É notório para os atuantes na área de
Direito de Família que doutrina, legislação e
jurisprudência têm enfrentado sérios problemas na aplicação dos princípios do
casamento à uniao estável e vice-versa. As mais
diversas opiniões e decisões são emitidas, sem que, muitas vezes, consiga se
estabelecer um parâmetro para essa reciprocidade, relativa aos dois institutos,
ambos tutelados em sede constitucional.
Entendemos que o maior erro nessa busca
de paralelismo está na visão distorcida de que o casamento é superior à união
estável. Numa análise mais lógica vemos que, tecnicamente, a Constituição não
privilegiou o casamento. Ela indicou uma direção, uma preferência pela
formalidade e segurança do matrimônio. Incentiva que a união estável se
transforme em casamento, mas não os desigualou, pois estaria lutando consigo
mesma se assim o fizesse. Ambos são família, entidade
familiar, comunhão de vida, e, como tal, devem receber tratamento eqüitativo.
Afinal, no Direito de Família de hoje não se pode mais conceber famílias de
primeira classe e famílias de segunda classe, ou legítimas e ilegítimas.
Ainda que se critique o exagero do
legislador em regular a união estável, numa interferência por muitos
considerada indevida, porque invadiu o campo do “não instituído”, a realidade é
que a união estável em tudo caminha ao lado do casamento. Há muito deixou de
ser uma união menor, inferior e estigmatizada, embora padeça de certa
efetividade, por força de concepções ultrapassadas e atreladas a exagerado
formalismo. O maior exemplo disso está no estado civil de
convivente, que ninguém ousa declinar, o que nos faz lembrar a inusitada e
cômica situação de uma senhora que, no meio de uma audiência, questionada sobre
seu estado civil, intitulou-se “considerada”, ou seja, “considerada casada”, o
que, de certa forma, releva a ainda existente carga de preconceito em se
identificar como convivente.
O objetivo deste trabalho, que, por
questões ideológicas, despreza a concepção de que o casamento tem posição
hierarquicamente superior à da união estável, é buscar a interpenetração dos
dois institutos, é compará-los, não para neles evidenciar marcantes diferenças,
mas para achar a mais razoável solução dos conflitos comumente surgidos.
A reciprocidade, em muitos casos,
importa estender ao casamento os avanços conferidos à união estável, e não
restringir, como querem alguns, as conquistas desta, a despeito de se proteger
o matrimônio ou de se lhe garantir o topo da hierarquia, que, conforme já
dissemos, não existe.
Há passados memoráveis, que devem ser
preservados, mas não o da concepção patriarcal e romanista da família, que
subjugou a mulher e discriminou os filhos. Entre as leis do limiar do 3º
milênio e o Código Civil de 1916, que em muito reflete as idéias de Justiniano,
ficamos com aquelas. O Código Civil é fruto de sua época, das Ordenações, do
tempo da primeira Constituição Republicana. Se a própria Lei de Introdução ao
Código Civil diz que a lei nova é melhor, por que aplicar a anterior, que, em
muitos aspectos, não foi recepcionada pela Constituição?
Ora, as novas concepções jurídicas
tomaram o lugar das idéias caducas, atreladas a uma fase da civilização que as
nações superaram e hoje repudiam, doutrinária e
judicialmente.
Este, portanto, é o grande desafio
deste trabalho: buscar a reciprocidade, inclusive, nos
avanços da união estável, o que pode parecer um desatino, mas é a realidade, a
lógica e a pertinência de que caminhamos para o aprimoramento dos valores, a
fim de a vida seja mais digna e justa, mormente em se tratando de relações
intersubjetivas, em cujo terreno, dominado pelas afeições e sentimentos, nem
sempre é possível inteiramente regular-se.
O dever de fidelidade
Toda a base de nossa família,
culturalmente construída e sedimentada, repousa na monogamia, que, pelo menos
em tese, dá suporte à estabilidade e moralidade de que se deve revestir o
casamento. O dever de fidelidade é o primeiro e um dos mais importantes
relacionados no art. 231 do Código Civil, que trata dos deveres de ambos os
cônjuges. A sua violação pode ensejar, inclusive, crime de adultério. A Lei
9.278/96, em seu art. 2º , trata dos
direitos e deveres iguais dos conviventes, sem mencionar, expressamente, o
dever de fidelidade.
