A corrida desenfreada pelo desenvolvimento, marcadamente forjado a preço de sangue e degradação, tem se revelado uma face obscura das nações. A indústria petrolífera como um todo, nos moldes e princípios em que é gerida, é fator de intensas preocupações, pois os incidentes ocorridos na sua execução não são raros e as conseqüências assomam vulto, em sua maioria, irreversíveis. Neste particular, merecem destaque as atividades de distribuição e revenda de combustíveis, cujo potencial degradador não é subestimável. Oportuno, portanto, o enfrentamento dessa questão, sob o enfoque da proteção ambiental possível e esperada nesses empreendimentos, o que possibilitará além, e no esteio da preservação do ambiente, a manutenção da vida com dignidade e qualidade.
I. Introdução
Os gravames causados pelos combustíveis fósseis ao planeta, notadamente o petróleo, corroborados em ocorrências nefastas como o efeito estufa e a chuva ácida; nos derrames de grande ou pequena monta, que de todo causam prejuízos ao planeta, em sua expressiva maioria, insanáveis; nas guerras pelo domínio de campos petrolíferos, as quais têm dilacerado a mocidade de muitos e estampado na velhice de outros as marcas da humilhação e dor; nas dívidas cobradas em petrodólares que condicionam à miséria países já tão empobrecidos e nos embates que a sua escassez acabará por acirrar, são ocorrências com as quais já temos convivido há algumas décadas.
A despeito de propósitos outros, que não a perpetuidade da vida em bases sustentáveis, já se observam condutas preservacionistas, resultantes da consciência de que qualquer sorte de agressão ao meio redunda em direta agressão ao homem. O Brasil, a exemplo, já tem avançado degraus na escalada da proteção do ambiente. A Constituição Federal de 1988 reservou-lhe um capítulo, e legou-nos, a todos, Poder Público e coletividade, o dever de defendê-lo e preservá-lo, com vistas não apenas à garantia da sobrevivência da geração presente, mas também às que nos sucederem.
Não obstante, tem-se observado que acidentes envolvendo as etapas de distribuição e revenda de combustíveis não são figuras raras no cenário nacional e as resultantes, tão pouco, menosprezáveis. Incêndios têm ceifado a vida de muitos, corpos d’água têm sido contaminados, o ar poluído, a fauna e a flora comprometidas.
É sob esta perspectiva que elegemos como objeto do presente estudo a proteção ambiental nas atividades de distribuição e revenda de combustíveis, indagando, para tanto, quais instrumentos de proteção ambiental podem ser identificados como fundamentais a tais atividades.
Para o encaminhamento dessa questão, faz-se imprescindível o delineamento de uma breve evolução histórica das atividades de distribuição e revenda de combustíveis no Brasil, a análise do Princípio do Desenvolvimento Sustentável, da natureza jurídica da indústria petrolífera e da proteção do ambiente consubstanciada na legislação que regulamenta essas atividades, bem como nas Portarias expedidas pela Agência Nacional do Petróleo – ANP.
II. Panorama histórico das atividades de distribuição e revenda de combustíveis no Brasil
As atividades de distribuição e revenda de combustíveis estão intrinsecamente relacionadas às atividades de exploração e produção de petróleo, consistindo nas últimas fases desse ciclo, cuja efetivação consubstancia-se na entrega dos produtos aos consumidores finais.
No Brasil, a distribuição, atividade comercial responsável pela colocação, no mercado, dos derivados de petróleo produzidos nas refinarias, remonta ao ano de 1912, quando era realizada em latas e tambores carregados no lombo de burros.
É do segundo reinado que datam os primeiros documentos acerca do petróleo. E em 1864, na Bahia, tem início os primeiros estudos voltados para a sondagem da possibilidade de existência de recursos petrolíferos no País.
Em 1907, após seguidos anos de buscas por petróleo, promovidas com o auxílio de profissionais estrangeiros, criou-se o Serviço Geológico e Mineralógico do Brasil – SGMB, vinculado ao Ministério da Agricultura.
A empresa Shell, sob o nome de The Anglo Mexican Petroleum Products Company, recebeu, em 1913, autorização do então Presidente Hermes da Fonseca, para começar a operar no País (SHELL, 2004, on line). Produtos como querosene, preponderante em volume de vendas, gasolina, óleo diesel e lubrificantes eram produzidos no México pela companhia El Aguila, e em chegando ao Brasil eram encaminhados ao depósito de óleos daquela empresa, o primeiro instalado no País, localizado na Ilha do Governador, Rio de Janeiro.
Em 15 de setembro de 1915, autorizada pelo Decreto nº 11.702, assinado pelo Presidente Wenceslau Brás, passou a funcionar The Texas Company (South América) Ltd., a Texaco, cujos produtos, todavia, já eram distribuídos no País desde 1913 pela empresa de representação Fry Youle e Cia., instalada em Salvador, Bahia (TEXACO, 2004, on line).
Com o advento da primeira guerra mundial e a elevada importância como combustível alcançada pelo petróleo, intensificou-se em todo o mundo a busca por jazidas, inclusive no Brasil.
A experiência mostra que os fatos atinentes ao petróleo estão amplamente vinculados à conjugação de fatores políticos e econômicos, o que explica, na década de trinta, o ingresso do Governo na atuação direta das questões de planejamento estratégico, as quais, a priori, teriam ficado, desde 1933, a cargo do Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM, instituído no esteio da criação e alteração da estrutura dos órgãos encarregados do petróleo. Tendo restado a esta autarquia, por conseguinte, tão somente a função executiva, fundada na implantação de políticas minerais.
Nesse esteio, assistiu-se, em 29 de abril de 1938, ao nascedouro da primeira regulamentação da indústria do petróleo, o Decreto-lei nº 395, pelo qual foram declaradas de utilidade pública as atividades de exploração, refino, importação, distribuição e comercialização de petróleo bruto e seus derivados[1]. Aludida norma federal passou a disciplinar todas as etapas da indústria do petróleo à época existentes no país, inclusive aquela relativa à distribuição, conceituada no art. 1º, no gênero abastecimento nacional.
Datada de 1941 está a criação da Associação Profissional do Comércio Atacadista de Minérios e Combustíveis, que hoje, ostenta a condição de Sindicato Nacional das Empresas Distribuidoras de Combustíveis e de Lubrificantes – SINDICOM, após ter passado por um processo evolutivo, o qual originou, em 1960, o Sindicato do Comércio Atacadista de Minérios e Combustíveis Minerais do Estado da Guanabara e, em 1964, passou a representação nacional, na condição de Sindicato Nacional do Comércio Atacadista de Minérios e Combustíveis Minerais.
