A publicidade dos atos governamentais. Limites, vedações e implicações


Resumo: Trata-se de uma contribuição ao estudo da publicidade dos atos governamentais, demonstrando seus limites, vedações e implicações.


Palavras-chave: publicidade – promoção pessoal – impessoalidade – improbidade administrativa – administração pública.


Sumário: 1. Introdução; 2. Limites a publicidade dos atos oficiais; 3. Alcance da determinação legal; 4. Implicações sancionatórias; 5. Conclusão.


1 – introdução


Por publicidade, entende-se, na linguagem jurídica, como “a condição ou a qualidade de público, que se atribui ou se deve cometer aos atos ou coisas, que se fazem ou se devem fazer”. [1]


Devido ao papel essencial que cumpre este ato, o constituinte achou por bem referir-se, expressamente, à publicidade como princípio geral da Administração Pública esculpido no rol do artigo 37, caput, juntamente com a legalidade, impessoalidade, moralidade e eficiência.


Em linhas gerais, estes princípios são os pilares máximos da Administração Pública visando dar a esta unidade e congruência, refletindo a sua ideologia e o modo pelo qual deve ser aplicada. [2]


Nos dizeres do mestre Paulo Bonavides os princípios formam “a congruência, o equilíbrio e a essencialidade de um sistema jurídico legítimo. Postos no ápice da pirâmide normativa, elevam-se, portanto, ao grau de norma das normas, de fonte das fontes”. [3]


Levando em consideração todo este contexto, o princípio da publicidade exige uma atividade administrativa transparente e visível, a fim de dar conhecimento, possibilitar o controle e início dos efeitos dos atos, contratos e outros instrumentos celebrados pela Administração Pública.


Afora tratar-se de um dever do administrador a publicidade se revela como um verdadeiro direito dos cidadãos, propiciando um meio de controle popular e fortalecendo os contornos da democracia.


Oriunda deste princípio e atrelada à impessoalidade e a moralidade, surge à regra que dispõe sobre a publicidade governamental, ou seja, dos atos daqueles que exercem o poder estatal (autoridades ou servidores públicos), que deve ser realizada com observância a uma finalidade especifica, sob pena de desvirtuar referido princípio constitucional.


Neste diapasão, visando moralizar a veiculação da publicidade oficial, prescreve o parágrafo 1º, do artigo 37, de nossa Constituição Federal, in verbis, que: “A publicidade dos atos, programas, obras, serviços e campanhas dos órgãos públicos deverá ter caráter educativo, informativo ou de orientação social, dela não podendo constar nomes, símbolos ou imagens que caracterizem promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos”.


Aludida disposição, inovação trazida pelo constituinte dos oitenta, não tem como escopo vedar qualquer meio de comunicação ou de divulgação, possibilitando a utilização de todos os instrumentos publicitários, desde que mantido a razoabilidade e o caráter impessoal que esta publicidade precisa guardar. Não se está a vedar também o registro de fatos históricos, como a criação de galerias de ex-prefeitos ou de arquivos institucionais. [4]


De antemão, destaca-se que este dispositivo é auto-executável, não carecendo de qualquer lei regulamentadora. A aplicação imediata deste preceito se deve à força normativa da constituição, que torna desnecessária a elaboração de qualquer outra norma infraconstitucional sobre o assunto.


2 – Limites a publicidade dos atos oficiais


Nos moldes da disposição constitucional, a publicidade dos atos governamentais deve sempre guardar um caráter educativo, informativo ou de orientação social, sendo absolutamente avesso ao referido preceito qualquer forma de publicidade que vise o benefício ou o proveito individual.


Este caráter educativo, informativo e de fomento a orientação social, portanto, tem como escopo vincular os atos de publicidade oficial, possibilitando uma avaliação da atuação administrativa no campo da moralidade. [5]


Além da vedação pautada nos ditames especificados acima, outros diplomas legais, como é o caso da Constituição do Estado de São Paulo, impõem uma espécie de limitação territorial à publicidade dos seus atos de governo, proibindo a publicidade fora dos limites de seu território. [6]


3 – Alcance da determinação legal


O preceito do artigo 37, parágrafo 1º, da Constituição Federal, vem, nos últimos anos, ganhando relevância e despertando inúmeras interpretações, visando dilatar seu alcance a fim de preencher e dar efetividade a intenção do constituinte.