Contudo, embora não haja referência
expressa ao dever de fidelidade, este está implícito e decorre dos demais
explicitamente mencionados, como do de respeito e consideração mútuos referidos
no inciso I do mesmo artigo 2º da Lei 9.278/96. Aliás, os deveres de
respeito e consideração mútuos aparecem no Projeto de Código Civil (art. 1.568,
V) com referência aos cônjuges, assim como está previsto no art. 1.672 do
Código Civil Português.
Numa interpretação sistemática e
teleológica do disposto no art. 2º da Lei 9278/96, conclui-se que,
além do dever de fidelidade, não se admite a relação incestuosa para constituir
união estável, nem a relação adulterina (se um dos parceiros convive,
simultaneamente, com o cônjuge), nem a pluralidade de uniões estáveis
concomitantes.
O regime de bens
Na forma do art. 258 do Código Civil, o
regime legal (supletivo) entre cônjuges é o da comunhão parcial. O art. 5º
da Lei 9.278/96 prevê a comunicação de aqüestos entre
companheiros. A lei referida diz que há “condomínio” em partes iguais entre os
conviventes, e a expressão própria seria comunhão. O Projeto de Código Civil,
art. 1.725, dispõe: “Na união estável, salvo convenção válida entre os
companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da
comunhão parcial de bens”.
E se no início da convivência a mulher
tiver mais de 50 anos ou o homem mais de 60 anos de idade ?
Aplicar-se-á, por analogia, o art. 258, parágrafo único, II, do Código Civil ? Mesmo que a resposta seja positiva, ainda assim, os
bens adquiridos onerosamente na constância da união estável se comunicariam,
pois seria o caso de invocar, também, por analogia, a Súmula 377 do STF: “No
regime da separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na constância do
casamento”. Registre-se, não obstante, que o STJ, por sua 4ª
Turma, tem apresentado ressalvas a esta Súmula e decidido que, em se tratando
de regime de separação obrigatória, comunicam-se os adquiridos na constância do
casamento pelo esforço comum, não devendo o enunciado da Súmula 377 do
STF ensejar o enriquecimento sem causa (Resp. no. 9938-0-SP, j. 9/6/92, rel. Min. Sálvio de Figueiredo).
Assim como os nubentes podem celebrar
pacto antenupcial, estipulando, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver (CC,
art. 256), inclusive o regime da separação absoluta (CC, art. 276), os
companheiros estão autorizados a celebrar contrato escrito, que afasta a meação
prevista no art. 5º da Lei 9.278/96. Como se trata de questão
patrimonial, de matéria do interesse pessoal e exclusivo dos conviventes, há a
opinião de que podem, até, modificar o que tenham regulado antes, mediante
outro contrato escrito, resguardados, obviamente, eventuais direitos de
terceiros. Tratar-se-á, no final da contas, de uma alteração no regime de bens,
o que para os cônjuges é impossível, em face do princípio da imutabilidade do
regime (CC, art.230). Note-se, por oportuno, que, seguindo uma tendência do
direito comparado (Alemanha, Áustria, Suíca, Itália,
França), já constante no Projeto Orlando Gomes, de 1963, o Projeto de Código
Civil, art. 1.667, § 2º – introduzido pela emenda nº. 284 do Senado
– admite a alteração parcial do regime de bens, mediante autorização judicial e
ressalvados os direitos de terceiros.
O art. 5º, § 1º,
da Lei 9.278/96 diz que a presunção do caput do artigo cessa se a
aquisição patrimonial ocorrer com o produto de bens adquiridos
anteriormente ao início da união. Este preceito é simétrico ao art. 269, II, do
CC, que exclui da comunhão parcial os bens adquiridos com valores
exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges, em sub-rogação dos bens
particulares. Em face da evidente simetria, entendemos que as demais hipóteses
de não comunicação de bens, previstas no art. 269 do CC, devem ser aplicáveis
às uniões estáveis.
