redigido:


“Entende-se como ato de propaganda eleitoral aquele que leva ao conhecimento geral, ainda que de forma dissimulada, a candidatura, mesmo que apenas postulada, a ação politica que se pretende desenvolver ou razoes que induzam a concluir que o beneficiário e o mais apto ao exercício de função publica. sem tais características, poderá haver mera promoção pessoal – apta, em determinadas circunstancias a configurar abuso de poder econômico – mas nao propaganda eleitoral.”


Ocorre que determinados candidatos procuram antecipar a propaganda eleitoral, quando então passa a se caracterizar como extemporânea, e portanto ilícita, ao subverter o ideal de isonomia que deveria iluminar o processo eletivo, devendo-lhes ser aplicada a sanção prevista no art. 36, §3º da Lei das Eleições:


Art. 36. A propaganda eleitoral somente é permitida após o dia 5 de julho do ano da eleição. (…)


§ 3º A violação do disposto neste artigo sujeitará o responsável pela divulgação da propaganda e, quando comprovado o seu prévio conhecimento, o beneficiário à multa no valor de R$ 5.000,00 (cinco mil reais) a R$ 25.000,00 (vinte e cinco mil reais), ou ao equivalente ao custo da propaganda, se este for maior.”


Apesar do espectro de aplicação da multa, como visto, na maior parte das vezes, ela se revela inócua, diante do poderio econômico envolvido. Apenas para ilustrar essa conclusão, o menor volume de recursos envolvidos na campanha eleitoral para a Presidência da República em 2010, apenas no primeiro turno, dentre os três candidatos mais votados, foi da ordem de doze milhões de reais, enquanto o maior volume alcançou quase trinta e nove milhões de reais, conforme dados obtidos no Tribunal Superior Eleitoral.


A superação da fixação da multa no patamar mínimo é justificado, conforme o Tribunal Superior Eleitoral em função da expressividade econômica do acusado, conforme o disposto no art. 367, inciso I, do CE (Código Eleitoral), Lei nº 4.737/65.


Foi esse o argumento que conduziu o julgamento do Recurso em Representação nº 12.8913/DF, assim ementado, no ponto em que se relaciona ao tema sob exame:


“ELEIÇÕES 2010. PROPAGANDA ELEITORAL ANTECIPADA. INTERNET. COMENTÁRIOS. BLOG. PROVEDOR DE CONTEÚDO. PARTIDO POLÍTICO. CONTROLE TEMÁTICO. PROVA. MULTA. VALOR. (…) 6. Na aplicação de multa eleitoral de natureza não criminal, o arbitramento deve levar em conta a condição financeira do infrator (Cód. Eleitoral, art. 367, I). A condição financeira do Partido Político (pessoa jurídica) que recebe expressivos valores do fundo partidário justifica a aplicação da multa acima do mínimo legal.” (Recurso em Representação nº 128913, Acórdão de 29/06/2010, Relator(a) Min. HENRIQUE NEVES DA SILVA, Publicação: DJE – Diário da Justiça Eletrônico, Data 20/08/2010, Página 77)


No precedente transcrito, a multa foi mantida em R$ 10.000,00 (dez mil reais), quase metade do valor máximo previsto em lei (art. 36, §3º, do CE), considerando-se que a violação teria sido perpetrada por partido político.


De acordo com CASTRO (2009, p. 268), a fixação da multa deveria levar em consideração o custo de sua produção. São suas palavras:


“Na aplicação dessa multa, a Justiça Eleitoral deverá levantar o custo da propaganda ilícita, para então decidir qual o valor da reprimenda. Nas candidaturas a Governador, Senador e Presidente da República, é possível que o custo da propaganda antecipada seja mesmo superior a 50.000 UFIRs.”


No mesmo tom, tem-se posicionamento de COÊLHO (2008, p. 260):


“Em sendo possível a prova do custo da propaganda, e este for maior do que o previsto para multa legal, será aplicada a sanção equivalente a este custo.”