A Constituição de 1946 inovou ao permitir aos estrangeiros a exploração do petróleo sob a única exigência de que essas empresas fossem organizadas em conformidade com a lei nacional. Todavia, os movimentos políticos nacionalistas imprimiam seu descontentamento com essa política, fundando suas críticas na evidência de que as empresas estrangeiras concentravam suas atividades no refino e distribuição, olvidando as atividades de pesquisa e produção.[2]
Dessa forma, engendrados na bandeira deflagrada pelo General Horta Barbosa, a qual galhardeava o monopólio integral do Estado, encimando o slogan “o petróleo é nosso”, encaminhou-se ao Poder legislativo o Projeto de Lei nº 1.561/51, o qual redundou na aprovação da Lei nº 2004, de 03 de outubro de 1953, que estabeleceu o monopólio da União sobre a lavra, refinação e transporte marítimo do petróleo e seus derivados, criando-se, para tanto, a Petróleo Brasileiro S. A. – Petrobrás.[3]
A Resolução CNP 8/63, de 06 de dezembro de 1963, é considerada o mais efetivo e completo título de autorização à Petrobrás para o exercício da atividade de distribuição de derivados de petróleo em grosso em todo o território nacional, haja vista o incremento constatado no fornecimento aos órgãos estatais, considerado como imperativo da defesa nacional. Iniciou-se, a partir desse fato, a distribuição desses produtos, através dos postos revendedores, com a inauguração do primeiro posto da estatal, localizado na capital federal.
No ano de 1971, a Petrobrás contava com oitocentos e quarenta postos de serviço e um mil, oitocentos e oitenta e oito clientes consumidores, aí incluídos, exemplificativamente, os consumidores industriais e as Forças Armadas.
Esses fatores reclamavam o incremento da atividade, através da expansão do setor, acompanhada de descentralização técnica e operacional, o que resultou, em 29 de janeiro de 1971, na criação, pelo Conselho de Administração da companhia, da subsidiária Petrobrás Distribuidora S.A., dotada de autonomia administrativa, contando com seus próprios órgãos de apoio administrativo, exclusivamente direcionados para as questões atinentes à distribuição.[4] Em 12 de novembro de 1971, realizou-se a Assembléia de Constituição da Petrobrás Distribuidora S.A. – BR, como também é conhecida.
No ano de 1990, com a abertura dos mercados brasileiros aos produtos estrangeiros e o incremento das importações, em face das modificações produzidas ao nível de planejamento econômico decorrentes das eleições presidenciais, é que se observa o aumento da competitividade entre os produtos nacionais e os estrangeiros.
No esteio dessas mudanças introduzidas no quadro institucional brasileiro, o Poder Executivo encaminhou ao Congresso Nacional o texto daquela que seria a Emenda Constitucional nº 9/95, a qual possibilitava à iniciativa privada, desde que fosse a empresa constituída sob o império das leis brasileiras, o direito de, por sua conta e risco, executar as atividades que constituíam domínio da Petrobrás.[5] O Estado Brasileiro passaria de produtor exclusivo a incentivador das atividades econômicas, possibilitando, além disso, uma maior fiscalização, pela sociedade, das práticas estatais, até então realizadas de modo segregado, obscuro.
Nesse cenário de mudanças observadas na indústria petrolífera, ganha relevo a partir da Emenda Constitucional nº 5/95, a edição da Lei nº 9.478, de 06 de agosto de 1997, denominada Lei do Petróleo, que estabeleceu a política energética nacional, disciplinou as atividades da indústria do petróleo[6], criou o Conselho Nacional de Política Energética e a Agência Nacional do Petróleo – ANP, cabendo a esta, conforme Art. 8º, inciso I, a implementação da política traçada por aquele conselho.
Observe-se, entretanto, que, apesar de a distribuição de derivados de petróleo jamais ter figurado entre as atividades previstas como monopólio da União, após a abertura do mercado, a competição encontra-se cada vez mais acirrada, com a introdução de um elevado contingente de novas empresas, somando hoje um total de duzentas e cinqüenta e três distribuidoras autorizadas a operar, das quais cerca de setenta já se encontram em plena atividade.[7]
Quanto aos postos revendedores de combustíveis, somam hoje, segundo dados[8] da ANP, o total de vinte e nove mil, oitocentos e quatro, dos quais 18% estão sob a bandeira da Petrobrás Distribuidora S.A. – BR; 13,9% ostentam a bandeira da Distribuidora de Produtos de Petróleo Ipiranga; 8,9% da Texaco Brasil Ltda.; 7,6% da Esso Brasileira de Petróleo Ltda.; 7,5% da Shell Brasil Ltda.; 3,6% da Agip do Brasil S.A.; 13,7% ostentam as bandeiras das demais distribuidoras operantes no mercado, e os 26,8% restantes são postos bandeira branca[9].
Ressalte-se que, no contexto atual, revela-se insustentável qualquer tentativa de obnublar o caráter marcadamente econômico perseguido por grandes corporações que atuam em atividades ligadas à indústria petrolífera. Por conseguinte, os acidentes ocorridos tanto no âmbito das distribuidoras, como dos postos revendedores de combustíveis, e até mesmo as implicações quotidianas que essas atividades impõem ao meio em que estão inseridas, reclamam a análise da proteção ambiental pretendida no seu processo de desenvolvimento, à luz dos princípios fundamentais ao ambiente, consagrados na Constituição Federal, com o fim de se ter assegurado, concretamente, o direito ao ambiente ecologicamente equilibrado.
III. Princípio do Desenvolvimento Sustentável
A Constituição Federal de 1988 dedicou capítulo exclusivo ao meio ambiente, materializado no artigo 225. E o fez de forma a acentuar o caráter social desse bem jurídico, inserindo-o no Título Da Ordem Social, o que resulta na constatação de que o complexo de direitos albergados sob o aludido título, dentre estes a seguridade social – neste particular, com destaque para a seção II, relativa à saúde – a educação e a família, estão intrinsecamente relacionados, gerando o homem social, que já não deve, justamente fundado nesse entendimento extraído da inteligência do texto constitucional, enxergar o ambiente como algo exterior a si ou distante de sua realidade, alegando, para tanto, que os reflexos dos demais dispositivos, anteriormente citados, fazem-se sentir com maior ênfase na sua vivência, do que aqueles respeitantes ao ambiente. O homem social, apregoado pela Carta Magna, é aquele que se reconhece como elemento integrante e modificador do meio e que apreende do conceito de bem-estar, estampado no preâmbulo da Carta, a inter-relação de todos os aspectos albergados sob a tutela da ordem social.
Embora não olvidemos o caráter solidário dos princípios, no sentido de que não podem ser vistos isoladamente, senão sob uma visão global, pois todos são dotados de conteúdo valioso, constituindo-se em verdadeiros alicerces para o estudo do Direito Ambiental, decidimo-nos por tratar em específico do Princípio do Desenvolvimento Sustentável.
Apesar de o conceito de desenvolvimento sustentável ter sido introduzido no Brasil, apenas no início da década de oitenta, com a edição da Lei nº 6.803, de 03 de julho de 1980[10], que lançou diretrizes básicas para o zoneamento industrial nas áreas críticas de poluição, as discussões acerca do desenvolvimento socioeconômico e a preservação da qualidade ambiental já ocupavam destaque no cenário brasileiro, o que na década de setenta redundou no afloramento de diversas organizações não-governamentais e inúmeros protestos contra medidas irresponsáveis tomadas sob a cortina da ditadura militar, como o acordo nuclear Brasil/Alemanha.
A Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente Humano, realizada em Estocolmo, no ano de 1972, resultou da percepção, pelas nações industrializadas, do patamar degradatório alcançado no mundo, em função do seu processo de crescimento econômico e da exploração desordenada dos recursos naturais, esta última causadora da crescente escassez desses mesmos recursos.
Chegou-se a apontar, quando da conferência, como medida necessária à contenção da poluição, uma política de crescimento zero, para que não se perdesse o que ainda estava a salvo. Todavia, se levada a cabo, tal política contribuiria para o recrudescimento das desigualdades sociais em âmbito mundial, posto que os países pobres estariam irremediavelmente confinados a sua precária situação.
Engendrados no juízo de que “a pior poluição é a miséria”[11], os governantes ditatoriais brasileiros esforçaram-se para afastar o ambiente e seus consectários, do rol de preocupações da sociedade, anestesiando a consciência da nação com ações e discursos de cunho paternalista, que ansiavam por incutir nas mentes o entendimento de que a necessidade de desenvolvimento suplantava a da conservação do meio e, ainda, mitigava qualquer possibilidade de discussão e planejamento concernente à conciliação entre desenvolvimento e “melhora da qualidade de vida humana dentro dos limites da capacidade de suporte dos ecossistemas” (MILARÉ, 2000, p. 107).
A despeito dessa visão do governo, então vigente, setores da sociedade já despertavam para a urgência da tomada de posturas pela nação, relativamente à proteção ambiental, sob o risco do entrave futuro à manutenção da vida, entendimentos estes frutos já da ampliação da consciência e do conhecimento científico. Foi assim que, nas eleições estaduais de 1982, alguns vereadores e deputados estaduais chamados “verdes”, de distintas correntes ideológicas e partidos, foram eleitos. Processo que teve continuidade e em 1986 redundou na eleição, pelo Estado de São Paulo, de um único deputado constituinte “verde”, a saber Fernando Gabeira, que tendo coordenado a formação de uma frente suprapartidária, intitulada Frente Nacional de Ação Ecológica na Constituinte, encarregada de funcionar como canal das aspirações da sociedade, contribuiu para a conquista da introdução de um capítulo sobre meio ambiente na Constituição de 1988, além de diversos dispositivos de cunho marcadamente ambiental, dispostos por todo o texto constitucional.
Faz-se mister ressaltar nesse iter, a edição da Lei 6.938, de 31 de agosto de 1981, que no esteio da já citada Lei nº 6.803, de 03 de julho de 1980 e em consonância com as mudanças, a despeito de incipientes, já detectáveis, trouxe disseminado, sob o assento de uma Política Nacional do Meio Ambiente, o conceito ainda mais aprimorado de desenvolvimento sustentável, inclusive com a adoção no inciso III, do artigo 9º, da avaliação de impactos ambientais[12], como instrumento para a manutenção do equilíbrio ecológico.
Entretanto, apesar da ampliação à proteção dos processos ecológicos essenciais, a Lei nº 6.938/81, no contexto em que foi produzida e segundo o fim a que deveria atender, qual seja, tornar o País “apto” ao aportamento de capitais estrangeiros, para o que a elaboração de uma lei federal que disciplinasse a matéria ambiental era fator basilar, acabou por retirar da sociedade a oportunidade de inteirar-se da questão ambiental e tornar-se agente participativo da formação e implementação da política ambiental.
Contudo, embora a terminologia que conhecemos hoje e da qual vimos nos utilizando no decorrer deste tópico, a saber, desenvolvimento sustentável, tenha surgido inicialmente na Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente Humano, em 1972, foi especialmente empregada na Conferência da Terra, realizada na Cidade do Rio de Janeiro, no ano de 1992, mais conhecida no Brasil sob a denominação de Rio-92 ou Conferência do Rio, tendo-se difundido também a expressão Eco-92, conferência esta que reuniu representantes de 113 países e cerca de 250 organizações não-governamentais – ONG’s.
Na Conferência do Rio, temas como a responsabilidade dos países desenvolvidos no combate à poluição global, a responsabilidade das grandes empresas industriais pelos ônus dos impactos ambientais que provocam, e, ainda, a urgência na discussão e encontro de soluções para sanar o problema da dívida externa dos países subdesenvolvidos, problema este que tem representado verdadeiro entrave à proteção ambiental, foram considerados de caráter fundamental, recebendo tratamento enfático.
Os princípios[13] consagrados na Declaração do Rio de Janeiro sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, encerram a verdade de que os recursos ambientais não são inesgotáveis e que por isso a compatibilização entre meio ambiente e desenvolvimento[14] é uma necessidade, não havendo, portanto, como olvidar a sua urgência, sob pena de sofrermos severas e funestas conseqüências em um futuro bem próximo, mais sérias ainda porque seu caráter se revelará irremediável.
O diferencial consiste, por conseguinte, em crescer de maneira planejada e sustentável, para que, no dizer de Celso Fiorillo, “os recursos hoje existentes não se esgotem ou tornem-se inócuos” (2003, p. 25).
O artigo 225 da Constituição Federal de 1988 trouxe no caput a previsão do princípio do desenvolvimento sustentável, ao afirmar que “é dever do Poder Público e da coletividade defender e preservar o meio ambiente para as presentes e futuras gerações”. O preceito constitucional não contraria a livre iniciativa, apenas afirma que para a perpetuação dos recursos essenciais à continuidade da vida e, por conseguinte, da capacidade produtiva[15], que enseja o desenvolvimento, faz-se necessária a convergência de objetivos comuns, orientada pela produção e consumo em padrões sustentáveis, através do incentivo ao uso de tecnologias limpas[16] e da coibição à criação de necessidades desnecessárias, alcançando o adequado usufruto dos recursos ambientais, de maneira que se garanta o equilíbrio ecológico.
Nesse sentido, é que o desenvolvimento harmonizado se diferencia do mero crescimento econômico, pois o primeiro visa garantir o atendimento às necessidades do presente, da geração atual, sem que isso consista em obstáculo ou comprometa a possibilidade de as gerações futuras atenderem às necessidades que lhes forem inerentes, ou seja, não é uma visão curta e incongruente com o preceito constitucional, no que se diferencia do segundo, pois este lança suas bases sobre o presente apenas, de modo a extrair o máximo que puder, mutilando o meio a qualquer custo, ceifando a possibilidade de imaginarmos alguma existência digna no futuro.
Desta feita, pode-se afirmar que o desenvolvimento sustentável consiste no objetivo da cidadania ambiental. O cidadão tanto tem direito a que se promova o desenvolvimento em bases sustentáveis, como também de ser parcela contributiva para o alcance desse fim, resultando em ambos os casos observância da proteção do bem jurídico, meio ambiente, com a conseqüente garantia da qualidade de vida para as atual e futura gerações.