Muitos autores afirmam que a presunção
do art. 5º, da Lei 9.278/96 é relativa ou juristantum,
por admitir prova em contrário. Preferimos dizer que se trata de uma
presunção intermédia, conforme a doutrina de Pontes de Miranda, ou seja, só
pode ser afastada em casos determinados, restritos. Na hipótese do art. 5º,
ou os conviventes celebram contrato escrito, com o afastamento da presunção de
que os aqüestos se comunicam, ou tal afastamento da
presunção só ocorrerá nos casos expressamente referidos na lei (p.e., se o bem foi adquirido com valores exclusivamente
pertencentes a um dos cônjuges)
Na falta de contrato escrito, incide a
norma do art. 5º. Assim, não se permite a um
dos conviventes a prova de que o bem adquirido na constância da união estável,
a título oneroso, não foi adquirido com esforço ou colaboração comum. A
presunção legal afasta esta possibilidade. Admiti-la, nesta altura, seria
retornar ao passado, voltar ao regime da Súmula 380 do STF, que se dirige aos concubinos e se inspirou na jurisprudência francesa do
século XIX.
As dívidas assumidas por um dos
companheiros não são de responsabilidade do outro, a não ser que se prove que
foram tomadas em proveito ou interesse da família. Somente os bens particulares
do devedor, e os comuns até o limite da meação, respondem pela execução de
dívidas assumidas isoladamente. Aplica-se, por analogia, o art. 3o,
da Lei 4.121, de 27/8/62.
A administração do patrimônio comum
A administração do patrimônio comum dos
conviventes cabe a ambos, a não ser que haja estipulação expressa em contrário,
por meio de contrato escrito (art. 5º, § 2º, da Lei
9.278/96). Segue-se, aqui, com fidelidade, o princípio constitucional da
igualdade. Quanto aos cônjuges, o art. 274 do CC edita que a administração dos
bens do casal compete ao marido. Este artigo é corolário do art. 233, que diz
que o marido é o chefe da sociedade conjugal. Estes dispositivos, porém,
colidem com os preceitos igualitários da Carta Magna (art. 5º, caput
e inc. I, e art. 226, § 5º ) e, dada a
supremacia constitucional, não foram recepcionados, em razão do que estão
expulsos do ordenamento jurídico pátrio. Numa interpretação conforme a
Constituição, não se pode deixar de concluir que a família é dirigida pelo
marido e pela mulher, num plano de igualdade, e que a administração dos bens
comuns é conjunta. A família está submetida a um governo de duas cabeças, é uma
sociedade de direção bicéfala, como ensina Gérard Cornu. “Há dois capitães a bordo”, como dizem,
ilustrativamente, os holandeses. O art. 5º, § 2o, da Lei
9.278/96, reflete toda a evolução por que passou a família, neste terreno, e
ajuda a interpretar e dar o melhor sentido ao art. 274 do CC.
Mesmo que exista um contrato escrito
que confira a administração do patrimônio a um dos conviventes, este não poderá
alienar, sozinho, bem que faça parte da comunhão, pela
simples razão de que ele não é o dono exclusivo do bem, apenas da metade ! O
mesmo vale para os cônjuges, qualquer que seja o regime de bens (CC, art. 235 e
242, I), embora o Projeto de Código Civil inove neste ponto, já que não exige a
autorização do outro cônjuge, para a alienação de imóveis, se o regime do
casamento for o da separação absoluta (art. 1.674).
A emancipação
Um dos efeitos do casamento é a
emancipação dos cônjuges, que implica, em outras palavras, uma antecipação da
maioridade (art. 9º,§ 1º, II,
CC). A mesma regra não foi prevista para a união estável, o que nos leva a
pensar na hipótese absurda de uma mãe de 20 anos, com três filhos, que vive em
união estável, necessitar da assistência dos pais ou representantes legais para
outorgar, por exemplo, uma procuração qualquer, seja por instrumento público ou
particular. Neste caso, revela-se induvidosa a possibilidade de se invocar o
mesmo efeito emancipatório, inerente ao casamento.
