RESUMO: Examina e discute essa que hoje é identificada como “questão gay”, Brasil adentro e afora, à luz dos direitos humanos; do respeito à liberdade de pensamento, opinião e expressão/manifestação; de um modo geral, e principalmente, dos princípios fundamentais da Carta Política do Brasil.
1. Breves considerações sobre o panorama social e jurídico.
Os que lutam, apoiam e se manifestam em favor daquilo que se poderia chamar de “questão gay”, no Brasil, tanto quanto os que se colocam no campo oposto, hoje, o fazem de forma absolutamente sectária, como poucas vezes visto em nosso país, isso de um modo tal que o espaço natural do debate democrático vem sendo dominado pelas paixões que afloram e extravasam, em ambos os lados, dali resultando um ambiente de acirramentos e irracionalidades, com ataques e contra-ataques, que amanhã poderá vir até ameaçar a nossa relativamente frágil coesão social.
Alguns, ou muitos certamente acharão que esse clima de explosão de sentimentos e de pontos-de-vista faria parte da própria temática da “questão”, essa que travou o debate e a decisão parlamentar, para conduzi-la ao Poder Judiciário, que a teria “roubado” do Congresso Nacional – para “impor” a sua decisão –, no âmbito do qual permanece o impasse entre as forças políticas e ideológicas a favor e contra direitos pleiteados/reivindicados. Cedo ou tarde, porém, as duas Casas do nosso Parlamento terão que decidir a respeito da “questão”. Isso ninguém ignora, por óbvio. Resta saber como o último o fará.
2. A opinião da cidadania, o tema e a esfera pública no contexto do tema.
Dali, enquanto cidadão que atua e participa do debate público sobre os mais diversificados temas inscritos na agenda nacional, não me furto de opinar sobre a “questão”, que é mais uma entre outras três ou quatro que permanecem aí na esfera pública, atraindo os mais diversificados interesses, seja pela relevância ou pela delicadeza temáticas, ou por ambas. Duas dessas outras “questões”, provavelmente tão delicadas quanto relevantes seriam a das “cotas raciais” e a “ambiental”.
Sim, aí três questões – a “gay”; a “das cotas” e a “ambiental – que dividem o país – majoritariamente convergente em temas como transparência e combate à corrupção; Reformas Tributária e Políticas…, ainda que todas igualmente sem solução à vista – entre “os contra” e os “a favor”, e despertam paixões. Paixão, eis o diferencial entre esse trio e as demais questões nacionais, independentemente de serem iguais, maiores ou menores numa escala de prioridades na problemática brasileira, com as suas demandas e toda a sorte de desafios para a Sociedade e o Estado nacionais.
Mas voltando à “questão gay”, com as paixões e os ódios que desperta, de parte a parte – ou seja, dos que lutam e se manifestam a favor e contra os direitos dessa minoria, digamos assim, sociologicamente falando e sem pretender fazer qualquer juízo de valor –, numa abordagem como esta não se pode deixar de apontar e considerar alguns aspectos que concorreriam para o clima negativo e de imprevisibilidade que domina o cenário do debate democrático em nosso país, no que concerne a essa mesma “questão”. Daí faz-se indispensável entrar naquilo – com perdão do leitor, pela aparente impropriedade/inadequação da expressão – que seriam os “sectarismos” no âmbito do tema.
Assim, começando pela suposição de que o casamento entre duas pessoas do mesmo sexo seja o ponto central da/na luta dos que participam e/ou apoiam a “causa gay – que o diga o Supremo Tribunal Federal –, deve ser considerado que isso, por mais justo e legítimo que possa parecer àqueles e àquelas que a desenvolvem, aos olhos de parte da Igreja Católica, pelo menos, e de considerável parcela de evangélicos, principalmente, é algo inaceitável. Para expressar a sua discordância, então, a “oposição cristã”, que dali se faz, embora sem convergir na origem e estrategicamente, desfere contra a pretensão minoritária toda a sorte de imprecações, gerando revolta e indignação que é caldo emocional para produzir mais acirramento e animosidade. Ali, então, se manifestam mais e mais sectarismos, de ambos os lados.