IV. Natureza jurídica da indústria petrolífera
Em face da Reforma Administrativa, encampada pela Emenda Constitucional nº 19/98, verificaram-se no cenário nacional, no final da década passada, sensíveis alterações no quadro econômico, consubstanciadas na quebra de monopólios e ainda na possibilidade de execução, por particulares, de serviços públicos; para o que achou por bem o Estado promover a criação de autarquias sob regime especial, as denominadas agências reguladoras, destinadas à fiscalização e execução das atividades agora confiadas aos particulares.
Questão relevante a ser refletida acerca da atuação das agências reguladoras consiste em que essa atuação não está adstrita aos serviços públicos delegados aos particulares, mas alcança, da mesma forma, as atividades econômicas, havendo, quanto a estas últimas, maior liberdade de ação das agências, posto concentrar-se o seu mister na fiscalização das atividades desempenhadas pelos particulares, regulando-as, normatizando-as, com vistas ao alcance dos interesses dos consumidores, fundados na manutenção da qualidade dos produtos e serviços que lhes são oferecidos, garantindo, por conseguinte, o atendimento ao princípio da livre concorrência[17]. No que se refere aos serviços públicos, as agências lhes destinam o mais amplo controle, com o fim de serem cumpridos os princípios[18] que regem o seu desempenho, de maneira que o interesse público seja resguardado, evitando-se, dessa forma, “a queda da qualidade, aumento de preços, falta de continuidade e de universalidade de serviços tão essenciais à população” (ATHAYDE, 2003, p. 2139).
Vasta é a discussão quanto a se saber se a indústria petrolífera classifica-se como serviço público ou se consiste em atividade econômica.[19]
Aponta Eros Roberto Grau citado por Menezello (2000: 54), subdivisão operada pela Constituição Federal de 1988, consubstanciada na previsão de atividade econômica lato sensu e atividade econômica stricto sensu, consistindo, esta última, em modalidade inserta naquela primeira, da qual também faz parte o serviço público, isto é, “insista-se em que a atividade econômica em sentido amplo é território dividido em dois campos: o do serviço público e o da atividade econômica em sentido estrito”.
Menezello (2000, p. 54) pondera, acerca do entendimento doutrinário albergado por Grau, a possibilidade de “então concluir que as atividades regulamentadas pela Lei do Petróleo são ‘atividades econômicas em sentido estrito’” (grifo oficial).
As distinções entre serviço público e atividade econômica, em sentido estrito, reforçam o entendimento de que, não obstante o fato de regerem-se, ambos, pelos princípios fixados no art. 170 da Carta Magna[20], estão as atividades afetas à indústria do petróleo, compreendidas naquela segunda modalidade.
Assim é que se pode afirmar quanto ao serviço público que consiste em “uma das mais intensas formas de intervenção do estado na economia” e “visa a permitir a prestação direta pelo Estado ou uma forte regulação e ingerência estatal na atividade quando gerida por particulares delegatários” (ARAGÃO, 2002, p. 245).
Ao passo que na atividade econômica, em sentido estrito, o objetivo está fundado na rentabilidade econômica. O que se considera nesse caso é a ordenação econômica, o Estado atua como empresário, não havendo, por conseguinte, o atendimento de necessidades públicas de forma direta.
Oportuna a distinção apresentada por Ramón Parada, nas palavras de Aragão (2002, p. 246):
Ramón Parada também denota que a atuação econômica (stricto sensu) do Estado não se funda na idéia de essencialidade dos serviços, mas no mais amplo e difuso conceito de interesse público, no qual pode ser incluída qualquer atividade de produção industrial ou de serviços econômicos que, de uma forma ou outra, beneficie os habitantes de determinado local, ainda que apenas para lhes proporcionar emprego, ou mais simplesmente para obter recursos para serem destinados a outras atividades do poder Público, etc.
Conclui Menezello que “ao contrário do que dispôs o art. 175 da Constituição Federal de 1988 sobre a outorga de concessão e permissão de serviços públicos, o mesmo legislador constituinte, no art. 177, designou simplesmente de atividades econômicas as desenvolvidas pela indústria do petróleo” (2000, p. 54).
Tratando-se, por conseguinte, de gestão econômica, cuja finalidade esta afeta à promoção econômico-social da nação, não havendo finalidade de serviço ao público, ou seja, aos cidadãos considerados em sua individualidade, denota-se o caráter de atividade econômica em sentido estrito, ou de intrínseca ordenação econômica, encampado pela indústria do petróleo.
V. Análise da proteção ambiental à luz das Portarias da Agência Nacional do Petróleo e legislação ordinária
A justificação da função normativa das agências reguladoras não exclui por certo a atribuição do Legislativo. Ressalte-se, inclusive, que “independência em relação ao Poder Legislativo também não existe, tendo em vista que os atos normativos não podem conflitar com normas constitucionais ou legais, por força do princípio da legalidade” (DI PIETRO, 2000, p. 390). Por conseguinte, a aludida função normativa está mais relacionada à especificidade que o tema exige, significando um aprofundamento da atuação normativa do Estado.
Aragão (2002, p. 268) afirma que a margem de normatização da Agência Nacional do Petróleo – ANP é “menor nos casos em que a própria Lei houver predeterminado os meios (leia-se, as normas e cláusulas) das quais deverá se valer para atendimento dos objetivos nela fixados”.
Evidente, portanto, o fato de que “a atuação da ANP está voltada para assegurar que o autorizado, ou seja, que as atividades econômicas autorizadas pela ANP concernentes ao petróleo e derivados, se façam respeitando a legislação aplicável no que se refere ao meio ambiente” (COSTA, 2004, p. 01), podendo essa agência exigir ainda mais eficiência do que a perquirida pela legislação ambiental, estabelecendo padrões ainda mais restritivos para as atividades econômicas sob sua responsabilidade, desde que não o faça em contrariedade à lei, tendo, como fim último, a preservação do ambiente. Cabe-lhe, assim, a proteção do meio e a promoção da conservação de energia, como resta claro dos dispositivos contidos na Lei nº 9.478/1997[21].
A ação fiscalizadora da ANP é exercida sobre a conduta da empresa que atua sob autorização ou em regime de concessão, ou seja, o não cumprimento de exigências, independentemente da ocorrência de danos ao ambiente, evidenciado no “simples fato de operar atividades em desacordo com os mínimos cuidados ambientais devidos, necessários e fixados no contrato de concessão, é razão suficiente para a aplicação de sanção”(COSTA, 2004, p. 02).
Com efeito, os combustíveis automotivos postos à disposição no mercado, quais sejam, a gasolina, o álcool, o óleo diesel e o gás natural, são submetidos na forma da Lei nº 9.847/1999, que dispõe sobre a fiscalização das atividades relativas ao abastecimento nacional de combustíveis, à fiscalização e às especificações técnicas emitidas pela Agência Nacional do Petróleo – ANP.