A afinidade
Também não foi previsto o vínculo
parental da afinidade para a união estável. Assim, o companheiro não é parente
afim dos pais de sua convivente, tampouco pode ser considerado padrasto da
filha que sua companheira teve antes de constituir com ele união estável.
Interessante é que, nesta hipótese, existe o impedimento matrimonial, conforme
estabelece o art. 183, II do Código Civil: “não podem casar os afins em
linha reta seja o vínculo legítimo ou ilegítimo”. O vínculo “ilegítimo”,
pela época de elaboração do Código, referia-se ao concubinato. Daí que, exemplificamente, não podem casar o filho com aquela que
foi companheira de seu pai, e que, portanto, desempenhou o papel de sua
madrasta, segundo a pertinente doutrina de Pontes de Miranda, seguida por
Orlando Gomes.
É verdade que aquela regra proibitória
(art.183,II,CC) foi consignada em face da linha de
repulsa que o Código adotou em relação ao concubinato, tal como se vê em seus
artigos 1.177, 248,IV, 1.474, 1.719,III e 183,VII. Porém, hoje, com a chancela
constitucional que a união estável recebeu, inadmissível não se cogitar do parentesco
afim, inclusive para efeito de inelegibilidade (art.14,§
7o, CF), impedimento do juiz para atuar no processo (art.134,V,CPC)
e impedimento para depor como testemunha (art. 405, § 2º, CPC).
Direito a alimentos
Há direito recíproco de alimentos entre
companheiros. Por analogia, deve ser aplicado o art. 19 da Lei do Divórcio, que
trata da culpa? Sobre este ponto, reiteramos o que dissemos em artigo publicado
na Revista do IBDFAM (nº 5/2000). A questão da
culpabilidade, para fins de pagamento de pensão alimentícia, na separação
judicial – e a jurisprudência tem amplamente
demonstrado isso – revela-se num dos maiores problemas na prolação
da sentença. Saber quem foi culpado, quem fez o que, quem deixou de fazer, quem
fez primeiro, quem disse isso ou aquilo, quem tratou
mal, quem não foi paciente, quem traiu, quem levou o outro a trair, enfim,
decidir sobre intimidade, sobre a causa do desmoronamento do casamento, está
longe, bem longe da apreciacão do juiz. É tarefa das
mais difíceis, e, por vezes, injusta, porque o culpado, quase sempre, é o menos
favorecido, o que não foi bem defendido, o que não teve estrutura suficiente
para revidar os ataques vis e até desumanos advindos do outro consorte.
Costumamos dizer que a discussão sobre
culpa nas separações litigiosas equipara-se ao câncer terminal, com metástase
generalizada, enraizado por todo o corpo, sem que se consiga descobrir a origem
da doença, ou seja, todos os órgão vitais já foram
tomados (os cônjuges perdem a consciência do que fazem e do que dizem), e,
ainda assim, espera-se do juiz o poder milagroso de descobrir o culpado. Em
muitos casos, a culpada foi a própria vida. Os
responsáveis foram os rumos diferentes, de aspirações, de pensamentos e de
idéias que cada um tomou, conforme a bagagem cultural, emocional e social que
carrega consigo. Pode ter sido, ainda, um trauma
profundo, a perda irrecuperável de um filho, de um genitor, a perda da vontade
de viver e de conviver… Pode ter sido a decepção, a crise econômica, a
descoberta de que o outro não é, nem nunca foi a sua alma gêmea, embora seja a
pessoa mais maravilhosa aos olhos de todos os demais, que estão de fora, que vivem à margem da relação conjugal falida, doente, e, irremedialvelmente, condenada à morte.
O divórcio, assim, é a saída para um
casamento fracassado, para uma relação que já findou, para uma convivência
saturada, que não pode ser atribuída a apenas um dos parceiros. Não há remédio
que cure essa doença já disseminada na relação. O desastre do matrimônio pode
ter sido causado – e geralmente é assim – por situações puramente objetivas. E
os cônjuges, momentaneamente cegos e sem o necessário discernimento, são
vítimas e não culpados.
