A propriedade fiduciária e a extraconcursalidade na recuperação judicial

Resumo: O objetivo é desmistificar o instituto da propriedade fiduciária e esclarecer os requisitos existentes em lei para a configuração da extraconcursalidade do crédito na Recuperação Judicial, nos termos do art.49, § 3.º da Lei 11.101/2005. Ao final, será possível compreender a grande importância deste estudo, pela demonstração do entendimento jurisprudencial da matéria, demonstrando as hipóteses em que a pretensão da extraconcursalidade do crédito não é acolhida, na oportunidade de verificação do crédito realizada pelo Administrador Judicial, cujo parecer acaba por ser acolhido por decisão transitada em julgado.

Palavras-chave: recuperação judicial, propriedade fiduciária, espécies, registro, garantia.

Sumário: Introdução. A propriedade fiduciária. A alienação fiduciária na recuperação judicial. A cessão fiduciária na recuperação judicial. Conclusão. Bibliografia.

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INTRODUÇÃO

A propriedade fiduciária foi inserida em nosso ordenamento jurídico como uma alternativa ao credor para se resguardar de eventual inadimplemento da obrigação.

Não obstante a existência de instrumento de garantia, tradicionalmente utilizadas, como o penhor e a hipoteca, constatou-se que as suas características e condições são inoportunas no dia-a-dia, tais como a necessidade de notificação do devedor para configurar a sua eficácia e a sujeição dessas garantias ao procedimento recuperacional.

A propriedade fiduciária em garantia apresenta-se mais benéfica ao credor, posto que a coisa alienada ou cedida já não compõe o acervo patrimonial da empresa e a propriedade, ainda que resolúvel, passa a ser exercida pelo credor fiduciário.

Assim, o objetivo deste estudo consiste na análise da propriedade fiduciária, a condição resolutiva e a constituição da fidúcia, as espécies (alienação e cessão fiduciária) no âmbito da Recuperação Judicial, de forma a identificar os requisitos para a classificação de crédito extraconcursal.

A PROPRIEDADE FIDUCIÁRIA

A propriedade é um direito que a pessoa detém sobre referido bem móvel ou imóvel, ou seja, é o domínio que lhe permite usar, gozar, dispor da coisa e reavê-la na hipótese de injusta posse exercida por outrem, conforme dispõe o art. 1228 do Código Civil.

E, até que se prove em contrário, a propriedade presume-se plena e exclusiva, nos termos do art. 1231 do Código Civil. No entanto, ao referido direito podem ser impostas condições para seu exercício ou sua extinção. Na Lei Civil, o art. 125, estabelece duas modalidades de condição, a suspensiva e a resolutiva.

A primeira consiste em subordinar a eficácia do negócio jurídico à um fato ou ato, que enquanto não ocorrido, não permite a sua conclusão Já a segunda, consiste na ocorrência de um fato ou ato que acarreta a extinção do direito a ela imposto, todavia, até que se efetive, a transação entabulada entre as partes tem vigência.

No Código Civil, nos art. 1359, a aplicação da condição ou termo foi denominado de propriedade resolúvel, que contraria “o princípio geral de direito de propriedade, pois o título aquisitivo já contêm o germe da extinção. O titular sabe, ou deve saber, que a propriedade pode findar-se, resolver-se com o implemento de condição ou advento de termo”[1].

Ensina, ainda, Silvio de Salvo Venosa, que na hipótese de propriedade sob a cláusula resolutiva “há um proprietário atual e um proprietário diferido, como mero direito eventual. Esse é titular de direito eventual e não de mera expectativa de direito, porque já se pode dispor de meios para proteger o seu futuro direito”[2].

Isto quer dizer que o proprietário resolúvel exerce o seu direito plenamente, ou seja, pode usar, gozar e dispor do bem, ou seja, “se transfere ao credor a propriedade resolúvel e a posse indireta da coisa alienada”[3].

A característica resolúvel introduziu no ordenamento jurídico pátrio o instituto da alienação fiduciária, que consiste em um negócio jurídico que serve de título para materializar a propriedade fiduciária e assegurar o cumprimento de uma operação creditícia realizada entre os contratantes.

“A alienação é o negócio jurídico pelo qual uma das partes adquire em ‘confiança’ a propriedade de um bem, obrigando-se a devolvê-la quando se verifique o acontecimento a que se tenha subordinado ta obrigação ou lhe seja pedida a restituição”[4].

A propriedade fiduciária, ou, o direito de garantia pode ser constituído sobre coisas (i) móveis infungíveis, (ii) móveis fungíveis, (iii) imóveis e (iv) cessão sobre direitos creditórios.

O Código Civil de 2002, ao entrar em vigência derrogou o Decreto 911/1969, uma vez que passou a disciplinar a alienação fiduciária sobre coisa móvel infungível, nos arts. 1361 a 1368.

O bem móvel infungível consiste na impossibilidade de substituição por outro da mesma espécie, qualidade e quantidade, ou seja, trata-se de interpretação inversa daquela disposta no art. 85 do Código Civil, que definiu unicamente o bem móvel fungível.

Para a constituição da propriedade fiduciária sobre coisa móvel infungível, deve-se observar a orientação contida no art. 1361 e §§1.º e 2.º do Código Civil:

“Art. 1.361. Considera-se fiduciária a propriedade resolúvel de coisa móvel infungível que o devedor, com escopo de garantia, transfere ao credor.