Nesse esteio, podemos citar a Portaria[22] ANP nº 309/2001, que nos artigos 10 e 12, relativamente à gasolina, veda a comercialização do produto que não atender às especificações técnicas que disciplina, sujeitando o infrator às sanções previstas na Lei nº 9.847, de 26 de outubro de 1999.[23]
Cumpre-nos, imperiosa, a menção às portarias que atinem à qualidade daqueles combustíveis. Assim é que nos reportamos à Portaria ANP nº 309/2001, no tocante à gasolina, à Portaria ANP nº 310/2001, no que pertine ao óleo diesel e à Portaria ANP nº 02/2002, no que toca ao álcool, que determinam aos produtores e importadores a manutenção, sob sua guarda, por um período mínimo de dois meses, de uma amostra-testemunha de cada tanque de produto comercializado, armazenada sob forma específica, de modo a garantir a inalterabilidade das condições em que é fornecida ou adquirida, fazendo-se acompanhar do respectivo certificado de qualidade. Soma-se a este, o fato de que constitui obrigação imposta ao distribuidor desses elementos combustíveis a emissão de boletim de conformidade ao posto revendedor, documento este cujos dados devem corresponder ao estabelecido no regulamento técnico e se fazer acompanhar da documentação de comercialização ao varejo, constituindo estas, formas de também certificar a qualidade do produto.
Visando à efetiva proteção do ambiente, a ANP elenca dentre as obrigações das distribuidoras a observância e respeito às “normas que regem a ordem econômica, o controle do meio ambiente e a segurança do consumidor”[24], dentre as quais se incluem as normas elaboradas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT, a exemplo cite-se a Portaria ANP nº 29, de 09 de fevereiro de 1999, que “estabelece a regulamentação da atividade de distribuição de combustíveis líquidos e derivados de petróleo, álcool combustível e outros combustíveis automotivos”[25], determinando no art. 22, § 2º, inciso VII, a observância da NBR-7821, quanto aos testes hidrostáticos dos tanques, e, no inciso X, a observância da NBR-7821 e NBR-7824, quanto às radiografias e respectivos laudos das soldas das instalações de armazenamento.
A proteção ambiental, no âmbito de atuação da Agência, revela-se ainda, através dos atos normativos, que determinam, como requisito obrigatório para a obtenção das autorizações e concessões nas atividades da indústria petrolífera, a apresentação das licenças ambientais . A exemplo, cite-se a mesma Portaria nº 29/1999, a qual dispõe no art. 10, inciso VI, que o pedido de autorização deve se fazer acompanhar da correspondente licença de instalação, expedida por órgão ambiental competente, nos casos em que se tratar de construção ou ampliação de instalações destinadas à armazenagem de combustíveis.
Do exposto, atesta-se que os atos normativos da ANP consubstanciam a proteção ambiental estabelecida como objetivo da Política Energética Nacional. Todavia, questiona-se a efetividade desses comandos, uma vez que os acidentes com graves prejuízos ao ambiente, visto nos seus diversos aspectos, como o natural, o artificial, o cultural e o do trabalho, parecem caminhar em maior compasso e rapidez, que as medidas de proteção.
O arcabouço legal, em sentido amplo, a exemplo das leis ordinárias e decretos trazidos à colação, sujeita-se a mesma observação, pois quanto a este também não se discute o caráter dado à proteção ambiental requerida para a execução das atividades da indústria do petróleo, que de todo é, senão plena, bastante significativa, ante a dimensão e interesses envolvidos nesses empreendimentos. Discutível, é a efetividade dessas medidas para a defesa e preservação do ambiente; fato que mais se acentua quando visto à luz dos preceitos apontados na Carta Magna.
Arnaldo Vasconcelos (2002, p. 13) expressa com propriedade ímpar essa constatação, ao afirmar que “o fato de a norma estar disponível, isto é, ter vigência, não implica a sua realização prática. Essa se funda em razão de justiça, que é causa de seu acatamento, medida de sua eficácia”.
VI. Licenciamento ambiental nas atividades de revenda de combustíveis
Traduz-se o licenciamento ambiental em procedimento administrativo, mediante o qual busca a Administração compatibilizar o desenvolvimento econômico com o uso sustentável dos recursos naturais, procedendo, para tanto, à análise das condições apresentadas pelo empreendedor, para a instalação e operação de atividades, da qual poderá resultar a concessão de licença ambiental.
A Lei nº 6.938, de 31 de agosto de 1981, que instituiu a Política Nacional do Meio Ambiente, elencou-o no Art. 9º, inciso IV[26], como um dos instrumentos do Estado para o cumprimento dos princípios dispostos no Art. 2º, da mesma lei.
O Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, órgão consultivo e deliberativo, criado pela Lei Federal nº 6.938/1981, tem autoridade para editar regulamentos que fixem diretrizes para a política governamental, respeitante ao meio ambiente.[27]
A Resolução CONAMA nº 237, de 19 de novembro de 1997, que “promove a revisão dos procedimentos e critérios utilizados no Licenciamento Ambiental”, define no Art. 1º, inciso I, em que consiste o licenciamento ambiental, ipisis literis:
Art. 1º. Para efeito desta resolução são adotadas as seguintes definições:
I – Licenciamento Ambiental: procedimento administrativo pelo qual o órgão ambiental competente licencia a localização, instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades utilizadoras de recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental, considerando as disposições legais e regulamentares e as normas técnicas aplicáveis ao caso.
Da mesma forma, ocupa-se a Resolução de definir uma das fases desse procedimento, a saber, a licença ambiental, in verbis:
II – Licença Ambiental: ato administrativo pelo qual o órgão ambiental competente estabelece as condições, restrições e medidas de controle ambiental que deverão ser obedecidas pelo empreendedor, pessoa física ou jurídica, para localizar, instalar, ampliar e operar empreendimentos ou atividades utilizadoras dos recursos ambientais consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras, ou aquelas que, sob qualquer forma, possam causar degradação ambiental.
Informa Fiorillo (2003, p. 73) que se trata de “um instrumento de caráter preventivo de tutela do meio ambiente”, consistindo no “complexo de etapas que compõe o procedimento administrativo, o qual objetiva a concessão de licença ambiental”.
Milaré (2000, p. 313) ressalta a sua importância como instrumento de gestão do ambiente, “na medida em que por meio dele busca a Administração Pública exercer o necessário controle sobre as atividades humanas que interferem nas condições ambientais, de forma a compatibilizar o desenvolvimento econômico com a preservação do equilíbrio ecológico”.