Já MAIA FILHO (1998, p. 65), propõe a aplicação dos critérios estabelecidos no art. 59 do Código Penal (Decreto nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940) para aplicação da sanção pecuniária pela propaganda eleitoral antecipada.


Na hipótese de violação por parte de pessoas físicas, o Tribunal Superior Eleitoral tem aplicado a multa não muito distante do montante mínimo (TSE, R-Rp 98.696/DF. Relator Min. Henrique Neves da Silva. Dje 24.08.2010 pgs. 105/106).


Todavia, a sanção pecuniária não tem surtido o efeito desejado, revelando-se inócua, considerando-se que vários candidatos, a despeito da incidência da multa, renovam a propaganda antecipada, almejando colher votos antecipados dos eleitores. Há candidatos que foram sancionados mais de dez vezes com a propaganda eleitoral, sinal de que a manobra realmente produz efeitos dividendos eleitorais válidos, ou pelo menos suportáveis, não possuindo a eficácia repressiva desejada.


A razão desse insucesso reside no fato de que é fácil para o candidato promover a propaganda antecipada e pagar eventual sanção. O melhor caminho para a solução desse problema direciona-se para a aplicação da teoria dos jogos.


A teoria dos jogos é uma técnica matemática que permite, na análise de cenários possíveis de problemas com vários participantes, a avaliação da melhor estratégia para sua solução, possibilitando-se atingir o um ponto de equilíbrio, chamado de Equilíbrio de Nash (em homenagem a John Nash, ganhador do prêmio Nobel de Economia de 1994).


Nesse sentido, tem-se lição de entendimento de SARTINI et all (2004):


“A teoria dos jogos pode ser definida como a teoria dos modelos matemáticos que estuda a escolha de decisões ótimas sob condições de conflito. O elemento básico em um jogo é o conjunto de jogadores que dele participam. Cada jogador tem um conjunto de estratégias. Quando cada jogador escolhe sua estratégia, temos então uma situação ou perfil no espaço de todas as situações (perfis) possíveis. Cada jogador tem interesse ou preferências para cada situação no jogo. Em termos matemáticos, cada jogador tem uma função utilidade que atribui um número real (o ganho ou payoff do jogador) a cada situação do jogo.”


Considere o seguinte caso: suponha a necessidade de dividir um bolo entre duas crianças. A disputa estaria centrada na divisão mais perfeita possível, a fim de que nenhuma ficasse com uma porção maior do que a outra. A solução para o impasse seria atribuir a uma das crianças a divisão e à outra a escolha da porção. Com isso todas as crianças teriam interesse na divisão igualitária,a tingindo-se um equilíbrio de condutas.


A teoria dos jogos parece ter influenciado a situação experimentada no Brasil com o episódio do racionamento de energia entre 2001 e 2002. O Governo Federal quis transferir aos consumidores (jogadores), mediante ameaça de cortes de funcionamento e sobretaxas individuais, a responsabilidade pelo racionamento. Fugiu-se, assim, de uma lógica de responsabilização exclusiva do poder público para diluir a obrigação com a população em geral. Todos passaram, então, a se interessar em economizar energia, atingindo-se o equilíbrio.


Aplicando a teoria dos jogos ao processo eletivo, percebe-se que a estratégia de cada jogador (candidato) tenderá ao equilíbrio quando a violação de normas puder trazer como beneficiário os demais participantes.


No caso da legislação atualmente vigente, a aplicação de multa pecuniária não repercute diretamente aos demais candidatos no cenário eletivo, uma vez que o valor é recolhido em prol da União Federal, passando a compor o Fundo Partidário (art. 38, inciso I, da Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995). O benefício é apenas indireto, com o posterior repasse às demais agremiações partidárias.


A solução de equilíbrio ocorrerá quando a violação das normas de propaganda repercutir diretamente nas eleições, em favor dos demais candidatos. Isso somente ocorrerá quando o tempo utilizado pelo candidato em propaganda extemporânea for deduzido do seu tempo disponível e distribuído aos demais candidatos durante a campanha eleitoral autorizada.