§ 1º Constitui-se a propriedade fiduciária com o registro do contrato, celebrado por instrumento público ou particular, que lhe serve de título, no Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, ou, em se tratando de veículos, na repartição competente para o licenciamento, fazendo-se a anotação no certificado de registro.

§ 2º Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o devedor possuidor direto da coisa”.

Considerando a natureza infungível do bem móvel sobre o qual se constitui a propriedade fiduciária, o contrato que servir de título para a sua constituição dever individualizar e discriminar o bem que servirá de objeto da transferência, conforme estabelece o art. 1362, IV do Código Civil:

“Art. 1.362. O contrato, que serve de título à propriedade fiduciária, conterá:

I – o total da dívida, ou sua estimativa;

II – o prazo, ou a época do pagamento; III – a taxa de juros, se houver;

IV – a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação”.

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Cumpre ressaltar, que o registro da propriedade fiduciária sobre bem móvel infungível não o condão de constituir a garantia, ou seja, a sua inobservância acarreta a ineficácia perante terceiros.

Em relação à alienação fiduciária sobre coisa imóvel, deve- se observar o disposto na Lei Federal n.º 9.514/97, que dispõe sobre uma das formas de garantia das operações realizadas no âmbito do Sistema de Financiamento Imobiliário (art. 17).

A sua constituição é realizada por meio do registro do instrumento que lhe serve de título perante o competente cartório de registro de imóveis, nos termos do art. 23 da Lei 9.514/97, oportunidade em que “o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel da coisa imóvel”[5].

“Art. 22. A alienação fiduciária regulada por esta Lei é o negócio jurídico pelo qual o devedor, ou fiduciante, com o escopo de garantia, contrata a transferência ao credor, ou fiduciário, da propriedade resolúvel de coisa imóvel.

Art. 23. Constitui-se a propriedade fiduciária de coisa imóvel mediante registro, no competente Registro de Imóveis, do contrato que lhe serve de título.

Parágrafo único. Com a constituição da propriedade fiduciária, dá-se o desdobramento da posse, tornando-se o fiduciante possuidor direto e o fiduciário possuidor indireto da coisa imóvel”.

Ao contínuo, com referência à alienação fiduciária sobre coisas fungíveis e a cessão fiduciária sobre recebíveis e/ou direitos creditórios, observa-se o regramento estabelecido na Lei Federal n.º 4728/65 (Mercado Financeiro e de Capitais), alterada pela Lei Federal n.º 10.931/2014.

No que se refere à alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro, a constituição da garantia se dá pela observância do disposto no Código Civil (art. 1361 e seguintes).

Em relação à cessão fiduciária sobre recebíveis e/ou direitos creditórios, passou a ser utilizada para a garantia das operações financeiras por ser vantajosa ao credor, uma vez que este não precisa notificar o devedor para ter sua eficácia declarada (como é exigido no penhor).

Na oportunidade da contratação do mútuo financeiro, o cedente constitui a garantia, transferindo fiduciariamente a titularidade dos créditos que detêm sobre recebíveis ou outros direitos, em favor do cessionário, que passa a receber os valores diretamente dos devedores do fiduciante, os quais serão utilizados para amortização da dívida contratada, conforme estabelecem os art. 66- B, § 3.º da Lei 4728/65 c/c art. 18 da 9.514/97:

“Art. 66-B. O contrato de alienação fiduciária celebrado no âmbito do mercado financeiro e de capitais, bem como em garantia de créditos fiscais e previdenciários, deverá conter, além dos requisitos definidos na Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002 – Código Civil, a taxa de juros, a cláusula penal, o índice de atualização monetária, se houver, e as demais comissões e encargos.

(omissis)

§ 3º É admitida a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito, hipóteses em que, salvo disposição em contrário, a posse direta e indireta do bem objeto da propriedade fiduciária ou do título representativo do direito ou do crédito é atribuída ao credor, que, em caso de inadimplemento ou mora da obrigação garantida, poderá vender a terceiros o bem objeto da propriedade fiduciária independente de leilão, hasta pública ou qualquer outra medida judicial ou extrajudicial, devendo aplicar o preço da venda no pagamento do seu crédito e das despesas decorrentes da realização da garantia, entregando ao devedor o saldo, se houver, acompanhado do demonstrativo da operação realizada”.

“Art. 18. O contrato de cessão fiduciária em garantia opera a transferência ao credor da titularidade dos créditos cedidos, até a liquidação da dívida garantida, e conterá, além de outros elementos, os seguintes”.

Oportuno observar que no art. 42 da Lei Federal n.º 10.931/2004, foi inserida a exigência do registro do contrato como condição, apenas e tão somente, para que seja eficaz contra terceiros:

“Art. 42. A validade e eficácia da Cédula de Crédito Bancário não dependem de registro, mas as garantias reais, por ela constituídas, ficam sujeitas, para valer contra terceiros, aos registros ou averbações previstas na legislação aplicável, com as alterações introduzidas por esta Lei”.

Assim, diferentemente do que ocorre com a alienação fiduciária, na garantia prestada sobre cessão fiduciária, não existe a figura do registro como elemento que constitui a titularidade o credor, o fiduciário.