No tocante à revenda de combustíveis, atividade com considerável potencial degradador, e que por isso requer específica disciplina, vigora a Resolução CONAMA nº 273, de 29 de novembro de 2000, a qual aponta, na ementa, as justificativas para a sua elaboração e conteúdo; este último, consistente em específico procedimento administrativo de licenciamento. O que mais corrobora o significativo impacto, que a instalação e operação dessa atividade imprimem ao meio. Conforme transcrevemos infra:
[…] considerando que toda instalação e sistemas de armazenamento de derivados de petróleo e outros combustíveis, configuram-se como empreendimentos potencialmente ou parcialmente poluidores e geradores de acidentes ambientais; considerando que os vazamentos de derivados de petróleo e outros combustíveis podem causar contaminação de corpos d’água subterrâneos e superficiais, do solo e do ar; considerando os riscos de incêndio e explosões, decorrentes desses vazamentos, principalmente, pelo fato de que parte desses estabelecimentos localizam-se em áreas densamente povoadas; considerando que a ocorrência de vazamentos vem aumentando significativamente nos últimos anos em função da manutenção inadequada ou insuficiente, da obsolescência do sistema e equipamentos e da falta de treinamento de pessoal; considerando a ausência e/ou uso inadequado de sistemas confiáveis para a detecção de vazamento; considerando a insuficiência e ineficácia de capacidade de resposta frente a essas ocorrências e, em alguns casos, a dificuldade de implementar as ações necessárias…”
O procedimento adotado para o licenciamento das atividades de revenda varejista de combustíveis perfaz-se em três etapas, a saber, licença prévia, licença de instalação e licença de operação, definidas no Art. 4º, da Resolução CONAMA nº 273/2000, no que não se diferenciam substancialmente daquelas apontadas no Art. 8º, da Resolução CONAMA nº 237/1997. São assim definidas estas licenças:
Art. 4º. O órgão ambiental competente exigirá as seguintes licenças ambientais:
I – Licença Prévia – LP: concedida na fase preliminar do planejamento do empreendimento aprovando sua localização e concepção, atestando a viabilidade ambiental e estabelecendo os requisitos básicos e condicionantes a serem atendidos nas próximas fases de sua implementação;
II – Licença de Instalação – LI: autoriza a instalação do empreendimento com as especificações constantes do planos, programas e projetos aprovados, incluindo medidas de controle ambiental e demais condicionantes da qual constituem motivo determinante;
III – Licença de Operação – LO: autoriza a operação da atividade, após a verificação do efetivo cumprimento do que consta das licenças anteriores, com as medidas de controle ambiental e condicionantes determinados para a operação.
A emissão das licenças está condicionada pela Resolução CONAMA nº 273/2000, à apresentação, no mínimo, dos documentos elencados no Art. 5º, os quais evidenciam a proteção ambiental pretendida pelo órgão consultivo.
No tocante à licença prévia e à de instalação, terá o empreendedor de apresentar, dentre outros, o projeto básico com a especificação dos equipamentos e sistemas de proteção e o sistema de detecção de vazamento. O que é justificável, ante o fato de que, não raro, os acidentes ocorridos em postos de combustíveis relacionam-se a vazamentos destes produtos. Em São Paulo, por exemplo, registraram-se, entre os anos de 1984 e 2001, cerca de 438 atendimentos emergenciais, envolvendo vazamentos desse jaez. Destes, 75% (setenta e cinco por cento) relacionavam-se à gasolina. Do total de atendimentos emergenciais realizados pela Companhia de Tecnologia de Saneamento Ambiental, Ciência e Tecnologia a Serviço do Meio Ambiente – CETESB, no Estado de São Paulo, estima-se que aproximadamente 10% (dez por cento) estão relacionadas a vazamentos em postos e sistemas combustíveis[28]. “Além dos riscos de explosão, incêndio e a saúde pública, esses vazamentos podem acarretar sérios impactos ambientais devido à contaminação do solo e das águas subterrâneas, comprometendo a qualidade dos recursos hídricos e seu uso para o abastecimento” (CETESB, p. 2004).
Da mesma forma, exige-se a elaboração de croqui de localização do empreendimento, informando a posição do terreno relativamente ao corpo receptor e cursos d’água, o tipo de vegetação verificada no entorno do posto, sem olvidar a especificação das edificações encontradas no local. Pois a instalação do empreendimento e, por conseqüência, do sistema de armazenamento subterrâneo de combustíveis, dos quais são exemplos os tanques e tubulações, guardará obediência aos regramentos impostos pelas normas técnicas expedidas pela Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT e pelo órgão ambiental competente. Daí também se poder inferir a importância da apresentação de declaração de que a atividade está em conformidade com o Plano Diretor, pois, como empreendimento que guarda intrínseca potencialidade danosa, não poderá ser instalado de forma a comprometer o ordenamento urbano e o normal funcionamento das atividades vizinhas, que constantemente consubstanciam-se em clínicas médicas, hospitais, sistemas habitacionais e escolas.
A caracterização geológica do terreno, com a verificação da permeabilidade do solo e o potencial de corrosão, bem como o detalhamento das formas de tratamento e controle de efluentes provenientes de tanques, de áreas de bombas e aquelas propensas a vazamentos de derivados de petróleo ou resíduos oleosos, são medidas de extrema importância, ante a necessidade de adoção de ações preventivas.
No que tange à licença de operação, exigem-se, dentre outros, a elaboração de plano de resposta a incidentes, incluindo o comunicado de ocorrência, descrição das ações imediatas previstas e a articulação institucional com os órgãos competentes; atestado de vistoria emitido pelo Corpo de Bombeiros; programa de treinamento de pessoal, destacando-se, dentre as medidas constantes do mesmo, a indicação de resposta a incidentes.
Destaque-se, ainda, a exigência do registro do pedido de autorização[29] para funcionamento na Agência Nacional do Petróleo – ANP e a expedição de certificado pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial – INMETRO ou entidade credenciada por esse órgão, atestando a inocorrência de vazamentos.
O §2º, do citado Art. 5º, proíbe a utilização de tanques recuperados em instalações subterrâneas, como forma de evitar um perigo maior, representado por tais equipamentos, cujo tempo de uso e as condições de conservação foram os prováveis causadores do desgaste que levou ao aparecimento de fissuras, o que somado à persistência em seu uso, mesmo após a recuperação efetuada, tornará a atividade ainda mais propensa à geração de acidentes ambientais. Por conseguinte, os lucros auferidos com o aproveitamento de tanques recuperados não compensam a possível ocorrência de danos. É o que também se infere do Art. 8º, § 4º, ao determinar que os tanques subterrâneos que apresentarem vazamentos terão de ser removidos após desgaseificação e limpeza, e naqueles que não puderem ser removidos, far-se-á a necessária desgaseificação, limpeza, preenchimento com material inerte e postura de lacre.
Comandos de induvidosa importância estão contidos nos parágrafos 2º e 3º do mesmo art. 8º, da Resolução CONAMA nº 273/2000, concernentes, primeiro, à obrigação imposta aos responsáveis pelo estabelecimento, equipamentos e sistemas, em adotar, quando da ocorrência de acidentes ou vazamentos, as medidas necessárias à minimização de riscos e impactos às pessoas e ao meio ambiente, independentemente da comunicação ao órgão ambiental competente, e, segundo, à obrigação de que estes proprietários promovam o treinamento de seus funcionários, para o fim de orientar as medidas de prevenção de acidentes e ações a serem adotadas de forma imediata em situações de emergência e risco.