Numa primeira leitura, o preceito constitucional pode gerar a falsa percepção de estar pautado, única e exclusivamente, na vedação à publicidade que caracterize promoção pessoal de autoridades ou servidores públicos. Pode ainda, dar azo ao entendimento de que esta publicidade deve ser explícita e causar prejuízo ao erário.


Entretanto, por se tratar de regra atrelada à moralidade e que prega uma atuação impessoal, sua interpretação deve ir além e levar em conta qualquer situação que possa desvirtuar a vontade do constituinte.


Aliás, publicidade, moralidade e impessoalidade, apresentam-se intrincadas, havendo instrumentalização recíproca, de modo que a observância da publicidade dificulta medidas contrárias à moralidade e a impessoalidade; a moralidade, por sua vez, implica observância estrita da impessoalidade e da publicidade e, a impessoalidade, ao seu turno, cria meios de uma atuação pautada na moralidade. [7]


Sendo assim, a fim de apresentar os contornos de tão relevante preceito, insta frisar que este não restringe apenas à promoção pessoal dos servidores públicos e das autoridades, mas também, por exemplo, dos partidos políticos a que estas pertençam, de modo que, a fim de assegurar a impessoalidade, entende-se que a mera possibilidade de vinculação do conteúdo da divulgação com o partido político a que pertença o titular do cargo público desnatura o caráter educativo, informativo ou de orientação que a norma requer. [8]


Ademais, no tocante ao teor desta publicidade, a mera inclusão de conteúdo subliminar que possa identificar governante ou seu partido político já caracteriza publicidade pessoal ilícita. [9] Ou seja, no instante que existe a menor possibilidade de reconhecimento ou identificação da origem pessoal ou partidária da publicidade há, sem dúvida, o rompimento da lisura desejada pelo constituinte, até mesmo porque, qualquer margem de abertura nesse princípio poderia ensejar exceções que levariam a completa inutilidade do dispositivo.


Pouco importa, ainda, o fato de a propaganda oficial ter custo relativamente baixo, irrisório, de modo que mesmo se esta for custeada as expensas do agente público permanece o caráter ilícito, pois não é a lesão ao erário que torna a conduta mais ou menos imprópria. [10]


Assim, tendo em vista as decisões consignadas, notamos que as interpretações dadas a este preceito visam, cada vez mais, extirpar de nossa realidade a publicidade pessoal e oportunista, visando uma publicidade governamental pautada em lisura e honestidade, de mãos dadas com a moral e compromissada com a cidadania.


4 – Implicações sancionatórias


A publicidade dos atos governamentais que extrapolar o princípio da impessoalidade, haja ou não prejuízo ao erário, torna-se imoral e ilegítima, caracterizando verdadeira promoção pessoal, terminantemente vedada pelo ordenamento jurídico, por configurar ato de improbidade administrativa, que atenta contra os princípios da administração pública, nos termos do artigo 11 da Lei n. 8.429/92.


Caso haja, juntamente com a publicidade pessoal, emprego indevido de dinheiro público, configurar-se-á improbidade administrativa por lesão ao erário, nos termos do artigo 10 da Lei n. 8.429/92.


Vale ressaltar, conforme ensina Di Pietro, que uma mesma conduta pode ensejar uma, duas ou três hipóteses de improbidade previstas na Lei 8429/92, além do que um mesmo ilícito administrativo pode vir a ser enquadrado também como ilícito penal. [11]


Ressalta-se, também, que a responsabilização por improbidade administrativa, com a consequente aplicação das sanções previstas, somente pode ocorrer em relação às condutas praticadas após a edição da Lei n. 8429/92, que por prever sanções inclusive relacionadas à suspensão de direitos políticos não possui caráter retroativo.[12]


Registre-se, ainda, por último, o entendimento pacificado do Superior Tribunal de Justiça, segundo o qual o Juiz não está obrigado a aplicar cumulativamente todas as penas previstas no artigo 12 da Lei 8.429/92, devendo observar os princípios da razoabilidade e da proporcionalidade na fixação de cada uma delas.