Tais sectarismos seriam expostos antes e no curso da luta em prol da “causa gay”, e começariam pela pretensão da mesma na busca de igualdade jurídica entre heterossexuais e homossexuais. Em resposta, parte das igrejas cristãs – católicos e protestantes, nos seus mais diversos segmentos – produz os seus próprios sectarismos, recorrendo à Bíblia e às interpretações que fulminariam aquilo que o Supremo Tribunal Federal, à revelia do Congresso Nacional, decidiu por autorizar e reconhecer como constitucional. Dali surge o que se poderia chamar agora de “questão gay”, pois embora interpretada pela Suprema Corte, o assunto ainda não foi superado, ou pacificado amplamente, na sociedade.
Então, o maior desafio para a “questão gay” é criminalizar aquilo que é considerado “homofobia”. Porém, para tanto, a “causa gay” diz pretender conquistar junto ao Congresso Nacional – como fez no Supremo Tribunal Federal, com relação ao “casamento gay” – a legislação destinada a punir a “homofobia”. Assim, se aprovada tal lei, determinadas referências negativas ou “preconceituosas” contra homossexuais, igualmente a agressões físicas e assemelhadas tornar-se-ão tipos penais. Um desafio e tanto para o movimento gay e sua causa.
A ordem democrática e o grau de civilização – este, apesar de todas as suas contradições – que imperam em nosso país não podem transigir com a intolerância contra quaisquer grupos ou setores da sociedade, partam de onde partirem, especialmente aquelas que resultam em agressões físicas, quando não na própria morte da vítima, como, lamentavelmente, vem ocorrendo com os homossexuais, com destaque para aquelas vítimas – homens ou mulheres – que “saíram do armário”, como se diz ultimamente. O difícil e complicado, no entanto, será criminalizar o discurso, principalmente o que é feito do púlpito, porque contra este, além de ferir-se a liberdade de expressão, constitucionalmente assegurada, irá ferir a liberdade religiosa.
Tomo, aqui, a honesta e sincera defesa da fé, embora sabendo que, pela mesma, dificilmente serei defendido, em especial se o meu ateísmo – declarado desde os meus tempos de adolescente, quando fui considerado “persona non grata” em um colégio católico e jesuíta, para em seguida ser expulso – vir a ser pretexto para eventual acusação que o Estado, por alguma desventura, me faça amanhã. É que, como o velho Voltaire na sua famosa carta a Rousseau (“…si bien peindre les vertus et la liberté, apprenez-nous à les chérir…”), eu tenho como intransigência apenas a defesa da liberdade, em especial a de expressão, na qual incluo a fé.
Portanto, em não sendo daqueles que se põem apenas na defesa daquilo que lhes convém os interesses imediatos – visíveis ou não, que sejam…, igualmente aos dois candidatos a Presidente da República no 2º turno das eleições de 2010, ambos numa “vigorosa defesa da fé”, no debate sobre o aborto, embora saibamos que no mínimo são agnósticos –, defendo o direito de padres e pastores pregarem nos altares e púlpitos contra o homossexualismo – não contra os homossexuais, já que alguns até estarão ali presentes, pedindo ou não perdão a Deus –, dentro de certos parâmetros, e isso o Estado brasileiro – laico, democrático e republicano –, não poderá lhes negar, pois é o que a Carta Política lhes assegura.
3. Conclusão.
Finalizando, concluo com a observação de que a religião e os defensores dos homossexuais devem sempre, cada um ao seu modo, entender que na ordem democrática e republicana não há lugar pacífico para radicalizações, sectarismos e imposições de qualquer natureza; todos, natural e civilizadamente, devem ter o direito de expressar as suas ideias e o dever de respeitarem-se, reciprocamente.
Informações Sobre o Autor
Láurence Ferro Gomes Raulino
Procurador federal junto à Procuradoria Regional Federal da 1ª. Região, em Brasília – DF