Este trabalho se preza a levantar a questão da prova do labor rural nos moldes previstos no art. 108 da lei 8213/91 e em seu art. 55§ 3º, que abrem a brecha legal para a produção da documentação necessária para instruir o requerimento do benefício previdenciário mediante justificação administrativa ou judicial.
1. O Lavrador e o Contrato de Trabalho
O homem do meio rural, desprovido na maioria das vezes do fácil acesso à educação, sobretudo os que hoje se encontram em idade de ingressar na inatividade remunerada, esbarram na grande maioria das vezes no óbice denominado prova do tempo de serviço e da atividade laboral por eles exercida no meio rural.
A economia primária de nosso país, não é vista sob o prisma social e jurídico de uma forma a garantir a estabilidade das relações de trabalho, muito ao contrário. Apesar da norma prever expressamente o direito à formalização do contrato de trabalho no meio rural, esta é uma realidade distante daqueles a quem a norma definiu como destinatários do direito. Políticas governamentais não suprem a carência científica, educacional e econômica dos nossos menos favorecidos irmãos brasileiros.
Não é raro, mas sim freqüente o número de benefícios indeferidos por falta de prova material que venha a se enquadrar na norma prevista na lei 8.213/91. Como prevê a norma, é exigido um início razoável de prova material para instruir o pedido, não sendo admitida prova exclusivamente testemunhal, o que na maioria dos casos impossibilita a concessão do benefício.
2 O início razoável de Prova Material
Mas em que pese a norma específica, devemos buscar o entendimento jurídico do que seria esse início de prova material, vejamos o entendimento de um renomado especialista: “ Provas materiais (propriamente ditas) de prestação de serviço são relativamente comuns, antigas possuem traços característicos de ancianidade, tais como cor envelhecida, mau estado de conservação, sinais de dobra, consolidação de tinta, etc”. (Martinez, 2001:21).
Ora, comumente ao fazemos menção à prova material sempre nos vem em mente um documento: celulose, papel e tinta. No caso específico do trabalhador rural, qualquer documento à priori a sua CTPS (carteira de trabalho e previdência social) ou outros documentos que constem expressamente a função de lavrador. Podemos citar dentre outros, certificado de reservista, título de eleitor antigo, certidão de casamento, inteiro teor de registro de nascimento dos filhos, carteira para crédito rural junto às instituições bancárias, etc. Conforme se denota do rol acima, vislumbra-se que várias seriam as possiblidades de se provar a profissão de lavrador, documentalmente falando, caso o beneficiário do direito os possuíssem. É neste ponto que queremos tocar:
A prova plena, produzida via CTPS, é a mais difícil de se produzir, raramente um empregador rural formaliza o vinculo laboral com seus empregados. O comum é estes trabalharem, receber por tarefa desenvolvida ou como diarista nos períodos de preparo, plantio e colheita. O pagamento é feito sem nenhuma formalidade, no máximo lhes pedem para assinar um recibo, isto quando assinam, pois a maioria dos mesmos apõe a impressão do polegar, por falta de instrução básica.
Excetuando-se a CTPS supra mencionada, nos restam documentos, como no rol exemplificativo, que poderiam e muito ajudar aos pretendentes á aposentadoria por idade rural. Porém, para que tais documentos fossem produzidos, a princípio seria necessário que os mesmos fossem cidadãos brasileiros. Ora cidadãos brasileiros! Não são os trabalhadores do campo cidadãos? Sim, o são de fato, mas de direito será que o são? Imagine um trabalhador ter certificado de reservista, ou uma certidão de casamento, se ao menos fora registrado civilmente. Bem neste caso, restou-lhe a saída do casamento eclesiástico, mas este, não traz em seu teor a profissão do nubente! Carteira de crédito rural, como possuí-la se nem o CPF fora expedido, por não haver a certidão de nascimento. Resta-lhe ainda o título eleitoral. Antigo, diga-se de passagem, pois este continha todos os dados cadastrais do eleitor, como filiação, naturalidade, profissão. Mas quem o possuía e também ao certificado de reservista, se viram na grande maioria das vezes alijados das provas em virtude da incineração dos arquivos desses órgãos expedidores de tais documentos. Há pouco tempo uma decisão do STF previu o tema.
3 Da Prova Material não Documental
Em virtude de inúmeros casos patrocinados, e do contato diuturno com essas pessoas, observamos características comuns a determinado número de clientes. A grande maioria deles possuem pele degenerada, aumento visível e calosidades excessivas nas mãos, pés espessos e fissurados, enfim, características visíveis, materiais, concreta que acomete os clientes provenientes do meio rural.
Percebemos também, que boa parte queixa-se de padecer de doença de chagas, e esquistossomose, e serem portadores da Tênia solium, mais conhecida como solitária (parasita instestinal), patologias típicas de população que habita no meio rural.
Assim não foi difícil entender que tais trabalhadores fazem parte de um grupo distinto de pessoas. Grupo este composto de pessoas que possuem várias características comuns.
Se é possível agregar pessoas face a essas características, é possível também delimitar dentro da norma a possibilidade de tais pessoas produzirem provas materiais, porém não documentais, no sentido de possuírem no teor dessas provas a qualificação profissional dos mesmos.
Nessa linha de raciocínio, é possível vislumbrar a abertura de um novo horizonte a essa classe de trabalhadores, que na ausência total de documentação probante, se valeria de um outro tipo de prova. Essa prova seria a princípio produzida pela constatação dessas características comuns, realizadas por especialistas ligados a área, tal como dermatologista, ortopedista, neurologista e médico do trabalho. Uma vez presentes as características comuns, que evidenciassem a o exercício da atividade rural, essa prova produzida por esses especialistas, seria reduzida a relatório médico que estaria apto a instruir o pedido de aposentadoria rural.
Dessa forma, uma injustiça, cometida contra quem, é a base primária de nossa economia, seria corrigida, estando assegurados os direitos que lhe são devidos, ou melhor, os meios, para que o direito a que faz jus seja-lhe garantido.
Conclusão
Do exposto conclui-se que negar ao homem do campo, meios de exercer sua cidadania na mais pura acepção da palavra é vedar-lhe direito constitucional. Se existe uma forma, ainda que indireta de se provar algo real, concreto, e que não venha de modo algum de encontro com a norma, essa deve ser assegurada a quem de direito. Assim, abrindo-se essa possibilidade, a de provar algo que está estampado na sua face, mãos, pés e alma, estaríamos devolvendo a esse nosso irmão o direito a dignidade da pessoa humana.
Informações Sobre o Autor
Luciana Ramos de Oliveira
Professora de Direito e legislação Social e Previdenciária da FAVAG, Faculdade do Vale do Gorutuba – Nova Porteirinha/MG, Advogada militante na área previdenciária na comarca de Janaúba/MG, Especialista em Direito Público.