5 – Conclusão


Quando a publicidade dos atos governamentais extrapola os limites da permitida publicidade institucional oficial (CF, art. 37, § 1º), cause ou não lesão ao erário, se consubstancia em veículo promocional do agente público, em manifesta afronta ao princípio da impessoalidade e da moralidade, configurando improbidade administrativa, nos termos da Lei n. 8.429/92.


Os contornos deste preceito, cada vez mais, visam extirpar esta lamentável ocorrência, buscando uma publicidade governamental pautada em lisura e honestidade, que siga os contornos previstos pelo constituinte, ou seja, o caráter educativo, informativo ou de orientação social.





 


Notas

[1] SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico, Vol. III, Forense, 12ª ed., p. 503.

[2] CUNHA JÚNIOR, Dirley da. Curso de Direito Administrativo, Podium, 7ª ed., p. 44.

[3] BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional, Malheiros, 9ª ed., p. 265.

[4] GASPARINI, Diógenes. Direito Administrativo, Saraiva, 9ª ed., p. 13.

[5] “A publicidade enseja ampla avaliação da atuação administrativa no plano da moralidade” (TJSP, Pleno, ADIn 11.281-0, rel. Des. Yussef Cahali, j. 2.5.1990, v.u.)”, in MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Municipal Brasileiro, Malheiros, 16ª ed., p. 783.

 

[6] “Art. 115, parágrafo 2º, da CESP – É vedada ao Poder Público, direta ou indiretamente, a publicidade de qualquer natureza fora do território do Estado para fim de propaganda governamental, exceto às empresas que enfrentam concorrência de mercado”.

[7] MEDAUAR, Odete. Direito Administrativo Moderno, Revista dos Tribunais, 2ª ed., p. 136.

[8] “Publicidade de atos governamentais. Princípio da impessoalidade. (…) O caput e o parágrafo 1º do artigo 37 da Constituição Federal impedem que haja qualquer tipo de identificação entre a publicidade e os titulares dos cargos alcançando os partidos políticos a que pertençam. O rigor do dispositivo constitucional que assegura o princípio da impessoalidade vincula a publicidade ao caráter educativo, informativo ou de orientação social é incompatível com a menção de nomes, símbolos ou imagens, aí incluídos slogans, que caracterizem promoção pessoal ou de servidores públicos. A possibilidade de vinculação do conteúdo da divulgação com o partido político a que pertença o titular do cargo público mancha o princípio da impessoalidade e desnatura o caráter educativo, informativo ou de orientação que constam do comando posto pelo constituinte dos oitenta.” (RE 191.668, Rel. Min. Menezes Direito, julgamento em 15-4-08, DJE de 30-5- 08)”

[9] “A inclusão de slogan na publicidade dos atos da administração pública, com conteúdo subliminar que o identifica com o partido político dos governantes, constitui propaganda pessoal ilícita, vedada no art. 37, § 1º, da CF” (Ap. 592131882, 9.6.93, 2ª CC TJRS, rel. Des. Élvio Schuch Pinto, JTJRS 160/325).

[10] “Agravo de Instrumento. Liminar concedida em ação civil pública para impedir a prefeita do Município de Magé de veicular propaganda tendo seu nome associado às realizações da Prefeitura. O fato de a agravante ter pago por tais propagandas com recursos próprios não as torna legítimas, visto que o artigo 37, § 1°, da CF veda que a propaganda de atos da Administração Pública esteja ligada ao nome dos administradores, como ocorreu no caso em comento, independentemente da origem dos recursos a custearam. Decisão que se mantém.” (TJRJ, 1ª CC, AI 2005.002.24526, Rel. Des. Maria Augusta Vaz, julgamento: 12.04.06)”

[11] DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo, Atlas, 16ª ed., p. 675”.

[12] “STJ – 1ª T – REsp. nº 196.932/SP – Rel. Min. Garcia Vieira. Decisão: 19.3.1999; TJ/SP – 1ª Câmara de Direito Público –Agravo de Instrumento nº 164.928-5/0 SP – Rel. Des. Luiz Ganzerla. Decisão: 16-5-2000”, in MORAES, Alexandre. Direito Constitucional Administrativo, Atlas, p. 335.


Informações Sobre o Autor

Diego da Silva Ramos

Assessor Jurídico-Legislativo e Advogado


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