Diante da sumária análise acerca da propriedade fiduciária, passa-se ao estudo da sujeição do crédito detentora desta garantia, na hipótese do devedor ser uma empresa que ingressa com o pedido de Recuperação Judicial.

A ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A Lei 11.101/2005 estabelece em seu art. 49, caput, que estão sujeitos ao procedimento recuperacional todos os créditos existentes na data da distribuição do pedido, ainda que não estejam vencidos.

Todavia, o legislador apontou algumas hipóteses em que, mesmo que o crédito exista na oportunidade de distribuição da Recuperação Judicial, os créditos não estarão submetidos ao procedimento, dada a natureza extraconcursal que lhe foi atribuída.

As exceções de sujeição dos créditos foram elencados no art. 49, § 3.º da Lei 11.101/2005, em que apontou quais serão os credores da Recuperanda que não precisarão aguardar todo o procedimento, – que se inicia com a distribuição do pedido, passa pela verificação de créditos, pela apresentação do plano e objeção, convocação de Assembleia Geral de Credores, votação da proposta de pagamento, homologação da decisão assemblear e, em caso de aprovação do plano, concessão do benefício recuperacional, início dos pagamentos do créditos e, se finaliza com o cumprimento das obrigações que se e se encerra com a decisão que encerra a Recuperação Judicial, na ocasião de cumprimento das obrigações assumidas no Plano aprovado, que se vencerem no prazo de 02 anos da concessão. De acordo com o referido dispositivo:

Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(omissis)

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4o do art. 6o desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial.

Observa-se que o credor que detenha a posição de proprietário fiduciário não estará submetido aos efeitos da Recuperação Judicial, por ostentar a natureza extraconcursal.

Assim, como a Recuperanda permanece na condução da atividade empresarial (art. 64 da Lei 11.101/2005), deverá atentar-se de que tanto os créditos existentes na data da distribuição do pedido e não sujeitos por ostentar uma condição que o exclua do procedimento, como aqueles decorrentes de novos negócios firmados pela Recuperanda deverão ser quitados no prazo acordado entre as partes contratantes, sob pena de seu inadimplemento configurar os requisitos para a execução forçada ou mesmo pedido de falência.

Contudo, para que o credor fiduciário possa beneficiar-se da natureza extraconcursal do seu crédito no procedimento da Recuperação Judicial faz-se necessária o cumprimento de alguns requisitos que não estão discriminados na legislação recuperacional, todavia decorre da sua contratação ou constituição.

Como visto, se a garantia fiduciária se se tratar de coisa móvel infungível, para constituição da garantia proceder-se-á o registro do contrato perante o Cartório de Registro de Títulos e Documentos do domicílio do devedor, nos termos do art. 1361, § 1.º da Lei 11.101/2005, devendo a coisa sobre a qual recairá a garantia fiduciária deve ser discriminada e individualizada, seja no contrato que materializa a operação financeira realizada entre as partes, seja em instrumento anexo ao referido documento (art. 1362, IV, do Código Civil). O mesmo tratamento é aplicado quando a operação for garantida por coisa móvel fungível, conforme orienta o art. 66-B, caput, da Lei Federal n.º 4728/65.

Com relação à fidúcia prestada sobre bem imóvel, a constituição se dará com o registro deverá ser realizado perante o Cartório de Registro de Imóveis, nos termos do art. 23 da Lei 9.514/97.

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Por oportuno, observe-se o Credor Fiduciário pode pleitear a exclusão do seu crédito garantido por alienação fiduciária quando o registro exigido – do contrato e do instrumento que materializa a constituição da garantia – for efetivado antes da distribuição da Recuperação Judicial.

Frise-se que esta exigência decorre do fato de que o registro é necessário para a constituição da garantia e, se esta não se performou antes da distribuição do pedido de benefício recuperacional, não há como o Credor defender a sua posição de fiduciário e seu crédito será classificado como quirografário, ou seja, a classe em que são inseridos os credores que não possuem garantias e/ou privilégios legais.

Esse é o entendimento exposado pelos Tribunais Estaduais, como se demonstra pelos arestos a seguir colacionados:

Recuperação Judicial – Impugnação de Crédito. Crédito garantido por alienação fiduciária em garantia. Registro, apenas, do contrato de mútuo. Propriedade fiduciária que se constitui pelo registro junto ao Cartório de Registro de Títulos e Documentos. Artigo 1.361, § 1º, do Código Civil. Registro efetivado depois do pedido de recuperação judicial. Crédito que deve ser incluído na classe dos quirografários. Súmula n.º 60 do E. TJSP. Provimento em parte, para este fim. (TJ-SP – AI: 22194181820148260000 SP 2219418-18.2014.8.26.0000, Relator: Enio Zuliani, Data de Julgamento: 29/04/2015, 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 05/05/2015).