Além do licenciamento ambiental, entretanto, faz-se necessária a adoção de uma administração com consciência ecológica, pois a garantia da sobrevivência humana não se resume apenas e tão somente a medidas coativas, mas passa impreterivelmente pela conscientização ecológica.
VII. Gerenciamento ambiental nas atividades de distribuição e revenda de combustíveis
Anteriormente à década de oitenta, as empresas vislumbravam, na proteção ambiental, indesejável entrave à expansão econômica pretendida.
Rejeitava-se a implementação de medidas protetivas, dada a sua caracterização como questão marginal, altamente dispendiosa e fator de diminuição da competitividade da empresa.
Foi, entretanto, nos idos da década de oitenta, que as empresas líderes no mercado começaram a apreender da idéia de implementação da proteção ambiental não apenas os custos a serem assumidos, mas principalmente a representatividade que os investimentos alcançariam nos negócios futuros e as conseqüentes vantagens competitivas que daí adviriam. O que, segundo Callenbach e Capra (1993, p. 25), citando Lutz, redundou em que “‘administrar com consciência ecológica’ passou a ser o lema dos empresários voltados para o futuro”, ou seja, os danos causados ao ambiente, na rotina das atividades desenvolvidas pelas empresas, poderiam sofrer substancial redução a partir da implementação de práticas negociais ecologicamente corretas.
A Constituição da República Federativa do Brasil afirma a defesa do meio ambiente como um dos princípios da atividade econômica. Conforme dispõe o art. 170, in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
Omissis;
VI – defesa do meio ambiente, inclusive mediante tratamento diferenciado conforme o impacto ambiental dos produtos e serviços e de seus processos de elaboração e prestação; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 42, de 19.12.2003).
Consolidou-se, por conseguinte, em nossa nação, como de resto, em quase todo o mundo, a improcedência dos argumentos que associam proteção ambiental ao impedimento do crescimento econômico.
A degradação ambiental não é, por certo, o caminho a se considerar quando o objetivo finalístico é o incremento econômico. A deterioração da qualidade de vida jamais poderá ser usada como coluna para o desenvolvimento, pois não será este, autêntico.
Há de existir, dessa forma, em bases tanto econômicas como ambientais, uma visão holística de como empreender as necessárias modificações no uso dos recursos naturais, a fim de não obstaculizar o desenvolvimento econômico, ou, sob outro aspecto, sondar a forma mais apropriada ao desenvolvimento econômico, de maneira que não se constitua em fator de extermínio do que é seu sustentáculo.
A colocação, dentre os objetivos da empresa, da proteção do ambiente, modifica de forma substancial o seu gerenciamento, caracterizando-se por uma administração com consciência ecológica.
As empresas que tenham parte de sua clientela no mercado internacional ou que tenham, como meta basilar, destacarem-se em seu segmento de atuação, como é comum às atividades da indústria petrolífera, têm de obrigatoriamente adotar na estrutura organizacional de sua empresa o gerenciamento ambiental, ou seja, um modelo de administração que promova a compatibilização das atividades desenvolvidas pela empresa, observando-se as suas expectativas, e a preservação do ambiente em que estão inseridas, atentando-se também, neste tocante, para as expectativas comuns à sociedade.
Antunes (2001, on line) pondera que “a produção limpa é uma produção mais eficiente e rentável”. De fato, a redução de custos em médio prazo é patente, haja vista que o volume de passivos ambientais sofre considerável decréscimo ou deixam mesmo de ser observados, o que implica na ausência de obrigações vultosas para as empresas e, por conseguinte, na redução de custos, o que poderia, em caso contrário, redundar em gravosas dificuldades à sobrevivência da organização.
Decorrente das pressões por melhoria das condições ambientais, isto é, para que as empresas diminuam os efeitos nefastos de suas atividades, surgiram as normas do sistema de gestão ambiental da série ISO 14000, importante instrumento do gerenciamento ambiental.
ISO é a sigla advinda de International Organization for Standardization, “uma federação mundial de entidades nacionais de normalização, que congrega mais de 100 países, representando praticamente 95% da produção industrial do mundo” (D’AVIGNON, 1996: 39). Foi constituída em 1947, como organização não governamental, e sua sede está em Genebra, Suíça, sendo composta por comitês técnicos, integrados por especialistas oriundos dos países membros.
Da proposta surgida durante a ECO-92 de formar “um grupo especial para estudar a confecção de normas ambientais” (1996, p. 38), redundou a criação do comitê técnico de gestão ambiental ISO/TC 207[30], cuja publicação de normas ambientais internacionais implicou na série ISO 14000, definida como “um grupo de normas que fornecem ferramentas e estabelecem um padrão de Sistemas de Gestão Ambiental” (1996, p. 44), cujo objetivo consubstancia-se em “uniformizar processos produtivos, segundo padrões ambientais internacionais, e de induzir a adoção de padrões de gestão ambiental nas empresas, condicionando a certificação à obediência à legislação ambiental de cada país” (COSTA, 2000, p. 7), ou seja, “através dela, a empresa poderá sistematizar a sua gestão de uma política ambiental que vise à melhoria contínua em relação ao meio ambiente”( D’AVIGNON, 1996, p. 44).
A ISO 14000 é composta por seis áreas, quais sejam, Sistema de Gestão Ambiental – SGA, Auditoria Ambiental, Rotulagem Ambiental, Avaliação de Desempenho Ambiental, Análise do Ciclo de Vida, Termos e Definições (Glossário).
Destaque-se o Sistema de Gestão Ambiental[31] – doravante denominado SGA – que abrange “os princípios e especificações para implementação dos sistemas de gestão ambiental em uma organização”, estando consubstanciado nas normas ISO 14001 e ISO 14004, as quais informam, no primeiro caso, os elementos essenciais à certificação do SGA de uma organização, e, no segundo, as orientações gerais para a implantação ou aprimoramento de um SGA.
Descrevendo o modo pelo qual as atividades de uma organização devem ser conduzidas, o SGA reúne métodos e práticas para auxílio naquela gestão empresarial, que, além de metas econômicas, prima por objetivos de caráter ambiental, buscando, pois, o alcance da qualidade ambiental, através da mobilização da empresa, e a fixação de ações preventivas, a serem observadas como forma de evitar a ocorrência de impactos ambientais diversos.
Para a implantação de um SGA, faz-se necessária a verificação do estágio em que a empresa se encontra, no que toca às questões ambientais. Avaliação esta, consistente nos efeitos provocados por suas atividades ao ambiente e a forma como poderão afetar a continuidade de suas atividades ou a própria existência da organização, considerando-se, neste particular, que as exigências do mercado consistem, cada vez mais, no atendimento aos padrões ambientais, de importância fundamental na gestão empresarial.