Este é o retrato do casamento atrelado
à culpa nas separações judiciais litigiosas. Será que estender esta desformidade à união estável é um entendimento pertinente ? Invocar a cláusula do maior favorecimento
parece um opinião bastante razoável, defendida pelo
Prof. João Baptista Vilella, isto é, neste caso, ao
casamento deve ser estendido o avanço conferido à união estável, que abstraiu
de seu texto a noção de culpa, a fim de que, assim, os alimentos, seja no
casamento, quer na dissolução da união estável, fiquem estabelecidos em razão
do binômio necessidade/possibilidade, em obediência, obviamente, aos princípios
da proporcionalidade e razoabilidade (CC, art. 400).
A despeito de se achar um culpado nos
processos de separação judicial, o dito “inocente” pratica atos tão ou mais
graves que aqueles imputados ao responsável, com ofensas à dignidade e à
integridade da própria família, que tem que ser preservada, principalmente no
que tange aos filhos. Daí que parece mais lógico fixar-se os alimentos por
força de uma relação familiar que existiu, que durou, que gerou frutos e os
mais variados efeitos, mediante a avaliação de cada caso concreto e com base
numa série da fatores, tais como idade do cônjuge,
tempo de duração do casamento, condições físicas, psíquicas e culturais do
necessitado, para que a pensão retrate um equilíbrio, uma equivalência, sem
prejuízo ou desfalque a qualquer das partes.
Por tudo isso, bem andou a união
estável, cuja legislação não ficou atrelada à idéia ultrapassada, mesquinha e
complicada da culpa. É necessário repensar esse avanço da união estável e
conferi-lo ao matrimônio, e não voltar atrás, ao tempo da Lei do Divórcio,
velha de mais de duas décadas, que não corresponde às mudanças da sociedade.
Na sua versão primitiva, o Código Civil
Português, de 1966, ainda ficou muito preso à idéia subjetiva da culpa no
divórcio. Com a reforma de 1977, o Código lusitano manteve, em princípio, o
mesmo entendimento, ao reconhecer direito a alimentos ao cônjuge não
considerado culpado – ou não considerado principal culpado – na sentença de
divórcio ou de separação. Também prevê o direito a alimentos para qualquer dos
cônjuges, no caso de ambos serem tidos como igualmente culpados (art. 2.016,1).
Mas a grande inovação da reforma de 1977 foi a de ter admitido,
excepcionalmente, por motivos de eqüidade, que se conceda pensão alimentícia ao
cônjuge que a ela não faria jus segundo os critérios da culpa, considerando, em
particular, a duração do casamento e a colaboração prestada por esse cônjuge à
economia do casal (art. 2.016,2). Esta exceção à regra geral dever ter sido
inspirada na nova legislação italiana (Codice
Civile, art. 156,III) e
na alemã (BGB, art. 1.576).
Na França, a lei do divórcio, com a
redação do artigo 270 do Code Civil, criou uma
nova instituição, diferente da pensão alimentícia, que é a prestação
compensatória (“prestation compensatoire”).
Qualquer dos cônjuges pode ser compelido a pagar ao outro uma prestação
destinada a compensar “autant qu’il
est possible”, a
desproporção que a ruptura do casamento determinou nas condições de vida
respectivas. Trata-se, enfim, de uma indenização econômica que visa ao reequilíbrio patrimonial depois do divórcio.
O patronímico do companheiro
O art. 240, parágrafo único do CC diz
que a mulher poderá acrescer aos seus os apelidos do marido. Já existem
decisões no sentido de que, diante do princípio constitucional da igualdade, é
facultado ao marido acrescentar ao seu nome o patronímico da esposa. As leis
que regularam a união estável não tocaram neste ponto. Poderá a companheira,
por simetria, adotar o sobrenome do companheiro ? A
Lei dos Registros Públicos, art. 57, § § 1º
a 6º , regula a averbação, por mandado do
juiz, do patronímico do companheiro, obedecidos os requisistos
enumerados nos aludidos dispositivos. É possível, portanto, a adoção do
sobrenome do companheiro pela companheira, naquelas cirscunstâncias.