AGRAVO DE INSTRUMENTO. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. HOMOLOGAÇÃO DO PLANO DE RECUPERAÇÃO. OPERAÇÕES BANCÁRIAS GARANTIDAS POR ALIENAÇÃO FIDUCIÁRIA. AUSÊNCIA DE REGISTRO. CLASSIFICAÇÃO DOS CRÉDITOS COMO QUIROGRAFÁRIOS. 1. Decisão que tem por finalidade assegurar a possibilidade de superação da situação de crise econômico-financeira da agravada, permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica. Manutenção da decisão recorrida. 2. Ausente o registro no Cartório de Títulos e Documentos das Cédulas Bancárias garantidas por alienação fiduciária, impõe-se sejam classificados os créditos como quirografários. RECURSO DESPROVIDO. (TJ-RS – AI: 70051638062 RS, Relator: Isabel Dias Almeida, Data de Julgamento: 19/12/2012, Quinta Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 21/01/2013).

Empresarial. Recuperação judicial. Contrato de cédula de crédito bancário a ser garantido por alienação fiduciária de veículos. Necessidade de anotação da propriedade fiduciária no certificado de registro do veículo, portanto junto ao órgão licenciador, mostrando-se ineficaz o registro no Cartório de Títulos e Documentos. Inteligência do artigo 1361, § 1º do Código Civil e Súmula 192 do c. STJ. Crédito que, pela falta do referido registro, deve ser incluído como quirografário. Inaplicabilidade dos ditames do artigo 49, §§ 3º e 4º da LRF. Recurso desprovido. (TJ-SP – AI: 20115130920158260000 SP 2011513-09.2015.8.26.0000, Relator: Teixeira Leite, Data de Julgamento: 24/06/2015. 1ª Câmara Reservada de Direito Empresarial, Data de Publicação: 25/06/2015).

Conclui-se, portanto, que a inobservância aos requisitos para a constituição e materialização da alienação fiduciária acarreta a classificação do crédito aparentemente extraconcursal como sujeito ao procedimento recuperacional, sendo inserido na Classe III, dos credores quirografários.

A CESSÃO FIDUCIÁRIA NA RECUPERAÇÃO JUDICIAL

A cessão fiduciária de créditos e títulos de crédito constitui negócio jurídico para garantia, que se divide em duas naturezas, uma obrigacional, que consiste no dever de pagamento do crédito obtido por meio de mútuo, outra  real, que consiste na cessão/transferência do direito de crédito em favor do credor fiduciário, que ostenta a posição de proprietário até que durante o período de adimplemento do contrato firmado entre as partes, vez que ocorrido o inadimplemento, o direito cedido consolida-se em favor do referido credor.

Analisando esta garantia no âmbito da Lei 11.101/2005, verifica-se que este instrumento já foi objeto de questionamento acerca da sua sujeição ou não ao procedimento recuperacional. Houve doutrinadores que defenderam a sua extraconsursalidade, argumentando que o direito objeto da cessão tem características de bem móvel, atribuída pelo art. 83 da Lei 11.101/2005 e, ainda, que o art. 49, § 3.º da Lei 11.101/2005, expressamente excluiu dos efeitos da Recuperação Judicial qualquer espécie de propriedade fiduciária, ao não especificar a espécie a que pretendia a exclusão. Assim, o credor teria o direito ao percebimento integral do seu crédito, consubstanciado no direito cedido:

“Art. 49. Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos.

(omissis)

§ 3º Tratando-se de credor titular da posição de proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, de proprietário ou promitente vendedor de imóvel cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade, inclusive em incorporações imobiliárias, ou de proprietário em contrato de venda com reserva de domínio, seu crédito não se submeterá aos efeitos da recuperação judicial e prevalecerão os direitos de propriedade sobre a coisa e as condições contratuais, observada a legislação respectiva, não se permitindo, contudo, durante o prazo de suspensão a que se refere o § 4.º do art. 6º desta Lei, a venda ou a retirada do estabelecimento do devedor dos bens de capital essenciais a sua atividade empresarial”.

Outro argumento que se usou para defender a extraconsursalidade do crédito garantido por cessão fiduciária, é que na hipótese de falência da sociedade empresária, o credor fiduciário poderá efetivamente aplicar o produto recebido dos títulos para liquidação da dívida e, se houver saldo, o devolverá para a massa falida. Desse modo, o credor não se sujeita ao procedimento falimentar para recebimento do seu direito creditício.

Para excluir qualquer dúvida acerca da extraconcursalidade do crédito garantido pela cessão fiduciária, oportuno destacar que o art. 66-B, § 3.º da Lei Federal n.º 4728/95 (introduzido pela Lei Federal n.º 10.931/2004) admitiu como garantia fiduciária as espécies alienação e cessão ao referir-se à elas genericamente como propriedade fiduciária. Assim, se a legislação especial estabelece a existência e pertinência das referidas espécies, não há como ignorar que a Lei 11.101/2005 também as contempla no art. 49, § 3.º da Lei 11.1011/2005.

Na oportunidade em que se discutiu a sujeição ou não da cessão fiduciária no âmbito da Recuperação Judicial, os Tribunais de Justiça posicionaram-se de formas distintas, qual seja: (i) exclui-la do procedimento recuperacional e (ii) comparando-a ao penhor mercantil, sujeitar o crédito ao procedimento recuperacional.