É a partir dessa avaliação que a empresa poderá definir sua política ambiental, isto é, a “declaração de intenções e princípios estabelecidos pela organização com relação ao seu desempenho ambiental” (SÃO PAULO, 1997, p. 26), a ser amplamente divulgada entre todos os setores da companhia, e mesmo externamente, devendo incluir, entre outros, o compromisso de atender à legislação e aos regulamentos aplicáveis, a contínua melhoria e prevenção da poluição, com a garantia de que serão fornecidos os requisitos indispensáveis ao estabelecimento e revisão das metas ambientais traçadas.
Definindo-se as responsabilidades de operação do sistema, os planos de contingência e emergência, os riscos em potencial, os treinamentos necessários e a conscientização e competência face ao meio ambiente, estará a empresa elaborando o planejamento do SGA, ou seja, o conjunto de procedimentos necessários à identificação e ao controle dos aspectos que podem causar ou causam impactos ambientais significativos.
A fase de implementação e operação do SGA envolve a definição dos meios de acesso, conservação e atualização dos documentos e informações que descrevem “os elementos centrais do sistema de gestão, assim como suas interações” (idem, p. 28), além da implantação de um sistema de comunicação entre os diversos níveis da companhia e o estabelecimento de procedimentos que possibilitem a rápida tomada de providências em caso de acidentes e situações de emergência.
O monitoramento dos equipamentos é providência de extrema importância para o êxito do SGA, posto que “as principais atividades operacionais potencialmente causadoras de impactos significativos no meio ambiente devem ser mantidas permanentemente sob rígido controle”(idem, p. 29). Em caso de desconformidade com as normas, terão de ser adotadas ações corretivas, de forma a prevenir ou minimizar, já na fonte geradora, os impactos surgidos, de maneira que não se cause dano ao ambiente.
Deve-se proceder continuamente à análise crítica do SGA, de sorte que sua adequação, suficiência e eficácia sejam garantidas. O que se dá, na prática, através da avaliação de possíveis ajustes na política, objetivos e metas da avaliação do desempenho que o sistema tem alcançado e da averiguação do atendimento ao compromisso da empresa com a gestão ambiental, considerando-se, para tanto, o compromisso com a melhoria contínua.
No Brasil, as certificações ambientais estão a cargo de organismos de certificação credenciados pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – INMETRO, a exemplo da Associação Brasileira de Normas Técnicas – ABNT.
As normas de gestão ambiental, dentre as quais se incluem as normas da série ISO 14000, podem ser “aplicadas em qualquer atividade econômica, fabril ou prestadora de serviços, e, em especial, naquelas cujo funcionamento ofereça risco ou gere efeitos danosos ao meio ambiente” (idem, p. 29). Dessa forma, as companhias que atuam na distribuição e os postos revendedores de combustíveis, só têm a lucrar com a implantação desse sistema, tanto em matéria econômica, como na esfera da proteção ambiental, na qual todos somos diretamente afetados.
Forçoso é constatarmos, entretanto, que a despeito da existência de instrumentos de proteção ambiental, como no presente abordados, ainda são registrados diversos acidentes no âmbito da distribuição e revenda de combustíveis.
No tocante à distribuição, os dados são alarmantes, cerca de 2,2 milhões de toneladas de petróleo e seus derivados chegam aos rios, riachos e matas à beira de estradas, em face de acidentes envolvendo caminhões-tanque e vazamentos em oleodutos (BENEDUCE, 1997, p. 38).
Se aplicados fossem em sua inteireza – procedimento e sistema-, envolvendo mudança de comportamento efetivo e não só aparente e forçada tentativa de adaptação a normas e programas que sirvam de máscara e atendam superficial e parcamente a exigências de mercado, indubitavelmente não registraríamos índices lastimáveis de poluição envolvendo a execução dessas atividades.
Conclusão
A indústria petrolífera, isto é, a produção, importação, exportação, refino, beneficiamento, tratamento, processamento, transporte, transferência, armazenagem, estocagem, distribuição, revenda e comercialização dos derivados de petróleo, é fator causador de poluição, cujas conseqüências em grande parte são irreversíveis. As atividades de distribuição e revenda de combustíveis não escapam, por conseguinte, desse rol.
A instrumentalidade e importância do licenciamento ambiental nas atividades de revenda de combustíveis residem no fato de que este procedimento atua na prevenção do dano, buscando a compatibilização do desenvolvimento – já que o fim almejado pelo empreendedor está na obtenção da licença ambiental para a instalação, localização, ampliação ou operação de atividades efetiva ou potencialmente poluidoras – com a preservação do equilíbrio ecológico, redundando em verdadeiro controle prévio da atividade.
O gerenciamento ambiental é também de fundamental importância, porque implica em modificação da mentalidade gerencial da empresa, que passa a administrar as suas atividades com consciência ecológica, atendendo aos anseios do consumidor e da coletividade. Dentre o seu arcabouço, são encontrados modelos de gestão ambiental, em meio aos quais ganhou relevo mundial a série ISO 14000, cuja efetividade resulta dos objetivos em que concentra sua atuação, consistentes no estímulo à adoção pelas empresas, de padrões de gestão ambiental, que exigem, para a certificação junto aos órgãos competentes, a comprovação de obediência à legislação ambiental do País em que foi instalada a empresa.
Todavia, a despeito da existência de tais instrumentos, ainda se pode observar a ocorrência de graves e não poucos incidentes nessas atividades, o que nos leva à conclusão de que, em grande parte, não há um compromisso efetivo com a proteção ambiental. Inclusive, em muito se têm adotado programas formulados no âmbito das próprias empresas de distribuição, cuja eficácia é questionável, ante o fato de que, acentuadamente, o caso concreto tem demonstrado não passarem de tentativas de obnublar a verdade da poluição.
Os instrumentos de proteção ambiental aplicáveis às atividades de distribuição e revenda de combustíveis só terão plena eficácia nas empresas que se esforçarem pela mudança de mentalidade, afastando a concepção equivocada de que o desenvolvimento está no lado oposto ao da preservação dos recursos naturais. Até mesmo porque o fim do petróleo como fonte energética está próximo, ante a diminuição paulatina de suas reservas, e também por não haver como empreender crescimento econômico sem os recursos necessários para tanto. Portanto, faz-se imprescindível a renovação da mentalidade empresarial, como forma de garantir até mesmo a sua própria existência, pois, embora em número menor, já existem empresas preocupadas em conciliar a proteção com o desenvolvimento, e em função disso já têm ganhado destaque.
[1] Decreto Lei nº 395 – “Declara de utilidade pública e regula a importação, transporte, distribuição e comércio de petróleo bruto e seus derivados, no território nacional e bem assim a indústria da refinação de petróleo importado ou produzido no país e dá outras providências”.
Informações Sobre os Autores
Carlos Augusto Fernandes Eufrásio
Mestre em Direito Ambiental
Prof. Direito Ambiental UNIFOR
Fátima Andresa de Brito Mascarenhas
Advogada Ambientalista