Caracterizada a união estável, mesmo que não estejam presentes alguns daqueles
pressupostos dos § § 1º a 6º do
art. 57, da Lei 6.015/73, pensamos que a companheira pode requerer a inclusão
do sobrenome do companheiro, numa interpretação teleológica e progressiva da
lei.
Note-se, para robustecer o
entendimento, que a Lei dos Registros Públicos dizia, no caput do art.
58: “O prenome será imutável”. Atualmente, por força da Lei 9.708, de 18
de novembro de 1998, o aludido art. 58 dispõe: “O prenome será definitivo,
admitindo-se, todavia, a sua substituição por apelidos públicos notórios”.
A fortiori, deve-se admitir que a mulher
acrescente aos seus o patronímico do companheiro, se, na prática, já foi
incorporado ao seu nome pelo uso público, notório, prolongado e contínuo. A
própria teoria da aparência pode ser invocada para justificar este
posicionamento.
O direito sucessório
Se um homem casado, separado de fato de
sua esposa, e que constitui união estável com outra mulher, vem a falecer, sem
herdeiros necessários, surge um conflito sucessório entre viúva e companheira
(art. 1611, caput, do CC, e art. 2º,III,
da Lei 8.971/94). Ambas têm capacidade para suceder, nos termos do art. 1.577
do CC. Como resolver, se a lei é omissa? Em caso de bigamia, se falece o bígamo
antes da sentença anulatória do seu segundo casamento, e este vem a ser
declarado putativo, (CC, art. 221), há direito sucessório do primeiro cônjuge e
do cônjuge putativo, até em homenagem à boa-fé deste último. A herança
será dividida entre os dois viúvos, segundo a opinião dominante na doutrina
brasileira. Se o conflito ocorrer entre a esposa e a companheira, a solução
deve ser a mesma, invocando-se, inclusive, o art. 5º da Lei de
Introdução ao Código Civil.
Registre-se que o Projeto de Código
Civil inova, ao reconhecer direito sucessório para o cônjuge sobrevivente, se,
ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados
de fato há mais de dois anos, “salvo prova, neste caso, de que essa convivência
se tornara impossível sem culpa do sobrevivente (art. 1.853)”. Curioso é
que esta inovação em relação ao direito vigente é um regresso ao passado. Pelas
Ordenações Filipinas (L. 4º,T. 94), a
herança só seria deferida ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte,
vivessem juntos, sob a mesma casa, requisito este que constou, ainda, no art.
973 da Consolidação de Teixeira de Freitas.
Se há casamento putativo, achamos que
pode existir união estável putativa, como, por exemplo, no caso de a mulher
conviver com homem casado (que também convive com a esposa), mas a companheira
está inciente do fato, ou seja, encontra-se de
boa-fé. A analogia, dada a semelhança das situações e
por imperativo de justiça, é cabível.
Direito real de habitação
O art. 7º, parágrafo único,
da Lei 9.278/96 assegura ao sobrevivente o direito real de habitação enquanto
viver ou não constituir nova união ou casamento, relativamente ao imóvel
destinado à residência familiar. O CC, art. 1.611, § 2o, confere
este direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente, enquanto viver e
permanecer viúvo, mas exige dois requisitos: I – que o regime de casamento seja
o da comunhão universal; II – que o imóvel residencial da família seja o único
bem desta natureza a inventariar. A situação do cônjuge sobrevivente é mais
gravosa do que a do companheiro supérstite, e isto não é
razoável. Como solucionar o caso? Trazendo para a união estável as
restrições, ou liberando o cônjuge sobrevivente daquelas limitações? Outro
aspecto do problema: numa interpretação sistemática e teleológica,
considerando, inclusive, a solução dada pelo legislador no caso de união
estável, se o viúvo não volta a casar, mas constitui união estável, deve perder
o direito real de habitação.