O Superior Tribunal de Justiça consolidou entendimento de que o crédito que ostente a garantia fiduciária sobre cessão fiduciária não se submete ao procedimento recuperacional, conforme se verifica nos arestos abaixo colacionados:

DIREITO EMPRESARIAL. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. CRÉDITO GARANTIDO POR CESSÃO FIDUCIÁRIA. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. NÃO SUBMISSÃO. DECISÃO MANTIDA. É assente, nas Turmas que compõem a Segunda Seção desta Corte, o entendimento no sentido de que o crédito garantido por cessão fiduciária não se submete ao processo de recuperação judicial. Agravo regimental a que se nega provimento. (AgRg no REsp 1263510/MT, Rel. Ministro ANTONIO CARLOS FERREIRA, QUARTA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 11/04/2016).

AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO ESPECIAL. DIREITO EMPRESARIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CRÉDITOS RESULTANTES DE ARRENDAMENTO MERCANTIL E COM GARANTIA FIDUCIÁRIA. NÃO SUBMISSÃO À RECUPERAÇÃO. Interpretando o art. 49, § 3º, da Lei n. 11.101/2005, a jurisprudência entende que os créditos decorrentes de arrendamento mercantil ou com garantia fiduciária – inclusive os resultantes de cessão fiduciária – não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial. Agravo regimental não provido. (AgRg no REsp 1181533/MT, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 05/12/2013, DJe 10/12/2013).

Contudo, considerando que a Lei 11.101/2005 não apresenta os requisitos necessários para a aplicação da regra excepcional do art. 49, § 3.º, houve a necessidade de recorrer à legislação específica que trata sobre o tema para identificá-los, de forma a reconhecer se o crédito estará sujeito ou não ao procedimento recuperacional.

Oportuno destacar que o tratamento dispensado ao crédito garantido por cessão fiduciária distingue-se daquele aplicado à alienação fiduciária, já analisado no item anterior.

Na cessão fiduciária a constituição da garantia opera-se na contratação da operação financeira, dispensando-se, portanto, o registro, para que o negócio fiduciário tenha validade entre as partes, conforme estabelece o art. 42 da Lei 10.931/2004:

Art. 42. A validade e eficácia da Cédula de Crédito Bancário não dependem de registro, mas as garantias reais, por ela constituídas, ficam sujeitas, para valer contra terceiros, aos registros ou averbações previstas na legislação aplicável, com as alterações introduzidas por esta Lei.

Por oportuno, ressalte-se que o registro é indispensável para que o negócio fiduciário (cessão) tenha validade e eficácia, ou seja, seja oponível em face de terceiros.

Em análise dos acórdãos proferidos pelos Tribunais Estaduais relativos à esta questão, verificou-se que a exigência do registro do contrato e do instrumento da garantia de cessão fiduciária, conforme se demonstra os arestos abaixo colacionados:

RECUPERAÇÃO JUDICIAL. AGRAVO DE INSTRUMENTO CONTRA A DECISÃO QUE DETERMINOU A RESTITUIÇÃO DE VALORES DESCONTADOS DE CONTAS BANCÁRIAS DA RECUPERANDA. DESCONTO FUNDADO EM CESSÕES FIDUCIÁRIAS DE RECEBÍVEIS REPRESENTADOS POR DUPLICATAS MERCANTIS CEDIDAS. Por entender que seu crédito teria natureza extraconcursal, realizou o agravante o desconto do crédito diretamente da conta bancária da recuperanda, como autorizava, segundo afirmou, as cédulas de crédito bancário emitidas, garantidas por cessões fiduciárias de recebíveis consubstanciados em duplicatas mercantis. Passado o stay, deve ser examinada a questão atinente aos créditos performados. Em relação aos créditos performados, cumpre observar que o próprio agravante reconheceu a falta de constituição válida da garantia fiduciária, visto que registrado o contrato em domicílio diverso da recuperanda. Diante disso, não se pode reconhecer a natureza extraconcursal e, por isso, estão sujeitos à recuperação judicial. No que tange à obrigação de pagamento de astreintes, verifica-se que, embora exista a obrigação de não fazer, referente ao não desconto pelas instituições financeiras de valores das contas bancárias das recuperandas, esta obrigação, no caso em exame, transmudou-se efetivamente para obrigação de restituir, de pagar quantia certa, de modo que não pode subsistir a imposição de multa a este título, como já decidiu precedentemente o Egrégio Superior Tribunal de Justiça. Não obstante, continua a agravante obrigada a cumprir a obrigação de não fazer, referente ao não desconto dos créditos pretendidos das contas bancárias das recuperandas e, neste ponto, subsistem as astreintes. Redução do valor da multa fixada. Cabe ao Magistrado, de ofício ou a requerimento da parte interessada, alterar o valor da multa caso ela se mostre insuficiente ou excessiva. A fixação de multa deve guardar proporcionalidade e não ensejar o enriquecimento sem causa. Recurso parcialmente provido apenas para afastar a imposição de multa diária referente à obrigação pecuniária – restituição dos valores indevidamente retidos pelo agravante, mantida a multa, fixada, agora, no valor de R$ 20.000,00, no que se refere ao cumprimento da obrigação de não fazer – não desconto dos créditos pretendidos das contas bancárias. (Relator(a): Carlos Alberto Garbi; Comarca: Fernandópolis; Órgão julgador: 2ª Câmara Reservada de Direito Empresarial; Data do julgamento: 06/04/2016; Data de registro: 08/04/2016).