Assim, se um candidato se utiliza durante 5 (cinco) minutos num evento para praticar campanha eleitoral antes do período autorizado, esse tempo deveria ser descontado do seu tempo disponível, como sanção pela prática ilícita, e distribuído aos demais candidatos integrantes da corrida eleitoral.


Desse modo, a melhor estratégia a ser adotada pelos candidatos, ou o ponto de equilíbrio de Nash, seria o cumprimento da norma, uma vez que todos teriam interesse no atendimento à legislação, dentro de um espírito de cooperação, ainda que forçado.


Com base nessas considerações, sugere-se a alteração do §3º do art. 36 da Lei nº 9.504/97 para permitir a divisão do tempo dedicado à propaganda extemporânea entre os demais candidatos que participam da corrida eleitoral, sem prejuízo da sanção pecuniária já estabelecida na lei.


3. CONCLUSÕES


Verifica-se o desinteresse de vários candidatos ao cumprimento das normas relativas à propaganda eleitoral extemporânea, notadamente diante do valor pouco expressivo das multas cominadas a título de sanção. 


A teoria dos jogos permite uma solução para esse problema considerando a possibilidade de transferir o tempo destinado à propaganda antecipada aos demais candidatos. Todos, desse modo, seriam interessados no cumprimento das normas, favorecendo a produção de um processo eletivo mais isonômico.


A proposta exige alteração da redação conferida ao art. 36, §3º, da Lei nº 9.504/97, considerando a necessidade de cumprimento do princípio da legalidade.


 


Referências

BRASIL. Decreto nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, edição de 31.12.1940

______. Lei nº 4.737, de 15 de julho de 1965. Institui o Código Eleitoral. Publicado no Diário Oficial da União, edição de 19.7.1965.

______. Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995. Dispõe sobre partidos políticos, regulamenta os arts. 17 e 14, § 3º, inciso V, da Constituição Federal. Publicado no Diário Oficial da União, edição de 20.09.1995

______. Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997. Estabelece normas para as eleições. Publicado no Diário Oficial da União, edição de 1.10.1997.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso em Representação nº 98.696/DF. Relator Min. Henrique Neves da Silva. Diário de Justiça Eletrônico, edição de 28.04.2010, páginas 105/106.

______. Tribunal Superior Eleitoral. Recurso em Representação nº 128913, Relator Min. Henrique Neves da Silva, Diário da Justiça Eletrônico, edição de 20.08.2010, Página 77.

______. Tribunal Superior Eleitoral, Recurso Especial nº 16.183/MG .Relator Min. José Eduardo Alckmin. Diário de Justiça, 31.03.2000. p. 126.

CASTRO, Edson de Resende. Teoria e prática do Direito Eleitoral. Belo Horizonte: Mandamentos, 2008.

COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Direito Eleitoral e Processo Eleitoral. São Paulo: Renovar, 2008.

CONEGLIAN, Olivar. Propaganda Eleitoral. Curitiba: Juruá, 2006.

MAIA FILHO, Napoleão Nunes. Estudos tópicos de direito eleitoral. Fortaleza: Casa de José de Alencar, 1998.

SARTINI, Brígida Alexandre, GARBUGIO, Gilmar, BORTOLOSSI, Humberto José, SANTOS, Polyane Alves e BARRETO, Larissa Santana. Uma Introdução à Teoria dos Jogos. Disponível em http://www.mat.puc-rio.br/~hjbortol/bienal/M45.pdf. Acesso em 15.10.2010.

Informações Sobre o Autor

Adrian Soares Amorim de Freitas

Servidor Público Federal do Ministério Público Federal. Engenheiro Civil, Engenheiro Eletricista e Bacharel em Direito, todos pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Especialista em Telecomunicações. Concluinte do Curso de Especialização em Ministério Público, Direito e Cidadania da Fundação Escola Superior do Ministério Público no Rio Grande do Norte – FESMP/RN.


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Equipe Âmbito Jurídico

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