Observe-se, quanto ao assunto, a já
citada opinião do Professor João Baptista Vilella,
segundo a qual a Constituição expressa sua inequívoca preferência pela família
formalmente constituída, ofendendo a Constituição situar a união estável em
posição mais vantajosa que a do casamento, em face do que propõe o renomado
mestre que, numa aplicação da “cláusula de maior favorecimento”, sejam
estendidas ao casamento todas as vantagens deferidas pela lei ordinária à união
estável. A posição
relativa aos casados deve ser tida como alterada por modo que tenham os mesmos
direitos dos companheiros entre si.
Aspectos penais
Tema altamente controvertido – e
ainda não devidamente explorado em nossos livros de doutrina – refere-se aos
reflexos da legislação penal na união estável.
Sabemos que a lei penal pode ser incriminatória e não -incriminatória.
Aquela prevê as condutas puníveis, as penas respectivas, bem como as
circunstâncias agravantes. As normas não-incriminatórias
apontam excludentes de criminalidade, atenuantes, casos de dispensa e
diminuição da pena.
Os penalistas
concordam que, em relação às normas não-incriminadoras, há a possibilidade de
utilização da analogia – analogia in bonam partem.
Assim, nos casos em que a lei penal dá tratamento benéfico à situação de casados,
pode haver a extensão do preceito legal para favorecer os companheiros. Por
exemplo: há extinção de punibilidade em caso de rapto consensual seguido de
casamento do agente com a raptada (CP, art. 107, III). Mas se houve a formação
de um núcleo familiar, a situação pode ser equiparada ao casamento, para o fim
de extinção de punibilidade.
Porém, se a norma penal é
incriminadora, a analogia não é possível. Nos crimes de adultério, bigamia,
abandono material do cônjuge, a situação de casamento é elemento caracterizador
do tipo, conforme expõe Euclides de Oliveira. Não se pode, por analogia,
estender estas figuras delituosas – relativas aos cônjuges – aos que
vivem em união estável. Pela mesma razão, não é lícito aplicar a casos
semelhantes as circunstâncias agravantes, como a de
crime contra cônjuge (cf. CP, art. 61, “e”). Veja-se que, inclusive, há o
impedimento matrimonial referente ao crime, de proibição do casamento do
cônjuge sobrevivente com o condenado no homicídio contra o seu consorte (CC,
art. 183, VIII). Nos idos de 1890, o Decreto nº 181
configurava o caso de “conjucídio”, que vedava o
casamento do cônjuge sobrevivente com o condenado no homicídio contra o seu
consorte, com pessoa que tivesse perpetrado ou concorrido diretamente para a
perpetração do crime.
A impossibilidade de estender normais
penais incriminadoras atinentes às pessoas casadas, aos que vivem em união estável, por mais lógica,
necessária e socialmente pertinente que seja a extensão, decorre do princípio
da reserva legal, consagrado como direito individual no art. 5º,
XXXIX, da CF, constante, também, no art. 1o do Código Penal – “Não
há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal”,
e que o alemão Feuerbach, no início do século XIX,
sintetizou na fórmula latina: “nullum crimen, nulla poena
sine lege”. Diante da
legalidade estrita e taxativa, da tipicidade, não se pode empregar a analogia
no tocante às normas penais incriminadoras. Para fundamentação ou agravação da
pena, não se pode invocar o direito consuetudinário, pois só a lei pode criar
crimes e penas. Em suma: se o marido pratica homicídio doloso contra a esposa,
o crime é qualificado; o mesmo não ocorrerá se o companheiro mata a
companheira. Isto não devia persistir, até porque não é justo o tratamento
diferenciado de situações tão idênticas. Porém, só a lei pode mudar este
quadro, se estabelecer, expressamente, tal agravante, no caso de o crime ser
praticado pelo companheiro.
Impedimento matrimonial
A união estável não representa
impedimento matrimonial. Qualquer dos conviventes pode contrair casamento com
outra pessoa. No elenco do art. 183 do Código Civil não aparece
a convivência em união estável como impedimento matrimonial. Só o casamento, no
sentido próprio, técnico-jurídico do termo. E nesta matéria, igualmente, não é
permitido o recurso à analogia. A enumeração do art. 183 é taxativa. Em se
tratando de regras restritivas de direito, devem ser interpretadas
restritivamente (“exceptio est
strictissimae interpretationis”).