RECURSO – Agravo de Instrumento – “Ação de execução por quantia certa contra devedores solventes com pedido acautelatório liminar de arresto” – Insurgência contra o respeitável “decisum” que indeferiu a inicial, julgando parcialmente extinto o feito, sem resolução do mérito, com fundamento no artigo 267, inciso VI do Código de Processo Civil, com relação às empresas PROIMPORT BRASIL S/A (em Recuperação Judicial) e ARTLUZ BRASIL DISTRIBUIDORA LTDA (em Recuperação Judicial) e indeferiu o pedido de arresto em relação ao executado ANDRÉ RICARDO SOUTO MAIOR – Inadmissibilidade – Cessão Fiduciária de Títulos – Necessidade de registro para a constituição da propriedade fiduciária – Inteligência do artigo 1361, §1º do Código Civil e da Súmula 60 desta Corte – Credor que levou o contrato a registro após o requerimento da recuperação judicial das empresas – Ausência de descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação – Inobservância ao disposto no artigo 1.362, inciso IV do Código Civil – Propriedade fiduciária que não constituída regularmente – Não incidência  da exceção prevista no artigo 49, §3º da Lei n.º 11.101/05 – Precedentes jurisprudenciais – Pedido de arresto em relação ao executado ANDRÉ RICARDO SOUTO MAIOR, antes mesmo da tentativa de citação – A existência restrições financeiras e demandas em face do agravado, por si só, não o caracteriza como insolvente – Requisitos dos artigos 813 e 814 do CPC não configurados – Recurso improvido. (Relator(a): Roque Antonio Mesquita de Oliveira; Comarca: São Paulo; Órgão julgador: 18ª Câmara de Direito Privado; Data do julgamento: 30/03/2016; Data de registro: 06/04/2016).

Cumpre observar que, a fundamentação apresentada nas referidas ementas, para a declarar sujeito ao procedimento recuperacional o crédito garantido por cessão fiduciária (a necessidade de registro), baseia-se na exigência insculpida no art. 1361, § 1.º do Código Civil. Todavia, em detida análise do que dispõe o referido dispositivo, constata-se que a exigência tem aplicação limitada à constituição da propriedade fiduciária sobre coisa móvel infungível.

Assim, uma vez que a garantia de cessão fiduciária recai sobre coisas móveis ou títulos de crédito, que apresentam características de bens incorpóreos e fungíveis, constata-se a inadequação da exigência do registro para a constituição da garantia, com base no art. 1361, § 1.º da Lei Federal 11.101/2005.

Oportuno destacar que esse foi o entendimento adotado em recente decisão proferida pelo Egrégio Superior Tribunal de Justiça, no julgamento do Recurso Especial n.º 1412529/SP, em 17/12/2015:

RECURSO ESPECIAL. RECUPERAÇÃO JUDICIAL. CESSÃO FIDUCIÁRIA SOBRE DIREITOS SOBRE COISA MÓVEL E SOBRE TÍTULOS DE CRÉDITO. CREDOR TITULAR DE POSIÇÃO DE PROPRIETÁRIO FIDUCIÁRIO SOBRE DIREITOS CREDITÍCIOS. NÃO SUJEIÇÃO AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NOS TERMOS DO § 3º DO ART. 49 DA LEI N. 11.101/2005. MATÉRIA PACÍFICA NO ÂMBITO DAS TURMAS DE DIREITO PRIVADO DO STJ. PRETENSÃO DE SUBMETER AOS EFEITOS DA RECUPERAÇÃO JUDICIAL, COMO CRÉDITO QUIROGRAFÁRIO, OS CONTRATOS DE CESSÃO FIDUCIÁRIA QUE, À ÉPOCA DO PEDIDO DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL, NÃO SE ENCONTRAVAM REGISTRADOS NO CARTÓRIO DE TÍTULOS E DOCUMENTOS DO DOMICÍLIO DO DEVEDOR, COM ESTEIO NO § 1º DO ART. 1.361-A DO CÓDIGO CIVIL. INSUBSISTÊNCIA. RECURSO ESPECIAL PROVIDO. Encontra-se sedimentada no âmbito das Turmas que compõem a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça a compreensão de que a alienação fiduciária de coisa fungível e a cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de créditos (caso dos autos), justamente por possuírem a natureza jurídica de propriedade fiduciária, não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, nos termos do § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005. O Código Civil, nos arts. 1.361 a 1.368-A, limitou-se a disciplinar a propriedade fiduciária sobre bens móveis infungíveis. Em relação às demais espécies de bem, a propriedade fiduciária sobre eles constituída é disciplinada, cada qual, por lei especial própria para tal propósito. Essa circunscrição normativa, ressalta-se, restou devidamente explicitada pelo próprio Código Civil, em seu art. 1.368-A (introduzido pela Lei n. 10.931/2004), ao dispor textualmente que “as demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições desse Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial”. 2.1 Vê-se, portanto, que a incidência subsidiária da lei adjetiva civil, em relação à propriedade/titularidade fiduciária sobre bens que não sejam móveis infugíveis, regulada por leis especiais, é excepcional, somente se afigurando possível no caso em que o regramento específico apresentar lacunas e a solução ofertada pela “lei geral” não se contrapuser às especificidades do instituto por aquela regulada. 3. A exigência de registro, para efeito de constituição da propriedade fiduciária, não se faz presente no tratamento legal ofertado pela Lei n. 4.728/95, em seu art. 66-B (introduzido pela Lei n. 10.931/2004) à cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis, bem como de títulos de crédito (bens incorpóreos e fungíveis, por excelência), tampouco com ela se coaduna. 3.1 A constituição da propriedade fiduciária, oriunda de cessão fiduciária de direitos sobre coisas móveis e de títulos de crédito, dá-se a partir da própria contratação, afigurando-se, desde então, plenamente válida e eficaz entre as partes. A consecução do registro do contrato, no tocante à garantia ali inserta, afigura-se relevante, quando muito, para produzir efeitos em relação a terceiros, dando-lhes a correlata publicidade. 3.2 Efetivamente, todos os direitos e prerrogativas conferidas ao credor fiduciário, decorrentes da cessão fiduciária, devidamente explicitados na lei (tais como, o direito de posse do título, que pode ser conservado e recuperado ‘inclusive contra o próprio cedente’; o direito de ‘receber diretamente dos devedores os créditos cedidos fiduciariamente’, a outorga do uso de todas as ações e instrumentos, judiciais e extrajudiciais, para receber os créditos cedidos, entre outros) são exercitáveis imediatamente à contratação da garantia, independente de seu registro. 3.3 Por consectário, absolutamente descabido reputar constituída a obrigação principal (mútuo bancário, representado pela Cédula de Crédito Bancário emitida em favor da instituição financeira) e, ao mesmo tempo, considerar pendente de formalização a indissociável garantia àquela, condicionando a existência desta última ao posterior registro. 3.4 Não é demasiado ressaltar, aliás, que a função publicista é expressamente mencionada pela Lei n. 10.931/2004, em seu art. 42, ao dispor sobre cédula de crédito bancário, em expressa referência à constituição da garantia, seja ela fidejussória, seja ela real, como no caso dos autos. O referido dispositivo legal preceitua que essa garantia, “para valer contra terceiros”, ou seja, para ser oponível contra terceiros, deve ser registrada. De se notar que o credor titular da posição de proprietário fiduciário sobre direitos creditícios (excluído dos efeitos da recuperação judicial, segundo o § 3º do art. 49 da Lei n. 11.101/2005) não opõe essa garantia real aos credores da recuperanda, mas sim aos devedores da recuperanda, o que robustece a compreensão de que a garantia sob comento não diz respeito à recuperação judicial. Assentado que está que o direito creditício sobre o qual recai a propriedade fiduciária é de titularidade (resolúvel) do banco fiduciário, este bem, a partir da cessão, não compõe o patrimônio da devedora fiduciante – a recuperanda, sendo, pois, inacessível aos seus demais credores e, por conseguinte, sem qualquer repercussão na esfera jurídica destes. Não se antevê, por conseguinte, qualquer frustração dos demais credores da recuperanda que, sobre o bem dado em garantia (fora dos efeitos da recuperação judicial), não guardam legítima expectativa. 4. Mesmo sob o enfoque sustentado pelas recorrentes, ad argumentandum, caso se pudesse entender que a constituição da cessão fiduciária de direitos creditícios tenha ocorrido apenas com o registro e, portanto, após o pedido recuperacional, o respectivo crédito, também desse modo, afastar- se-ia da hipótese de incidência prevista no caput do art. 49 da Lei n. 11.101/2005, in verbis: ” Estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, ainda que não vencidos”.

Recurso especial provido, para restabelecer a decisão de primeiro grau que acolheu a impugnação apresentada pelo Banco recorrente, para excluir dos efeitos da recuperação judicial seu crédito, garantido pela cessão fiduciária. (REsp 1412529/SP, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, Rel. p/ Acórdão Ministro MARCO AURÉLIO BELLIZZE, TERCEIRA TURMA, julgado em 17/12/2015, DJe 02/03/2016)”.

Diante dos argumentos apresentados no aresto colacionado, constata-se a aplicação do disposto nas legislações de que tratam sobre a propriedade e com esse posicionamento há que se manifestar concordância com o entendimento de que a cessão fiduciária sobre coisa móvel e títulos de crédito não necessita de registro para a sua constituição.

Todavia, considerando que a Recuperação Judicial consiste na reunião dos credores que ostentam a natureza (i) trabalhista, (ii) privilegiada em razão de ser detentor de garantias reais ou, ainda, (iii) quirografária, oportuno ressaltar que a extraconcursalidade do crédito garantido por cessão fiduciária sobre coisas móveis e títulos de crédito, há que se considerar que somente se declarará a exclusão do crédito do procedimento recuperacional, quando houver demonstração pelo credor fiduciário de que promoveu o registro do contrato e do instrumento da garantia, de forma a cumprir o requisito publicístico e a sua eficácia contra terceiros, nos exatos termos do art. 42 da lei 10.931/2004.

Outro ponto relacionado à questão do registro da garantia para oponibilidade perante terceiros, consiste na observação da exigência de que o objeto da garantia esteja discriminado e individualizado, de modo que terceiros possam identificar quais são as coisas que compõe o acervo da cessão fiduciária que se pretende constituir.