Observe-se, todavia, que o Projeto de
Código Civil, art. 1.518,VIII, na redação da Câmara
dos Deputados, proibia o casamento de pessoa que tivesse contraído casamento
religioso com outrem, desde que requerida a inscrição desse casamento no
Registro Civil. Entretanto, o dispositivo foi suprimido no Senado, que aprovou
a Emenda nº 170, do Senador José Fragelli,
que disse, em sua justificativa: “A hipótese já está compreendida no inciso
VI (pessoas casadas), uma vez que, inscrito no Registro Civil, o casamento
religioso equipara-se ao civil. O inciso VIII é, pois, ocioso”.
Referido Projeto, é sabido, encontra-se
na Câmara para análise e votação das emendas aprovadas no Senado. O relator-parcial do livro de Direito de Família, deputado
Antônio Biscaia, concordou com aquela supressão feita
no Senado, sob a justificativa de que a hipótese prevista no inciso VIII do
art. 1.518 já se encontra contemplada no inciso VI, do mesmo artigo, que veda o
casamento de “pessoas casadas”. Data venia,
houve, aí, uma sucessão de equívocos. Pelas razões apresentadas, o inciso VIII
não deveria ter sido suprimido, porquanto regula situação diversa da tratada no
inciso VI. Quiseram os autores do Projeto que estando casados religiosamente os
nubentes, a simples apresentação do requerimento de inscrição ao Oficial do
Registro Civil veda o casamento de qualquer um deles com outra pessoa. Pode-se
concordar ou não com esta inovação. Porém, as razões oferecidas para justificar
a supressão do mesmo são incabíveis.
A adoção
Tratando-se de adoção, o ECA, art. 42,
estabelece que podem adotar os maiores de vinte e um
anos, independentemente do estado civil. O § 2º do mesmo artigo
dispõe que a adoção por ambos os cônjuges ou concubinos
(sic) poderá ser formalizada, desde que um deles tenha completado vinte e
um anos de idade, comprovada a estabilidade da família. A utilização da
expressão “concubinos”, no lugar de companheiros ou
conviventes, explica-se pelo fato de o ECA ser
anterior às leis especiais que regularam a união estável. O § 4º do art. 42 do ECA diz que os divorciados e os separados judicialmente
poderão adotar conjuntamente, conquanto que acordem sobre a guarda e o regime
de visitas, e desde que o estágio de convivência tenha sido iniciado na
constância da sociedade conjugal.
Pensamos que, nas mesmas
circunstâncias, os ex-companheiros poderão adotar conjuntamente, por força da
aplicação analógica do aludido § 4º do ECA.
A prescrição
Segundo o art. 168, I, do Código Civil,
não corre a prescrição entre cônjuges na constância do casamento, ou seja, o
casamento é uma causa que impede ou suspende a prescrição. Ora, o mesmo
paralelismo deve ser aplicado à união estável, na medida em que, conforme já
dito, ambos são entidades familiares. Daí que, entre companheiros, na
constância da união estável, não corre a prescrição.
Conclusão
Sabemos que o Direito de Família, nos
últimos trinta anos, foi o mais inovado de todos os Direitos, pela força viva
da jurisprudência, que tem desempenhado papel fundamental na queda dos mais
variados tabus e na efetiva aplicação do princípio da igualdade entre cônjuges,
companheiros e filhos. Se a tanto se chegou, graças, também, ao profícuo
trabalho doutrinário, é preciso continuar a luta, que implica, dentre outras
coisas, aplicar, reciprocamente, ao casamento e à união estável os preceitos ao
norte declinados. Se o casamento e a união estável têm o principal efeito de constiuir a família, e se as
famílias, independentemente do modo por que foram criadas, têm a mesma
dignidade e são merecedoras de idêntico respeito e consideração, os direitos e
deveres dos cônjuges devem ser equiparados aos direitos e deveres dos que vivem
em união estável.
Advogada e Procuradora do Estado do Pará
Professora de Direito de Família
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