Embora as Leis Federais n.º 4278/65 e 10.931/2004 não estabeleçam expressamente esta exigência, oportuno destacar que o art. 1362, IV do Código Civil, estabelece como requisito do contrato que serve de título para a propriedade fiduciária “a descrição da coisa objeto da transferência, com os elementos indispensáveis à sua identificação”, isto quer dizer a sua discriminação e individualização.

Oportuno destacar, que o referido dispositivo legal pode ser aplicado em qualquer espécie de propriedade fiduciária, ante a ausência de incompatibilidade entre as disposições das Leis Federais n.º 4728/65 e 9514/97, vez que o art. 52 da Lei Federal n.º 10.931/2004 introduziu o art. 1368-A ao Código Civil, com a seguinte redação:

Art. 1.368-A. As demais espécies de propriedade fiduciária ou de titularidade fiduciária submetem-se à disciplina específica das respectivas leis especiais, somente se aplicando as disposições deste Código naquilo que não for incompatível com a legislação especial. (Incluído pela Lei nº 10.931, de 2004).

Diante do exposto, entende-se que se o credor fiduciário, detentor de garantia de cessão fiduciária sobre coisas móveis e títulos de crédito cumprir os requisitos e considerações apresentadas nesse Capítulo III poderá pleitear e ver reconhecido o seu direito à extraconcursalidade do crédito. Dessa forma divergimos da simplicidade do acórdão proferido nos autos do Recurso Especial n.º 1412529/SP, que tratou a questão de maneira simplista, quando não analisa a questão sobre a ótica da Recuperação Judicial e da massa de credores (terceiros) que a compõe, limitando o exame às partes contratantes.

CONCLUSÃO

O presente estudo pretendeu analisar, sob a ótica da Recuperação Judicial, a questão da extraconcursalidade do crédito garantido pela propriedade fiduciária, seja na espécie de alienação ou cessão, apresentando-se as principais características de cada tipo de negócio fiduciário admitido em Lei.

Não se teve a pretensão de esgotar o tema, contudo, objetivou- se analisar os referidos institutos com base na legislação geral e específica (Leis 4728/65, 9514/97 e 10.406/02) e o entendimento jurisprudencial adotado desde a entrada em vigência da Lei 11.101/2005.

A introdução desta modalidade de garantia real no ordenamento jurídico pátrio consistiu atribuir maior segurança àqueles sujeitos que fomentam a circulação do crédito, por meio dos empréstimos concedidos às empresas que precisam injetar fôlego ao seu capital de giro, na maioria das vezes, imediatamente.

Isto porque, os direitos reais de garantia (penhor e hipoteca) consistem em oferecer uma segurança ao cumprimento da obrigação sem retirar o bem oferecido do patrimônio do devedor, ou seja, o credor detém apenas a posse direta do bem.

Já quando se oferece os direitos reais em garantia (alienação ou cessão fiduciária), a coisa cedida deixa de compor o patrimônio do devedor fiduciante, até que a obrigação seja cumprida, transferindo-se a propriedade do bem para o patrimônio do credor.

Diante da condição resolutiva inerente à propriedade fiduciária, o credor que ostentar essa garantia terá tratamento diferenciado no procedimento recuperacional, haja vista que o bem já não compõe o acervo patrimonial da Recuperanda e, portanto, não pode ser utilizado para quitação de outros credores, posto que na hipótese de inadimplemento, o credor fiduciário consolida permanentemente a sua propriedade sobre a coisa cedida.

Assim, em consequência da constituição desta modalidade de garantia, o credor fiduciário ostenta a propriedade (resolúvel) sobre a coisa cedida ou alienada. Dessa forma, pode conceder crédito com juros menores, em razão do menor risco da configuração do inadimplemento, já que se esta hipótese se configurar, a propriedade sobre o bem se consolida no patrimônio do credor.

Acrescenta-se, ainda, a possibilidade do seu crédito não ser sujeito ao procedimento recuperacional, desde que cumpridos os requisitos legais para a sua constituição antes da distribuição do pedido de Recuperação Judicial, haja vista que seu crédito não comporá o débito da devedora e o credor fiduciário não se submeterá às condições apresentadas no Plano de Recuperação Judicial que vier a ser aprovado em Assembleia Geral de Credores e homologado pelo juízo, que geralmente são compostas por incidência de deságio e longos prazos de pagamento.

Destarte, o objetivo deste estudo era apenas analisar as condições em que a garantia fiduciária deve ser constituída, para que o credor que a ostente possa obter a declaração de extraconcursalidade, nos termos do art. 49, § 3.º da Lei 11.101/2005, e demonstrar como os Tribunais tem apreciado a matéria, diante do cumprimento ou não dos requisitos legais existentes na legislação específica sobre a matéria.

 

Referências
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Notas
[1] VENOSA, Silvio de Salvo. Direito Civil: Direitos Reais. Vol. V. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 387.
[2] Idem, p. 390/391.
[3] Idem, p. 393.
[4] Idem 397.
[5] COSTA, José Maria. Devedor Fiduciante ou Credor Fiduciário? Disponível em:

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Aline Mirna Barros Vieira

 

Advogada. Graduada em Direito. Pós-Graduada em Direito Processual Civil, Direito Empresarial, Recuperação de Empresa e Falência. MBA em Gestão de Negócios

 


 

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